A definição jurídica do incesto vem do latim incestu (impuro,
impudico) e é definido como a conjunção carnal entre parentes por
consangüinidade ou afinidade, que se acham, em grau, interditados, ou
proibidos, para as justas núpcias. O artigo 183, do atual Código Civil, define
esta proibição. Já a Psicanálise o denota como uma relação sexual ou marital
entre duas pessoas consideradas, pela sociedade, como tão próximas que a união
ou qualquer proximidade mais íntima entre elas torna-se proibida (tabu do incesto). Mas, afinal por que
temos tanta repugnância ao incesto?
Praticamente todas as definições de incesto estão ligadas à idéia de proibição. Primeiro, a teoria biológica
de um “horror inato ao incesto”,
considera-o como a proteção natural contra os malefícios do cruzamento endogâmico. Já a teoria moral reporta a
aspectos socioculturais, entendendo que, de acordo com uma perspectiva
estruturalista, a proibição do incesto é cultural, mas necessária para o
desenvolvimento do indivíduo na sociedade. A Bíblia o veda em Levítico 18:6 “não descobrirás a nudez da mulher de teu
irmão; é a nudez de teu irmão”.
Assim, nota-se que, desde que o mundo é mundo, seres humanos e animais
são sexuados. Observa-se também que as práticas sexuais obedecem a regras e
exigências naturais, além das culturais. As proibições e permissões são
interiorizadas pela consciência individual, graças a inúmeros procedimentos
sociais expulsando, para longe da consciência, quando transgredidas, porque,
neste caso, trazem sentimentos de dor, tristeza e
culpa que desejamos ocultar. Os antropólogos
e psicanalistas consideram que o
momento da passagem do sexo natural ao sexo cultural, isto é, simbolizado e
sujeito a códigos, ocorre com a determinação do primeiro e mais importante dos
interditos: a proibição do incesto.
Do ponto de vista freudiano,
há uma discussão mais filosófica do assunto, caracterizando a psiquê em suas
três instâncias: id, ego e superego, onde se desenvolvem os mecanismos que
envolvem a questão do incesto, o qual, para Freud, encontra-se emaranhado à
questão do Édipo, vastamente investigada ao longo de toda a sua obra, sendo um
dos pilares de sua teoria. Para suas formulações teóricas a respeito do
incesto, Freud, o Pai da Psicanálise, lança mão da antropologia, mais
especificamente de Lévi-Strauss e sua obra, a qual tem uma importância
fundamental na elaboração de “Totem e Tabu”, onde Freud disseca a questão do
incesto frente ‘natureza-cultura’, afirmando que o horror ao incesto vem como
uma forma inconsciente, individual e coletiva, de se organizar a sociedade
humana de uma forma que a distinga dos animais irracionais. Nota-se que se
trata de questões bastante complexas, que até hoje suscitam discussões
acaloradas entre os teóricos da chamada área psi.
Por outro lado, a sexualidade não deve ser confundida com o instinto
sexual, porque este é um comportamento fixo e pré-formado, característico de
uma espécie, enquanto a sexualidade se caracteriza por uma grande plasticidade,
própria do ser humano, produto cultural, invenção e relação com a história
pessoal de cada um de nós. A incidência do incesto pode ser de várias formas que não a relação sexual
genital, portanto, a compreensão deste fenômeno deve levar em conta a dinâmica
afetiva da família como um todo, sendo que os desejos incestuosos são formados
pela falta das funções estruturantes dentro da
família. Por se tratar de uma questão de estruturação psicossocial,
a resolução do problema não passa apenas pelo âmbito “educativo”.
Assim, o fenômeno ou o fato da repressão sexual é tão antigo quanto a vida humana em sociedade, entretanto, o conceito
mencionado é bastante recente. De acordo com estudiosos do assunto, a repressão
sexual se diferencia no tempo e no espaço, estando articulada às formas
complexas de simbolização com que diferentes culturas elaboram suas relações
com a natureza. Nenhuma cultura lida com o sexo
como um fato bruto, mas já o vive e compreende simbolicamente, dando-lhes
sentidos, valores, criando normas, interditos e permissões.
Entende-se, então, que a eficácia
da proibição do incesto dependerá não apenas da força das normas e dos
castigos, mas de sua interiorização plena, inconsciente. Por este motivo, os
estudiosos falam no tabu do incesto, isto é, na transformação do incesto em
falta cuja gravidade não pode ser reparada de modo algum, senão pela morte do
infrator, porque seu ato põe em risco a vida de um grupo inteiro, de uma
sociedade inteira. A peculiaridade do pavor gerado pelo tabu está em que a morte do infrator, na maioria dos casos, não precisa da
intervenção física ou direta do grupo, pois o transgressor morre de culpa,
medo, isolamento ou loucura.
Sob o ponto de vista jurídico,
o incesto não é conduta típica no Brasil, ou seja, um filho manter relações
sexuais com sua mãe, ou um pai com sua filha, não constitui crime em nosso
país, se estes envolvidos forem maiores de idade. Essa atitude é repugnante e
moralmente “nojenta”, porém nosso legislador silenciou-se a este respeito.
Tendo em vista, o princípio de que, se algo não é proibido é permitido, vislumbra-se
que o incesto pode ser praticado no Brasil sem reprimenda penal alguma.
Considero um absurdo, pois nem o
projeto no novo Código Penal que está em tramitação no Congresso Nacional, criminaliza o incesto. Convém lembrar que a justiça existe em função do bem-estar
da sociedade e o incesto constitui-se, na realidade, em algo que traz mal-estar
a esta mesma sociedade.
Será que a sociedade não condena as relações incestuosas ou tem
dificuldade de explicitar o problema e lidar com ele, pois o incesto é tratado
como segredo e mantido dentro da
família? Não penso assim, e peço com urgência aos legisladores a criminalização do incesto como um delito hediondo com penas de até 30 anos de cadeia para quem o
praticar em nosso país. Precisamos acabar de vez com este tabu.
Professor de Direito da UNIP e FASAM
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