Resumo: Analisa-se a liberdade sindical garantida na Constituição da República Federativa do Brasil de 88, no artigo 8º, e na Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, diferenciando a pluralidade sindical da unicidade sindical adotada no ordenamento jurídico brasileiro. O imposto sindical. A necessidade de efetiva representação das categorias profissionais. As propostas existentes de reforma sindical para eliminação do imposto sindical e da unicidade sindical.
Palavras-chave: Liberdade sindical. Pluralidade e Unicidade sindical. Imposto sindical. Propostas de reforma sindical. Convenção OIT n° 87.
Sumário: 1. Introdução. 2. Liberdade e Liberdade Sindical. 3. Pluralidade sindical. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
1 – Introdução.
Não é recente a controvérsia existente acerca da estrutura sindical fixada na Constituição da República Federativa do Brasil de 88, que restringe a liberdade de autonomia e independência dos sindicatos por meio da unicidade sindical e da intervenção Estatal oriunda do período autoritário brasileiro.
As disposições contidas na Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho, estabelece os princípios universais norteadores do sindicalismo livre e autônomo, que deveriam nortear também o ordenamento jurídico brasileiro no tocante as organizações sindicais.
As normas limitadores da liberdade sindical enfraquecem a representatividade dos sindicatos, acarretando uma representação meramente formal sem propiciar os meios adequados para melhorar as condições dos trabalhadores. O sindicato não se desenvolve de modo forte para realizar a verdadeira promoção dos direitos trabalhistas, ficando atrelado ao Estado e dominado por dirigentes que não atuam de modo eficaz.
Com isso, surgiram Propostas de Emenda Constitucional para ampliação da liberdade sindical, tratada no artigo 8º da Constituição da República Federativa do Brasil de 88. Os setores envolvidos são os trabalhadores, os empregadores, as respectivas representações, as centrais sindicais e o próprio Governo.
2 – Liberdade e liberdade sindical.
Inicialmente, é importante entender o conceito de liberdade contido na Constituição da República Federativa do Brasil de 88, que abrange a liberdade de associação, a liberdade profissional, a liberdade de reunião e a própria liberdade sindical.
A liberdade, no aspecto filosófico, pode ser entendida no sentido negativo e positivo. Sob a primeira perspectiva denota a ausência de submissão, e a segunda é a autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional. [1]
Para José Afonso da Silva a “liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”. Destaca, ainda, que tudo o que impedir a possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade. [2]
A liberdade de associação está contida nos incisos XVII a XXI do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 88, significando toda coligação voluntária de pessoas físicas com o objetivo de alcançar um fim específico e lícito, com direção unificante, abrangendo tanto a associação em sentido estrito como as sociedades. [3]
O artigo 53 do Código Civil trata da associação em sentido estrito, dispondo ser a associação à união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, não havendo entre seus associados direitos e obrigações recíprocas. Diferenciam-se das sociedades por não visarem o lucro, embora possam realizar negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio. [4]
A liberdade sindical por sua vez está prevista no artigo 8º da Constituição da República Federativa do Brasil de 88, e compreende a liberdade de criação do sindicato sem necessidade de autorização para tanto, bastando o mero registro no Ministério do Trabalho; a liberdade de associação sindical que prevê que ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato, podendo se retirar a qualquer tempo; a autonomia sindical que desvincula o sindicato do poder público vedando a interferência e intervenção deste no seu funcionamento.
O sindicato detém o direito de representação coletiva da respectiva categoria profissional, cabendo a ele a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive nas questões judiciais e administrativas (artigo 8º, inciso III da CRFB de 88). É pessoa jurídica de direito privado, pois nasce da vontade de um grupo profissional para a defesa de seus direitos vedando-se a interferência do poder público. [5]
A Consolidação das Leis do Trabalho, decreto-lei nº 5.452/43, no Título V, artigos 511 a 610, disciplina a organização sindical, tendo sido recepcionada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 88. As disposições da CLT que afrontarem o princípio da autonomia sindical (artigo 8º inciso I da CRFB de 88) serão inconstitucionais, por outro lado ficam mantidas as regras relativas à unicidade sindical por categoria (artigo 8º, inciso II da CRFB de 88) e a contribuição obrigatória.
A convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho trata da liberdade sindical e do direito de sindicalização, dispondo em seu artigo 2º que os Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos. Esse artigo assegura o direito de sindicalização a todo trabalhador e a todo empregador, sem qualquer discriminação.
A liberdade sindical é um direito fundamental que está incorporado na Constituição da República Federativa do Brasil de 88 e também em Tratados Internacionais, abrangendo a liberdade sindical coletiva, individual e a autonomia sindical (liberdade de instituição sindical).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem no artigo XXIII n. 4 dispõe que: “todo homem tem direito de organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.”
O Brasil não ratificou a Convenção nº 87 de 1948 da Organização Internacional do trabalho, tendo em conta a divergência de opiniões surgida entre os defensores da aprovação integral da Convenção e aqueles que queriam a manutenção da unidade sindical forçada e da contribuição sindical compulsória. Para a ratificação da Convenção era necessário uma alteração no artigo 8º da CRFB de 88, justamente para extinguir a referida unicidade sindical e a contribuição compulsória.
A Convenção nº 98 de 1949 da Organização Internacional do Trabalho também trata do direito de sindicalização e negociação coletiva, tendo por finalidade proteger os direitos sindicais dos trabalhadores frente aos empregadores e suas organizações, garantir a independência das associações de trabalhadores e fomentar a negociação coletiva. [6]
Ocorre que a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 88 impôs uma limitação a liberdade sindical nos incisos II e IV do artigo 8º, que determinam a unicidade sindical compulsória por categoria e autorizam a cobrança das contribuições obrigatórias em favor das associações que integram o sistema confederativo de representação sindical.
Deste modo, criou-se um monopólio de representação sindical ao vedar a pluralidade sindical e restringiu o direito de associação sindical ao impedir a livre estruturação do sindicato pela categoria representada.
A vedação da criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial superior a área de um Município, constitui uma verdadeira limitação do direito de liberdade sindical.
Passadas mais de duas décadas da redemocratização do país é necessário repensar as limitações à liberdade sindical contidas nos inciso II e IV da CRFB de 88, visto estarem na contramão da evolução do direito de liberdade sindical e da proteção do direito de sindicalização no contexto nacional e internacional.
3 – Pluralidade sindical.
A obrigatoriedade do sindicato único foi estabelecida pela primeira vez no decreto 19.770/31, e no artigo 138 da Constituição Federal de 1937, depois regulamentado pelo decreto-lei nº 1402/39, e finalmente no artigo 516 da Consolidação das Leis do Trabalho e inciso II do artigo 8º da Constituição da República Federativa do Brasil de 88. [7]
O pluralismo sindical é exatamente o inverso da unicidade sindical e consiste na autorização de várias entidades, na mesma base territorial, exercerem a representação da mesma categoria. Neste caso, o trabalhador ou empresário não está obrigado a se filiar a determinado sindicato, podendo se filiar a outro sindicato representativo da mesma categoria profissional ou econômica.
Isto não impede a unidade sindical, apenas determina que a regra é a pluralidade sindical com a possibilidade de existência de várias organizações sindicais representativas da mesma categoria. A unidade sindical é obtida com liberdade e não imposta por lei.
Neste sentido é o ensinamento de Amauri Mascaro Nascimento:
“Corolário do princípio é a incompatibilidade da unicidade sindical com a Convenção n. 87, assim considerada a proibição, por lei, da existência de mais de um sindicato representativo da mesma categoria na mesma base territorial. É aqui que se situa a polêmica questão que divide o movimento sindical: de um lado, a tese da pluralidade sindical, de outro, a da unicidade sindical. Há uma diferença doutrinária entre pluralidade, unicidade e unidade. Pluralidade é o direito de fundação, na mesma base territorial, de tantos sindicatos quantos os grupos pretenderem. Unicidade, como ficou dito, é a vedação legal de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial. Unidade é a união espontânea dos grupos e sindicatos, não por força de lei, mas por opção própria, valendo-se da liberdade sindical.” [8]
As constantes discussões judiciais referentes à violação do princípio da unicidade sindical mediante a criação de novos sindicatos, numa mesma base territorial, por desmembramento seriam praticamente extintas pela autorização constitucional da pluralidade sindical.
Argumento muito utilizado para rechaçar a pluralidade sindical é o fato de ocorrer um enfraquecimento das organizações sindicais em virtude da divisão de forças criada pela diminuição do número de integrantes em cada sindicato, ocasionada pela existência de mais de um sindicato representativo de uma mesma categoria numa determinada base territorial.
Entretanto, o fato de haver um maior número de sindicatos não significa que os mesmos irão perder força como instrumento de pressão para a conquista dos direitos da categoria representada, isto porque os sindicatos existentes poderão se agrupar para atuar em conjunto na persecução dos referidos direitos.
Esta união ocorrerá por vontade dos interessados e não por imposição legislativa, acarretando uma maior participação dos integrantes no pleito das categorias. Deste modo, amplia-se o número de dirigentes envolvidos e não apenas alguns poucos que por vezes não atuam de maneira eficaz.
Dentre as vantagens criadas com a pluralidade sindical destacam-se: as relações diretas entre empregados e empregadores diminuem o descumprimento de normas trabalhistas, o que acarreta a redução do número de processos judiciais; a estrutura administrativa do trabalho se foca nas situações em que há ausência de instrumentos diretos de relacionamentos, o que aumenta a eficiência das políticas públicas destinadas ao mercado de trabalho; a integração do empregado na empresa melhora; as negociações coletivas são desenvolvidas sob um padrão mais realista no que diz respeito ao estabelecimento das condições de trabalho; e há a promoção da autonomia privada coletiva. [9]
Ademais, o fato de o sindicato estar garantido com a receita oriunda da contribuição compulsória é incentivo aos dirigentes para não procurarem novos filiados para suas organizações, visto já contarem com verba para manterem a estrutura existente.
Hipótese inversa ocorrerá se a contribuição for voluntária, como adotado no sistema de pluralidade sindical, em que os dirigentes deverão atrair novos integrantes para o sindicato para poder ter verba suficiente para manter a sua estrutura e seu funcionamento. Do mesmo modo, acabaria com os sindicatos sem representatividade denominados de fachada, criados apenas para receberem o percentual da contribuição compulsória.
Diante da necessidade de atualização legislativa para fortalecer as organizações sindicais, dotando-as de maior autonomia para representar os interesses das categorias profissionais e econômicas, ampliando a capacidade de negociação coletiva, foram apresentas as Propostas de Emenda Constitucional nº 623/1998, PEC nº 29/2003, PEC nº 121/2003 e a PEC nº 369/2005.
A primeira está arquivada desde 2000, a segunda está apensada a terceira e foi desarquivada em fevereiro deste ano, e a PEC 369/2005 está parada no Congresso Nacional desde 2013.
Todas tratam da alteração na redação do artigo 8º da Constituição da República Federativa do Brasil de 88 para ampliar a liberdade sindical, instituindo a pluralidade sindical, extinguindo a unicidade sindical e a contribuição compulsória para custeio do sistema confederativo de representação sindical.
Com a pluralidade sindical as centrais sindicais passam a ser reconhecidas juridicamente, podendo celebrar acordos. A lei nº 11.648/2008 trata do reconhecimento formal das centrais sindicais, dentro dos limites atuais do inciso II do artigo 8º da CRFB de 88.
Do mesmo modo, as federações e confederações deveriam ter permissão para celebrar convênios coletivos.
No sistema de liberdade sindical, diversos podem ser os sindicatos que representam trabalhadores e empregadores. É preciso definir qual deles tem legitimidade para negociar e firmar convenção e acordo coletivo de trabalho. Esta escolha pode ser feita por meio de eleição; pela escolha da organização com maior representatividade comprovada e outros meios.
A contribuição compulsória seria extinta gradativamente, passando as organizações sindicais a se financiarem exclusivamente de contribuições voluntárias associativas fixadas no respectivo estatuto e determinadas nas assembleias.
Finalmente a Convenção nº 87 de 1948 da Organização Internacional do Trabalho poderia ser ratificada, uma vez afastados os empecilhos criados pela unicidade sindical e pela contribuição sindical compulsória.
4 – Conclusão.
Tendo em conta a constatação da necessidade de fortalecimento das organizações sindicais para a efetiva promoção dos direitos das categorias representadas, surgem as propostas de reforma sindical visando conferir uma ampla liberdade sindical por meio da pluralidade sindical.
Deve-se destacar que o excesso de corporativismo pode acarretar a restrição das liberdades dos integrantes de uma categoria profissional ou econômica. A atual legislação reguladora da organização sindical contém resquícios da era autoritária brasileira, impedindo a modernização das relações coletivas de trabalho.
Deste modo, a unidade sindical de forma obrigatória acaba por violar a própria liberdade sindical, não podendo ser entendida nem mesmo como limitadora desta. A contribuição compulsória para custeio do sistema confederativo de representação sindical acaba por enfraquecer a própria representatividade das categorias, na medida em que enseja a criação dos denominados “sindicatos de carimbo”, e não estimula os dirigentes a atuar de forma eficaz para atrair novos filiados.
Maior autonomia deve ser conferida aos trabalhadores e empregadores para que estas categorias, conhecedoras da realidade em que operam, resolvam da melhor forma os seus conflitos. As interferências indevidas do Estado nas organizações sindicais tem que ser eliminadas, e mecanismos para fortalecer a organização sindical autônoma e a negociação coletiva tem que ser criados.
A partir dai um novo rumo nas relações trabalhistas será traçado, para a diminuição do desemprego, dos conflitos trabalhistas entre trabalhadores e empregadores com o aumento da capacidade de negociação, e para proporcionar um maior desenvolvimento nacional.
Advogado Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós-graduado pela Universidade Anhanguera – Uniderp
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