Porte de armas. Ameaças não intimidam advogado criminalista

Nada como a experiência
para trazer alguma sabedoria. Vivendo mais, o homem se transforma em bom
conselheiro. Vale a reflexão depois de breve consulta à Revista dos Tribunais
(volume 774, páginas 475/478). Há ali uma contribuição do eminente juiz José Damião
Pinheiro Machado Cogan, integrante do Egrégio
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, atinente ao “Porte de
arma de defesa por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário”. O
culto magistrado discorre como profundo conhecedor sobre a lei 9.437/97, que
regulamenta o registro e porte de armas de fogo, estendendo-se à lei
complementar nº 35, de 14.4.97 (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional). Passa a analisar, depois, a Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público. Arredonda a análise afirmando que a Lei Orgânica da
Magistratura Nacional, sendo complementar à Constituição, não pode ser
subvertida ou limitada por legislação ordinária. De outra parte, na medida em
que a lei paulista do Ministério Público é também complementar à Constituição
(esta última estadual), os dispositivos constantes das mesmas (Magistratura e
Ministério Público) se sobrepõem à lei federal ordinária que regulamenta o
porte de armas de fogo. É discutível, e muito, a certeza da premissa. Se qualquer forma, já me exauri na discussão de dogmas secos.
Prefiro, hoje, a pitada de humanização que vivifica o direito. Portanto, vamos
lá: Acentua o ilustre juiz que os magistrados e promotores públicos não
necessitam pleitear licença para o uso desses instrumentos vulnerantes,
não cometendo crime, portanto, se colhidos com um deles à cinta.

Abalança-se a mais o
eminente magistrado. Usando comparações com a Polícia Militar, o Departamento de Polícia Federal e o Exército brasileiro, defende
o porte, a juízes e promotores públicos, de armas proibidas a civis,
ressaltando-lhes os calibres: 357 Magnum, 9mm. e 45 mm.,
respeitáveis trabucos, por sinal. O raciocínio final: um tenente reformado do
Exército pode portar armas desse rotundo tamanho. Não se pode proibir, assim,
que um Ministro do Supremo Tribunal Federal ou um Desembargador delas se
valha… ressaltando-se que juízes e promotores
públicos enfrentam perigos mil. Segundo a tese, precisam defender-se
eficazmente.

A questão, aqui, não se
prende, a saber, se o juiz ou promotor público pode ou não usar uma automática 45mm. na cinta ou sob a toga. Não
se procure o positivista Kelsen para fundamentar a
relevância de legislação complementar à Constituição do Estado de São Paulo
sobre lei federal ordinária. Ordinária. O enfoque é outro. Juízes, promotores
públicos e advogados exercem profissões perigosas. Recordo-me de um réu que
acusei, há vinte anos atrás. Ele jurou, antes de recolhido para cumprir pesada
sentença, matar o advogado quando saísse. Não saiu. Ou de outro que cortou a
mãe em vários pedaços, a machadinha, atirando-os ao rio e chorando mais tarde
no meu ombro, durante consulta para tentar defender-se. Ou de um terceiro,
rastejando no chão à moda dos quadrúpedes, ensandecidos, babando pelos cantos
da boca o ódio à humanidade e aos profissionais da justiça em particular. Nem
por isso busquei um Colt 45 mm. ou uma pistola
sofisticada. Primeiro, precisaria aprender a usá-los.

Depois, aquela coisa
balançaria durante o dia, sob o paletó ou ao lado das coxas. Se mulher fosse,
pior seria. Em seguida, os filhos pequenos ficariam atraídos pelo satânico
instrumento. Os grandes mais ainda. Aquilo tem parte com o demo, caro juiz. Cai
do armário sobre uma criança, dispara à toa, mata gente errada, desperta a
agressividade do possuidor, dá idéias de grandeza. Quando percebe, o homem já
fez a besteira.

Além disso, em quinhentos
anos de existência, quer como Colônia, Império ou República, a proporção de
juízes assassinados no Brasil é quase nula. Os promotores, de seu lado, estão
safos, salvo um ou outro acidente passional. Uns e outros são homens. E homens
têm paixões. Advogados têm morrido – e muitos-, mas nem por isso hão de usar
aqueles feios caramurus. Por último, é preciso dar exemplo da não violência.
Morre-se, é claro. Um tiro, facada, câncer ou raio no campo de futebol.
Exatamente na hora do chute certeiro. “Zás”!
E pronto. Vai o gajo visitar o Pai-do-Céu, com
chuteira e camisa do São Paulo Futebol Clube. E virgem, pois seria o primeiro
gol da curta carreira de ponta esquerda do timinho de várzea.

Não adianta ser bom de
tiro. Até as dentaduras, com alguma sorte, repelem o ladrão ou o assassino. É
lembrar da prótese total que desviou uma bala disparada contra a boca de um
desdentado.

Lápis,
canetas, computadores, isso sim. É nosso armário (guardador de armas). Qualquer
risco maior, é só chamar a segurança . O Presidente da
República faz assim. Vêm ele e um monte de soldados camuflados atrás, em fila
indiana. Quanto ao dia do azarão, vale citar a Tetê,
aquela cantora de voz tão fininha que faz a “Flor”, minha cachorra
quase gente, esconder-se debaixo do sofá: “Estava escrito nas
estrelas”.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


Equipe Âmbito Jurídico

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