A
Lei 10.259/01, como já se noticiou difusamente (cf. Folha de S. Paulo de
13.01.02, p. C7; O Estado de S. Paulo de 14.01.02, p. A7), ampliou o limite das
infrações de menor potencial ofensivo assim como a competência dos juizados
criminais para dois anos (cf. detalhadamente sobre isso nosso curso pela
internet no www.estudoscriminais.com.br). Antes os juizados só cuidavam de
crimes punidos até um ano e mesmo assim ficavam excluídos os de procedimento
especial (essa restrição, recorde-se, não foi feita
pela nova lei).
Na
Folha de S. Paulo de 15.01.02 (p. C6) dois promotores de
justiça de São Paulo (Arnaldo Hossepian Júnior e Waléria Garcelan Garcia)
declararam que concordam que os crimes punidos com pena até dois anos “ou”
multa passaram para os juizados criminais, mas isso não valeria para delitos
como o porte ilegal de drogas (art. 16 da Lei de Tóxicos) ou de arma de fogo
(art. 10 da Lei 9.437/97) porque são punidos com pena de prisão até dois “e”
multa. Em outras palavras: prisão até dois anos com multa alternativa
é da competência dos juizados; prisão até dois anos com multa cumulativa
não seria o caso.
Esse
entendimento, s.m.j., é totalmente equivocado. Por força do disposto no art. 2º
da Lei 10.259/01 “Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e
julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de
menor potencial ofensivo”; “Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor
potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a dois anos, ou multa”.
Os
promotores citados ao interpretarem o texto legal que acaba de ser transcrito
não viram ou esqueceram-se de que há uma vírgula entre “dois anos, ou multa”.
Para o legislador todos os crimes punidos com prisão até dois anos “ou” só com
multa (aqui há uma impropriedade técnica porque infração punida só com multa é
contravenção penal – cf. Lei de Introdução ao Código Penal, art. 1º) são de menor potencial ofensivo.
O
critério que sempre serviu de base para se aferir a menor potencialidade
ofensiva da infração no Brasil, diferentemente do que sucede com a suspensão
condicional do processo, sempre foi o da pena máxima cominada (isso já valia,
aliás, para o art. 61 da Lei 9.099/95).
No
caso do novo conceito dado pela Lei 10.259/01 as barreiras máximas fixadas são
de natureza dupla: qualitativa (pena de prisão) e quantitativa
(até dois anos). A pena de multa, justamente porque ocupa hierarquia menor e é
menos relevante que a pena de prisão (por afetar bem jurídico de inferior importância),
segue a sorte desta (que é principal). Isso se dá, por exemplo, igualmente, no
tema da prescrição.
Quando
o tipo penal comina pena de multa cumulativa (prisão até dois anos “e”
multa), como é o caso do porte ilegal de drogas ou de arma de fogo, ninguém
pode pôr em duvida que é a pena máxima (prisão de dois
anos) que comanda o âmbito de admissibilidade da transação penal. No tempo da
vigência do art. 61 sempre foi assim e nunca ninguém contestou.
Raciocinar
de modo contrário (no sentido de se excluir todas as infrações que prevêem a
pena de multa cumulativamente com prisão até dois anos) pode significar
a contemplação do absurdo porque crime com pena de seis meses “e” multa, como é
o caso da desobediência (CP, art. 330), por exemplo, estaria fora da
competência dos juizados. Crimes muito mais graves seriam dos juizados
(desacato, por exemplo); alguns menos graves não (embora a ofensa se volte
contra bens jurídicos praticamente idênticos). Não pode prevalecer a interpretação atribui à lei algum absurdo (Interpretatio illa summenda quae absurdum
evidetur).
De
outro lado, enquanto o limite máximo era de um ano (Lei 9.099/95, art. 61)
sempre se entendeu que a desobediência era de menor
potencial ofensivo. Agora que o limite se ampliou para dois anos estaria fora.
É o caso de se repetir que a interpretação deve ser feita de modo a não
resultar em absurdo (Interpretatio facienda est ut ne sequatur absurdum).
Do
exposto, fazendo-se uma interpretação mais eqüitativa e mais benigna (Interpretatio aequior et benignior summenda
est), até porque, na dúvida, leva-se em conta
sempre a mais favorável (Interpretatio mitior semper in dubio capi debet),
impõe-se (imperiosamente) concluir que doravante são infrações de menor
potencial ofensivo no nosso país:
(a)
todas as contravenções penais (independentemente da pena e do procedimento);
(b)
todos os delitos punidos com prisão até dois anos (independentemente do
procedimento e ainda que cumulativa ou alternativamente seja prevista também a
multa);
(c)
todas as infrações penais punidas tão-somente com multa (independentemente do
procedimento).
Em
Direito penal, como se sabe, tudo que o legislador
expressa e cristalinamente não proibiu é permitido e tudo que não excluiu não
cabe ao intérprete fazê-lo. A cultura latina e helênica, como
vimos, transmitiu-nos muitos legados em matéria de interpretação.
Um outro, que conviria rememorar, nos diz que quando interpretamos leis penais
(sobretudo para que não proclamemos um direito penal mais à direita do Direito
penal) devemos sempre seguir o resultado que mais abranda não o que mais agrava
(Interpretatione legum
poenae sunt molliendae potius quam asperandae).
E
o que dizer a respeito dos crimes punidos com pena de prisão superior a dois
anos, mas que contemplam a pena de multa alternativamente? Crimes dos arts. 6º e 7º da Lei 8.137/90 (prisão de cinco anos ou
multa), por exemplo, seriam também de menor potencial ofensivo?
Duas
posições possíveis:
(a)
se a pena de prisão ultrapassa o limite de dois anos a infração não é de menor potencial ofensivo. Para os efeitos de se saber
o que se entende por infração de menor potencial ofensivo o critério
legislativo sempre foi o da pena de prisão máxima cominada (assim
já ocorria com o art. 61 da Lei 9.099/95), não o da pena mínima (que vale, como sabemos, para a suspensão condicional do processo
– art. 89 da Lei 9.099/95). Se a prisão máxima excede a
dois anos, ainda que haja cominação concomitante “ou multa”, não se pode
considerar esse delito como de menor potencial ofensivo.
(b)
como a lei menciona crime e como inexiste qualquer crime com previsão
exclusiva de pena de multa, pois é exatamente isso que faz com que a infração
penal seja catalogada como contravenção (art. 1º da Lei de Introdução ao CP),
admitida estaria a possibilidade de que o legislador
teria intenção de considerar a infração, nas hipóteses em que a pena pecuniária
fosse cominada alternativamente, como de menor potencial ofensivo e,
portanto, de competência dos juizados especiais, independentemente da quantidade
da pena privativa de liberdade imposta.
A
questão é complexa, pois abrange a análise detida de inúmeros valores de
idêntico grau de importância: interpretação benéfica ao réu, princípio da
razoabilidade, princípio de que a lei não possui palavras inúteis, entre
outros.
Ao
se ter por correta a segunda interpretação, vários delitos que não possuem a
qualidade de menor potencial ofensivo acabariam integrando o rol de competência
dos Juizados Especiais. Haverá, assim, uma contrariedade interna: crimes que
não são de menor potencial ofensivo sendo tratados da
mesma maneira que aqueles que possuem tal qualificação. É o que viria a ocorrer
em relação, por exemplo, aos seguintes delitos:
§ art. 280 do CP (detenção,
de um a três anos, ou multa);
§ arts.
4º, VII (reclusão, de dois a cinco anos, ou multa); art.
5º (detenção, de dois a cinco anos, ou multa); art.
6º (detenção de um a quatro anos ou multa) e art. 7º
(detenção, de dois a cinco anos, ou multa), todos da Lei
8.137/90.
Veja-se que nos inúmeros
casos acima exemplificados a pena máxima chega a
alcançar cinco anos, ou seja, mais do que o dobro daquela prevista na lei dos
juizados federais (dois anos).
Sempre
respeitando posicionamentos contrários, pensamos, por conseguinte, que a
primeira posição contempla melhor solução para o caso (cf.
www.estudoscriminais.com.br). É que para os efeitos de se saber o que se
entende por infração de menor potencial ofensivo o critério legislativo sempre
foi o da pena máxima cominada (antes um ano; agora dois anos), não o da pena
mínima (que vale, repita-se, para a suspensão condicional do processo). Não há
dúvida de que entre a pena privativa e a pecuniária essa última é a mais
branda, não servindo, portanto, de critério para a verificação do grau de
ofensa da infração, pois este se mede pelo máximo de pena cominada.
Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri
Mestre em Direito Penal pela USP
co-editor do site www.ibccrim.com.br e
Diretor-Presidente do Centro de Estudos Criminais (www.estudoscriminais.com.br).
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