Poder familiar e suas limitações: análise da lei da palmada

Resumo: O presente trabalho buscou demonstrar o cenário atual no contexto das famílias no que se refere à violência doméstica infantil como forma de abuso do exercício do Poder Familiar. O poder disciplinar familiar é uma das prerrogativas do Poder Familiar existindo várias formas de disciplinar, porém há registros do emprego de castigos físicos como meio pedagógico de educação familiar. Embora seja uma das prerrogativas do Poder Familiar, a intervenção do Estado é justificável nos casos de abusos neste exercício. Nesse contexto o trabalho buscou demonstrar a necessidade de intervenção do Estado nos seios familiares devido a violação dos direitos dos menores, na qual detém de proteção integral por parte do Estado. O estudo ainda faz análise a conhecida Lei da Palmada desmitificando críticas e demonstrando sua eficácia e avanço para nosso ordenamento jurídico. Por fim, demonstra a eficácia da Lei em nosso país comparando-a com outros países, na qual também desenvolveram Leis nesse sentido. Aponta que para maior eficácia o Estado deve criar as políticas públicas através de campanhas e programas de conscientização aos pais, para que possam mudar seus costumes, conforme ocorreu semelhantemente na Suécia.[1]

Palavras-chave: Poder familiar. Violência Doméstica Infantil. Poder disciplinar familiar. Intervenção Estatal. Lei da palmada.

Abstract: This study aimed to demonstrate the current scenario in the context of families with regard to child domestic violence as a form of abuse of the exercise of the Family Branch. The family disciplinary power is one of the prerogatives of the Family Branch there are several ways to discipline, but there are employment records of corporal punishment as a pedagogical means of family education. Although one of the prerogatives of the Family Power, state intervention is justified in cases of abuse in this exercise. In this context, the study sought to demonstrate the need for state intervention in family breasts due to violation of the rights of minors, in which it holds full protection by the state. The study also makes the familiar analysis Law Palmada demystifying criticism and demonstrating their effectiveness and advance in our legal system. Finally, it demonstrates the effectiveness of the law in our country compared with other countries, which also developed laws accordingly. It points out that for more effective the State must establish public policies through campaigns and awareness programs for parents so they can change their customs, as occurred similarly in Sweden.

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Keywords: family power. Domestic Violence Child.Family disciplinary power.State intervention.Spankinglaw.

Sumário: Introdução. 1 Instituição Familiar. 1.1 Poder familiar ou autoridade familiar. 1.1.1 Titularidade do poder familiar. 1.1.2 Exercício do poder familiar quanto a pessoa dos filhos. 1.1.3 Hipóteses da perda, extinção ou suspensão do poder familiar. 2 Violência Doméstica Familiar Infantil. 2.1 Consequências psicológicas. 3 Legislação Contrária à Violência Doméstica Infantil. 3.1 História e Projetos de leis. 3.2 Lei n° 13.010/2014 (Lei da Palmada). 3.2.1 Justificação. 3.2.2 Conteúdo e punições. 3.2.3 Veto da lei n° 13.010/2014. 3.2.4 Contras e Prós. 3.2.4.1 Críticas. 3.2.4.2 Argumentos favoráveis. 3.2.5 Políticas públicas. Conclusão. Referências.

 Introdução

O Brasil é um país na qual tem sua cultura diversificada e hereditária, ou seja, os valores e os princípios são repassados de geração em geração, mudando somente os costumes. Desde o período colonial até os dias atuais, o patriarcado e o machismo são presentes em nossa cultura.

No contexto familiar o Poder Familiar ao longo dos anos sofreu significativas mudanças e avanços, onde a mulher conquistou espaço e poder, fazendo surgir às ideias de poder familiar compartilhado. Porém ainda há alguns costumes no contexto familiar que precisa ser mudado e avançado no que tange à educação disciplinar.

Não raro, são os casos de violência doméstica infantil com registros de castigos físicos, tratamentos humilhantes, cruéis e etc. O Estado atento a estes costumes e práticas na educação familiar disciplinar, interfere no consagrado poder familiar dos pais e limita-o. Esta interferência pode ser considerada abusiva, mas do ponto de vista da doutrina de proteção integral ao menos, esta é necessária, pois estará atendendo o disposto no mandamento constitucional e nas leis ordinárias de proteção ao menor.

O Estado não busca criminalizar os pais ou responsáveis que empregam os castigos físicos moderados, busca mudar de forma educativa de conscientização o pensamento e os costumes na educação disciplinar familiar. Registre-se que se estes pais fossem considerados criminosos, o menor sofreria maiores prejuízos.

Assim o advento da conhecida lei da palmada, não busca criminalizar e nem impedir os pais de proporcionarem a seus filhos uma boa forma de discipliná-los, apenas impede-os de utilizarem dos castigos físicos, apresentando outras formas alternativas de disciplinar.

1 Instituição familiar

A instituição familiar é reconhecida pelo Estado e por ele recebe proteção. O conceito familiar tradicional é reconhecido pela figura patriarcal, pai, mãe e filhos. Porém na atualidade percebe-se a modificação desta visão patriarcal, tendo conceitos mais amplos e modernos com relação à entidade familiar, sendo modernamente considerada qualquer relação mútua de afeto, independentemente do sexo, cor ou raça, assim como a lei Maria da Penha (art. 5, inciso III) buscou definir.

A Constituição Federal reconhece a entidade familiar como sendo base da sociedade e impõe ao Estado integral proteção. É considerada como base da sociedade, pois o desenvolvimento familiar saudável gera pessoas com bons costumes. Em estudos avançados, percebe-se que quando há um bom ambiente familiar, a criança quando estiver em fase adulta terá menos probabilidade de tornar pessoa vil, criminosa e etc.

1.1Poder familiar ou autoridade familiar

O Poder Familiar no modelo patriarcal era o poder conferido somente ao pai, cabendo a este, autoridade sobre seus filhos e esposa. Neste período a mulher não tinha poder de decisões sobre seus próprios filhos, pois era considerada à época como mera auxiliadora do homem. Passados todas as evoluções sociais, a mulher adquiriupoder no contexto familiar e passou a receber condições de igualdade.

O Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) de 1990 trazia o uso da expressão de “pátrio poder”. Tal termo empregado trazia severas críticas, uma vez que “pátrio” referia-se ao poder instituído somente ao pai (patriarcado).

O Código Civil de 2002, por sua vez, trouxe junto com sua criação o emprego da expressão “Poder familiar”, derrogando-se assim o uso da expressão “pátrio poder”.

Com o advento da lei 12.010/2009, seguindo o Código Civil vigente, alterou do ECA todas expressões “Pátrio Poder” sendo substituídas pela expressão “Poder Familiar”.

Têm-se uma discussão doutrinária referente ao emprego da expressão “Poder Familiar”, tendo alguns doutrinadores, como por exemplo, Ana Carolina Brochado Teixeira, sugerindo a expressão “autoridade parental” na qual se justifica que o termo “autoridade” expressa o princípio do melhor interesse dos filhos, aliado à solidariedade familiar.

Atualmente, entende-se por Poder Familiar,o poder conferido aos pais conjuntamente, o dever e o direito, de exercer a autoridade familiar de forma livre sobre seus filhos, respeitado os ditames legais.

Ao conceituar, Flavio Tartuce leciona:

“(…) é importante o estudo do poder familiar, conceituado como sendo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas, sobretudo, no afeto. O instituto está tratado nos arts. 1.630 a 1.638 do CC/2002. (TARTUCE, 2014, p. 942)”

Maria Berenice Dias em sua obra dispõe:

O poder familiar é sempre trazido como exemplo da noção de poder-função ou direito-dever, consagradora ela teoria funcionalista das normas de direito das famílias: poder que é exercido pelos genitores, mas que serve ao interesse do filho. (DIAS. 2015, p. 462)

Segundo o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 360): “Poder Familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”.

Traz a ideia de direito e dever do cumprimento das normas de direito familiar na qual recai na pessoa dos pais, que exercem este poder de forma democrática.

Nesse sentido, imperioso destacar o entendimento deVenosa:

“Nesse sentido, entendemos o pátrio poder como o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais com relação aos filhos menores e não emancipados, com relação à pessoa destes e a seus bens.(VENOSA, 2013, p. 313)”

Ainda em comento sobre, Venosa, cabe ressaltar entendimento do doutrinador, na qual tenta quebrar a ideia de autoridade, de supremacia, de superioridade, e trazer não só aos pais, mas também aos filhos à condição de igualdade, inovar o conceito de criação, usar dos meios de compreensão e carinho para o exercício deste Poder Familiar.

“Na noção contemporânea, o conceito transfere-se totalmente para os princípios de mútua compreensão, a proteção dos menores e os deveres inerentes, irrenunciáveis e infestáveis da paternidade e maternidade. O pátrio poder, poder familiar ou pátrio dever, nesse sentido, tem em vista primordialmente a proteção dos filhos menores. A convivência de todos os membros do grupo familiar deve ser lastreada não em supremacia, mas em diálogo, compreensão e entendimento.(VENOSA, 2013, p. 313)”

Por fim, o exercício do Poder Familiar é limitado aos pais, pois de acordo com o art. 1.630 do Código Civilista o poder familiar é exercido sobre os filhos enquanto menores.

1.1.1Titularidade do poder familiar

A titularidade do poder familiar é distribuída aos pais conjuntamente, na qual de maneira democrática exercem o Poder Familiar sempre atendendo o interesse do menor.

O Brasil, na qual tem em suas raízes culturais o dominante contexto machista, percebe-se que o Poder Familiar acaba se tornando o poder patriarcal, pois o homem assume a autoridade familiar não permitindo a mulher o direito ao exercício do Poder Familiar. Cabe ressaltar que embora a sociedade tenha evoluído, bem como a mulher tenha conseguido desempenhar papel fundamental na sociedade, o contexto machista ainda é presente em nossa sociedade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente confere aos pais o exercício do Poder Familiar em condições de igualdade:

“Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. (BRASIL, 1990)”

A Constituição Federal de 1988 por seu turno também dispõe:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado:(…)

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. (BRASIL, 1988)”

Assim, o exercício do Poder Familiar é atribuído aos pais (homem e mulher), na qual ambos possuem deveres e direitos sobre a criação de seus filhos independentemente de quem exerce a guarda.

Outrossim, cabe ressaltar que para o exercício do Poder Familiar não é obrigatório a convivência dos genitores, a lei não considera como condição para o exercício do Poder Familiar.

Nesse sentido o legislador dispôs através do art. 1.579 do Código Civil: “Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.”

Sobre o assunto Maria Berenice Dias dispõe:

“Como o poder familiar é um complexo ele direitos e deveres, a convivência dos pais não é requisito para a sua titularidade, competindo aos dois seu pleno exercício. Têm ambos o dever de dirigir a criação e a educação, conceder ou negar consentimento para casar, para viajar ao exterior, mudar de residência, bem corno representá-lo e assisti-lo judicial ou extrajudicialmente (CC 1 . 634 ). (DIAS, 2015, p. 464)”

O deferimento de guarda unilateral a um dos genitores só será permitido quando o outro genitor expressamente manifestar o desejo de não exercer a guarda, porém este ainda terá seus direitos de convivência estabelecidos, conforme dicção do art. 1.632 do Código Civil. Em linhas gerais aquele que optar em não exercer a guarda, este não perderá e nem limitará o poder familiar.

Por fim, há somente duas hipóteses na qual o exercício do Poder Familiar é de maneira exclusiva a um genitor: a) No caso de ausência ou morte de um genitor; ou b) No caso de impedimento de um dos genitores;

1.1.2 Exercício do poder familiar quanto a pessoa dos filhos

O Poder Familiar, como já relatado, traz aos pais deveres e direitos conferidos por lei, além daqueles na qual a ordem natural atribui. O Estado impõe aos pais várias obrigações no que tange aos filhos, dentre elas: alimentação; educação; lazer e etc.

Algumas obrigações são exclusivas ao Poder Familiar, e a respeito o legislador definiu estas no Código Civilista vigente.

In verbis:

“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2002)”

A Constituição Federal por seu turno também dispôs a respeito:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.(…)

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988)”

Nesse diapasão o Estatuto da Criança e do Adolescente impõe:

“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (BRASIL, 1988)”

É notável que a lei imponha vários deveres e direitos aos pais, na qual devem cumprir suas obrigações conferidas por lei, sob pena de sanções.

Frise-se que embora a lei não imponha aos pais o dever de carinho, afeto e amor, há uma tendência jurisprudencial no sentido de que compete aos pais dar afeto, carinho e amor. Importante ressaltar que a falta de afeto, carinho e amor, tem gerado indenizações por abandono afetivo, quando comprovado o dano sofrido.

Maria Berenice Dias leciona a respeito:

“Nesse extenso rol não consta o que talvez seja o mais importante dever dos pais com relação aos filhos: o dever de lhes dar amor, afeto e carinho. A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a encargos de natureza patrimonial. A essência existencial do poderfamiliar é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciados pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar. (DIAS, 2015, p. 465)”

Outrossim, é notável a interferência do Estado nas relações familiares, onde este confere aos pais alguns direitos, mas os limita através de vários outros mecanismos.

É uma das prerrogativas do exercício do Poder Familiar a educação familiar, o direito que o Estado confere aos pais detentores do Poder Familiar, onde estes deverão educar e disciplinar, transmitindo os valores éticos e morais de acordo com seus costumes. Na educação familiar nota-se uma restrição nos métodos de educar os filhos, como por exemplo, os pais são impedidos pelo Estado, através da lei n° 13.010/2014 (conhecida como lei da palmada), de castigar seus próprios filhos, ainda que moderadamente para fins corretivos.

Portanto, o Estado confere aos pais vários direitos e deveres nas quais devem ser cumpridos, pois aqueles que descumprem sofrem as sanções e penalidades legais, porém de outra banda, o Estado limita o exercício deste poder familiar, criando regras e normas nas quais interferem nas relações familiares para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes.

1.1.3 Hipóteses da perda, extinção ou suspensão do poder familiar

O Estado visando à proteção do menor das irresponsabilidades cometidas pelos pais no exercício do Poder Familiar, bem como visando o melhor interesse do menor, interferiu nas relações familiares e retirou dos pais o Poder Familiar caso haja abusos no exercício deste, para isto criou normas prevendo hipóteses de retirar o Poder Familiar sendo:a perda, suspensão ou extinção, seja de forma natural ou por decisão judicial.

“O Código Civilista vigente enumera as hipóteses de extinção do Poder Familiar como sendo:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5°, parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638; (BRASIL, 2002)”

Assim a extinção do Poder Familiar será de forma natural, quando ocorrer a hipótese de morte dos pais ou do filho; pela maioridade; ou emancipação;

Será judicial quando o juiz decidir pela extinção desse poder na ocorrência de algum dos casos previstos no art. 1.638 do mesmo diploma.

A extinção se dará em qualquer das hipóteses descritas no artigo 1.635 do Código Civil, neste há uma interrupção definitiva do Poder Familiar, diferentemente do que ocorre nos casos de suspensão e perda, onde é uma interrupção provisória, sendo a perda medida mais gravosa.

De outro norte, a suspensão do Poder Familiar se dará quando os pais no exercício do Poder Familiar abusar de sua autoridade conferida por lei ou quando se algum deles forem condenados por sentença irrecorrível a uma pena excedente à dois anos de prisão, conforme dicção do art. 1.637 do mesmo diploma. Se estes reincidirem na suspensão poderá ser decretado pelo juiza perda o Poder Familiar.

Registre-se que na suspensão esta pode ser modificada e reanalisada pelo juiz da infância e juventude sempre que os elementos e os fatos sejam favoráveisà concessão.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao referir-se à suspensão do Poder Familiar, dispõe:

A suspensão do poder familiar é uma restrição no exercício da função dos pais, estabelecida por decisão judicial e que perdura enquanto for necessária aos interesses do filho. De acordo com o artigo 1.637 do Código Civil, “se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a ele inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (BRASIL, CNJ, 2016)

A perda do Poder Familiar ocorrerá nas hipóteses previstas no art. 1.638 do Código Civil, na qual destaco oportunamente que estas hipóteses também podem ser objeto da extinção deste.

Nesta esteira, dispõe o referido dispositivo:

“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. (BRASIL, 2002)”

Cumpre-me destacar o inciso I deste artigo, pois se refere à violência doméstica infantil, onde os pais ao utilizar métodos de castigos físicos, exageram nos meios utilizados e fogem da moderalidade, deixando marcas físicas e psicológicas. A intenção do dispositivo é atender os princípios inerentes aos menores, visando sua proteção integral e atender seu melhor interesse, cumprindo assim os mandamentos constitucionais.

Percebe-se que o legislador fez referência aos castigos físicos imoderados deixando a contrario senso que os castigos físicos moderados fossem permitidos, assim aqueles castigos físicos conhecidos pela sociedade como forma de educar foram permitidos até o advento da Lei n° 13.010/2014, sendo vedados aqueles na qual fossem violentamente castigados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente por sua vez, também repudiou a violência doméstica infantil, pois este diploma trouxe integral proteção aos menores.

Registre-se que anterior à edição da Lei 13.010/2014, objeto de estudo nesta oportunidade, o Estatuto Menoristafazia menção e repudiava toda violência contra o menor, porém não fazia referência aos castigos físicos moderados.

Vale citar alguns artigos do referido diploma:

“Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.(…)

“Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (BRASIL, 1990)”

Muitos anos após a criação do Estatuto, o legislador através da Lei n° 13.010/2014 passou a coibir qualquer meio de castigo físico ainda que moderadamente, assim consequentemente o Estatuto sofreu alterações e acréscimos em seus artigos.

Em suma, a extinção do Poder Familiar se dará por qualquer das hipóteses referidas no art. 1.635 do CC, sendo de forma natural ou judicial. A violência doméstica infantil pode ser uma das causas de extinção judicial do Poder Familiar de acordo com o art. 1.638, inciso I, do CC, porém somente em casos nas quais haja excesso no exercício do poder conferido por lei aos pais.

2 Violência doméstica infantil

O Brasil, como já relatado, carrega em suas raízes os sinais e a cultura do machismo e da violência doméstica, seja, infantil ou contra convivente, esposa etc.

São vários os tipos de violência doméstica infantil: Física, Sexual, Psicológica, Negligencia e Fatal.

A violência física é manifesta através dos castigos físicos imoderados e torturas, onde o responsável ou o genitor agridem fisicamente seus filhos deixando marcas aparentes da violência sofrida. Já a violência sexual, traz amargas e fatais marcas psicológicas, pois a criança perde a noção do contexto do ambiente familiar, a figura do pai passa a ser transformada pela imagem do monstro abusador, ou seja, a criança perde a noção do que seria o ambiente familiar, gera um grande transtorno emocional e mental, na qual o tempo não apaga.

Quanto à violência psicológica esta se apresenta através de castigos, brigas, torturas emocionais, xingamentos, destruição da autoestima entre outras formas praticadas pelos genitores ou responsáveis, em desfavor de seus filhos.

Há também a violência manifesta pela negligência, quando ocorre a omissão dos pais ou responsáveis no cumprimento de seus deveres, seja de necessidades físicas ou emocionais. É crescente o número de casos deste tipo de violência em casos onde os genitores apresentam problemas com consumo de entorpecentes e o alcoolismo. Muitas das vezes estes genitores ou responsáveis negligenciam na parte alimentar e não prestam os necessários cuidados alimentares deixando seus filhos a mercê, com anemias, vindo a óbito consequentemente.

Por fim, com relação à violência doméstica fatal refere-se aos atos ou omissões, dos genitores ou responsáveis pelo menor, onde causem danos físicos, psicológicos ou sexuais, aonde quaisquer desses danos conduzam à morte do menor agredido.

Dados obtidos pela UNICEF[2], através de estudos realizados pela TELELACRI, demonstraram números absurdos de casos de violência doméstica infantil ocorrida entre os anos de 1996 a 2004 sendo: 36.478 mil casos de violência física; 11.238 mil casos de violência sexual; 17.171 mil casos de violência psicológica; 44.890 mil casos de negligência e por fim, 473 casos de violência fatal.

2.1 Consequênciaspsicológicas

A violência doméstica infantil trazprejuízos, até mesmo irreparáveis, a saúde do menor, vítima de violência doméstica. Ela deixa marcas psicológicas mais profundas daquelas aparentemente físicas, assim o campo psíquico é difícil de ser tratado, enquanto o físico recebe medicações e logo há melhora. Logicamente o termo violência doméstica infantil refere-se tão somente aos castigos físicos capazes de gerar marcas psicológicas e físicas, não é qualquer caso irrelevante ou ínfimo.

Em alguns casos as consequências são mais gravosas quando o genitor ou responsável reveste-se de ira aliada a outros fatores emocionais (estresse, desentendimentos, trabalho, estudos, crise financeira) e diante de uma palmada ou surra imagina que está corrigindo seus filhos de forma moderada, quando na verdade não está. Nesse sentido cabe discussão, se o modelo agressivo de educar é a maneira correta e que diante de uma sociedade moderna e evoluída, não deve ser repensado a forma de educar?

São indagações na qual o estudo aprofundado mostrará o melhor método a ser implantado nas famílias.

O ambiente familiar trata-se de fundamental alicerce para o desenvolvimento da criança é refúgio, abrigo e proteção ao menor, assim este ambiente não pode cultivar a violência, pois a criança deve se sentir protegida neste local.

Nesse sentido, Izabel Galvão ao relembrar os estudos de Henry Wallon leciona:

“O estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os de seu meio, instala-se uma dinâmica de determinações recíprocas: a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e seu ambiente. Os aspectos físicos do espaço, as pessoas próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios a cada cultura formam o contexto do desenvolvimento. (GALVÃO, 1995, p. 27)”

Assim o ambiente familiar é fundamental ao desenvolvimento da criança, um ambiente agradável gera um desenvolvimento saudável ao menor, sendo que ao contrário, gera um desenvolvimento prejudicado, malformado, com consequências até mesmo irreversíveis.

Crianças agredidas em seu ambiente familiar geram problemas psicológicos, na qual às vezes é irreparável, trazendo consequências severas e implicando no seu desenvolvimento social a curto ou longo prazo.Em curto prazo os efeitos da violência familiar infantil podem gerar: pesadelos diários; medo; raiva; depressão; exclusão social; vergonha; quadros de fobia; e ansiedade;Já em longo prazo, a violência pode gerar: cognições distorcidas; transtornos psiquiátricos; ideias suicidas; fortes crises de depressão, ansiedade, medo, culpa, hostilidade, isolamento; dificuldade de resolver questões interpessoais; fragilidade; e incompreensão;

Segundos dados estatísticos apresentados na Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR demonstraram que as crianças vítimas de violência doméstica estão com fortes tendências de sofrerem de bullyingnas escolas.

Confira-se:

“No geral, 77,9% dos alunos do grupo sem bullying foi vítima de pelo menos um tipo de violência por parte da mãe, mas no grupo de alunos-alvo, essa prevalência foi de cerca de 90%, o que significa que a chance de ser vítima de bullyingfoi 2,6 maior para os alunos expostos à qualquer tipo de violência por parte da mãe em relação àqueles que não sofreram tal violência. (PINHEIRO, 2006, p. 48)”

O desenvolvimento da criança e do adolescente é interferido pelos fatores de risco, esses fatores influenciam no maudesenvolvimento infantil. Já na adolescência, esta fase apresenta grande vulnerabilidade, porque neste período o menor esta em fase de reconstrução de sua personalidade, trata-se de momento decisivo o que eventuais violências podem facilmente gerar um transtorno mental.

Confira-se, neste mesmo norte o entendimento de Tânia Gracy Martins do Vale e Lígia EbnerMelchiori:

“Na adolescência, o amadurecimento físico e os conflitos emocionais associados à diferentes tarefas psicossociais levam à necessidade de reorganização da personalidade em busca de um novo equilíbrio. Nesta fase, o indivíduo vive uma fase de vulnerabilidade e crise, e, dependendo das condições familiares e biopsicossociais presentes, bem como da existência ou não de mecanismos de proteção, um transtorno mental pode manifestar-se. (VALE e MELCHIORI, 2010, p. 178)”

Assim o ambiente familiar é importante para o menor, pois o menor neste período de vida está em pleno desenvolvimento, ou seja, o ambiente familiar deve oferecer proteção, incentivo, carinho, educação e afeto, pois assim correrá menos riscos de gerar transtornos mentais.

O ambiente familiar quando é mal administrado, ao invés de ser ambiente de boa formação na saúde mental da criança, traz sérios prejuízos psiquiátricos na qual a violência gera nas crianças e no adolescente. Geralmente estes ambientes tornam-se locais onde a criança tem repúdio ao permanecer nesses locais, trazendo a elas ideias de fugas, abandono ou até mesmo suicídio.

É perceptível ainda que estas crianças-vítimas desenvolvam significativas alterações comportamentais, confira-se:

“Para Abramovitch et. al (2008) as crianças vítimas de violência doméstica apresentam frequentes alterações do comportamento, além de dificuldades escolares e indisciplina às regras, ocasionando, muitas vezes, o esgotamento das relações interpessoais. A prevalência de transtornos mentais é maior no sexo masculino, tendo uma distribuição variável entre as faixas etárias. (ABRAMOVITCH, 2008 apud RODRIGUES e BINSFELDHESS, 2013, p. 10)”

Assim, o emprego de castigos físicos como meio pedagógico, seja moderado ou imoderado, geram nos menores sentimentos revoltosos, na qual geram condutas comportamentais indesejáveis. Assim se a intenção é corrigir, ocorrerá o inverso.

3 Legislação Contrária à Violência Doméstica Infantil

3.1 História e projetos de leis

Os castigos físicos, como já relatados, atravessaram milhares de anos e perduram ainda em nossa sociedade.

No Brasil em seu período colônia a igreja e o Estado detinham grande poder,a igreja permitia e incentivava o uso dos castigos físicos, era um meio pedagógico.

Nessa cultura, influenciada pelo patriarcado e os modelos arcaicos familiares, reforçaram os castigos físicos e começaram a surgir casos de violência doméstica infantil.

Preocupados com os castigos físicos imoderados e moderados, o Estado através de vários métodos tentou impedir o avanço deste tipo de violência. Frise-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente permitia os castigos físicos, porém de maneira moderada.

 O marco inicial foi o projeto de lei n° 2.654 de 2003, apresentado pela deputada Maria do Rosário, este projeto dispunha a respeito da proibição dos castigos físicos moderados ou imoderados, seja para fins pedagógicos ou qualquer alegação.

Confira-se a ementa:

“Dispõe sobre a alteração da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Novo Código Civil, estabelecendo o direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, e dá outras providências. (BRASIL, 2003, p. 01)”

Somente em 2010, após vários anos da apresentação do projeto de lei n° 2.654/2003 da deputada Maria do Rosário, o projeto de lei n° 7.672 de 2010, apresentado pelos deputados: Paulo de Tarso Vannuchi, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto e Marcia Helena Carvalho Lopes, foi aprovado e transformou-se na lei n° 13.010/2014. O projeto de Maria do Rosário foi arquivado em 21 de outubro de 2014, tendo em vista que se encontrou prejudicado, em razão da entrada em vigor da lei n° 13.010/2014.

3.2 Lei n° 13.010/2014 (Lei da Palmada)

Oriunda do projeto de lei n° 7.672/2010 apresentado pelos deputados Paulo de Tarso Vannuchi, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto e Marcia Helena Carvalho Lopes, tendo sido batizada de “lei da palmada”, foi sancionada em 26 de junho de 2014 a lei n° 13.010/2014. Tal dispositivo legal dispõe a respeito de algumas alterações no ECA, com objetivo principal estabelecer aos menores o direito de serem educados e cuidados sem o emprego de violência física ou psicológica, referindo-se aos castigos físicos de tratamento cruel ou degradante.Além de ser conhecida como “Lei da Palmada” também ficou conhecida por “Lei Menino Bernardo”, pois no ano de 2014, antes de ser sancionada, o Brasil ficou abalado com o caso do menino gaúcho Bernardo UglioneBoldrini vítima de violência doméstica infantil, portanto em meio aos movimentos de comoção social e a logo aprovação da referida lei ficou conhecida por este nome.

Outrossim, a criação desta lei apenas reforçou o combate à violência doméstica infantil, na qual é comum no país, pois já existiam normas que proibiam os casos de castigos imoderados, bem como existiam programas de combate à violência infantil, porém o que se buscou através desta lei foi o caráter educativo de mudar o jeito de gerir a educação dos filhos, mudando a forma de castigos físicos para diálogos, conversas e etc. Percebe-se que as punições aplicáveis por este dispositivo legal são medidas brandas, porém a aplicação dessas medidas não prejudica outras sanções legais no âmbito penal.

3.2.1 Justificação

Ao justificar e apresentar o projeto à Presidência da República os deputados idealizadores do projeto de lei demonstraram preocupados com a violência doméstica infantil através dos castigos físicos, o tratamento de forma cruel ou degradante.

Confira-se:

“O Projeto de Lei objetiva aprofundar o direito que todas as crianças e adolescentes possuem de ser educados e cuidados sem o uso dos castigos físicos e do tratamento cruel e degradante como formas de correção, disciplina e educação ou sob qualquer outro pretexto. (BRASIL,Projeto de Lei n° 7.672/2010, p. 05)”

Neste mesmo norte, os deputados demonstraram a preocupação com o princípio da autonomia privada, pois o referido projeto interferia nas relações familiares, tendo enorme o cuidado ao tratar do assunto.

Colaciona-se parte da referida justificação apresentada:

“Contudo, a condição peculiar de crianças e adolescentes e a especificidade das relações intra-familiares demandam que a decisão de submeter sanções aos pais, ou de interferir formalmente na família de outras maneiras, seja tomada com muito cuidado, premissa que é preservada no âmbito do Projeto de Lei ora proposto”. (BRASIL, Projeto de Lei n° 7.672/2010, p. 04)

Tambémse mostraram bastante preocupados em atender o melhor interesse do menor e dos pais ou responsáveis, pois o projeto apontava medidas disciplinares menos gravosas, pois a saída de um destes do ambiente familiar por intermédio de ação judicial traria maior prejuízo ao menor, deixando essas medidas severas reservadas aos casos excepcionais.

Buscavam através do referido projeto a mudança na forma de agir com os filhos quando se trata de meios pedagógicos, trazendo a ideia de diálogo e compreensão com os filhos.Apontaram ainda ser necessárias adoção destas medidas, pois se percebia uma mudança em âmbito nacional e internacional no sentido de criminalizar e combater estas formas de violência seja com pouca ou grande gravidade.

No mais, os movimentos sociais espalhados pelo Brasil e no Mundo deram maior ênfase ao tema e o clamor era pela maior atenção por parte das autoridades.

As ações realizadas pela Secretaria de Direitos Humanos também tiveram forte influência para a edição do projeto de lei, pois reforçaram a ideia de que se tratava de algo com considerável clamor social.

Por fim, conclui-se que o projeto buscou cessar as formas de violência doméstica infantil, no que se refere aos castigos físicos e tratamentos cruéis ou degradantes, utilizando-se da intervenção Estatal no âmbito familiar sempre respeitando os limites do princípio da autonomia privada, buscando a mudança cultural dos meios empregados para punições ou métodos pedagógicos agressivos, trazendo a ideia de diálogo, compreensão e paciência tudo para proporcionar um saudável desenvolvimento infantil. Os movimentos sociais e os desenvolvimentos de ações governamentais auxiliaram na condução e no reforço do referido projeto, na qual em 2014 foi devidamente sancionado pela presidenta da República.

3.2.2Conteúdo e punições

A Constituição Federal e as leis ordinárias impõem dever legal aos pais e responsáveis, atribuindo a eles o poder familiar, sendo uma de suas prerrogativas o dever de punir e corrigir seus filhos. Mas este direito é limitado pelas interferências estatais tendo em vista as grandes ocorrências de abusos no exercício do Poder Familiar qual seja o emprego de castigos físicos.

Nesse sentido a lei n° 13.010/2014 buscou mudar o cenário de violência no exercício do Poder Familiar, substituindo os castigos físicos e psicológicos por meios alternativos como o diálogo e a compreensão. A lei não vai contra a disciplina dos menores, apenas busca proteger os direitos do menor e garantir a este um desenvolvimento saudável, sendo disciplinado de outra forma.

Convém destacar que a lei insere três novos artigos e altera dois artigos do ECA, e por fim altera um artigo na Lei de diretrizes e bases da educação nacional.

Em análise a referida lei percebe-se que não trata de uma norma penal, mas sim civil, que limita o emprego de violência física ou psicológica nos meios pedagógicos das relações familiares, podendo ser dividido seu conteúdo em três esferas: a) Ambiente familiar; b) Estatal; e c) Conselho tutelar;

A respeito da esfera do ambiente familiar, compreendida nestes termos com relação aos métodos pedagógicos de disciplina através dos castigos físicos ou psicológicos, a lei busca impedir no âmbito familiar o emprego de violência usando os termos “castigo físico, tratamento cruel ou degradante”.

Nesse sentido, confira-se a nova alteração introduzida pela lei n° 13.010/2014no ECA:

Art. 18-A. A criança e ao adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:

I – Castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:

a) sofrimento físico; ou

b) lesão;

II – Tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:

a) humilhe; ou

b) ameace gravemente; ou

c) ridicularize”. (BRASIL, 2014)

Segundo o dispositivo legal os castigos físicos são aqueles empregados com uso da força física, de forma educativa ou punição, na qual gera um resultado de sofrimento físico ou lesão corporal. Registre-se que a lei deixa de forma abrangente quando dispõe o termo “lesão”, pois compreende as lesões de natureza leve e as graves, assim um “beliscão” que resulte em uma lesão de natureza leve pode se enquadrar neste dispositivo.

Quanto ao sofrimento físico o termo abrange toda a sensação de dor, mal-estar e incômodo, podendo gerar além do sofrimento físico os sofrimentos de ordem psicológica, acarretando assim em problemas emocionais.

Em relação aos tratamentos cruéis ou degradantes estes são aqueles capazes de humilhar a criança, ameaçar sua existência, tratar de forma ridícula, criar situações vexatórias e etc. O exemplo muito conhecido no Brasil e que merece destaque, na forma de tratamento cruel ou degradante, é o caso dos filhos que são castigados a ajoelhar-se em caroços de milho e passar vários minutos ajoelhados sobre o mesmo.

Cumpre destacar que o uso dos castigos físicos gera consequentemente um resultado de sofrimento físico, pois atinge o corpo da criança gerando desconfortos. Estende-se de tal maneira que é proibido os castigos físicos menos agressivos até os mais gravosos.

No mais, ainda que não lesione ou cause sofrimento físico, resta analisar a questão psicológica, pois como já relatado, os castigos geram consequências psicológicas que reproduzem suas consequências no desenvolvimento infantil, sejam estes moderados ou imoderados. Os atos de castigos em reiteradas vezes, ainda que não sejam capazes de causar lesão ou sofrimento físico, geram situações degradantes à saúde do menor.

Nesse aspecto, Antônio Cesar Lima da Fonseca, procurador do Estado do Rio Grande do Sul, ao tecer breves comentários à referida lei dispõe:

“Os atos de castigo físico dão causa ao sofrimento físico, ou seja, ao atingimento corporal gerador de dor à criança ou adolescente e vão desde os mais simplórios e aparentemente não agressivos, como beliscões, palmadas ou tapas, abrangendo agressões mais ‘pesadas’ com varas ou cipós, chinelos, relhos, chicotes ou quaisquer outros objetos que atinjam o corpo físico da criança ou do adolescente. Na mera potencialidade da ação de castigar ou punir como forma de disciplina ou punição, ou seja, mesmo que a conduta não gere ou ocasione lesão ou sofrimento físico na criança ou adolescente, já existe uma vedação legal, pois a ação de ‘castigar disciplinarmente’ traz consigo o ‘tratamento degradante’, os maus-tratos, isto é, conduta que humilha e que atinge psiquicamente a criança ou adolescente.” (FONSECA, p. 04)

Assim, somando-se a intenção dos legisladores e a abrangência do referido dispositivo, é fácil perceber que a lei da palmada impede de forma taxativa o emprego de qualquer castigo físico, evidentemente que cabe um juízo de equidade conforme o caso, pois como já relatado, os pais detêm o poder de educação disciplinar com relação a seus filhos, bem como há castigos que não tem como resultado a dor, a lesão, o sofrimento físico ou o tratamento cruel ou degradante.

Ainda em comento ao âmbito familiar, a lei amplia o alcance da norma, compreendendo os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos na qual tenham obrigação de cuidar dos menores, além dos pais.

Aos pais ou responsáveis pelo menor é imposto algumas medidas na qual fogem da natureza de sanção penal, a lei busca mudar os costumes da sociedade de forma a conscientizar, educar e modificar os meios de educação familiar.

A lei da palmada impõe as medidas disciplinares aplicáveis aos pais como sendo: a) encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; b) encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; c) encaminhamento a cursos ou programas de orientação; d) obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; e c) advertência.

Colaciona-se o seguinte trecho de lei:

“Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;V – advertência.Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.” (BRASIL, 1990)

Registre-se que antes do advento da lei da palmada estas medidas disciplinares já eram previstas no Estatuto Menorista, onde dispunha a respeito das atribuições do conselho tutelar e dava a este, competência para aplicar medidas disciplinares aos pais ou responsáveis caso fosse necessário, confira-se:

“Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:I – […]II – atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:I – encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família;II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;VII – advertência;” (BRASIL, 1990)

Nota-se que a lei deixa claro que os pais ou responsáveis não se furtarão das responsabilidades em âmbito penal, caso haja excessos consideráveis.

Ao analisar minuciosamente a referida lei esta não tem poder de coerção, pois não criminaliza ou cria sanções, apenas sugere orientações aos pais. Registre-se que é de obrigação do Estado criar e desenvolver programas sociais que tragam aos pais informações para a educação familiar sem o emprego de castigos físicos.

Segundo Maria Berenice Dias:

“Não houve a criminalização dos pais e responsáveis que agridem sob qualquer pretexto: correção, disciplina ou educação. Foi vetada a única a penação pecuniária que constava do projeto, e que consistia na aplicação de multa, no valor de três a 20 salários mínimos, aos profissionais ela saúde, ela assistência social, da educação ou a qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública, que deixasse ele comunicar ao Conselho Tutelar a suspeita ou confirmação ela ocorrência de atos ele violência contra menores ou adolescentes.” (DIAS, 2015, p. 475)

A cultura brasileira está acostumada a mudar seus costumes quando há criminalização ou sanção, assim sem isto é muito difícil mudar os costumes da sociedade brasileira. Os projetos e campanhas de conscientização podem contribuir para que possa haver uma mudança no contexto das famílias.

A lei revogou tacitamente a permissão que o art. 1.638, I do Código Civilista dava ao emprego de castigos físicos moderados, ficando assim proibido qualquer emprego de castigos físicos ainda que moderadamente.

A doutrina de Maria Berenice Dias explica:

“De qualquer modo a Lei tem o mérito de acabar com a absurda permissão que o Código Civil outorgava aos pais de castigar os filhos, a inda que moderadamente. Isto porque só o castigo imoderado ensejava a perda cio poder familiar (CC 1.638 1). Ou seja, o castigo moderado era admitido. Agora não mais. Quem impinge castigo físico ou tratamento cruel ou degradante fica sujeito a cumprir medidas de caráter psicossociais. (DIAS, 2015, p. 475)”

No que tange a obrigação da esfera Estatal a lei impõe ao Estado o dever de criação de políticas públicas em caráter preventivo, como forma de educar os pais a respeito da boa educação familiar, sem o uso e o emprego de castigos físicos ainda que moderados. No mais, a lei também sugere aos profissionais da saúde e da educação entre outros, a formação continuada e a capacitação profissional, para poder identificar os sinais de violência doméstica infantil, o diagnóstico, o enfrentamento e também a prevenção.

Confira-se o artigo de lei:

“Art. 1oA Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 18-A, 18-B e 70-A:“Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações:I – a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;II – a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;III – a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;IV – o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;V – a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;VI – a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.Parágrafo único. As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção”. (BRASIL, 2014)”

Por fim, registre-se que a Lei é clara no sentido de obrigar os Municípios, o Estado e a União, para o desenvolvimento destas políticas públicas.

De outro norte, quanto à obrigação do conselho tutelar a lei traz inovação, pois dá ao conselho a competência para averiguar e aplicar as medidas disciplinares percebe-se que a lei não busca criar maior conflito entre os pais e o Estado, ao contrário tenta de forma simples resolver estes conflitos, conforme a redação no art. 70-A, inciso IV, ECA. Traz ainda obrigatoriedade em comunicar o conselho tutelar, confira-se:

“Art. 2o Os arts. 13 e 245 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:“Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (BRASIL, 2014)”

Percebe-se que a lei atribui ao conselho o poder de averiguar e aplicar as medidas cabíveis de acordo com a gravidade do caso, evidentemente que tal competência não exclui o Poder Judiciário através do Juiz da Infância e Juventude e o Ministério Público, poderão estes aplicar também as medidas disciplinares, sempre em conjunto com o conselho tutelar, conforme art. 148, inciso VII, ECA.

Em suma, cabe ao conselho tutelar tomar as medidas preliminares e disciplinares, e caso haja maior gravidade comunicar o delegado de polícia para providências cabíveis.

3.2.3 Veto da Lei n° 13.010/2014

Foi vetado o art. 245 da Lei n° 13.010/2014 na qual previa a aplicação de pena de multa de 03(três) a 20(vinte) salários mínimos, aos profissionais da saúde, assistência social, educação ou qualquer outro que exerça função pública, caso estes deixassem de comunicar ao conselho tutelar os casos de violência doméstica familiar.

Confira-se a redação do artigo de Lei vetado:

“Art. 245. Deixar o profissional da saúde, da assistência social ou da educação ou qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento envolvendo suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante ou maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, 2014)”

A justificação para o veto foi que tal imposição obrigaria profissionais que não possuem habilitações específicas e cujas atribuições não se relacionam com a temática, a comunicar as autoridades competentes. Nesse sentido segue as razões do veto:

“Razões do veto“A ampliação do rol de profissionais sujeitos à obrigação de comunicar à autoridade competente os casos de castigo físico, tratamento cruel ou degradante ou maus-tratos contra criança ou adolescente, inclusive com imposição de multa, acabaria por obrigar profissionais sem habilitações específicas e cujas atribuições não guardariam qualquer relação com a temática. Além disso, a alteração da multa de salários de referência para salários-mínimos, além de destoar em relação aos demais dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, violaria o disposto no art. 7o, inciso IV da Constituição.”Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. (BRASIL, 2014)”

Caso tal dispositivo fosse sancionado traria coerção aos referidos profissionais no que tange a comunicação destes casos de violência criando injustiça, pois nem todos profissionais conhecem e identificam os casos de violência doméstica infantil, sendo totalmente injusta a imposição desta pena. Por outro lado, não estaria de acordo a imposição de multa com os demais dispositivos do estatuto menorista.

3.2.4 Contras e Prós

A conhecida lei da palmada gerou polêmica desde a apresentação de seu projeto na câmara dos deputados, tendo várias opiniões contrárias e também teve seus defensores.

3.2.4.1 Críticas

Com a Lei sancionada surgem na sociedade várias indagações e críticas a respeito do conteúdo normativo. Em pesquisa realizada pelo site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – TJMT apurou-se que 82,19% (oitenta e dois vírgula dezenove por cento) dos internautas são contrários à aprovação do projeto de lei na qual originou a lei 13.010/2014.

A primeira crítica comum em opiniões sobre o assunto é a respeito da eficácia da lei, pois como sabido a lei não cria crimes e nem comina penas, apenas cria sanção cível de cunho educativo que traz diretrizes sobre a educação familiar, assim por não criminalizar certos atosfaz tornar-se ineficaz. É cediço que a cultura brasileira está acostumada a mudar seus costumes quando há coerção, caso contrário torna-se algo ineficaz.

De outro norte, aparecem críticas no que se refere à razoabilidade da Lei, pois a lei busca coibir os castigos físicos até mesmo moderados não sendo razoável proibir uma simples palmada sobre o pretexto de que seja um tratamento cruel ou degradante, ou que o castigo esteja causando um sofrimento físico ou lesão.

Também há críticas no sentido de que a Lei “choveu no molhado”, pois anterior à edição da lei já vigorava em nosso ordenamento jurídico leis ordinárias e a própria Constituição Federal proibindo o emprego de violência doméstica infantil, como abusos sexuais, maus tratos, tratamento cruel, tortura e etc.

Nesse aspecto confira-se trecho de uma publicação de revista:

“O que não falta é lei a respeito. A Constituição brasileira já proíbe violência, crueldade e opressão contra crianças e adolescentes. Alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente também tratam da questão dos maus-tratos e da exposição de crianças a situações humilhantes. Não adianta criar mais leis, e sim fazer cumprir as existentes.” (SALA, 2010)

Neste mesmo sentido o deputado federal Jair Bolsonaro é contra, ao argumento de que os castigos físicos imoderados já são proibidos, sustenta não haver necessidade de elaboração desta lei, considera legítimo o uso da palmada ou qualquer outro castigo.

Confira-se trecho de material de revista:

“Palmada ou qualquer outro castigo é o último recurso que um pai tem para poder educar o filho. Espancamento e lesão corporal já são puníveis, independente de parentesco e têm penas agravadas em virtude do pátrio poder", ressaltou Bolsonaro.” (LOURENÇO, 2011)

O deputado ainda complementa que LOURENÇO (2011): “A situação se inverterá: os pais ficarão preocupados em ser denunciados ou até caluniados por pirralhos de 6, 7,8 anos", disse o parlamentar, ao Informe JB.”

Nessa linha de raciocínio Raymundo de Lima (2012) aponta que o medo dos pais de serem denunciados pelos próprios filhos geraria pais omissos e permissivos com os filhos, onde mudaria o contexto familiar, os pais sendo submetidos ao poder dos filhos.

Segundo Ana Clara Tavares Coelho (2012), os castigos físicos moderados são indispensáveis à educação familiar, pois estes servem para impor limites aos filhos já que o diálogo nem sempre é eficaz para fixar os limites de respeito e educação.

Assim para determinadas crianças o diálogo já não serve, sendo a palmada um meio alternativo e com maior eficácia, registre-se que esta somente seria usada em caso de necessidade.

Gershoff (2002) sustenta que a palmada pode ser útil para interromper comportamentos impulsivos e indesejados da criança, nestes casos a palmada torna-se mais eficiente para interromper estes comportamentos. Seguidores deste entendimento consideram ser razoável a liberação deste tipo de palmada nestes casos excepcionais.

Muitos ainda vão além ao afirmar que a falta do uso da palmada traria crianças descontroladas, indisciplinadas e que consequentemente geraria o aumento na criminalidade juvenil. Porém esta crítica é desconstruída, pois um estudo apresentado na Suécia, país que aprovou lei semelhante em 1979, comprovou que a partir dos anos 90 a criminalidade juvenil diminuiu, confira-se:

“O Conselho Nacional da Suécia para Prevenção do Crime (Brå) presta muita atenção à criminalidade juvenil, ao realizar seu trabalho de produzir dados e distribuir informações sobre crimes e prevenção. O Conselho relata que, segundo os dados disponíveis, houve uma diminuição da criminalidade desde meados dos anos 1990, devido, sobretudo, a uma diminuição no número de roubos e delitos criminais cometidos por jovens.” (MODIG, 2009, p. 22)

Ao contrariar as críticas de que os castigos preveniam os futuros criminosos, o estudoapontou que a violência doméstica na infância é um dos fatores influentes para o desenvolvimento de uma mente criminosa.

In verbis:

“A habilidade dos pais para oferecer cuidado é crucial para o desenvolvimento da criança. Se os pais têm dificuldade de desenvolver um relacionamento emocional forte com o filho ou são violentos em seu trato com ele, serão maiores os riscos de que a criança desenvolva sérios problemas psico-sociais, o que, por sua vez, aumenta o risco de que a criança se envolva em atividades criminosas em algum momento de sua vida.” (MODIG, 2009, p. 22)

Outro ponto que merece destaque é que a referida norma interfere nas relações familiares, ou seja, o Estado interfere na autônima privada. Esta interferência é preocupante na medida em que o Estado passa a interferir e dar diretrizes a serem seguidas pelas famílias. Também é contraditória, pois a Constituição federal e as leis ordinárias conferem aos pais ou responsáveis o dever legal de disciplinar, educar e corrigir, porém, impede qualquer forma de castigo físico ainda que moderado. Sabe-se que todo direito tem sua limitação, porém neste caso o Estado além de limitar interfere nas relações familiares e dá diretrizes de como conduzira educação familiar, ou seja, a interferência estatal é abusiva.

Alguns ainda sustentam ser inconstitucional, pois em profunda análise aos dispositivos da Constituição Federal esta protege a família e dá aos pais o Poder Familiar, e com o advento desta lei o Estado interfere diretamente no direito dos pais de educar os filhos, assim constituiria uma ofensa ao poder familiar. (SOUZA, 2011)

Assim de acordo com esse entendimento, opositores da lei da palmada defendem que o Estado não pode interferir e controlar a intimidade e a vida privada dos cidadãos, pois os direitos são invioláveis previstos na lei maior.

3.2.4.2 Argumentos favoráveis

Na cultura brasileira estão presentes as marcas dos castigos físicos nas famílias brasileiras, e seu repasse de geração em geração é sua consequência, a edição desta norma traz importante avanço e reforça as leis já existentes no que concerne à proteção integral dos menores.

Havia em nosso ordenamento jurídico a permissão dos pais utilizarem dos castigos físicos moderados para disciplinar seus filhos, porém a redação da nova lei muda o ordenamento jurídico proibindo qualquer utilização de castigo físico, assim evidentemente evita abusos cometidos pelos pais.

Segundo entendimento de SANTOS (2010) aqueles que procuram defender o conteúdo da referida norma, sustentam que os castigos físicos, ainda que moderados, causam umaofensa à integridade e dignidade dos menores, sendo que estes devem possuir integral proteção em consonância com as leis de proteção aos menores e a Constituição Federal.Afirmam ainda que o Estatuto Menorista embora proíba a violência doméstica infantil não conseguiu conscientizar os pais ou responsáveis, sendo de rigor a edição da referida lei.

Igualmente, os castigos físicos, ainda que moderados, geram nos menores problemas psicológicos, como assevera a Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Dra. Maria Ignez Franco Santos ao dissertar favoravelmente à lei:

“O grande mérito do projeto é reconhecer que a violência (dita punição corporal), em qualquer das suas formas, não constitui ação pedagógica, sabido que, além de eventual aflição física, ocasiona efeitos psicológicos nocivos ao desenvolvimento mental da criança ou do adolescente.” (SANTOS, 2010)

A Promotora de Justiça ainda aponta que o uso de castigos físicos, moderados ou não, poderá desvirtuar a intenção disciplinar, pois os pais podem utilizar-se destes mecanismos para ‘descontar’ frustrações diárias, irritações, impaciência e etc.

Confira-se:

“Não raro, a agressão, ainda que eventualmente moderada, representa o desafogar de frustrações e irritações diárias, falta de paciência, estando longe de constituir uma necessidade educativa. Entende-se duvidosa a postura de quem sustenta que a imposição de regras e limites precisa ocorrer pela palmada, o beliscão, a chinelada, o tilintar da cinta.” (SANTOS, 2010)

Outros sustentam que os castigos físicos na educação familiar não solucionam os problemas indisciplinares, pois há muitos anos os castigos físicos são empregados no ambiente familiar e sempre teve crianças indisciplinadas, o que faz prova de que tal método não é eficaz.

De outro norte, com fortes influências da Convenção sobre os direitos da criança e do adolescente de 1989, o Brasil seguiu as tendências internacionais no combate ao emprego dos castigos físicos, pois outros países já se preocuparam e aboliram os castigos físicos, como por exemplo, a Suécia. Registre-se que a Suécia apresenta ótimos resultados na educação familiar, mesmo passado 37 (trinta e sete) anos de proibição aos castigos físicos.

Apontam a necessidade de novos métodos de educação familiar, baseados nos diálogos, compreensão, confiança, carinho e afeto, buscando equilibrar o respeito e os devidos cuidados, protegendo o menor de violência no seu ambiente familiar.

3.2.5 Políticas públicas

A lei da palmada criou responsabilidade aos entes estatais (Município, Estado e União) em criar e desenvolver políticas públicas para erradicação da violência doméstica, conscientização e educação aos pais, para que a lei venha a ter eficácia.

Embora a lei da palmada imponha dever ao Estado de criar políticas públicas para o combate à violência doméstica foram criadas poucas campanhas com intuito educativo de prevenção. O Estado proíbe o uso dos castigos físicos com a promessa de criar políticas públicas de caráter educativo, mas acaba por não criar, deixando os pais desamparados na educação familiar.

É possível atingir o objetivo da lei com boa eficácia se o Estado promover as intensas políticas públicas de conscientização, assim poderá chegar a resultados satisfatórios.

Vale citar que na Suécia foram desenvolvidas várias campanhas nacionais, mobilizações, projetos, programas, políticas públicas de caráter educativo, e devido a isto a Suécia é um pais na qual reduziu os casos de violência doméstica infantil. Em estudo realizado pelo governo Sueco em 2009, apontou que desde a promulgação da lei em 1979 que combate os castigos físicos, a Suécia vem registrando diminuição nos casos.

Confira-se quadro gráfico apontado neste estudo:

Evidentemente que as polícias públicas intensas surtiram os efeitos pretendidos pelo governo Sueco, uma vez que dos anos de 1960 a 2000 os níveis recuaram em mais de 80% (oitenta por cento), dados significativos que comprovam a eficácia destas.

No Brasil existe a rede “Não bata, eduque” desenvolvida em nível nacional, com baixa divulgação e adeptos. Tal campanha de conscientização possui 200 membros entre pessoas físicas e jurídicas, o que demonstra a dificuldade de aceitação da referida norma. Buscam estimular uma boa relação familiar, com respeito aos direitos da criançaprotegendo-a de violências físicas e psicológicas, através de campanhas nacionais espalhadas pelo Brasil.

A campanha “Não bata, eduque” disponibiliza em seu site orientações aos pais e educadores a respeito do uso dos castigos físicos, sugerem dicas de meios alternativos na educação familiar, bem como deixa a disposição perguntas e respostas de dúvidas dos pais.

Outro movimento social é a rede “Aliança pela Infância”, trata-se de uma rede internacional de organizadores que lutam pelos direitos das crianças no mundo. Chegou ao Brasil em 2001 através da educadora Ute Craemer e tem como objetivo atender a Carta de Princípios da Aliança pela Infância elaborada em 1999. Combate o uso dos castigos físicos e defende uma educação familiar com diálogo e compreensão.

O governo federal através do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) criou políticas públicas no combate à defesa dos direitos das crianças e adolescentes, bem como atua como órgão fiscalizador dos conselhos estaduais e municipais.

O Ministério da Educação criou o projeto “Escola que protege” onde tem por objetivo prevenir a violação dos direitos dos menores, para isso capacitou profissionais da rede de educação para melhor atuar em casos de violência doméstica infantil.

O Ministério do Desenvolvimento Social também desenvolveu serviços de proteção social especial, com objetivo de atender as famílias que enfrentam situações de violência doméstica, abandono, e etc. O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) exerce função de orientação e acompanhamento destas famílias.

Portanto, para atender o fim almejado pelo legislador quando da criação da lei da palmada o Estado deve cumprir suas obrigações, criando e desenvolvendo políticas públicas para fortalecer a eficácia da lei, seguindo o exemplo da Suécia, onde através de vários movimentos e políticas públicas conseguiram atingir seu objeto legal. Embora os entes governamentais tenham buscado elaborar políticas públicas, devem-se criar mais campanhas e movimentos para que possam conscientizar os pais de como proceder a uma boa educação familiar.

Conclusão

Aos pais é atribuído o exercício do Poder Familiar, na qual confere a estes o poder de educar, disciplinar e etc. Assim como há direitos também há deveres a serem cumpridos no exercício deste poder, como por exemplo, dar assistência ao menor, zelar pela sua saúde, garantir sua educação, alimentação e etc.

Como ocorre em outras esferas, pode haver abusos destes direitos e atento a este fato o Estado interfere nas relações familiares e busca proteger o menor destes abusos.

Como já discutido no presente trabalho, a interferência do Estado é um tanto preocupante, mas necessária. Diga-se necessária, pois se o Estado não limita este direito estará sendo omisso quanto aos casos de abusos de direito.

A educação disciplinar familiar é um dos casos na qual facilmente poderá haver um abuso no exercício deste direito. São absurdos os registros de casos de violência doméstica infantil no seio das famílias brasileiras. O contexto machista e patriarcal oriundo das épocas imperiais do Brasil colônia deixaram marcas na quais refletem até os dias atuais, pois a cultura do emprego dos castigos físicos são reflexos desta época. Registre-se que naquela época a igreja e o Estado apoiavam o emprego de castigos físicos como métodos pedagógicos familiares.

Atento a esta costumeira prática no contexto familiar o Estado interfere nas relações familiares e através da lei n° 13.010/2014, busca impedir e mudar o contexto pedagógico familiar retirando as práticas de castigos físicos e indicando outras formas de educar.

O advento da lei trouxe várias críticas, mas de outro norte trouxe vários adeptos. A divulgação midiática talvez possa ter contribuído para a baixa aceitação, uma vez que o conteúdo da lei não foi bem veiculado ou esclarecido. Muitos sustentam que os pais seriam considerados criminosos, estariam desautorizados perante os filhos, aumento na criminalidade juvenil,falta de eficácia ou que a lei em nada acrescentou.Mas em análise ao conteúdo normativo da referida lei, percebe-se que há muitos pontos a serem desmitificados.

A Lei não considera os pais como criminosos nem sequer tem cunho penal, mas civil. Apenas prevê algumas medidas disciplinares em relação aos pais para que possam ser conscientizados e que mudem as formas de educação disciplinar. O Estado tentou minimizar os impactos causados pelas medidas disciplinares aplicáveis aos pais, na medida em que impôs ao Conselho Tutelar a competência para aplicar estas medidas que melhor se amolda ao caso concreto. Não previu a retirada do Poder Familiar pela simples “palmada”, mas indicou meios mais brandos. Logicamente, aos pais que abusam deste direito de forma mais agressiva o Estado prevê penas mais severas em outras esferas, como por exemplo, o crime de maus-tratos previsto no Código Penal.

Assim a Lei não busca desautorizar os pais nem mesmo impedir que estes disciplinem seus filhos, mas busca mudar os costumes dos pais em relação a educação disciplinar familiar, tendo a Lei conteúdo educativo.

Embora o intuito do legislador e a tendência doutrinária reafirmam o entendimento de que a Lei impede qualquer emprego de castigo físico, ainda que moderado, pode-se entender que a lei não busca punir uma ínfima palmada, pois não há sofrimento físico ou lesão.

Como cediço a Lei não está inserida no âmbito penal, mas cabe uma ideia de analogia ao princípio da intervenção mínima do Estado, pois a máquina Estatal não se deve mover para questões simples como o caso de um castigo físico de lesão ou sofrimento físico ínfimo.

Entende-se que a Lei proibiu o emprego de castigos físicos moderados referindo-se aqueles que não são considerados graves, mas que rotineiramente possam trazer prejuízos ao menor.

A Lei ainda impôs ao Estado a obrigação de desenvolver campanhas de conscientização, bem como políticas públicas fazendo com que os pais mudem a forma de conduzir a educação e como aplicar as medidas disciplinares.

Talvez o problema do Brasil esteja na falta destas políticas públicas, bem como o seu incentivo para conscientizar a população, pois em nada adianta proibir uma forma de educar que atravessa séculos e não indicar o meio alternativo. Na Suécia desde 1979 o país combate e proíbe o emprego de castigos físicos na educação disciplinar, onde obteve sucesso na eficácia, pois desenvolveu políticas públicas, projetos, programas e campanhas de conscientização.

No Brasil ainda é recente o advento desta Lei, porém para que o Estado consiga atingir os objetivos da referida norma, deve desenvolver as campanhas, projetos, programas e etc.

Atualmente são poucas as políticas públicas no combate à violência doméstica infantil e o uso do castigo físico, dessa maneira o Estado dificilmente notará eficácia na referida Lei, pois embora haja grande divulgação do conteúdo normativo, às vezes veiculados pela mídia de forma errada, necessário se faz uma campanha ou programas que auxiliem os pais e conscientizem na mudança de costumes quanto a educação pedagógica familiar.

Outrossim, por ter conteúdo de natureza civil e não penal sem prever penas, a Lei encontra dificuldade quanto sua eficácia, pois como já relatado, no Brasil a Lei tem maior eficácia quando há coerção.

Conclui-se que o exercício do Poder Familiar é limitado pelo Estado quando interfere nas relações familiares e disciplina como deve proceder a educação disciplinar familiar, o que é uma das prerrogativas deste poder. Tal interferência é legitima, pois, o Estado preocupa-se com a proteção integral dos menores, buscando preservar os direitos destes. Apesar de severas críticas, o conteúdo normativo da Lei é importante e tem sua eficácia se o Estado cumprir suas obrigações em conjunto com os pais, pois em nada adianta proibir o emprego dos castigos físicos, mas não auxiliar os pais na nova forma de conduzir a educação familiar. Neste ponto ressalta-se a importância das políticas públicas, pois trará maior eficácia a Lei se auxiliarem os pais na nova forma de educar e corrigir os filhos, assim como ocorreu na Suécia.

 

Referências
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Nota:    
[1] Trabalho orientado pelo prof. Rodrigo Antonio Correa, professor das Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul.
[2] Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescente. Um cenário de (des)construção, Maria Amélia Azevedo e Viviane N. de Azevedo Guerra. Unicef. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/Cap_01.pdf. Acesso em: 05 de julho de 2016.

Informações Sobre o Autor

Renata Nunes Carvalho

Acadêmica de Direito das Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul


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Equipe Âmbito Jurídico

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