Resumo: Trata o presente artigo do instituto do amicus curiae. Visa esclarecer, de forma breve, sua história, em âmbito interno e comparado. Passará por sua conceituação, analise de relevância e natureza, com a finalidade ultima de perquirir qual sua participação no processo democrático, com a análise de sua aderência ao Estado Democrático de Direitos.
Palavras-chave: Amicus Curiae. Participação. Estado Democrático de Direito.
Abstract: It this institute article amicus curiae. Visa clarify briefly, its history, in the domestic and compared. It will pass through its conceptualization, analysis of relevance and nature, with the purpose of last to ask their condition of participation in the democratic process, by analyzing its adherence to the Democratic State of Rights.
Keywords: Amicus Curiae. Participation. Democratic State.
Sumário: 1. Introdução; 2. Breve incursão histórica; 3. Conceito de amicus curiae; 4 natureza jurídica do amicus curiae; 5. Justificativa e relevância do amicus curiae; 6. Procedimento amicus curiae; 7. O devido processo constitucional; 8. Amicus curiae: efetiva participação ou mito?; 9. Conclusão. Bibliografia
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo precípuo à análise da participação do amicus curiae nos processos, mormente, perante o Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de analisar se de fato a participação representaria uma legitimação da decisão no âmbito do Supremo Tribunal Federal, na anunciada Sociedade Aberta de Interpretes, na concepção de Peter Häberle, ou se representaria um instituto destituído de legitimidade democrática, por não representar a participação de todos, mas sim de alguns; tudo isso a luz do Estado Democrático de Direitos.
Para tanto, far-se-á uma breve incursão no histórico do instituto jurídico mencionado bem como uma brevíssima análise de sua criação no direito comparado, haja vista ser tais passagens indispensáveis à construção de uma crítica do instituto.
Buscar-se-á ainda uma caracterização teorizada da natureza jurídica do amicus curiae, bem como a analise de sua situação no processo – se parte, terceiro, interessado – o que fatalmente demandará de uma precisa definição de interesse.
Com tal arcabouço teórico, passar-se-á a sua analise no âmbito da atual concepção de processo, observando sua aderência ou não ao devido processo constitucional.
Por fim, em resumo, busca-se obter resposta à questão: o amicus curiae representa a participação efetiva dos legitimados em uma Comunidade Jurídica ou representa a participação de alguns previamente autorizados?
2 Breve incursão histórica
O instituto do amicus curiae, ou, amigo da corte, tem sua identificação inicial no sistema jurídico do Império Romano, no qual, juristas, afastados do caso, eram convidados a atuar como assistentes da Corte, com a finalidade de contribuir, de forma neutra, para questões específicas.[1]
Lado outro, a sistematização do instituto tem por base o período Medieval Inglês, onde terceiro estranho ao processo, poderia comparecer espontaneamente ou intimado, para trazer a baila situações que poderiam contribuir para definição do vitorioso.[2]
Destaca-se que o amicus curiae teve seu desenvolvimento pleno no direito norte-americano, sendo identificado, para maioria dos autores, o caso Green vs. Bidlle, no qual houve discussão acerca de terras e lucros auferidos, isto nos idos de 1823. Em tal julgamento, o estado de Kentucky foi admitido como amicus curiae, invocando um precedente inglês Coxe x Phillips. Há ainda registros de um julgamento em 1812, The Schooner Exchange vs. Mcfadden, onde a Corte permitiu a participação de “Attorney General” para opinar sobre a matéria julgada, que se referia à propriedade de um navio de guerra reivindicado por Napoleão Bonaparte.[3]
A partir de tais casos, o direito norte-americano desenvolveu o instituto, no início, com a ideia de um terceiro neutro, ou seja, destituído de interesse, sendo ao longo do tempo substituído pela figura do terceiro interessado, que se manifesta no processo, mesmo não sendo parte, com o interesse na decisão final, o que gerou crítica por parte de alguns.
No Brasil, as primeiras manifestações de terceiros com funções semelhantes ao do Amicus Curiae se deram através da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que oferecia pareceres ou prestava esclarecimentos em processos individuais, dada sua função fiscalizadora no mercado de valores mobiliários. Posteriormente, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), com a Lei 8.884/94[4], passou a intervir em processos sem a necessidade de demonstrar o seu interesse específico.[5]
Excluindo as hipóteses acima, uma das primeiras admissões do amicus curiae, antes mesma da legislação em vigor, remonta o voto do Eminente Ministro Celso de Melo no AgRg da ADI 748, que admitiu memorial de um terceiro como um colaborador informal.[6]
Contudo, foi a lei 9.868/99 que disciplinou de forma específica o Amicus Curiae, no âmbito na ADI e ADC, quando pontuou que: “o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.” (art. 7º, parágrafo segundo). Posteriormente, vieram outras leis que reconheceram o amicus curiae no âmbito de seus processos, tais como, a lei que institui a ADPF e a lei dos Juizados Especiais Federais.
Contudo, há carência de normatização acerca do instituto, sendo que sua aplicação ainda se dá através de construção doutrinária e jurisprudencial, não havendo lei especifica que o discipline.
Desta brevíssima incursão histórica, pode se extrair a conclusão que o instituto tem seu nascimento ligado a uma espécie de suporte teórico de terceiro neutro à Corte, que por vezes, demandava de explicações técnicas pormenorizadas de determinado tema. No entanto, com a evolução do instituto, este passou a ter um caráter de terceiro interessado, o qual visa participar no processo de modo a influir na decisão do caso, embora não seja parte.
Tais considerações serão importantes adiante, para análise da aderência do Instituto ao Estado Democrático de Direitos.
3 conceito de amicus curiae
Feito a breve incursão histórica, mister se faz trazer a lume, em uma concepção analítica, os conceitos aceitos para amicus curiae.
Na visão da “doutrina” atual, o amicus curiae seria um terceiro que venha a participar, de forma voluntária ou não, de determinado processo, trazendo a este informações em forma de memoriais, geralmente, de natureza técnica ou cultural, sob a justificativa de legitimação da decisão por meio da possibilidade de inserção da sociedade no discurso através de representação.
Cassio Scapinella Bueno define o amicus curiae como um especial terceiro interessado que, por ato volitivo próprio ou por provocação judicial, intervém em processo pendente com a finalidade de trazer a baila o enriquecimento da discussão para as mais diversas questões jurídicas, com vistas a trazer para o ambiente judiciário valores dispersos na sociedade civil e do próprio Estado, legitimando e pluralizando a decisão judicial[7].
Damares Medina, citado por Saul Tourinho Leal acrescenta que o amicus curiae trará sua contribuição acerca “de questões complexas cujo domínio ultrapasse o campo legal ou, ainda, defender os interesses dos grupos por ele representados”[8].
Na visão de Eduardo Cambi e Kleber Ricardo Damasceno, é possível distinguir três formas de intervenção do amicus curiae, a primeira, por provocação judicial, ou seja, quando terceiro é intimado a se manifestar; a segunda, em virtude do poder de polícia, caso de manifestação da CVM e CADE; a terceira de forma voluntária, quando o terceiro é autorizado por lei a participar, como na ADI e repercussão geral.[9]
das visões citadas pode se extrair algumas conclusões: que o amicus curiae é um terceiro que não participa como parte; assume feições ora de interessado ora de assistente; suas funções fazem com que a natureza de sua participação também varie, estando em momentos, como assistente da corte, quando destituído de interesse; ora como assistente das partes, filiando-se a uma das correntes de prejudicados ou beneficiados pela decisão.
Com tais conclusões, fomentar-se-á os debates abaixo.
4 Natureza jurídica do Amicus Curiae.
É de relevância na discussão do instituto examinado, a necessidade de se implementar com precisão sua natureza jurídica. Tal empreita dará bases para o entendimento se o amicus curiae seria um terceiro interessado especial, ou se trataria de uma garantia institucional, ou por fim, dogmaticamente chamado de terceiro enigmático.
Há autores que consideram o amicus curiae um terceiro interessado especial ou excepcional, ou seja, aquele que embora não sendo parte e não titularizando nenhuma pretensão, atua no processo, não se confundido tal espécie de atuação com nenhuma das previstas no Código de Processo Civil. A mesma justificativa faz Cassio Scarpinella Bueno o qualificar como terceiro enigmático.[10]
Por outro lado, há autores que consideram o Amicus Curiae uma garantia institucional. Buscando o conceito de garantia institucional em Carl Shimitt, que a emprega no sentido de garantir uma proteção especial a determinadas instituições, caracterizando como uma proteção qualificada. As garantias institucionais ganham contornos de efetividade mediante pressões sociais das potências públicas, com vistas a assegurar a permanência da instituição.[11]
Nessa vertente, o amicus curiae surgiria como um mecanismo de proteção – garantia institucional – dos direitos fundamentais, constituindo-se em valor de uma sociedade aberta de interpretes, representando a participação da coletividade nas decisões.
Contudo, as correntes que disputam a definição da natureza jurídica do Amicus Curiae não conseguem defini-lo com precisão, eis que o instituto perambula ora como um instituto constitucional de garantia, ora como um instituto de direito processual sui generis.
Fato é que, se se aceitando o instituto como um meio de representação da coletividade – o que será analisado a frente – o melhor seria defini-lo como uma garantia institucional, ou seja, a possibilidade de um terceiro, não parte, influir no processo com a finalidade de garantir a observância da Constituição Federal.
5 Justificativa e relevância do Amicus Curiae
Com as bases acima já fixadas, falta, para uma análise segura do instituto, visualizar a justificativa e a relevância do instituto na ótica daqueles que o qualificam como instrumento democrático participativo.
O amicus curiae ganha seus principais adeptos com sua fundamentação na Teoria de Peter Häberle, qual seja a Teoria da Sociedade Aberta de Interpretes. Na ótica de André Pires Gontijo e Christine Oliveira Peter da Silva:
“Nessa perspectiva, o fundamento magno e estrutural desse instituto processual está contido nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, consubstanciado, segundo o professor Peter Häberle, no princípio da esperança, o qual consiste no dever de cada cidadão (o povo) tomar parte dos aspectos políticos decisórios que o circundam, a fim de possuir o status activus processualis para possibilitar, dentro deste contexto, a concretização da sociedade aberta de interpretes da Constituição.” [12]
Na vertente da teoria acima, o Amicus Curiae, que seria certo agente dotado de representatividade, possibilitaria a participação da sociedade civil nas decisões, fazendo com que estas reflitam os anseios sociais. Nesta quadra a sociedade civil ganharia um status de interprete oficial da Constituição[13], que na visão de Peter Häberle, deve realizar uma interpretação com “integração pragmática de elementos teóricos” a fim de alcançar uma “Constituição Pluralista”.[14]
Na visão de Mirella de Carvalho Aguiar, pelos contornos do instituto, a participação do amigo no processo se justifica como instrumento de efetivação da democracia deliberativa e participativa, que possibilita a participação de setores da sociedade no debate, o que, segundo ela, se traduz em decisões com maior efetividade e legitimação social.[15]
Nesta vertente, o Amicus Curiae permitiria uma participação ampla da sociedade nas decisões tomadas na Corte. Estas decisões por sua vez, refletiria os anseios sociais, incorporando em seu amago as questões culturais do povo, que representariam o adiantamento deste. Dotadas de tal participação, as decisões contariam com maior legitimidade.
Damares Medina esclarece que o Juiz Richard Posner, da Corte Americana, tece severas críticas ao amicus curiae, enfatizando que após 16 anos de leitura de memoriais de amicus curiae, a maioria foi entregue por aliados das partes em litígio e se limitou a duplicar os argumentos presentes nos memoriais dos litigantes, esclarecendo ainda que este se presta a veicular interesses políticos.[16]
Em uma visão de defesa do instituto, Cassio Scarpinella Bueno esclarece a importância e relevância do Amicus Curiae:
“A função do amicus curiae é a de levar, espontaneamente ou quando provocado pelo magistrado, elementos de fato e/ou de direito que de alguma forma relacionam-se intimamente com a matéria posta para julgamento. Por se tratar de um “portador de interesses institucionais” para o plano do processo, ele deve atuar, no melhor sentido do fiscal da lei, como um elemento que, ao assegurar a imparcialidade do magistrado por manter a indispensável terzietà do juiz com o fato ou o contexto a ser julgado, municia-o com os elementos mais importantes e relevantes para o proferimento de uma decisão ótima que, de uma forma ou de outra, atingirá interesses que não estão direta e pessoalmente colocados (e, por isso mesmo, defendidos) em juízo.”[17]
Com tais balizamentos, o Amicus curiae teria um caráter eminentemente democrático, garantindo aos cidadãos representatividade na Corte Constitucional, dando, por conseguinte, o caráter a estes de interpretes e guardiões da Constituição Federal.
O que não se vê, contudo, são questionamentos de como o potus[18] se faria representar, ou se esta representação ficaria restrita a sociedade civil[19], esta entendida na concepção do termo ressemantizado pelo professor Rosemiro Pereira Leal. Também não se vê questionamentos de como ficaria o contraditório, a ampla defesa e a isonomia em tal procedimento.
São estas dúvidas somadas as justificativa e relevância dos adeptos que fomentaram os debates com a finalidade de uma definição teorizada do Instituto do Amicus Curiae.
6 procedimento amicus curiae
O procedimento do Amicus Curiae ainda prescinde de uma regulamentação adequada, até para que se fixe o procedimento e não deixe aos caprichos da Relatoria seu processamento.
Hoje, o Amicus Curiae apresenta seu pedido de ingresso, e ante o deferimento deste (cujo despacho é irrecorrível), o amicus terá o prazo de 30 dias para a apresentação de memoriais.
Vale dizer que até meados deste ano, o Supremo Tribunal Federal recebia o Agravo Regimental contra a decisão que indeferia o ingresso do amicus curie, contudo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3396, de relatoria do Ministro Celso de Melo, o Ministro Marco Aurélio abriu divergência para não receber o Agravo, em um interpretação bilateral do §2º do art. 7º da Lei 9868/99. O Ministro Marco Aurélio foi acompanhado por mais quatro ministro, encontrando-se o feito suspenso, aguardando o voto dos Ministros Carmem Lucia e Joaquim Barbosa[20]. Caso um deles vote pelo não conhecimento, o Supremo Tribunal Federal deixa de receber Agravo contra a decisão que não admite o Amicus Curiae.
No momento da apresentação, o Relator analisa alguns requisitos. Primeiro deve se fixar quem pode ser admitido como amicus curiae. Na concepção atual, o legitimado seria para órgãos ou entidades, não especificando se pública ou privado, logo, cabendo a ambas.
Segundo, será analisado a representatividade do amicus. O referido legitimado deverá gozar de representatividade, ou seja, apresentar-se como representante de determinado grupo, o qual deposita nesse a expectativa de ser representado. De antemão vê-se a polissemia do termo representatividade, mormente, por não existir uma procedimentalização para aferi-lo. Ficará depositado no Relator a sensibilidade para reconhecer ou não essa representatividade. Mormente com a grande possibilidade da Decisão de inadmissão ser irrecorrível, conforme dito acima.
Posteriormente, deverá ser analisado a relevância da matéria, outro ponto completamente entregue ao livre arbítrio do Relator. Não há parametrização do que seria uma relevante; se seria uma matéria de direito coletivo, se seria uma matéria ligada ao meio ambiente, ou se todos estas. Fato é que fica depositado no Relator a possibilidade de análise desta matéria.
Quanto ao momento da intervenção, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento que a intervenção do amicus curiae só será admitida até o processo ser levado a julgamento[21].
O amicus curiae deverá estar representado por advogado, e embora não haja previsão legal, terá direito a sustentação oral. O amicus curiae não terá direito a apresentação de Recurso contra a decisão, sendo tal posicionamento pacificado no STF[22].
7 O devido processo constitucional.
Em uma concepção democrática, o devido processo rompe com seus laços ancestrais (Magna Carta outorgada pelo Rei João Sem Terra”, o due proecesse of law, para assumir uma feição de devido processo constitucional. Rompe-se com a ideia de que o devido processo é algo meramente formal, para assumir uma condição de direito-garantia[23] de participação de todos os legitimados.
Nos dizeres de Rosemiro Pereira Leal, o Processo Constitucional assume a função Jurisdicional, eis que cria e rege a dicção procedimental do direito, cabendo ao juízo ditar o direito pela escritura da lei no provimento judicial[24].
O devido processo constitucional, com seus inarredáveis princípios fundantes, é que permitirá que a decisão jurisdicional atenda as garantias democráticas, assistindo a todos os legitimados a participação no ato decisório. Nos dizeres de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, a decisão “não é um ato solitário do órgão jurisdicional”[25].
O devido processo constitucional arrola uma série de direitos fundamentais que garantem aos cidadãos sua efetiva participação democrática. Tomam contornos de líquidos e certos os princípios do contraditório e ampla defesa, isonomia, amplo acesso a jurisdição, garantia de advogado, entre outras.
Afasta-se do processo, pelo devido processo constitucional, as máximas dogmáticas: caráter instrumental do processo; prudente arbítrio do juiz; celeridade processual. O processo passa a ser considerado, como proposto por Rosemiro Pereira Leal, um locus de discursividade, e não mero instrumento da jurisdição. O juiz deve abandonar o solipsismo, reconhecendo as partes como autores do provimento, após sua construção no âmbito do contraditório, ampla defesa e isonomia. A celeridade processual perde sua importância e dá lugar a duração razoável do processo, onde o processo atende aos princípios norteadores, fazendo valer sua ordinariedade.
Dessa forma, vê-se que o processo adota uma postura de locus de discursividade, onde as partes terão garantidos, pelos direitos fundantes de índole constitucional, sua participação efetiva.
8 Amicus Curiae: efetiva participação ou mito?
Feitos os delineamentos acima, o tema já pode ser levado a discussão, com arcabouço teórico para, em um Estado Democrático de Direito, dar a resposta a pergunta: Amicus Curiae: efetiva participação ou mito?
Os entusiastas do instituto do Amicus Curiae anunciam que o instituto representa uma maior abertura hermenêutica, possibilitando a todos cidadão a participação na interpretação da constituição.
Ainda sustentam que o instituto permite uma disseminação de uma consciência constitucional, inclusive como implementadora da cidadania, eis que observada o requisito da representatividade, qualquer cidadão poderá participar do processo.
Contudo, o que não consideram em tais conclusões, é que apenas uma minoria tem acesso a festejada participação. Ao contrário dos textos entusiastas, o potus, despossuído e despatrimonializado, fica fora de tal interpretação.
Apenas as grandes instituições de representação são suficientemente capazes de contratar profissionais que colaborem e emprestem seu nome aos pleitos do amicus curiae. Ademais, o amicus curiae, que teve seu inicio com a participação de terceiro neutro, perde esta feição sendo que hoje visa a atender interesses particulares. E esses interesse particulares nem sempre coadunam com os ditos interesses sociais.
Em estudos realizados nos Estados Unidos, citados por Saul Tourinho Leal, acerca da persuasão do Amicus Curiae perante a Suprema Corte, pode se aferir que os memoriais mais prováveis de influenciar um julgamento são aqueles elaborados por grandes professores e advogados renomados. Alarmantes 88% dos entrevistados, assessores de Ministros, afirmaram que estão inclinados a dar maior atenção a memoriais de um professor afamado.[26]
Ora, a pesquisa acima retrata de forma fidedigna o que se assiste. De fato, apenas os patrimonializados são capazes de influenciar um julgamento. Trata-se de mito as afirmações de que o amicus curiae representa uma aproximação do cidadão com a interpretação constitucional.
Ao invés de representar uma democratização, o Amicus Curiae com tais contornos, permite a defesa de interesses privados, perante ao órgão que compete a guarda e interpretação da Constituição. Grandes organizações tem poderio econômico para solicitar um parecer a um cientista, jurista, engenheiro renomado, capaz de influenciar com seu parecer um julgamento.
Não fosse suficiente o fato acima, há de se destacar ainda que o Amicus Curiae, ainda que se aceite legítimo, é admitido no processo por um ato solipsista do Relator, sem observância do devido processo constitucional. E mais, o referido ato de admissão é irrecorrível, e o de rejeição caminha no mesmo sentido. Assim fica entregue ao Relator, sem qualquer observância do devido processo constitucional a admissão ou não do Amicus Curiae.
Cabe destacar ainda que, embora não tenha sido objeto do presente estudo, o procedimento do amicus curiae ainda é precário, e não observa o devido processo constitucional. Veda-se, inclusive, a apresentação de recursos contra a decisão, uma forma de garantir ao Juízo a decisão soberana sobre o caso. Ademais, o Juízo não necessita de vincular-se aos argumentoso do amicus, podendo, a seu critério, ignorá-lo, o que seria, inclusive, irrecorrível.
Vê-se que o Amicus Curiae não permite a participação no processo interpretativo, mas tão somente, uma representatividade que se submete, na grande maioria das vezes, a um poderio econômico.
É ingênuo pensar que os cidadãos seriam legitimados à interpretação constitucional pela figura do amicus curiae, eis que a representatividade ficaria prejudicada, bem como a relevância de sua participação ficaria diminuída, caso não possuísse condições para arcar com uma assistência de relevo.
Por estas considerações é que se considera o amicus curiae um instituto que não revela aderência ao Estado Democrático de Direitos, eis que materialmente, não revela nenhuma possibilidade de construir a dita Sociedade Aberta de Interpretes, de Peter Häberle.
Pode-se concluir que no direito não há saltos ou institutos salvadores, sendo que a construção de uma Comunidade Jurídica demanda primeiro garantir cidadania, e, posteriormente, participação através do medium linguístico legítimo que éo processo democrático, como construção de uma Sociedade Jurídico-Política. Na lição de Rosemiro Pereira Leal:
“No direito democrático, o que primeiro se impõe é a despersonalização do Estado (disregard doctrine) para tornar visíveis as individualidades componentes da Administração Governativa em todos os segmentos da Comunidade Jurídica cuja proposta constitucional é sua transformação em Sociedade Jurídico-Política Democrática de Direito pela possibilidade cognitiva de todos no espaço processual (Estado Democrático) de produção, recriação, afirmação ou destruição da lei.”[27]
9 Conclusão
Conclui-se com o presente estudo, que embora o Amicus Curiae seja anunciado como um instituto intimamente ligado a Democracia, quando se faz uma analise aprofundada, percebe-se que este não anuncia a participação esperada. Embora esteja cercado de frases prontas de efeito, ao contrário do que anuncia a doutrina, o Amicus Curiae não é o instrumento de participação da sociedade, e nem altera a conotação do discurso atual.
Pode-se ver que a participação do amicus curiae é mitigada, tratando-se de uma representação, que na grande maioria das vezes revela maior proximidade com o poderio econômico do que com a interpretação constitucional.
Destarte, tem-se a conclusão, que o amicus curiae não é instrumento apto a fortalecer a democracia, de forma que esta apenas encontrará sua construção através do processo democrático, garantindo-se a participação de todos, através do devido processo democrático, em todos os âmbitos.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade de Itaúna. Pós-Graduado lato sensu em Direito Processual pelo IEC da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC Minas). Mestre em Direito Processual no Programa de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutorando em Direito Processual PUC Minas. Professor.
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