Resumo: O presente artigo faz uma análise da responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção no Brasil, bem como exibe um panorama geral sobre a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, abordando os principais aspectos da Lei.
Palavras-chave: responsabilidade da pessoa jurídica; corrupção; anticorrupção; Lei 12.846/2013.
Abstract: The current article makes an analysis of the liability of the legal entities for the practice of corruption acts in Brazil, and also shows a general outlook about the 12.846/2013 law, known as Anti-corruption Law, an innovation on Brazilian legal planning, approaching the main aspects of law.
Keywords: liability of the legal entities; anti-corruption Law; 12.846/2013 Law.
Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção no ordenamento jurídico brasileiro. 2. Considerações sobre a Lei 12.846/2013. 2.1 Responsabilidade objetiva da Pessoa Jurídica Corruptora. 2.2 Responsabilidade subjetiva dos dirigentes e administradores. 2.3 Pessoas jurídicas sujeitas à Lei Anticorrupção. 2.4 Pessoas jurídicas responsáveis por sucessão ou solidariedade. 2.5 Atos lesivos. 2.6 Sanções. 3. Compliance na Lei Anticorrupção. 4. Acordo de leniência. 5. Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP. 6. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015. Conclusão. Referências.
Introdução
A corrupção é um tema de interesse internacional, por diferentes países, uma vez que acarreta prejuízos aos cofres públicos e afeta sobremaneira áreas como a livre concorrência, recebimento de investimentos, o encarecimento dos serviços e produtos e a confiança no mercado econômico. As organizações internacionais têm realizado ações visando o combate à corrupção, no sentido de promover a cooperação global para a criminalização da corrupção.
Em 2013 foi publicada no Brasil a Lei 12.846, chamada de Lei Anticorrupção ou Lei Anticorrupção Empresarial, que trata da responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas corruptoras. Até então, as legislações brasileiras não responsabilizavam a pessoa jurídica pela prática de ato de corrupção, somente as pessoas físicas eram responsabilizadas e penalizadas.
Nos Estados Unidos existe uma Lei que responsabiliza pessoas jurídicas por atos de corrupção desde 1977, é a Foreing Corrupt Practices Act (FCPA). Esta lei tornou ilegal o suborno de funcionários públicos estrangeiros praticados por pessoas físicas ou jurídicas. No que tange às pessoas jurídicas, a FCPA é aplicável às empresas de qualquer origem, desde que que tenham sede ou filial nos Estados Unidos ou que mantenham negócios no território americano. Esta lei tem o intuito específico de combater a corrupção fora dos Estados Unidos.
A edição da FCPA gerou um movimento das empresas americanas, sentindo-se em desvantagem em face das outras empresas estrangeiras, que praticavam atos de corrupção em seu país e que não eram punidas ante a ausência de legislação específica. A partir de 1989 o empresariado americano reagiu e no final dos anos 90 foram criadas convenções internacionais para tratar da prevenção e combate à corrupção.[1]
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), organismo internacional composto por 34 países membros, com sede em Paris, França, estabeleceu um roteiro, em 1997, para que os Estados-membros atingissem o objetivo de criminalização da corrupção transnacional. No final de 1997, todos os países membros adotaram em Paris a Convenção sobre o combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. O Brasil é signatário desta convenção, ratificada por decreto legislativo 125/2000 e promulgada pelo decreto 3.678/2000.
Outras duas convenções de destaque internacional foram a Convenção interamericana contra a corrupção da OEA, em 1996; e a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção da ONU, em 2003.
Todas estas três importantes convenções, resultantes do esforço de combate à corrupção, com propostas preventivas e principalmente de uma assistência recíproca de cooperação entre os países signatários, foram ratificadas pelo Brasil.
Diante do compromisso firmado com a OCDE, o Brasil tratou de elaborar uma legislação que penalizasse as sociedades corruptoras, projeto proposto pela Controladoria Geral da União em 2010. Em 2013 o projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional, às pressas, sem debates, decorrente, possivelmente, aos movimentos populares que ocorreram no país no mês de junho desse ano, em que a população brasileira foi às ruas para reivindicar, dentre outros, a honestidade e ética por parte dos governantes.
Faltava uma lei no sistema normativo brasileiro que punisse as pessoas jurídicas por atos de corrupção, até porque, é possível punir a empresa sem prejudicar a economia do país.
1. Responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção no ordenamento jurídico brasileiro
Uma pesquisa realizada em 2008 pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) revelou que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, gira em torno de R$ R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões.[2] Atualmente já se falam em cifras bem maiores. De acordo com o relatório anual da Transparency International que analisa a percepção da população dos países sobre a corrupção, no estudo realizado em 2016 o Brasil caiu três posições em relação a 2015, está em 79ª no ranking dos 176 países analisados. Em 2015, a posição do Brasil era 76ª. Estão na mesma posição a Bielorrússia, Índia e China.[3]
O elevado índice de corrupção no Brasil pode ser decorrente das diversas barreiras existentes na punição das pessoas corruptas. A impunidade, a dificuldade de provar a conduta, os contornos processuais e as penas, de um certo modo não desestimulam o ato de corromper. Todo esse conjunto de fatores não tem um efeito de prevenção.
Até a vigência da Lei 12.846/2013, as pessoas jurídicas simplesmente não eram responsabilizadas por atos de corrupção, somente seus diretores, administradores e funcionários, ou seja, apenas as pessoas naturais eram penalizadas pela prática de atos contra a Administração Pública. A empresa era beneficiada pela prática corrupta, mas não era penalizada.
O Código Penal Brasileiro prevê os crimes de corrupção ativa e passiva. Além do Código Penal, outras legislações tratam de punir os atos de corrupção, como a Lei 201/1967, que dispõe sobre crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores; a Lei de Improbidade, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos por atos de improbidade; a Lei de Licitações com previsão de crimes e sanções administrativas. Porém, em nenhuma destas legislações há responsabilização da pessoa jurídica. No que tange à responsabilidade penal, as pessoas jurídicas somente são penalizadas por crimes ambientais. Se o ato lesivo cometido pela empresa corresponder a crime contra a Administração Pública, recairá sobre as pessoas físicas que de algum modo concorreram para o evento.
Portanto, com a Lei Anticorrupção será possível responsabilizar e punir as pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A adesão do Brasil à responsabilização da pessoa jurídica é uma tendência internacional.
Não é compreensível a ausência de penalidade da pessoa jurídica que se beneficiou do ato e que ofereceu recursos para a corrupção. A empresa corruptora que se isenta de qualquer penalidade cria uma situação de grande desvantagem competitiva à empresa que atua sem práticas de corrupção. A previsão de penalização da empresa corruptora além de possibilitar uma prevenção à corrupção, proporcionará uma abertura de mercado, maior competição interna e na economia global.
2. Considerações sobre a Lei 12.846/2013
A Lei 12.846/2013 inova o direito brasileiro ao estabelecer a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas por atos de corrupção, tanto no Brasil quanto no exterior, preenchendo uma lacuna jurídica, inclusive no que se refere às fraudes contra licitações, uma vez a que a Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, não prevê sanções para a pessoa jurídica por atos de fraude em licitações e contratos administrativos.
Não importa o tipo de sociedade, o tamanho e o regime de tributação adotado. Se a empresa tem qualquer relação contratual ou pré-contratual com órgão público, ou se recebe recurso público, estará sujeita à Lei Anticorrupção. E não somente as sociedades, mas também fundações, associações e sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro. A Lei prevê expressamente a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas que praticarem atos ilícitos em desfavor da Administração Pública nacional e também estrangeira.
Ao longo desse artigo pretende-se tecer, sucintamente, alguns comentários acerca da lei, com a escolha de determinados aspectos, tais como a responsabilidade das pessoas jurídicas, os atos lesivos, as sanções, o acordo de leniência como redução da pena, o compliance e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP.
2.1 Responsabilidade objetiva da Pessoa Jurídica Corruptora
Seguindo a égide do artigo 932, inciso III, combinado com o artigo 933, ambos do Código Civil, que estabelecem a responsabilidade objetiva do empregador por seus empregados, serviçais e prepostos, a Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade objetiva para a pessoa jurídica corruptora, conforme prevê o art. 2º: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nessa Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”.
Desse modo, basta que tenha ocorrido o dano e o nexo de causalidade para a configuração da responsabilidade da empresa. Independe da comprovação de culpa e dolo.[4] Entretanto, entendemos que há que se demonstrar que a prática irregular ocorreu por obra de pessoa ou órgão que tenha alguma relação com a pessoa jurídica. De todo modo, ainda que o representante da pessoa jurídica tenha extrapolado em suas atribuições, a empresa não irá se eximir da responsabilidade prevista na Lei Anticorrupção.
Na lei de defesa da concorrência (Lei. 12.529/2011) também se adotou a responsabilidade objetiva ao prever que os atos de infração da ordem econômica são constituídos, sob qualquer forma de manifestos, independente da culpa (art. 36).
Vale destacar ainda que, apesar de não ser o caso de teoria da responsabilidade objetiva, o Superior Tribunal de Justiça já julgou, em uma ação civil pública por ato de improbidade, que a pessoa jurídica pode figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios, se esta pessoa jurídica se beneficiou do ato ímprobo.[5]
2.2 Responsabilidade subjetiva dos dirigentes e administradores
No que tange às pessoas físicas, dirigentes ou administradores da pessoa jurídica, a Lei Anticorrupção adotou a responsabilidade subjetiva. A Lei prevê expressamente que os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida de sua culpabilidade (artigos 3º e 2º).
Cumpre destacar que a responsabilidade da pessoa jurídica não excluirá a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural partícipe do ato ilícito (art. 3º). As pessoas físicas envolvidas no ato serão responsabilizadas individualmente, na medida da sua culpabilidade, nos termos da legislação aplicável ao caso, Código Penal, Lei de Licitações, entre outras. Entretanto, para que a pessoa jurídica seja responsabilizada não dependerá da demonstração de responsabilidade culposa de seus dirigentes ou administradores (art. 3º, §1º).
A Lei adotou a autonomia da responsabilidade da pessoa jurídica e dos seus dirigentes ou administradores. Desse modo, as autoridades poderão promover simultaneamente a responsabilidade de todos os envolvidos.
2.3 Pessoas jurídicas sujeitas à Lei Anticorrupção.
De acordo com o parágrafo único do art. 1º, estão sujeitas à Lei Anticorrupção, as sociedades empresárias e as sociedades simples, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoa, e sociedades estrangeiras. Nota-se que a lei não optou em instituir, em sentido mais amplo, o termo pessoa jurídica.
O Código Civil estabelece, em seu artigo 44, quais são as pessoas jurídicas de direito privado: (I) as associações; (II) as sociedades; (III) as fundações; (IV) as organizações religiosas; (V) os partidos políticos; (VI) as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Considerando o rol estabelecido pelo Código Civil, é possível interpretar que a Lei Anticorrupção excluiu do seu campo de atuação, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI).
A EIRELI foi instituída pela Lei 12.441/2011, que incluiu o inciso VI ao artigo 44 do Código Civil, sendo aglomerada no rol das pessoas jurídicas de direito privado. A Lei 12.441/2011 não é clara quanto a natureza jurídica da EIRELI. Não se pretende aqui abordar a respeito desse tema, concluindo-se que a submissão da EIRELI à Lei Anticorrupção dependerá de sua natureza jurídica.
Já com relação aos partidos políticos, a legislação falhou em não incluí-los como sujeitos à responsabilização administrativa e civil. O fato dos partidos não terem faturamento e não contratarem com o órgão público, não poderá servir de argumento para sua isenção. Julgamos importante a previsão legal de penalidade aos partidos políticos envolvidos em atos de corrupção como forma de prevenção. Do mesmo modo que as empresas, não é razoável que somente os representantes e tesoureiros dos partidos políticos corruptores sejam responsabilizados. Na mesma linha da Lei Anticorrupção, se o partido político se beneficiou do ato corruptor, deveria ser penalizado com multa e ressarcimento aos cofres públicos. Pelo fato dos partidos não terem faturamento e não contratarem com o poder público, poderia se aplicar outras penalidades, inclusive a cassação do registro do partido em casos mais graves.
2.4 Pessoas jurídicas responsáveis por sucessão ou solidariedade
A Lei Anticorrupção estabelece que subsistirá a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária (art. 4º).
Nas hipóteses de fusão e incorporação, a Lei dedicou um parágrafo para determinar que a responsabilidade da sucessora será restrita ao pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido.
Na fusão e incorporação, a sociedade incorporadora sucede a incorporada, assim como a sociedade resultante da fusão, que sucede as sociedades antigas, em todos os direitos e obrigações. Na mesma direção do Código Civil[6] e da Lei das Sociedades por Ações[7], a Lei Anticorrupção estabeleceu a responsabilidade da sucessora nas hipóteses de fusão e incorporação, mas restringiu as penas e limitou a obrigação pecuniária ao valor do patrimônio transferido na operação. Cumpre destacar que, nas operações de fusão e incorporação todo o patrimônio envolvido é transferido.
Conforme previsão do §1º, artigo 4º da Lei, nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado até o limite do patrimônio transferido. Não serão aplicáveis à sucessora, as demais sanções previstas decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, com exceção no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados. Ou seja, não serão aplicadas as demais sanções previstas no artigo 18 da lei Anticorrupção, tais como o perdimento de bens, suspensão ou interdição de suas atividades, proibição de receber incentivos de órgãos públicos, dentre outras.
A Lei falhou ao não incluir a cisão nos mesmos moldes das operações de fusão e incorporação. Na cisão há sucessão, a título universal, no caso de cisão total, e sucessão limitada, na hipótese de cisão parcial. A restrição de penalidade conferida para os casos de fusão e incorporação deveria ter sido estendida para as operações de cisão, pois não existe justificativa para o tratamento diferenciado, nesse aspecto, entre todas estas operações.
Nas hipóteses das sociedades controladoras, controladas, coligadas e consorciadas, a Lei adotou a responsabilidade solidária e também restringiu a pena à obrigação de pagamento de multa e reparação do dano causado.
No que tange à controladora, a responsabilidade solidária é justificada, uma vez que o controlador detém o poder de dirigir as atividades da sociedade, de modo permanente, com preponderância nas deliberações, o que leva a pressupor que, de algum modo, a controladora tenha influenciado, ainda que de forma omissa, para a prática do ato ilícito.
Porém, talvez não fosse o caso de tratar do mesmo modo as sociedades controladas e coligadas, pois estas sociedades não possuem poder de decisão e não podem evitar o ato ilícito da sociedade corruptora. Estender a responsabilidade solidária para estas sociedades pode ocasionar uma responsabilização indevida.
2.5 Atos lesivos
A Lei Anticorrupção estabelece, em seu artigo 5º, como atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, aqueles que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.[8] Os atos lesivos previstos pela lei foram embasados nas condutas ilícitas previstas no Código Penal, na Lei de Licitações e Lei de Improbidade Administrativa.
As condutas previstas na Lei Anticorrupção não se limitam apenas aos atos de corrupção propriamente ditos, como dar, oferecer ou prometer vantagem indevida, mas inclui outros comportamentos que violam princípios da Administração Pública, com destaque para a fraude ao procedimento licitatório.
Quanto ao rol de atos lesivos, Marcio Pestana entende que o legislador optou por indicar as hipóteses-tipo de forma taxativa, uma vez que cada uma das situações foi cuidadosamente discriminada pela lei.[9] Do mesmo modo, Mateus Bertoncini expõe que os atos lesivos do art. 5º constituem uma relação exaustiva, pois só podem ser considerados atos lesivos aqueles assim previamente definidos em lei.[10]
2.6 Sanções
As sanções previstas na Lei Anticorrupção são de natureza administrativa e civil. Na esfera administrativa há previsão de duas sanções, que poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, e não excluirão a obrigação de reparação integral do dano: multa e publicação extraordinária da decisão condenatória. A multa será de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo, e não poderá ser inferior à vantagem auferida.
Alguns critérios serão levados em consideração na aplicação da multa, tais como a gravidade da infração, a vantagem auferida, a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações e a existência de programas de compliance.
Na sanção civil, as pessoas jurídicas infratoras poderão sofrer sanções como perdimento dos bens, suspensão ou interdição parcial de suas atividades, dissolução compulsória da pessoa jurídica, proibição de receber incentivos e empréstimos de órgãos públicos por prazo mínimo de um ano e máximo de cinco anos.
A Lei faz uma ressalva no tocante à pena de dissolução compulsória da pessoa jurídica, que somente será aplicada se comprovado que a personalidade jurídica foi utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
Do mesmo modo que as sanções administrativas, as sanções civis também poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Inclusive, a responsabilidade da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a sua responsabilização na esfera cível.
Por fim, cumpre destacar que há possibilidade de cumulação de sanções inclusive com as previstas em outras legislações (Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993; Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011), conforme prevê o artigo 30 da Lei Anticorrupção. A responsabilização perante a Lei Anticorrupção não afastará a responsabilidade e aplicação de penalidades decorrentes de ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei n. 8.429/1992, e atos ilícitos previstos nas Lei de Licitações e Lei n. 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas.
3. Compliance na Lei Anticorrupção
O termo compliance é derivado do verbo inglês “to comply” que significa cumprir, obedecer, concordar, realizar o que foi imposto.[11] Segundo o Dicionário Oxfor Advanced Learner’s,[12] compliance consiste na prática de obedecer a regras ou requisições emanadas de autoridades. Também pode ser encarado como prática para assegurar total obediência à lei.[13]
O programa de compliance anticorrupção envolve um conjunto de medidas impostas às atividades de uma organização com as melhores práticas para prevenir a corrupção, com uso de código de ética, código de conduta, canal de denúncia e procedimentos internos de divulgação de temas relacionados à corrupção, de modo a reduzir riscos.
Na Lei Anticorrupção, o compliance é introduzido como parâmetro de minoração do risco de sanção. O artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção, determina que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica serão levadas em consideração no momento da aplicação das sanções. O Decreto Federal n. 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção, determinou os parâmetros a serem seguidos por um programa de Compliance para fins de aplicação da dosimetria das sanções.
A Lei não afastou a aplicação de qualquer sanção para as empresas que adotarem programas de compliance efetivos. Trata-se apenas de um dos critérios que será levado em consideração no momento de aplicação das penas previstas na Lei. Até porque, a Lei adotou a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública. Assim, mesmo que a empresa tenha um excelente programa de compliance, não haverá isenção da penalidade, mas esse requisito será considerado como forma de mitigar a amplitude da sanção.
A tendência nas legislações anticorrupção é que as empresas estabeleçam programas de compliance como forma de prevenção à corrupção.
4. Acordo de leniência
De acordo com o dicionário[14], leniência significa brando, leve, suavidade, doçura, mansidão. No direito brasileiro, o uso do termo “acordo de leniência” serve para denominar os acordos celebrados entre particulares e a Administração Pública, nos quais os particulares recebem benefícios por terem colaborado com a investigação que estariam sujeitos pela prática de atos ilícitos. A cooperação do investigado deve ser espontânea e eficaz.
O acordo de leniência foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei Antitruste[15], primeiro diploma legislativo a tratar do tema, no qual autorizava a celebração desse acordo com pessoas jurídicas ou físicas, com a extinção total ou parcial das penalidades administrativas aplicáveis à prática de cartel.
No combate ao crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro, o acordo de leniência é bastante eficaz, uma vez que possibilita às autoridades o acesso às provas, algo bastante difícil nesses tipos de crimes. Além do alcance a outros envolvidos no ilícito, bem como o fornecimento de informações e documentos que comprovam a infração, a negociação também envolve o ressarcimento dos valores decorrentes dos atos ilícitos.
Por um lado, o acordo de leniência beneficia a empresa investigada com a redução de penas, por outro lado, a confissão ocasionará uma grande exposição negativa da companhia, inclusive com a possibilidade de ações privadas de indenizações.
A Lei Anticorrupção prevê o acordo de leniência e enuncia os requisitos que deverão ser observados: a empresa deve ser a primeira dos envolvidos a se manifestar sobre o interesse em colaborar para a apuração dos fatos; deve cessar completamente seu envolvimento na infração; confessar a participação no ilícito; e cooperar plenamente com as investigações.
A Controladoria Geral da União (CGU) é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito federal e nos atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. Os Estados, Munícipios e Distrito Federal deverão regulamentar e indicar a autoridade e órgão em sua estrutura administrativa para firmar o acordo de leniência.
Cumpre destacar um possível obstáculo nas celebrações de acordos de leniência, que serão os efeitos penais das pessoas físicas envolvidas no ato ilícito, tais como, dirigentes, administradores e empregados da empresa investigada. A Lei Anticorrupção prevê que o acordo de leniência isentará a pessoa jurídica de sanções administrativas, não eximindo a obrigação de reparar o dano decorrente da corrupção. A Lei também estabelece que os acordos serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico. Porém, a Lei não diz que as pessoas físicas envolvidas no ato ilícito também serão beneficiadas. Nesse sentido, Fabio Ulhoa Coelho entende que o acordo de leniência só tem o efeito de reduzir as sanções administrativas contra a pessoa jurídica que o assinou, não eximindo nem atenuando a responsabilidade civil e penal da pessoa natural. Instrui, ainda, que além da pessoa jurídica signatária do acordo de leniência sempre haverá inevitavelmente pelo menos mais duas pessoas naturais envolvidas: a que agiu em nome dela (corruptora) e o agente público indevidamente beneficiado (corrompido). Sendo assim, caberia à pessoa jurídica a identificação dos envolvidos e apresenta a seguinte solução: quando todas as pessoas naturais envolvidas no ato ilícito participarem do acordo como intervenientes, a pessoa jurídica signatária está dispensada de identificá-las, desde que declare não haver ninguém mais, além delas, envolvidas na corrupção objeto da investigação.[16]
O acordo celebrado com a CGU, sem a participação do Ministério Público, pode gerar dúvidas quanto aos efeitos da isenção em outras áreas do direito. Não será atrativo à pessoa jurídica celebrar um acordo sem garantias que aquele fato confessado possa ser demandado em outra esfera.
A Lei Anticorrupção enuncia que o acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II, art. 6º (publicação extraordinária da decisão condenatória), inciso IV, art. 19 (proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos); e terá reduzido em até 2/3 o valor da multa aplicável.
Cumpre destacar que o acordo de leniência não isentará a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado, conforme previsão no §3º, art. 16, da Lei Anticorrupção. Considerando que o acordo de leniência sempre gerará um crédito para a administração (multa ou reparação civil), Fabio Ulhoa Coelho entende que qualquer desses créditos podem ser inscritos em dívida ativa, na forma do art. 2º da Lei n. 6830/80, para fins de cobrança via execução fiscal.
5. Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP
A Lei Anticorrupção determinou a criação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), no âmbito do Poder Executivo federal, a fim de dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos em todos os poderes e todas as esferas do governo.
O CNEP irá reunir todas as empresas que sofreram sanções, com a identificação da razão social e número de CNPJ, o tipo de sanção aplicada e as datas da aplicação e final da vigência da sanção. O fato de dar publicidade às empresas penalizadas surtirá como efeito bastante negativo às mesmas. O CNEP é mais um aspecto trazido pela lei como forma de desestimular a prática do crime, pois pode funcionar como uma “ficha suja”.
Ademais, também serão incluídos no CNEP os acordos de leniência, inclusive com as informações acerca do acordo celebrado. Após decorrido o prazo do cumprimento integral do acordo e da reparação de eventual dano causado, serão excluídos os registros do acordo da CNEP, mediante solicitação do órgão ou entidade que celebrou o acordo.
A Lei determinou como obrigação dos órgãos e entidades competentes manterem atualizados no CNEP os dados relativos às sanções aplicadas.
6. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015
A Lei Anticorrupção foi regulamentada pelo decreto federal n. 8.420/2015, esclarecendo questões como a dosimetria da pena, quais os órgãos responsáveis pela fiscalização, critérios para o cálculo da multa, regras para a celebração dos acordos de leniência e os parâmetros para avaliação de programas de compliance.
A competência para a instauração e para o julgamento do processo administrativo será da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado. Aqui vale observar que, o próprio político poderá julgar uma empresa investigada em atos de corrupção, o que não é a indicação mais adequada, pois pode gerar outra fonte de corrupção. No âmbito federal, a Controladoria Geral da União terá competência concorrente para instaurar e julgar os processos administrativos pela prática de atos contra a administração pública federal e competência exclusiva nos atos contra a administração pública estrangeira.
Conclusão
A responsabilização da pessoa jurídica por atos de corrupção foi alvo de críticas, com alegação de que a empresa não corrompe, porque não tem vontade própria, pois quem prática o ato são as pessoas físicas (dirigentes, administradores e funcionários). Porém, discordamos desse entendimento. Primeiro, porque a pessoa jurídica se beneficia do ato ilícito e proporciona recursos para a sua prática. Segundo, a responsabilização tão somente das pessoas físicas envolvidas gera uma concorrência desleal, uma vez que a pessoa jurídica que se beneficiou do ato de corrupção continuará disputando no mercado, sem sofrer qualquer penalidade ou prejuízo, praticando os mesmos atos. Terceiro, é uma tendência internacional a responsabilização das pessoas jurídicas no combate à corrupção.
As consequências da corrupção vão além dos prejuízos econômicos aos cofres públicos, atingindo a livre concorrência (com a sabotagem da competitividade), diminuição de investimentos, encarecimento dos serviços, desconfiança no mercado econômico, meio ambiente e a democracia, uma vez a administração pública se torna refém de interesses privados desviando os agentes públicos de sua função essência.
A Lei Anticorrupção preencheu uma lacuna no sistema jurídico brasileiro. A responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção instituída pela Lei Anticorrupção não será apenas uma forma de punir, mas também de incentivar a prevenção da corrupção.
Advogada. Mestranda em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Empresarial (pós-graduação lato sensu) pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus
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