Resumo: O presente trabalho versa sobre a disciplina estatuída no Código de Defesa do Consumidor acerca das práticas comerciais, especialmente no que diz respeito à cobrança de pontos extras em televisão por assinatura. Para tanto, buscou-se inserir as normas em debate dentro de uma perspectiva constitucional de proteção ao consumidor, colhendo os ensinamentos de diversos doutrinadores e os posicionamentos seguidos pela jurisprudência. Tratar-se-á, inicialmente, das práticas comerciais abusivas. Em seguida, far-se-á um breve estudo sobre os contratos de adesão e será feita uma comparação entre os contratos no direito civil e consumerista. Por fim, um estudo acerca de uma questão relativamente nova envolvendo os direitos do consumidor, que é a cobrança de aluguel de pontos-extras por parte das empresas fornecedoras de televisão por assinatura no Brasil.[1]
Palavras-chave: Código de defesa do consumidor. Práticas comerciais. Ponto-Extra.
O presente artigo jurídico tratará das práticas comercias no Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que diz respeito à cobrança de pontos extras em televisão por assinatura.
O presente estudo será de grande relevância, na medida em que permitirá um maior conhecimento acerca de práticas comerciais abusivas ao consumidor que vêm sendo praticadas indiscriminadamente por grandes empresas fornecedoras de canais de televisão por assinatura no Brasil. Caracterizando os pontos extras por ser algo relativamente novo na sociedade brasileira e que está em flagrante crescimento, bem como, por consistir em mais uma forma de abuso dos direitos do cidadão consumidor, possibilitando à coletividade o reconhecimento dessa prática que prejudica milhões, os quais não fazem ideia de que estão sendo lesados.
Explorar a cobrança de taxas de ponto extra, feita por empresas fornecedoras de televisão por assinatura, sob a luz da Lei nº 8078/90, e como tal ato afeta consumidores brasileiros que ignoram a previsão legislativa sobre a temática e na divergência jurisprudencial e lacuna doutrinária que possam esclarecer tais dúvidas.
Como a maioria das relações de consumo atuais, o consumidor não discute cláusula alguma no momento da contratação do serviço, ele só pode aderir. Fica limitado a examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor, e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas. Entretanto, o problema surge quando o fornecedor estabelece cláusulas abusivas no contrato de adesão, e o consumidor desconhece seus direitos.
A informação está ligada ao princípio da moralidade, é de extrair daí o conteúdo ético necessário que deve pautar a informação fornecida. E ele é o valor ético fundamental da verdade. A informação não pode faltar com a verdade daquilo que informa de maneira alguma, quer seja por afirmação, quer seja por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário da informação.
Entretanto, na prática, não é isso que acontece, vemos as operadoras de televisão por assinatura dissimulando informações para cobrar taxas irregulares de ponto-extra. Utilizando formas disfarçadas de cobrança, com nomenclaturas diversas, tais como “aluguel de equipamento”.
Além disso, ainda há outro problema por trás da polêmica do ponto extra – a pouca concorrência no setor. A concorrência é uma das formas de garantir benefícios para os consumidores quanto à qualidade da programação, do serviço e dos preços. Mas no Brasil, ela não existe nesse setor, basta vermos os altos valores cobrados pelas prestadoras.
Verifica-se, portanto, grave descumprimento das leis reguladoras dos direitos dos consumidores.
Nesse diapasão pretender-se-á, de um modo geral, fazer um estudo acerca das práticas comerciais à luz da lei nº. 8.078/1990, a fim de se demonstrar a eficiência da norma que aponta sua definição, formas de reconhecimento, peculiaridades processuais e sanções.
Com relação à natureza da pesquisa, esta revelar-se-á dogmático-instrumental, vez que será desenvolvida com base no texto legal que trata das práticas comerciais no CDC, o qual será perscrutado sob a ótica das normas basilares do direito consumerista e o entendimento dos tribunais; com exposição da diversa doutrina existente sobre a temática, buscando constantes inovações e posicionamentos dos juristas. No que tange ao método de abordagem, será utilizado o método dedutivo, com o fito de se reconhecer a abusividade da prática de cobrança de ponto-extra em televisão por assinatura.
Como etapa finalizadora do estudo, as informações apreendidas serão sistematizadas em um texto reflexivo e crítico versando sobre o tema explorado, que deverá significar uma contribuição teórica para futuros estudos a este tema relacionados.
1 PRÁTICAS COMERCIAIS NO CDC
A sociedade de consumo é uma realidade inegável. Mas, muito mais que uma realidade puramente acadêmica ou abstrata, é um fenômeno que afeta a vida de todos os cidadãos. E, como tal, merece a atenção do Direito, não com o intuito de reprimi-la, mas apenas para colocá-la a serviço do interesse público. Sendo ela, a um só tempo, fruto de um processo de produção e de um processo de comercialização, impõe-se ao Direito a tarefa de cuidar de ambos.
As práticas comerciais estão no próprio âmago do Direito do Consumidor. Sua visibilidade, complexidade e mutabilidade – informadoras da sociedade de consumo – representam um desafio extraordinário para o legislador. Segundo J. M. Sidou, o jurista pioneiro em defesa do consumidor no Brasil, “o que deu dimensão enormíssima ao imperativo cogente de proteção ao consumidor, ao ponto de impo-se como tema de segurança do Estado no mundo moderno, em razão dos atritos sociais que o problema pode gerar e ao Estado incube delir, foi o extraordinário desenvolvimento do comércio e a consequente ampliação da publicidade, do que igualmente resultou, isto sim, o fenômeno desconhecido dos economistas do passado – a sociedade de consumo, ou o desfrute pelo simples desfrute, ampliação da riqueza por mera sugestão consciente ou inconsciente” [2].
Não se conceituam facilmente práticas comerciais. Em face da mutabiidade do mercado, em particular nessa era de sociedade do consumo, aquilo que hoje se manifesta como prática comercial, amanhã, no bojo das transformações das necessidades mercadológicas, pode simplesmente desaparecer ou perder a atualidade.
Contudo, na busca da construção de uma teria jurídica das práticas comerciais, poderíamos dizer que estas são os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final.
1.1 OFERTA
A oferta, na sua significação tradicional, é “uma manifestação de vontade unilateral através da qual uma pessoa faz conhecer sua intenção de contratar e as condições essenciais do contrato” [3]. É o oferecimento “dos termos de um negócio, convidando a outra parte à com eles concordar” [4]. Corresponde à proposta, e “quem a emite, é denominado proponente ou policitante. A declaração que lhe segue, indo ao seu encontro, chama-se aceitação, designando-se aceitante ou oblato o declarante” [5].
Entretanto, não se deve interpretar o vocábulo oferta utilizado pelo Código de Defesa do Consumidor em seu sentido clássico. O fenômeno é visto pelo prisma da realidade massificada da sociedade de consumo, em que as ofertas deixam de ser individualizadas e cristalinas, mas nem por isso perdem sua eficácia e poder para influenciar o comportamento e a decisão final do consumidor.
Oferta, em tal acepção, é sinônimo de marketing, significando todos os métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado pelos fornecedores. Qualquer uma dessas técnicas, desde que “suficientemente precisa”, pode transformar-se em veículo eficiente de oferta vinculante. Aí reside uma das maiores contribuições do Direito do Consumidor à reforma da teoria clássica da formação dos contratos.
Vê-se então, que a oferta, nesse sentido moderno, abrange não apenas as técnicas de indução pessoal, como ainda outras mais coletivas e difusas, entre as quais estão as promoções de vendas e a própria publicidade. Claro que em relação a esta o Código traça normas específicas; por razões de mera técnica legislativa assim ocorre, já que, em essência, todos esses fenômenos nada mais são que expressão comum de um único tronco: o marketing. Mas não é o tratamento particular que lhe dá o Código que tem condão de retirar da mensagem publicitária sua natureza jurídica de modalidade de oferta. Tanto isso é verdade que o CDC traz dispositivos de regramento da oferta em que a publicidade, não obstante seu regime específico, está incluída (art. 30, por exemplo).
Não é estranho que nas ofertas sejam cometidas várias infrações. Foram esses excessos que deram origem ao Princípio da Vinculação da oferta. Os abusos do marketing ensejam uma série de providências penais (sanções penais) e administrativas (sanções administrativas). Mas o fenômeno há de ser tratado também no âmbito do Direito Privado, ou seja, na esfera contratual. “O contrato constitui tradicionalmente, o setor do Direito onde é natural buscar-se os meios de contenção de tais abusos” [6].
Era inevitável, então, a reforma da noção e importância que a teoria dos contratos tinha e dava ao marketing. Nas palavras impecáveis de Fábio Konder Comparato, em artigo já clássico, “a preocupação de defesa do consumidor conduziu, igualmente, a um alargamento da noção de compra e venda privada, no quadro mais realista de uma economia de empresa. Passou-se, assim, a entender que os processos de publicidade comercial, pela sua importância decisiva no escoamento da produção por um consumo em massa, integram o próprio mecanismo do contrato e devem, por conseguinte, merecer uma disciplina de ordem pública análoga às das estipulações contratuais” [7].
O princípio da vinculação, estampado no art. 30 do CDC, apesar de inserido na seção da oferta, aplica-se igualmente à publicidade. Ou melhor, abrange todas as formas de manifestação do marketing.
O art. 30 dá caráter vinculante à informação e à publicidade; no que agiu bem o legislador ao separar as duas modalidades de manifestação do fornecedor, considerando que aquela é mais ampla do que esta. Com razão está Rizzatto Nunes, ao indicar que “toda publicidade veicula (algum tipo de) informação, mas nem toda informação é publicidade” [8].
Por informação, quis o CDC, no art. 30, incluir todo tipo de manifestação do fornecedor que não seja considerado anúncio, mas que, mesmo assim, sirva para induzir o consentimento do consumidor. Aí estão incluídas as informações prestadas por representantes do fornecedor ou por ele próprio, bem como as que constam em bulas ou em alguns rótulos.
A vinculação atua de duas maneiras. Primeiro, obrigando o fornecedor, mesmo que se negue a contratar. Segundo, introduzindo-se (e prevalecendo) em contrato eventualmente celebrado, inclusive quando seu texto o diga de modo diverso, pretendendo afastar o caráter vinculante. Nesse último aspecto é impecável a lição de Thereza Alvim: se a proposta publicitária “obriga o proponente, o contrato que dela se originar deverá ser lavrado, seguindo estritamente os seus termos” [9].
Daí que não impede a vinculação eventual informação do fornecedor, sempre a latere do anúncio, de que as alegações têm mero valor indicativo. Ainda assim, opera, integralmente, a força vinculante do alegado.
Dois pressupostos básicos devem estar presentes para que o princípio da vinculação atue: veiculação e precisão da informação (grifo nosso).
Em primeiro lugar, não operará a força obrigatória se não houver veiculação da informação. Uma proposta que, embora colocada no papel, deixe de chegar ao conhecimento do consumidor não vincula informação.
É a veiculação que enseja a “exposição” do consumidor, nos termos do art. 29 do CDC, dando causa à proteção da lei especial.
Em segundo lugar, a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemente precisa, isto é, o simples exagero não obriga o fornecedor.
Assim, não é qualquer informação veiculada que vincula o fornecedor. Tem ela que conter uma qualidade essencial, qual seja, a precisão. Só que não se trata de precisão absoluta, aquela que não deixa dúvidas. O CDC contenta-se com uma precisão suficiente, vale dizer, com um mínimo de concisão.
Quanto à responsabilidade do fornecedor, a regra é “prometeu, cumpriu”. Entretanto, nem sempre funciona assim. O que fazer se o fornecedor recusar o cumprimento de sua oferta ou publicidade?
A resposta parcial está no artigo 35 do CDC: o consumidor pode escolher entre o cumprimento forçado da obrigação e a aceitação de outro bem de consumo. Caso o contrato já tenha sido firmado, sem contemplar integralmente o conteúdo da oferta ou publicidade, é lícito ao consumidor, ademais, exigir a sua rescisão, com restituição do já pago, mais perdas e danos.
Claro que as perdas e danos são devidas sempre e não somente no caso da recisão contratual. Decorrem elas do sistema geral do art. 6º, VII.
1.2 Publicidade
No sistema do CDC a informação correta, está diretamente ligada à lealdade, ao respeito no tratamento entre parceiros. É a exigência de boa-fé quando da aproximação (mesmo que extra ou pré-contratual) entre fornecedor e consumidor. Nesse sentido, disciplina o CDC em seus arts. 36 a 38, a informação publicitária para obrigar o fornecedor que dela se utilizar a respeitar os princípios básicos de transparência e boa-fé nas relações de consumo[10].
O Código brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, define a publicidade comercial como “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover, instituições, conceitos ou ideias”, incluindo nessa definição a publicidade governamental e o merchandising.
Adalberto Pasqualotto[11], em meio a uma bela exposição sobre os elementos integrativos e objetos excluídos do conceito de publicidade, apresenta um conceito mais abrangente de publicidade, de sua autoria, e em seguida dele extrai dois elementos nucleares (que se entende estarem presentes nos demais conceitos jurídicos, de maneira implícita ou explícita), e que merecem ser transcritos. Define, assim, publicidade como:
“(…) toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feitas através de qualquer meio, destina a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa.
(…) conjunto das técnicas e atividades de informação e persuasão destinadas a influenciar num determinado sentido, as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público”.
Resolvemos, porém, entender como publicidade, no CDC, a definição trazida por Cláudia Lima Marques[12], “toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”. Logo, fica excluída a propaganda política, já regulada em lei eleitoral, e também a chamada publicidade governamental, que não tenha como fim promover atos de consumo, havendo portanto uma clara separação entre o que é propaganda (difusão de ideias) e o que é publicidade (promoção, incitação ao consumo). Este parece ter sido o caminho adotado pelo CDC. Sendo assim, o elemento caracterizador da publicidade é a sua finalidade consumista.
O princípio da identificação obrigatória da mensagem como publicitária, instituído no art. 36 do CDC, tem sua origem no pensamento de que é necessário tornar o consumidor consciente de que ele é o destinatário de uma mensagem patrocinada por um fornecedor, no intuito de vender-lhe algum produto ou serviço. Este princípio serve de um lado para proibir a chamada publicidade subliminar, que no sistema do CDC seria considerada prática de ato ilícito, civil e mesmo penal.
O Código de Defesa do Consumidor não obriga o fornecedor a anunciar seus produtos ou serviços, entretanto, estabelece o dever de informar, conforme dispõe o art. 31: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”[13]
A publicidade não é um dever imposto ao fornecedor, mas um direito exercitável à sua conta e risco. O uso da publicidade exige respeito aos princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, observando-se o necessário preenchimento de alguns requisitos legais.
O legislador não sanciona a carência da publicidade, mas sim a publicidade que prejudica os consumidores. O Código não impõe nenhum dever de anunciar, a priori, dirigido ao fornecedor. Há apenas duas exceções que são a posteriori: a) quando o fornecedor toma conhecimento tardio dos riscos do produto ou serviço (art 10, § 1° e 2°); b) na hipótese de contrapropaganda (art 56, XII e 60 § 1°), que, como se verá, será imposta como forma de diminuir os efeitos da prática anterior da publicidade enganosa e abusiva.
O Código de Defesa do Consumidor proíbe e conceitua a publicidade enganosa, em seu art. 37, caput e § 1°:
“Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”
O referido dispositivo legal protege o consumidor de qualquer informação ou comunicação de caráter publicitário capaz de induzi-lo a erro quanto ao produto ou serviço ofertado. A publicidade que infringe essa disposição legal contraria os interesses de toda a coletividade e pode causar prejuízos a um número incalculável de consumidores.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor adotou um critério finalístico, ao considerar publicidade enganosa a simples veiculação de anúncio publicitário, que seja capaz de induzir o consumidor ao erro. Desse modo, leva-se em conta apenas a potencialidade lesiva da publicidade, não sendo necessário que o consumidor tenha sido efetivamente enganado. Trata-se de presunção juris et de jure (não admite prova em contrário) de que os consumidores difusamente considerados foram lesados.
Então, não é necessário que o consumidor chegue às últimas consequências e adquira, de fato, o produto ou o serviço com base na publicidade enganosa. O erro real é um mero exaurimento quando consumado, que só tem importância para verificação do dever de indenizar o dano individual, mas é irrelevante para fins da caracterização da enganosidade.
O legislador também não se preocupou com a intenção daquele que fez veicular a mensagem publicitária. Quando uma publicidade enganosa é veiculada, o anunciante é responsabilizado, sendo irrelevante se agiu de boa ou má-fé. Pune-se o responsável, quer ele tenha tido ou não a intenção de prejudicar os consumidores. O dolo e a culpa só têm destaque no tratamento penal do fenômeno.
A maior proteção oferecida aos consumidores tem o objetivo de contrapor-se ao argumento de que o fornecedor não intencionava induzi-los ao erro, impossibilitando eventuais ações para livrar o anunciante de sua responsabilidade.
Exige-se que a publicidade seja verdadeira, correta e pautada na honestidade, a fim de que o consumidor possa fazer sua escolha de maneira consciente.
No entanto, nem sempre as inverdades presentes nas mensagens publicitárias as tornam enganosas, sendo necessário, para isso, que o seu conteúdo tenha o efetivo potencial de induzir os consumidores ao erro, conforme o entendimento expresso por Fabio Ulhôa Coelho, nos seguintes termos:
“A mera inserção de informações inverídicas, por si só, nada tem de ilegal, uma vez que pode representar a lícita tentativa de mobilizar a fantasia do espectador, com objetivos de promover o consumo. Em outras palavras, para se caracterizar a publicidade enganosa, não basta a veiculação de inverdades. É necessário também que a informação inverídica seja, pelo seu conteúdo, pela forma de sua apresentação, pelo contexto em que se insere ou pelo público a que se dirige, capaz de ludibriar as pessoas expostas a ela. Pode haver, portanto, algum toque de fantasia (e de falsidade, por conseguinte) nas peças publicitárias. Isso, no entanto, não representa agressão ao direito dos espectadores à mensagem verdadeira, porque a percepção do fantasioso afasta a possibilidade de qualquer pretensão fundada na realidade dos fatos.”[14]
A proteção contra a publicidade enganosa não alcança apenas o consumidor medianamente informado, que tem capacidade para identificar anúncios de má fé. O texto legal procurou defender também as pessoas comuns, desprovidas de conhecimentos médios, sem um grau de instrução que lhes possibilite livrar-se das falsas promessas publicitárias.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor proíbe a publicidade abusiva, apresentando hipóteses que também servem de parâmetro para identificação de outras mensagens publicitárias de caráter abusivo. O art. 37, § 2°, do CDC lista algumas modalidades de publicidade abusiva.
“Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”
Da leitura do referido artigo podemos concluir que a publicidade abusiva é aquela que se realiza com fins contrários à ordem pública, ao direito, à ética e à moral. Ela procura aparentar obediência às normas tradicionais da comunicação social, mas, sob a sua camuflagem, é realmente prejudicial aos interesses dos consumidores e do meio social em que vivem.
A publicidade abusiva não se confunde com a publicidade enganosa. Na primeira não há, necessariamente, uma inverdade e nem sempre o consumidor é induzido ao cometimento de erro. Ela pode até ser verdadeira, mas seu conteúdo afronta a moral, a ética e os bons costumes. Na publicidade enganosa, por outro lado, o conteúdo do anúncio sempre contém inverdades ou alguma omissão que induza o consumidor ao erro.
Outra diferença básica é que a publicidade enganosa geralmente causa prejuízo econômico à coletividade de consumidores, diferentemente da publicidade abusiva, que, apesar de causar algum mal ou constrangimento, não tem, obrigatoriamente, relação com o produto ou serviço.
Uma publicidade pode ser, simultaneamente, enganosa e abusiva. Nessa situação, o anúncio deve conter algum tipo de abusividade e o produto ou serviço anunciado não corresponde ao que ele realmente é (enganosidade).
Como na publicidade enganosa, o anúncio será considerado abusivo antes até de causar um prejuízo concreto. É suficiente que tenha sido veiculado, mesmo que não cause qualquer lesão ao consumidor.
Ante o exposto, conclui-se que, a publicidade tem que ser verdadeira e respeitar os valores sociais, morais e éticos, vedando-se a difusão de mensagens publicitárias que desrespeitem esses cânones.
Segundo Rizzato Nunes: “O caráter da abusividade não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor” [15].
Portanto, é necessário não apenas se preocupar com o conteúdo da mensagem publicitária que será veiculada, mas também com a maneira que ela será transmitida e como os consumidores vão reagir.
1.3 PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS
Na dicção de Antônio Herman Benjamin, citado por Efing, práticas comerciais são "os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final", é dizer, práticas comerciais são todas as que "sevem, direta ou indiretamente, ao escoamento da produção"[16].
Prática Abusiva, por outro lado, possui um conceito fluido e flexível. Por isso mesmo os próprios juízes têm tido mais facilidade em lidar com o conceito de enganosidade do que com o de abusividade. Como práticas, no sentido de atividade, comportam-se como gênero, do qual as cláusulas e a publicidade abusivas são espécies.
Lato sensu, Prática Abusiva é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. São, no dizer irretocável de Gabriel A. Stiglitz, “condições irregulares de negociações nas relações de consumo”[17], condições estas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes.
As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las.
Fica claro, portanto, que as práticas abusivas não estão regradas apenas pelo art. 39. Diversamente, espalham-se por todo o Código. Desse modo, são práticas abusivas a colocação no mercado de produto ou serviço com alto grau de nocividade ou periculosidade (art.10), a comercialização de produtos e serviços impróprios (art. 18, §6º, e 20, §2º), o não emprego de peças de reposição adequadas (art.21), entre outras.
É bem verdade que o artigo 39 do CDC traz um rol de práticas comerciais vedadas, porém, esse rol é meramente exemplificativo. Não poderia o legislador, de fato, listar, à exaustão, as práticas comerciais abusivas. O mercado de consumo é de extrema velocidade e as mutações ocorrem do dia para a noite. Por isso mesmo a importância de esclarecer que não se trata de rol taxativo.
Eis o que diz o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
X – (Vetado).
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
XI – Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da converão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999).”
Os doze incisos do art. 39 arrolam exemplificativamente uma série de hipóteses em que há práticas comerciais abusivas, as quais foram antecipadamente cogitadas de forma abstrata pelo positivador da lei, o que não poupa, e nem impede, o trabalho de análise pormenorizada nos mais diversos casos concretos que se apresentam da existência de práticas abusivas que lesionem ou ameacem de lesão os consumidores.
Existem objeções ao caráter exemplificativo das hipóteses arroladas em razão da natureza "penal" de que revestiriam, tendo, com base nessa linha de argumentação, o Presidente da República vetado o inciso X do texto original, o qual indicava que a lista era meramente exemplificativa. Ainda que se pudesse discordar convincentemente do poder enclausurador desse veto, a Lei 8.884/94, entre outras alterações, espancou dúvidas ao inserir a expressão "dentre outras práticas abusivas" no caput do art. Os crimes previstos no Título II não definem como crimes o exercício de "práticas abusivas" per si, genericamente consideradas, nem utiliza esse conceito para a tipificação penal, não havendo qualquer problema hermenêutico no caráter aberto da lista do art. 39. Outrossim, ainda que houve disposição penal vaga ou imprecisa, ao utilizar-se da expressão "práticas abusivas", a resolução do problema limitar-se-ia ao âmbito criminal, não se alastrando para permitir a licitude da prática.
São práticas comerciais abusivas todas as condutas tendentes a ampliar a vulnerabilidade do consumidor. Como leciona Antônio Carlos Efing, são "comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor. ‘É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor’[18], conforme o apontamento de Antônio Herman V. e Benjamin", e mais adiante, "Assim, as práticas abusivas representam antes de mais nada a tentativa do fornecedor agravar o desequilíbrio (i.e., vulnerabilidade) da relação jurídica com o consumidor, impondo sua superioridade e vontade, sendo que na maior parte das vezes isto se traduz na supressão, ou redução, do direito de livre escolha do consumidor"[19]
As práticas abusivas potencialmente lesionam as esferas patrimonial e não-patrimonial do sujeito, ensejam a dupla indenização, quando for o caso.
A profusão de normas secundárias expedidas no âmbito da Administração Pública, seja pelas agências reguladoras, seja por outras autarquias, como o Banco Central do Brasil, ou ainda pela Administração central, que visam a consubstanciar "códigos de conduta" para os concessionários de serviços públicos, sob a alcunha ainda de "códigos do usuário" ou do "cliente bancário", não possuem o condão de afastar a incidência das normas do CDC, apenas sendo aplicáveis na medida em que forem legais, consonantes ao ordenamento primário.[20]
Vale ressaltar que as hipóteses consideradas práticas comerciais abusivas são proibidas independentemente da ocorrência de dano para o consumidor, sendo norma de ordem pública a regular as relações de consumo em benefício da sociedade. Como comenta Efing, "na verdade, o legislador quer alterada a conduta do fornecedor, atingindo objetiva e diretamente circunstâncias que poderiam resultar em danos ao consumidor, dada a magnitude a que chegaram os problemas relativos às práticas abusivas nas relações de consumo".[21]
2 OS CONTRATOS DE ADESÃO
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito.
O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem produtos ou serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual, não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato.
Dessa forma, limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado. O elemento essencial do contrato de adesão, portanto, é a ausência de uma fase pré-negocial decisiva, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais e sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou serviços.
Podemos destacar como características do contrato de adesão:
“1) a sua pré-elaboração unilateral;
2) a sua oferta uniforme e de caráter geral, para um número ainda indeterminado de futuras relações contratuais;
3) seu modo de aceitação, onde o consentimento se dá por simples adesão a vontade manifestada pelo parceiro comercial economicamente mais forte.”
2.1 As cláusulas abusivas nos contratos de massa
O fenômeno da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. As cláusulas contratuais assim elaboradas não têm, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes, ao contrário, destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor que as elabora.
Não é raro, portanto, que contratos de massa contenham cláusulas que garantam vantagens unilaterais para o fornecedor que as elaborou, diminuindo os seus deveres em relação ao consumidor, exonerando-o de responsabilidades, diminuindo assim seus riscos e minimalizando os custos de uma futura lide. Assim, por exemplo, as cláusulas referentes às obrigações do fornecedor em caso de inadimplemento total ou parcial terão como objetivo, geralmente, limitar ao máximo estas obrigações, limitar a responsabilidade contratual do fornecedor, transferi-la a terceiros ou fixar sanções indevidas para o caso de rescisão por parte do consumidor.
São as chamadas cláusulas abusivas, as quais incluídas em contratos de adesão ou em condições gerais dos contratos vão ser oferecidas à aceitação pelos consumidores. Poderíamos perguntar porquê o consumidor aceitaria contatar sob tais condições que lhe são tão gritantemente desfavoráveis.
Em verdade, a maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos, o fazem sem conhecer precisamente os termos do contrato. Normalmente, o consumidor não tem a oportunidade de estudar com cuidado as cláusulas do contrato, seja porque ele as receberá só após concluir o contrato, seja porque elas se encontram disponíveis somente em outro local, seja porque o instrumento contratual é longo, impresso em letras pequenas e em uma linguagem técnica, tudo desestimulando a sua leitura e colaborando para que o consumidor se contente com as informações gerais (e nem sempre totalmente verídicas) prestadas pelo vendedor. Assim, confiando que o fornecedor cumprirá, pelo menos, o normalmente esperado naquele tipo de contrato, ele aceita as condições impostas, sem plena consciência de seu alcance e de seu conteúdo.
Mesmo que o consumidor tenha oportunidade de inteirar-se plenamente do conteúdo contratual, lendo com calma as cláusulas pré-contratuais redigidas, ainda assim pode vir a aceitar as cláusulas abusivas, ou porque a cláusula estava redigida de maneira a dificultar a compreensão de seu verdadeiro alcance para uma pessoa sem conhecimentos jurídicos aprofundados, ou porque o consumidor necessita do bem ou serviço oferecido.
Por causa dessa fragilidade do consumidor que a vigência do Código de Defesa do Consumidor, trouxe nova visão acerca das relações contratuais, passando a priorizar o interesse público e o bem comum.
2.2 Relativização dos contratos no direito do consumidor
Na questão contratual, nossa memória privatista pressupõe que, quando vemos o contrato, assistimos ao aforismo que diz pacta sunt servanda, posto que no direito civil essa é uma das características contratuais, com fundamento na autonomia da vontade.
Quando nos referimos às relações contratuais privatistas, o que se faz é uma interpretação objetiva de um pedaço de papel com palavras organizadas em proposições inteligíveis e que devem representar a vontade subjetiva das partes que estavam lá, na época do ato da contratação, transmitindo o elemento subjetivo para aquele mesmo pedaço de papel. E, uma vez que tal ato foi feito, pacta sunt servanda, isto é, os pactos devem ser respeitados.
Acontece que isto não serve para as relações de consumo. Esse esquema legal privatista para interpretar contratos de consumo é completamente equivocado, porque o consumidor não senta à mesa para negociar cláusulas contratuais. Ele simplesmente vai ao mercado e adquire produtos regulados por contratos de adesão.
Portanto, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, que trouxe nova visão acerca das relações contratuais, passando a priorizar o interesse público e o bem comum, a aplicação do princípio pacta sunt servanda não se mostra mais revestido de caráter absoluto. Havendo desequilíbrio entre as partes contratantes, impõe-se a revisão do contrato.
Havendo desequilíbrio entre as partes contratantes impõe-se a revisão do contrato em favor da parte hipossuficiente, excluindo-se as cláusulas abusivas e ilegais e restabelecendo-se o equilíbrio contratual, já que no momento em que o pacto foi celebrado não restava outra alternativa ao consumidor senão a de aceitar o contrato de adesão.
Um bom exemplo da aplicação da relativização do pacta sunt servanda é a revisão contratual de financiamento de veículos automotivos, dos quais consta a cobrança da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Análise de Crédito (TAC), cláusulas consideradas abusivas.
Outro exemplo pertinente é a revisão de contratos bancários.
3 PONTOS EXTRAS EM TV POR ASSINATURA
A vedação da cobrança de pontos extras está estabelecida pela ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações desde abril de 2009.
Insta primeiramente esclarecer de que se trata o ponto extra. De acordo com o Art. 2º, X, do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura (grifo nosso), ponto extra é ponto adicional ao ponto principal, de acesso à programação contratada, ativado no mesmo endereço do ponto principal do Assinante.
A ANATEL regulou a matéria com a RESOLUÇÃO Nº 528 (grifo nosso), de 17 de abril de 2009. Ela estabelece:
“Art. 29. A programação do Ponto-Principal, inclusive programas pagos individualmente pelo Assinante, qualquer que seja o meio ou forma de contratação, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para Pontos-Extras e para Pontos de Extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do Plano de Serviço contratado.
Art.30. Quando solicitados pelo Assinante, a Prestadora pode cobrar apenas os seguintes serviços que envolvam a oferta de Pontos-Extras e de Pontos de Extensão:
I – instalação; e
II – reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal ou equipamentos similares.
§1º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo fica condicionada à sua discriminação no documento de cobrança, conforme definido nos arts. 16 e 17 deste Regulamento.
§2º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo deve ocorrer por evento, sendo que os seus valores não podem ser superiores àqueles cobrados pelos mesmos serviços referentes ao Ponto-Principal” (grifos nossos).
De modo a dirimir qualquer dúvida que ainda possa existir quanto a ilegalidade da cobrança de aluguel de ponto extra em televisão por assinatura, a ANATEL publicou em março de 2010 uma nota de esclarecimento sobre os pontos extras, transcrita in verbis:
“A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidiu, em 18/3/2010, editar Súmula para explicitar interpretação sobre aspectos relativos ao ponto-extra contido no Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura. Pela decisão, torna-se mais claro o entendimento de que a prestadora somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra.
A manutenção e instalação só podem ser cobradas por evento. Quanto ao equipamento, a prestadora poderá ofertá-lo por meio de comodato, que é gratuito, ou de venda, aluguel, ou outra forma onerosa comercialmente aceita, que deverá ser necessariamente negociada com o assinante. Assim, a eventual cobrança do equipamento depende do modelo de negócios de cada prestadora.
A Súmula esclarece ainda que todos os contratos em vigor, inclusive os anteriores à Resolução 528/2009, devem observar as regras sobre o ponto-extra. Não será obrigatória a repactuação dos contratos, uma vez que as cláusulas que contrariem o Regulamento não têm validade. Eventuais mudanças propostas pela prestadora dependem de aceitação pelo assinante.
Todos os valores relativos a aluguel ou outra contratação onerosa de equipamentos de ponto-extra pagos desde abril de 2009 (data da Resolução nº 528/2009) que não tenham sido previamente anuídos pelo assinante DEVEM SER DEVOLVIDOS EM DOBRO, COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAIS. Qualquer outra cobrança periódica relativa ao ponto-extra é vedada e também está sujeita ao ressarcimento citado.
Em todos os casos, a Anatel atuará de forma a coibir eventuais violações aos direitos do assinante e o abuso do poder econômico (grifos nossos).
Segundo a norma, a programação do ponto principal, inclusive programas pagos individualmente pelo assinante, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para pontos extras instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. A prestadora pode cobrar apenas pelos serviços de instalação e de reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal, ou equipamentos similares.
A cobrança de aluguel de equipamento caracteriza verdadeiro mascaramento de algo proibido. As prestadoras não pode cobrar mensalmente pelo aluguel de equipamentos, pois se trata de forma disfarçada e inadmissível de cobrança de ponto extra (grifo nosso).
Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17/04/2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos de extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, devem ser restituídos em dobro (grifo nosso).
Não se justifica, realmente, a cobrança de ponto adicional, uma vez que para a utilização do ponto extra a operadora se utiliza do mesmo recurso tecnológico aplicado ao ponto principal, tratando-se apenas de distribuição interna do sinal por meio de divisores e receptores, pelo que sua cobrança se caracteriza como abusiva e geradora de enriquecimento sem causa (grifo nosso).
O tema já está consolidado, sendo ampla a jurisprudência pátria a respeito do tema. Verdadeira lição sobre o assunto aqui tratado pode ser encontrada no voto do M.M. Dr. Eugênio Facchini Neto, por ocasião do julgamento do Recurso Inominado nº 71002463255, na data de 08/07/2010, em que foi negado provimento ao recurso, por maioria, retratando a vedação da cobrança de aluguel do ponto extra:
"Rogando vênia ao relator, especialmente diante do fato que seu voto faz referência a idêntico posicionamento anteriormente adotado pelo signatário, ouso divergir.
De fato, até poucos meses atrás, sistematicamente adotava idêntico posicionamento ao do relator, pois entendia que, embora o fornecimento de ponto extra ao consumidor não acarretasse permanente ônus financeiro à empresa fornecedora, a utilização do segundo ponto, no interior da mesma residência, acarretava um evidente e indisfarçável benefício para o consumidor. O mais evidente é o fato de que dois moradores da mesma residência poderem assistir a canais e programas diversos, simultaneamente. Essa evidente vantagem para o consumidor – embora não acarretasse despesas para a fornecedora (salvo a inicial instalação e fornecimento da aparelhagem necessária, serviços pelos quais poderia cobrar) – tem valor econômico e, num regime de liberdade econômica e contratual, poderia ser cobrada ao consumidor aderente. Na época, a legislação permitia tal cobrança – ou ao menos não a vedava – e, na ausência de legislação proibitiva, a estipulação contratual era suficiente para que pudesse ser cobrado pelo uso do segundo ponto extra.
Todavia, a situação normativa foi alterada em 17 de abril de 2009, quando a ANATEL editou a Resolução n. 528, inovando a regulação do setor, alterando a redação dos arts. 29 e 30 do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura, aprovado pela Resolução n.488/2007. A nova redação do art. 29 passou a ter a seguinte redação: "A programação do ponto-principal, inclusive programas pagos individualmente pelo Assinante, qualquer que seja o meio ou forma de contratação, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para pontos-extras e para pontos-de-extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado". Já o art. 30 do mesmo regulamento passou a referir que apenas serviços de instalação e de reparo da rede interna poderiam ser cobrados do consumidor.
Diante da polêmica que posteriormente surgiu, com a resistência das fornecedores de TV a cabo, a ANATEL resolveu, em 18 de março de 2010, editar uma Súmula, fazendo publicar uma "nota de esclarecimento sobre ponto-extra", a fim de deixar "mais claro o entendimento de que a prestadora somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra". Referiu, também, que "a manutenção e instalação só podem ser cobradas por evento", culminando por esclarecer que "todos os valores relativos a aluguel ou outra contratação onerosa de equipamentos de ponto-extra pagos desde abril de 2009 (data da Resolução n. 528/2009) que não tenham sido previamente anuídos pelo assinante, devem ser devolvidos em dobro".
Tratando-se de normas claras, editadas pelo órgão que tem competência legal delegada para regular o setor, e considerando, também, que tal regulamentação vem em benefício dos consumidores, considerados o elo vulnerável das relações de consumo, entendo que não deve o Judiciário manter interpretações que se choquem com o entendimento da agência reguladora e que prejudiquem o consumidor.
Por tal razão, rogo vênia ao nobre relator para dele divergir, a fim de manter integralmente a sentença, por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46, parte final, da Lei 9.099/95.
VOTO, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.” (grifos nossos)
Observe-se também esse julgado da Terceira Câmara Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEVISÃO POR ASSINATURA (TV A CABO). COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO 528/ANATEL, DE 17.04.2009, E NOTA DE ESCLARECIMENTO DE 18.03.2010. Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17.04.2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos de extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, devem ser restituídos em dobro.” (grifo nosso)
A cobrança pelo fornecimento de ponto adicional da TV a cabo em uma mesma residência é abusiva e ilegal, visto que para a operadora inexistem custos a serem repassados para o consumidor (grifo nosso). Ainda que a legislação esclareça que o serviço deva ser prestado sob forma de concessão, não impõe a adoção de regime jurídico de direito público, admitindo que os preços e condições de remuneração sejam determinados pelo regime de direito privado, marcado pela livre concorrência, conforme sustentam as empresas grandes empresas concessionárias do serviço.
Ainda assim, a fixação do preço deve respeitar limites, tais como aqueles impostos implicitamente pelo Código de Defesa do Consumidor. Note-se também que o artigo 30, II, da Lei nº8.977/951 prevê a cobrança dos serviços prestados, ou seja, é possível se exigir o pagamento de determinado preço, mas apenas mediante contraprestação.
Nesse contexto, em se tratando de serviço de transmissão de dados, com envio de sinais de vídeo e áudio, a captação e utilização por mais de um aparelho, numa só residência, não implica em qualquer prestação adicional de serviços que imponha cobrança periódica mensal.
A cobrança por pontos adicionais em uma mesma residência não corresponde, portanto, a qualquer nova prestação de serviços, com o que sua cobrança corresponde à prática abusiva vedada pelo Código de defesa e proteção ao consumidor (incisos IV e XV do art. 51 e ainda os incisos I e II do § 1º desse mesmo dispositivo). Sua cobrança deve ser restituída em dobro ao consumidor, na forma do Art. 42, parágrafo único do CDC.
“Art. 42. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
Nesse sentido tem se direcionado o Poder Judiciário. Veja-se:
“RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NET COMBO. FATURAS COM VALORES INTEGRAIS DO SERVIÇO. NET VIRTUA. NET LAR. PONTOS ADICIONAIS. CANCELAMENTO DOS SERVIÇOS. SOMENTE SERVIÇO DE NET TV QUE CONTINUOU A SER UTILIZADO. COBRANÇAS QUE CONTINUARAM SENDO EMITIDAS APÓS A SOLICITAÇÃO DE CANCELAMENTO DOS SERVIÇOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONCEDIDA NO VALOR DE R$ 3.000,00, QUE COMPORTA REDUÇÃO PARA SE ADEQUAR AO PARAMETRO UTILIZADO PELA TURMA NAS INDENIZAÇÕES CONCEDIDAS EM CASOS SEMELHANTES. 1. Descabe a cobrança por "ponto extra de televisão a cabo instalado na residência do autor, pois não se verifica prestação adicional de serviço pela ré a ensejar a cobrança de valores do consumidor. 2. Não há novo serviço passível de cobrança porque o cabo por onde é fornecido o sinal já se encontra instalado para levá-lo até o aparelho televisor, no apartamento do consumidor. O sinal, portanto, já possui entrada para o interior da residência do autor; o canal para isso preexiste ao pretendido ponto adicional. Inexiste, pois, exigência de nova instalação física para disponibilizar o sinal, este já está acessível dentro da residência da parte autora. 3. Com efeito, não há embasamento legal para a cobrança de ponto adicional de televisão a cabo, devendo tais valores ser extirpados das faturas do demandante. A Resolução528/2009, de 22.04.2009, da ANATEL, decidiu proibir definitivamente a cobrança pelo ponto extra da TV por assinatura (conforme se dessume de seus artigos 29 e 30, expressamente citados na sentença), sendo que a própria Resolução 488/07 da mesma Agência Reguladora já apontava nesse sentido. 4. Para reforçar a posição no sentido de ser indevida a cobrança em testilha, cabe ser registrado que já tramita, há algum tempo, o Projeto de Lei 346/05 do Senado Federal, que visa instituir o § 3º no artigo 26 da Lei 8.977/95, para proibir expressamente a cobrança de adicional pela disponibilidade do serviço de TV a Cabo, quando instalado em pontos adicionais ou pontos extras de demanda de sinal para cada usuário individual num único domicílio. Referido projeto já conta com parecer aprovado na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalizaçção e Controle, apresentando como justificativa que,"(…) a despeito dos custos iniciais de instalação, que, claro, têm que ser ressarcidos, não faz sentido a cobrança pelo uso continuado dos pontos extras. Pois, afinal, o usuário de TV a Cabo é contratante de uma prestação de serviços que chegam ao seu domicílio, podendo, à vontade do contratante, serem distribuídos conforme seu interesse de uso. (citação contida no voto diretor da apelação nº 7.152.066-0, da 13ª Câmara de Direito Privado, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 27.03.2009, por unanimidade, constando em sua ementa o seguinte: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Serviços de TV a Cabo (TV por assinatura). Cobrança por ponto adicional. Discussão sobre a legalidade. Natureza dos serviços prestados. Justa expectativa do consumidor que adquire tais serviços em deter opção de entretenimento, pouco importando em que local de sua residência irá assistir a programação ou se o fará de forma conjunta ou separadamente dos integrantes do núcleo familiar. Inexistência de serviços prestados adicionalmente pela instalação dos pontos. Serviços que não são mensurados como a energia elétrica. Abusividade da cobrança. Existência de projeto de lei que, com base nesta justificativa, proíbe expressamente a cobrança. Impossibilidade da imposição de tais valores e necessidade de restituição dos valores pagos indevidamente pelos consumidores. Sentença reformada. Apelação provida). Com base no artigo 42 do CDC, devem-se restituir em dobro os valores cobrados indevidamente pela prestadora de serviços. 5. Danos morais ocorrentes, que derivam da própria conduta ilícita da empresa recorrente, que incluiu, nas faturas mensais, valores referentes a pontos adicionais. Desse modo, está caracterizado o dano in re ipsa, ou seja, derivado do próprio ato ofensivo. A indenização por dano moral possui funções satisfatórias, procurando, muito mais, a recompensa pela dor e sofrimento causados do que a restituição integral à ofensa causada. 6. O valor de R$ 3.000,00, arbitrado em primeira instância, mostra-se elevado aos parâmetros utilizados pelas Turmas Recursais, razão pela qual fica reduzido para R$ 1.500,00. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Cível Nº 71002393049, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 26/01/2010)”. (grifos nossos)
“REPARAÇÃO DE DANOS. CONSUMIDOR. TELEVISÃO POR ASSINATURA (TV A CABO). COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO 528/ANATEL, DE 17.04.2009, E NOTA DE ESCLARECIMENTO DE 18.03.2010. Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17.04.2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos-de-extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, deve ser restituída em dobro. A NET e congêneres somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra, por evento (reparos, por exemplo), e não em bases mensais. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002463255, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 08/07/2010)” (grifos nossos).
Como se vê, a questão é de direito. Folga-se em saber que, pelo menos aqui e acolá alguma agência reguladora cumpre seu papel de fiscalizar e coibir abusos.
Entretanto, verifica-se que ainda resta muito a se fazer, uma vez a prática abusiva em estudo ainda é muito utilizada, e os órgãos de fiscalização não a estão coibindo de modo pleno. Desse modo, fica prejudicado direito do consumidor, uma vez que existem poucas empresas fornecedoras do serviço e todas elas se utilizam das mesmas práticas abusivas, ferindo o direito à livre concorrência.
A proteção à concorrência não é um fim em si mesmo, mas constitui instrumento que, fundado no princípio da igualdade, visa preservar as forças no mercado (grifo nosso).
É impossível se aventar uma legislação que almeje reprimir o abuso do poder econômico, protegendo a concorrência, sem que haja mecanismos de controle dos atos potencialmente geradores de determinada lesão jurídica. E sendo assim, é que a lei 8.884/94 cria conceitos e toda uma estrutura administrativa estatal visando a defesa da ordem econômica e repressão do abuso de poder econômico, ao passo em que estabelece tipificação de condutas, normas procedimentais, critérios de avaliação, dentre outras disposições.
Tanto a Secretaria de Direito Econômico (SDE), quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ambos vinculados ao Ministério da Justiça, desempenham papéis de primeira grandeza no âmbito da prevenção do abuso de poder econômico e defesa da concorrência. A SDE possui dentre outras competências as de fiscalização, investigação e de opinião ao CADE. Já à esta última autarquia, compete o processamento e julgamento administrativo decidindo sobre a existência de infração à ordem econômica, determinar providências destinadas à cessação da infração, aprovar termos de compromissos de desempenho, dentre as demais competências elencadas no artigo 7º da Lei 8.884/94.
Cabe, portanto, aos referidos órgãos, fiscalizar as empresas para garantir que haja uma livre concorrência no setor, e não poucas empresas que se utilizam das mesmas práticas abusivas, como vem ocorrendo na atualidade.
Concluímos esclarecendo que o fato de haver previsão contratual autorizando a cobrança do ponto extra não conduz ao efeito esperado pela empresa fornecedora, porquanto a cláusula abusiva não é infensa ao controle judicial.
Nessa toada, deve ser invocado o art. 51 do CDC, que dispõe que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
CONCLUSÃO
O presente artigo jurídico teve o propósito de elucidar a questão envolvendo a prática da publicidade enganosa e abusiva, face ao Direito Básico à Informação, à luz dos postulados legais consignados no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC), como também na doutrina e jurisprudência publicadas sobre o tema. Com essa análise, procuramos abordar os aspectos jurídicos relativos às relações de consumo, focando especialmente em um tema relativamente novo para o Direito do Consumidor, qual seja, a televisão por assinatura e a prática abusiva da cobrança de aluguel de ponto extra, assim como as implicações sociais e econômicas no âmbito desta matéria.
Esse estudo permitiu aprofundamento teórico acerca de algo presente na vida de muitos consumidores que desconhecem seus direitos e são explorados pelas empresas prestadoras de serviço de televisão por assinatura.
Considerando o estudo aqui abordado conclui-se em face dos princípios aqui tratados, expressos no Código de Defesa ao Consumidor, Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, que tangem o Direito do Consumidor é que devemos combater de forma legal e imperativa, pois à atuação incontrolável e violenta advinda do desrespeito das empresas prestadoras de serviço de televisão por assinatura.
O consumidor torna-se “prisioneiro” do monopólio das referidas empresas, já que é limitado o número de empresas fornecedoras do serviço, e todas se utilizam de práticas semelhantes.
O consumidor fica a mercê das empresas fornecedoras televisão por assinatura numa relação de consumo desrespeitosa ao cliente, estas empresas detentoras do capital nesta relação consumerista, nos levando a concluir que sendo detentora do capital também é do Direito.
Deve ser imposto um comportamento ético mais condizente com o relacionamento humano, pois a concepção de princípio vem daquilo que lhe direcionará, lhe conduzirá inicialmente no que diz respeito ao humano, este pólo ativo na relação de consumo, tanto que o CDC assim o prevê.
Detentoras do direito porque são detentoras do capital, assim direcionando a relação de consumo, aqui trazida, da forma que melhor lhe convier.
O que deveria ser buscado é a minoração dos transtornos sofridos pela vítima, e a punição do ofensor, para que não reincidisse, mas o que se observa no dia-a-dia é que os meios coercitivos não são suficientes se não tivermos um judiciário nacional com o propósito de fazer valer as Regulamentações, Leis e Decretos.
A legislação consumerista tenta medidas para proteger o consumidor, parte mais fraca nesta relação de consumo ora tratada, mas de nada adiantará se não houver um judiciário capaz de aplicá-la.
Sendo o principal interesse não somente a aplicação do direito e sim também uma forma coercitiva de não ocorrer tão facilmente tais conflitos por falta da aplicação da legislação vigente.
Os objetivos propostos foram alcançados em sua totalidade, a partir do cumprimento de cada objetivo específico. Assim, foi possível analisar os princípios fundamentais do Direito do Consumidor, destacando o direito básico à informação frente ao CDC e as práticas comerciais abusivas, como objeto de estudo desse trabalho. Em seguida, houve o estudo sobre a televisão por assinatura no Brasil, suas normas reguladoras, focando na prática comercial abusiva da cobrança de aluguel por ponto extra de televisão.
Constatou-se, então, que a cobrança por pontos adicionais em uma mesma residência não corresponde a qualquer nova prestação de serviços, com o que sua cobrança corresponde à prática abusiva vedada pelo Código de defesa e proteção ao consumidor (incisos IV e XV do art. 51 e ainda os incisos I e II do § 1º desse mesmo dispositivo). Sua cobrança deve ser restituída em dobro ao consumidor, na forma do Art. 42, parágrafo único do CDC.
Verificamos também que o direito do consumidor fica prejudicado, na questão analisada, tendo em vista a pouca concorrência que existe no setor de fornecimento de televisão por assinatura, observado que as parcas empresas existentes fazem uso das mesmas práticas abusivas. Resta, portanto, prejudicado o direito à livre concorrência garantido constitucionalmente.
A partir dos resultados alcançados, compreendeu-se que as práticas comerciais abusivas se multiplicam e se renovam a cada dia, sendo necessário, pois, um olhar cada vez mais atento dos órgãos e defesa do consumidor e uma atuação mais presente das agências reguladoras a fim de resguardar os direitos do cidadão. O Poder Judiciário e a própria sociedade, em se deparando com situações que envolvam o abuso aos direitos do consumidor, devem ser guiados pelos princípios constitucionais que regem o Código de Defesa do Consumidor, tais como o da vulnerabilidade e da inversão do ônus da prova, a fim de diminuir a desigualdade existente entre as partes visando sempre a equidade almejada pela Constituição.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba
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