Prazos no novo Código de Processo Civil: a controversa contagem em dias úteis

Resumo: O presente estudo versa sobre a nova regra de contagem dos prazos processuais em dias úteis, introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015. Este trabalho investiga a possibilidade de incidência desse comando sobre outros diplomas legais e os requisitos necessários para aplicação dessa nova regra. O tema tem gerado debates doutrinários e jurisprudenciais acerca da aplicabilidade dessa nova regra em outras searas, especialmente nos Juizados Especiais. Não se pretendeu realizar uma análise exaustiva, haja vista a existência de inúmeras regras processuais específicas em legislações esparsas e de debates ainda em curso. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica com diversos autores e com base na jurisprudência. Concluiu-se que, nos Juizados Especiais, a questão ainda é controvertida, ao passo que, em outros ramos do Direito, a contagem em dias úteis não se aplica por haver previsão específica nos respectivos normativos processuais. Verificou-se, ainda, que existem ao menos três pressupostos para a contagem se realizar em dias úteis: i) inexistência de regra específica de contagem de prazo em dias corridos; ii) a fixação do prazo dias, e não em meses ou anos; e iii) o prazo possuir natureza de direito processual.

Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Prazos. Dias úteis.

Sumário: Introdução. 1. Panorama Normativo. 2. Cômputo dos prazos nos Juizados Especiais. 3. Contagem dos prazos em outros ramos do Direito. 4. Requisitos para a contagem em dias úteis. Conclusão.

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Introdução

Este trabalho possui como tema a nova regra de contagem dos prazos processuais em dias úteis, introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC). O objetivo central deste estudo é investigar a possibilidade de aplicação desse comando a outros ramos do Direito, de modo a substituir a tradicional contagem em dias corridos pelo cômputo em dias úteis, e quais são os seus requisitos. Não há, contudo, a pretensão de exaurir a matéria, face à existência de uma miríade de regras processuais específicas em legislações esparsas.

Inicialmente, destaca-se o fato de os prazos para as partes serem fatais. Assim, a contagem equivocada pode gerar prejuízos imensuráveis. O ato praticado intempestivamente pelo advogado gera preclusão temporal, na medida em que seus prazos são próprios (NEVES, 2016). Daí a importância de se investigar quando a regra de contagem em dias úteis deve ser aplicada ou não.

O objetivo primordial deste estudo é, pois, investigar se a contagem em dias úteis alcança outros normativos, uma vez que o novel codex processual cível é lei posterior e de aplicação subsidiária, bem como quais as condições necessárias para que a nova regra seja aplicada. Como é de conhecimento geral, o novo CPC data de 16 de março de 2015, sendo, portanto, a legislação processual mais moderna em vigor no País. Além disso, outras leis dispõem expressamente sobre a aplicação subsidiária do referido código, e o próprio CPC estabelece, em seu art. 15, que “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente” (BRASIL, 2015). Desse modo, faz-se necessário compreender adequadamente o funcionamento do sistema para evitar interpretações equivocadas.

Para atingir o escopo proposto neste trabalho, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, sobretudo artigos científicos divulgados em meio eletrônico, a jurisprudência, os entendimentos consolidados em fóruns organizados por intérpretes do Direito, bem como os próprios normativos legais.

O desenvolvimento do presente trabalho foi dividido em quatro seções. Na primeira, apresentou-se o panorama normativo inaugurado pelo novo CPC. Na segunda, passou-se à análise da contagem em dias úteis no âmbito dos Juizados Especiais por haver maior polêmica. Na terceira, tratou-se da incidência dessa regra nos demais ramos do Direito. Finalmente, na quarta seção, foram abordados três requisitos mínimos para a incidência da nova regra processual de cômputo dos prazos.

1. Panorama Normativo

A publicação da Lei nº 13.105/2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil, trouxe, entre outras, uma importante conquista para a advocacia: a contagem dos prazos em dias úteis. Evidentemente, esse novo método repercutiu diretamente no cotidiano dos advogados, mas tem gerado polêmicas. O presente estudo analisará as interpretações divergentes que se tem dado à contagem dos prazos em dias úteis, em especial no que tange a sua aplicabilidade a outros ramos do Direito, além de investigar os requisitos necessários para o cômputo nos termos da nova regra.

De saída, cumpre destacar que a matéria possui capítulo próprio no novo CPC e está disciplinada nos artigos 218 e seguintes. A novidade supracitada está elencada no art. 219, in verbis:

“Art. 219.  Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único.  O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais. (BRASIL, 2015).”

Uma primeira leitura do dispositivo aparenta total clareza. No entanto, André Vasconcelos Roque (2015) observa que o dispositivo traz diversas armadilhas aos juristas. Inquietava-se o autor, antes mesmo de o novo CPC entrar em vigor, com a incerteza de para que lado a doutrina e jurisprudência penderiam na interpretação da contagem dos prazos em dias úteis em relação a outros ramos, como nos Juizados Especiais ou no processo trabalhista. Assim, fica evidenciado que o dispositivo não é tão cristalino quanto poderia parecer em uma análise inicial, sendo necessárias algumas elucidações.

2. Cômputo dos prazos nos Juizados Especiais

Com relação aos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública, a polêmica corporifica-se na Nota Técnica nº 01/2016 do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE, 2016a), de 4 de março de 2016. Reunidos em Florianópolis, os magistrados integrantes elaboram a referida Nota Técnica, no sentido de não aplicar a contagem em dias úteis aos Juizados Especiais. Essa Nota foi elaborada para embasar a decisão a ser tomada no futuro encontro do Fórum, entre 8 a 10 de junho de 2016, em Maceió. Contudo, esse entendimento veio de encontro ao que fora aprovado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura, no seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, realizado no período de 26 a 28 de agosto de 2015, que estabeleceu que a contagem dos prazos em dias úteis seria aplicável aos Juizados Especiais (ENFAM, 2015a).

Entre o lançamento da Nota Técnica do FONAJE, em março de 2016, até o Encontro de Maceió, ocorrido em junho do mesmo ano, muito se debateu sobre qual posição deveria prevalecer. O Secretário-Geral do FONAJE chegou a criticar o supracitado enunciado da ENFAM (FONAJE, 2016b), e a posição do FONAJE obteve apoio do CNJ, por meio de manifestação da Ministra Nancy Andrighi (BRASIL. CNJ, 2016).

Com a entrada em vigor do novo CPC e diante dessa controvérsia, os Tribunais decidiram pacificar o tema por meio de normas internas. O Tribunal de Justiça da Bahia, por exemplo, editou o Decreto Judiciário nº 223, de 21 de março de 2016, para esclarecer que a contagem em dias úteis não se aplicava ao Sistema dos Juizados Especiais (BAHIA. TJBA, 2016). Por sua vez, a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do DF, em 28 de março de 2016, decidiu, por maioria, que o enunciado do art. 219 do novo CPC alcançaria os Juizados Especiais (DISTRITO FEDERAL. TJDFT, 2016a). Este entendimento ficou consignado na quarta súmula da referida turma, publicada no DJE de 31/03/2016 (DISTRITO FEDERAL. TJDFT, 2016b, p.521), com o seguinte teor: "Nos Juizados Especiais Cíveis e de Fazenda Pública, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis, nos termos do art. 219, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15)". O sítio eletrônico Migalhas (2016) publicou uma tabela com a posição de outros Estados, na qual fica evidente uma verdadeira divisão, meio a meio, sobre qual orientação seguem. Alguns tribunais não constam da tabela, porque deixaram a questão ser definida em cada juizado (MIGALHAS, 2016).  Reproduz-se, abaixo, a tabela original:

Ao se acrescer à tabela original a informação de que o Estado da Bahia não aplica a contagem em dias úteis, tem-se que dez unidades da federação adotam a regra de contagem em dias corridos e outras em dias úteis. Verifica-se, assim, que a divergência permeia os tribunais, o que traz grande insegurança jurídica que precisa ser prontamente resolvida.

Para a corrente que defende a não a aplicação da contagem em dias úteis os principais argumentos estão relacionados na Nota Técnica nº 01/2016 do FONAJE (2016a). São eles: a) a incompatibilidade com os princípios informadores do Sistema dos Juizados Especiais, previstos no art. 2º da Lei nº 9.099/1995, especialmente o da celeridade; b) a inaplicabilidade das regras do Código de Processo Civil ao rito dos processos do Juizado Especial Cível à fase de conhecimento; c) a inexistência de prazos legais para a fase de conhecimento, pois todos os prazos são judiciais, salvo o do recurso inominado, e que esses prazos sempre foram contados em dias corridos; d) a contagem em dias úteis caracterizaria subversão ao princípio constitucional da razoável duração do processo; e) o diploma legal dos Juizados é especial em relação ao novo CPC; f) o legislador não previu expressamente a contagem em dias úteis para os Juizados e, quando pretendeu fazer alguma alteração no sistema, a indicou expressamente no novo CPC; e g) no XXXVIII Encontro do FONAJE, realizado em novembro de 2015, em Belo Horizonte, o fórum já havia se manifestado pela inaplicabilidade da contagem de prazo em dias úteis.

A defesa dessa linha de pensamento não é tão farta na doutrina, mas encontra amparo em autores como Erick Linhares (2016).

De outra banda, diversos enunciados foram editados com entendimento contrário ao do FONAJE. O Enunciado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM, 2015b) nº 45 dispõe que “A contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados especiais”, o Enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC, 2015) nº 415 estabelece que “Os prazos processuais no sistema dos Juizados Especiais são contados em dias úteis” e o Enunciado do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais (FONAJEF, 2016) nº 175 preceitua que “Por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos Juizados Especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219)”.

Luiz Dellore et. al (2016) atenta para o fato de que os Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal (Lei nº 9.099/1995), o Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2001) e o Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) formam um sistema. A esse sistema, aplica-se, de modo subsidiário, o CPC, nos termos do art. 27 da Lei nº 12.153/2009. Assim, na ausência de regra especial sobre contagem de prazos nas leis dos Juizados, aplicam-se as regras do CPC. Logo, os autores concluem que os prazos nos Juizados devem ser computados em dias úteis e criticam o entendimento do FONAJE por sequer indicar qual diploma legal estaria aplicando subsidiariamente na contagem dos prazos.

Na mesma linha, Rogério Licastro Torres de Mello (2016) critica o argumento da especialidade da Lei nº 9.099/1995, na medida em que ela não traz disposições sobre a contagem do prazo. Aduz que a medida se justifica, em razão de condições mais dignas de trabalho ao advogado, conforme se extrai do seguinte excerto:

“O que prevaleceu a respeito, aliás, foi a ideia de que é por vezes absurdamente desumana, para o jurisdicionado e para seu advogado, a prática de se considerar dias não úteis no cômputo de prazos processuais, pois tal conduta, por não relevar que em dias não úteis não há expediente em repartições públicas ou em muitas particulares (para fins de obtenção de cópias e de elementos de prova, por exemplo), pode representar nefasto cerceamento de acesso à justiça. Ou alguém duvida do que ora se afirma quando se está diante do temível — e absurdo — início do prazo de cinco dias às quartas-feiras para a prática de determinado ato processual, caso em que, a rigor, de cinco dias totais temos, quando muito, dois ou três úteis integrais, excluindo-se o dia da publicação, o dia da prática do ato e o final de semana?

E, se o processo for físico e tramitar em comarca longínqua, por vezes em outro Estado, o problema só faz agigantar, exigindo trabalho hercúleo para a parte e para seu advogado. (MELLO, 2016).”

O autor (MELLO, 2016) rebate, ainda, a alegação de que haveria prejuízo à celeridade, haja vista que os processos perdem mais tempo parados nos cartórios do que com prazos para as partes. Desse modo, o cômputo de alguns dias a mais de prazo, que muito beneficia os causídicos, teria pouco ou nenhum impacto sobre o prazo total de tramitação do processo. De fato, sua alegação pode ser confirmada pelo estudo do Ministério da Justiça (MJ), intitulado Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais (2007), resgatado no artigo de André Vasconcelos Roque (2016). Segundo o estudo (BRASIL. MJ, 2007, p.23), o tempo em que o processo fica em cartório é grande em relação ao tempo total, pois equivalem de 80% a 95% do tempo total de processamento. Contudo, o tempo em cartório não pode ser confundido com tempo morto, na medida em que estão incluídos nele períodos absolutamente necessários. O tempo morto é aquele em que o processo aguarda algum ato a ser praticado pelo servidor ou é gasto em rotinas que poderiam ser eliminadas se houvesse racionalização do fluxo de tarefas do cartório. Apesar de o estudo não conseguir fixar um percentual para esse tempo de espera, ele constatou que é justamente nesse período que ocorre a maior demora (BRASIL. MJ, 2007, p.24).

Nesse diapasão, Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 359) aduz a necessidade de descanso do advogado e também culpa o tempo morto pela morosidade do processo, nos seguintes termos:

“Sendo advogado militante no contencioso cível, não tenho como deixar de saudar efusivamente a novidade legislativa. Nem é preciso muita experiência forense para se compreender que com prazos em trâmite durante o final de semana o advogado simplesmente não tem descanso. Basta imaginar o termo inicial de contestação numa ação cautelar numa quarta-feira com feriado na quinta e sexta.

Com o pedido de desculpas antecipadas aos que entendem o contrário, a crítica de que a previsão legal ofende o princípio da celeridade processual destoa em absoluto da realidade forense. O processo demora demais, muito além do tempo razoável previsto no art. 5.º, LXXVIII, da CF, mas culpar os prazos por isso é inocência. A culpa na realidade é do tempo morto, ou seja, o tempo de espera entre os atos processuais, principal culpado pela morosidade procedimental. Com audiências sendo designadas para meses depois, com autos conclusos a perder de vista, com esperas dramáticas pela mera juntada de uma peça, entender que a contagem de prazos somente durante os dias úteis irá atrasar o andamento do processo é trabalhar em paralelo com a realidade.”

Rogério Licastro Torres de Mello (2016), inspirado pelas orientações renovadoras de Lenio Streck e Dierle Nunes, renomados juristas que conclamaram a comunidade jurídica a não olharem o novo com os olhos do velho (STRECK; NUNES, 2016), apresenta brilhante conclusão em seu estudo que deveria nortear o pensamento de todos, a saber:

“Não se pode interpretar o novo com os olhos dirigidos ao que foi e não mais é. Não é intelectualmente admissível que se continue a divorciar o novo CPC da Lei 9.099/95 como se fossem diplomas legislativos contrastados em termos de princípios informativos: são, a rigor, diplomas positivamente conectados em termos de celeridade e razoável duração do processo, e o primeiro serve de fonte informadora à segunda, inexistindo qualquer descompasso entre ambos. (…)

Para perceber o novo, e devemos realmente percebê-lo, tem-se que usar a lente correta, a lente nova, desembaçada e com boa vontade, senão vai-se ver o novo como se velho fosse. E ver não é perceber, pois perceber é algo além, é extrair do objeto de atenção toda sua riqueza e sua razão de ser, é captar sua inteligência. E temos que perceber o nosso novo Código de Processo Civil.”

Não obstante todos os apelos feitos pela comunidade jurídica de modo geral, o FONAJE (2016c) decidiu em Maceió manter o entendimento de que os prazos em dias úteis não fossem aplicados ao sistema dos Juizados e editou o Enunciado Cível nº 165 com o seguinte teor: “Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua”. No mesmo sentido, foi editado o Enunciado da Fazenda Pública nº 13 (FONAJE, 2016d).

A irresignação veio imediatamente. Marcelo Pacheco Machado (2016) registra a expectativa que havia em torno do Encontro do FONAJE em Maceió para que o fórum mudasse de entendimento. Ele é bastante contundente ao explanar o porquê de os Juizados Especiais precisarem aplicar subsidiariamente o novo CPC, como se depreende da passagem a seguir:

“E nos juizados especiais cíveis? Bem, a lei pertinente (especialmente, Lei n.º 9.099/95, a qual originou o chamado “microssistema dos juizados especiais”) não tinha o condão de regular o processos como um todo, e precisou buscar aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Isto é, prevendo a Lei dos Juizados Especiais prazo de “X” dias para determinado ato, mas não como será feito o cômputo deste prazo, o Código de Processo Civil passou a ser a referência necessária. Era nele, somente nele, e em nenhum outro lugar, que sabíamos que o prazo seria contado em dias corridos, excluindo-se o primeiro dia da contagem e prorrogando-se prazo até o dia útil subsequente ao dia final (CPC/73, art. 181, § 1º). (…)

Não se o fazia assim por um criacionismo judicial ou mesmo para se atender à exigência de celeridade daquele procedimento (Lei 9.099/95, art. 2º). Era simplesmente a incidência de uma norma jurídica válida, e aplicada subsidiariamente. Uma norma que tinha que existir, sob pena de não termos nenhuma referência para o cômputo dos prazos.

O problema foi que em 18 de março de 2016 esta norma, antes aplicada subsidiariamente, foi revogada. Deixou de existir no mundo jurídico o artigo 181 do Código de Processo Civil de 1973 (o Código quase todo), sendo este substituído claramente pelo artigo 219 do Código de 2015, com norma de sentido diametralmente distinto: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. 

Bem, a conclusão insofismável: se a legislação dos juizados especiais é omissa quanto ao cômputo de prazos, se o CPC/73 é o diploma que se aplicava, se o CPC/73 foi revogado pelo CPC/2015, a norma do CPC/2015 deve necessariamente passar a dar base normativa para o sistema dos juizados especiais, passando a se contarem os prazos apenas em dias úteis (CPC/2015, art. 219). (MACHADO, 2016).”

O autor (MACHADO, 2016) cita, ainda, o estudo do CNJ (BRASIL. CNJ, 2015) que revela que o tempo morto do processo, aquele em que os autos ficam nos escaninhos da Justiça, é computado em anos, de modo que o cômputo em dias úteis teria impacto praticamente nulo no tempo total de duração do processo.

A própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB, 2016), por intermédio do Ofício nº 1178/2016-GPR, de 9 de agosto de 2016, solicitou a revisão dos Enunciados aprovados pelo FONAJE. Além dos argumentos anteriormente listados, a OAB salienta a necessidade de uniformidade do sistema, uma das inspirações dos processualistas, para simplificar e dirimir dúvidas que prejudicam mais intensamente o jurisdicionado.

Pelo exposto, constata-se que a polêmica do cômputo dos prazos em dias úteis ou corridos, nos Juizados Especiais, não parece estar resolvida, face à grande e razoável oposição da doutrina ao entendimento do FONAJE.

Evidentemente, como ressaltam Luiz Dellore et. al (2016), o advogado diligente, por cautela, deverá, na dúvida, sempre contar os prazos como se corridos fossem. Afinal, como dito no início deste estudo, seus prazos são fatais. A atuação intempestiva pode provocar danos irreparáveis ou de difícil reparação a seus clientes. Justamente por isso, é fundamental que prevaleça a segurança jurídica e que o debate sobre algo tão simples e elementar seja prontamente pacificado pela jurisprudência.

3. Contagem dos prazos em outros ramos do Direito

Além da esfera cível, é preciso perquirir sobre os reflexos dessa contagem em dias úteis em outros ramos do Direito, dado o caráter subsidiário do CPC a outras legislações.

Com relação aos demais ramos do Direito adiante analisados, a polêmica que existe com os Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública não se repete. Isso porque a contagem dos prazos obedece ao diploma específico ou faz remissão a outra lei processual que não o CPC de 2015, contendo regra expressa de contagem em dias corridos. Nesse ponto, deve-se atentar para a regra geral do direito de que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”, nos termos do art. 2º, §2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942). Se não se trata de um caso de revogação, então é uma hipótese de aparente conflito de normas. Sobre o tema, bastante elucidativos são os ensinamentos de Flávio Tartuce (2016, p.67-69):

“A antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto (lacunas de colisão).

Em suma, este estudo não está relacionado com a revogação das normas jurídicas, mas com os eventuais conflitos que podem existir entre elas. Esse esclarecimento é básico e fundamental.

Pois bem, aqui serão utilizadas as regras de teoria geral de direito muito bem expostas na obra Conflito de normas, da Professora Maria Helena Diniz, sendo certo que por diversas vezes esse trabalho será utilizado para a compreensão dos novos conceitos privados, que emergiram com a nova codificação. Assim, serão aqui estudados os conceitos básicos de solução desses conflitos, os metacritérios clássicos construídos por Norberto Bobbio, em sua Teoria do ordenamento jurídico, para a solução dos choques entre as normas jurídicas, a saber:

a) critério cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior;

b) critério da especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;

c) critério hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior.

Dos três critérios acima, o cronológico, constante do art. 2.º da Lei de Introdução, é o mais fraco de todos, sucumbindo diante dos demais. O critério da especialidade é o intermediário e o da hierarquia o mais forte de todos, tendo em vista a importância do Texto Constitucional. (…)

Superada essa análise, parte-se para a classificação das antinomias, quanto aos metacritérios envolvidos, conforme esquema a seguir:

– Antinomia de 1.º grau: conflito de normas que envolve apenas um dos critérios acima expostos.

Antinomia de 2.º grau: choque de normas válidas que envolve dois dos critérios analisados.

Em havendo a possibilidade ou não de solução, conforme os metacritérios de solução de conflito, é pertinente a seguinte visualização:

Antinomia aparente: situação que pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes expostos.

– Antinomia real: situação que não pode ser resolvida de acordo com os metacritérios antes expostos.

De acordo com essas classificações, devem ser analisados os casos práticos em que estão presentes os conflitos:

• No caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a primeira, pelo critério cronológico, caso de antinomia de primeiro grau aparente.

• Norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial, que é o critério da especialidade, outra situação de antinomia de primeiro grau aparente.

• Havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a primeira, pelo critério hierárquico, também situação de antinomia de primeiro grau aparente.

Esses são os casos de antinomia de primeiro grau, todos de antinomia aparente, eis que presente a solução de acordo com os metacritérios antes analisados. Passa-se então ao estudo das antinomias de segundo grau:

Em um primeiro caso de antinomia de segundo grau aparente, quando se tem um conflito de uma norma especial anterior e outra geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade, prevalecendo a primeira norma.

• Havendo conflito entre norma superior anterior e outra inferior posterior, prevalece também a primeira (critério hierárquico), outro caso de antinomia de segundo grau aparente. (grifos aduzidos).”

Maria Helena Diniz (1998, p.39) esclarece, ainda mais, o critério da especialidade ao tratar da solução de antinomias no direito interno, conforme se extrai do seguinte trecho:

“C) O de especialidade (lex specialis derogat legi generali), que visa a consideração da matéria normada, com o recurso aos meios interpretativos. Entre a lex specialis e a lex generalis há um quid specie ou uma genus au speci. Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos de da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na geral (RJTJSP, 29:303). O tipo geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica.”

Assim, deve-se interpretar que a contagem em dias úteis, prevista no art. 219 do novo CPC, somente é aplicado quando não houver previsão de contagem em dias corridos na lei especial. Após esses esclarecimentos prévios, passa-se à análise do que estabelecem as leis dos demais ramos do Direito sobre os prazos processuais, sem pretensão de exauri-las, dada a infinidade de normas.

No que tange aos Juizados Especiais criminais, ressalta-se que não seria possível computar os prazos em dias úteis, em razão de a Lei nº 9.099/1995, em seu art. 92, dispor sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (BRASIL, 1995). Desse modo, como o art. 798 do CPP estabelece que “todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado”, não há como se cogitar contagem de modo diverso (BRASIL, 1941). Nesse sentido, inclusive, decidiu o STJ na Reclamação 30.714-PB, ao tratar do agravo contra decisão monocrática de relator na esfera penal, consoante se depreende da ementa abaixo transcrita:

“O agravo contra decisão monocrática de Relator, em controvérsias que versam sobre matéria penal ou processual penal, nos tribunais superiores, não obedece às regras no novo CPC, referentes à contagem dos prazos em dias úteis (art. 219, Lei 13.105/2015) e ao estabelecimento de prazo de 15 (quinze) dias para todos os recursos, com exceção dos embargos de declaração (art. 1.003, § 5º, Lei 13.105/2015). Isso porque, no ponto, não foi revogada, expressamente, como ocorreu com outros de seus artigos, a norma especial da Lei 8.038/90 que estabelece o prazo de cinco dias para o agravo interno. Além disso, a regra do art. 798 do Código de Processo Penal, segundo a qual “Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado” constitui norma especial em relação às alterações trazidas pela Lei 13.105/2015. (BRASIL. STJ, 2016).”

Nessa mesma linha, guiou-se o STF no Habeas Corpus 127.409-AgR/SP (BRASIL. STF, 2016a) e no Habeas Corpus 134.554-RCON/SP (BRASIL. STF, 2016b).

No que concerne ao processo penal militar, também não seria possível inferir a contagem em dias úteis, uma vez que o art. 3º, alínea “a” do Decreto-Lei nº 1.002/1969, que institui o Código de Processo Penal Militar, determina que o suprimento dos casos omissos se dê, inicialmente, pela legislação de processo penal comum (BRASIL, 1969). Como anteriormente visto, o art. 798 do CPP possui regra específica com contagem em dias corridos (BRASIL, 1941).

Com relação ao Processo do Trabalho, deve-se aplicar o art. 775 da CLT, que prevê que os prazos “são contínuos e irreleváveis” (BRASIL, 1943). Repise-se que, na existência de norma específica, não se deve aplicar o CPC. Nesse sentido, lecionam Renato Saraiva e Aryanna Manfredini (2016, p.179), bem como Sergio Pinto Martins (2016, p.235). Para evitar qualquer dúvida, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Instrução Normativa nº 39/2016, aprovada pela Resolução nº 203/2016 (BRASIL. TST, 2016), que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho. O art. 2º, III da retromencionada Instrução Normativa estabelece que não se aplica a contagem de prazos em dias úteis.  

Quanto ao Direito Administrativo, a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabeleceu regras gerais sobre o cômputo dos prazos, pelas quais os prazos processuais são contínuos e, salvo motivo de força maior, não se suspendem (CARVALHO, 2016, p.1117-1118). Assim preceitua a referida Lei:

“Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.

§ 1o Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal.

§ 2o Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo.

§ 3o Os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês.

Art. 67. Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem. (grifos aduzidos). (BRASIL, 1999).”

Excepcionalmente, porém, leis esparsas que versem sobre a matéria administrativa podem estabelecer outras formas de cômputo dos prazos (CARVALHO, 2016, p.1103). Afinal, a própria Lei nº 9.784/1999, em seu art. 69, ressalva que “os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei” (BRASIL, 1999). A título de exemplo, cite-se a Lei nº 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos. Em seu art. 109, os prazos para os recursos administrativos são contados em dias úteis, assim como os prazos previstos em diversos outros dispositivos da referida lei (BRASIL, 1993). Essa ausência de uniformidade processual sempre exigiu, e continuará a exigir, maior cautela dos profissionais do direito, já que a matéria de prazo processual possui regramento específico, não sendo possível invocar o art. 15 do CPC para aplicar supletiva e subsidiariamente suas disposições no que tange ao prazo em dias úteis (BRASIL, 2015).

No que diz respeito ao Direito Eleitoral, a contagem em dias úteis também foi afastada pela Resolução nº 23.478 do TSE (BRASIL. TSE, 2016, p.56-58), em seu art. 7º. Da leitura de seu art. 2º, depreende-se que a justificativa se coaduna com as que foram acima expostas, no sentido da especialidade da matéria. Desse modo, a aplicação do novo CPC, em caráter supletivo e subsidiário, fica condicionada à existência de compatibilidade sistêmica.

Alerte-se, ainda, como bem lembrado por Andre Vasconcelos Roque (2015) e Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 360), para o fato de que a intimação tácita no processo eletrônico, prazo de dez dias para que o advogado tome ciência de publicação enviada pelo portal do tribunal, constitui exceção à regra da contagem em dias úteis. Isso porque esses dez dias devem ser contados de modo corrido, por expressa previsão do §3º do art. 5º da Lei nº 11.419/2006 (BRASIL, 2006). Registre-se, contudo, que há vozes em sentido contrário como as de Teresa Arruda Alvim Wambier e Arthur Mendes Lobo (2016) para quem esse prazo, por ser processual, é necessariamente contato em dias úteis. Para estes autores, prevalece o fato de o CPC ser norma posterior sobre a especialidade da lei de processo eletrônico. Esse entendimento, data venia, pode ser criticado por não observar a já mencionada regra de solução de conflito aparente de normas, além de não estar em harmonia com o modo em que a doutrina majoritária e a jurisprudência vêm interpretando o sistema.

Assim, verifica-se que as legislações que contém regras processuais específicas não foram afetadas pela inovação do novo CPC, diante da prevalência do critério da especialidade das normas sobre as de caráter geral, ainda que estas sejam posteriores.

4. Requisitos para a contagem em dias úteis

Insta salientar, que a contagem em dias úteis possui alguns pressupostos para ser aplicável. O primeiro, que foi exaustivamente tratado no presente estudo, é a inexistência de regra específica dispondo sobre a contagem em dias corridos. É o que se infere dos ensinamentos de autores como: Luiz Dellore et. al (2016), Rogério Licastro Torres de Mello (2016), Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 360), Marcelo Pacheco Machado (2016), Renato Saraiva e Aryanna Manfredini (2016, p.179), Sergio Pinto Martins (2016, p.235), Matheus Carvalho (2016, p.1103) .

O segundo decorre da literalidade do art. 219 do novo CPC que afirma que a contagem em dias úteis é aplicável apenas aos prazos fixados em dias (BRASIL, 2015). Nesse ponto, destaca Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 359) que o mais comum é que os prazos sejam fixados em dias, mas podem ser fixados em minutos (como o de vinte minutos prorrogáveis por mais dez minutos para as sustentações orais do art. 364 do CPC de 2015), em meses (a exemplo do prazo de dois meses para pagamento da requisição de pequeno valor previsto no art. 535, §3º, II do novo CPC) ou mesmo em anos (como o de um ano de paralisação do processo para sua extinção por abandono bilateral tratado no art. 485, II do novo CPC). Andre Vasconcelos Roque (2015) critica essa limitação estabelecida pelo novel codex processual cível, em razão de se criar uma “matemática surpreendente”, já que o prazo de sessenta dias termina em data diversa daquela do prazo de dois meses, quando a fluência se inicia na mesma data.

O terceiro está previsto no parágrafo único do art. 219 do CPC que limita a contagem em dias úteis apenas aos prazos processuais. Esse requisito tem ocasionado diversas discussões doutrinárias.

Andre Vasconcelos Roque (2015) alerta para a dificuldade em se estabelecer o que é prazo processual, em função da inexistência de uma teoria satisfatória. Para ele, alguns prazos seriam tipicamente de direito processual como no caso dos prazos para contestar, recorrer, manifestar-se sobre documentos, provas ou outros elementos dos autos, bem como para designação de audiência e citação do réu com antecedência mínima (art. 334) e para a prática de atos pelo juiz ou pelos serventuários (arts. 226 e 228). Por outro lado, o prazo de cento e vinte dias para impetrar o Mandado de Segurança seria um prazo decadencial, portanto de direito material, de modo que não seria possível a contagem em dias úteis.

Por outro lado, Marcelo Pacheco Machado (2015) problematiza a contagem do prazo do Mandado de Segurança. Apesar de concordar, em linhas gerais, com Andre Vasconcelos Roque, sobre o que seriam os prazos processuais, Machado defende que o prazo de cento e vinte dias para impetrar o Mandado de Segurança é um prazo processual, logo contado em dias úteis. A seu ver, o prazo do Mandado de Segurança não é decadencial, mas um requisito para a admissibilidade de um procedimento especial. Defende o autor que:

“(…) Como fica a situação relativa ao mandado de segurança? Teremos agora prazo de cento e vinte dias úteis?

A questão principal reside na circunstância de que, Chiovenda, fazendo analogia ao direito civil, “encontrou a natureza jurídica do direito de ação” na classe dos direitos protestativos. E exatamente por estarem, no âmbito do direito civil, os direitos potestativos vinculados sempre a prazos decadenciais, a doutrina brasileira passou a qualificar como decadenciais também os prazos estabelecidos pela lei processual, para a propositura de determinadas demandas (procedimentos especializados), tais como a ação rescisória e o mandado de segurança.

Segundo essa ideia, friamente, poderíamos pensar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias do mandado de segurança seria um prazo regulado pelo direito civil, relativamente ao direito potestativo ao mandamus, motivo pelo qual não teria natureza “processual” e, nos termos do parágrafo único do art. 219 do CPC/2015, haveria de ser contado em dias corridos.

Não podemos concordar com essa linha de pensamento. O mandado de segurança, não importa se é previsto pela Constituição ou pela Lei Federal, nada mais é do que um procedimento legal, uma técnica processual diferenciada. E exatamente por este motivo, possui requisitos de admissibilidade diferenciados, dentre os quais prazo para sua utilização.

Notemos que isso não é exclusivo do mandado de segurança. Apenas a título de exemplo, as ações possessórias (força nova) se submetem a prazo de ano e dia e os embargos à execução se submetem a prazo de 30 dias. Assim como no mandado de segurança, este prazo é requisito para a admissibilidade de um procedimento especial. Não cumprido tal requisito, não se perde direito material, mas tão somente a possibilidade de utilização daquele procedimento específico (tutela diferenciada), o qual normalmente traz alguma vantagem ao demandante (isenção de sucumbência, liminar sem “periculum in mora”, simplicidade formal, etc.).

Isso, todavia, não lhe retira a circunstância de ser um prazo vinculado a ato processual da parte: a demanda inicial.

O modo da inicial é previsto pelo artigo 6º da Lei 12.109/2009, o lugar é previsto pelo artigo 102, II, “a” da CF entre outros, e o tempo, finalmente, pelo art. 23 da Lei 12.109/2009. É dizer, cuida de uma norma processual, que prevê o tempo para a prática de um ato que é inequivocamente processual (demanda), medindo-o em prazo, e que não traz nenhuma repercussão, senão para o processo. Tanto isso é verdade que, descumprido o prazo, o direito material adjacente à demanda continua intocado, podendo vir a ser tutelado pela via do procedimento comum. (MACHADO, 2015).”

A controvérsia sobre os prazos processuais continua com Luiz Dellore. Para ele (DELLORE, 2016), o conceito de prazo processual “(…) é aquele previsto em lei processual para realizar um ato processual e que traga consequências (ainda que não exclusivas) para o processo”, contudo reconhece que não há unanimidade nesse entendimento. Em seu artigo, o autor indaga qual seria a natureza do prazo para pagamento no cumprimento de sentença (art. 523) e na execução (art. 829). No primeiro caso, o CPC estabelece o prazo de 15 dias e no segundo, de 3 dias. Para ele, trata-se de um prazo processual a ser contado em dias úteis, porque se enquadra em seu conceito retromencionado. Entretanto o tema está longe de ser pacífico, como resta demonstrado por Bruno Fernando Garutti (2016), que cita diversos autores, uns que entendem que esse prazo seria processual, e outros que defendem que seria um prazo material.

Aduz-se, ainda, algumas relevantes ponderações de Teresa Arruda Alvim Wambier e Arthur Mendes Lobo (2016), que visam a orientar os juristas em geral sobre a interpretação do novo CPC. Pregam que as vaidades dos intérpretes cedam diante da necessidade de segurança jurídica por parte dos jurisdicionados. Orientam os autores que:

“A chegada do novo Código de Processo Civil tem sido esperada com bastante entusiasmo e muita ansiedade. De um modo geral, prevalece o clima de receptividade, embora existam aqueles que estejam vendo o novo código com um pouco de má vontade.

O que há de mais relevante, todavia, é que ele não seja visto como mais um “brinquedo” na mão da doutrina. Explicamos: discussões acadêmicas são realmente fascinantes, delas pode resultar a luz para muitos problemas jurídicos sérios. Entretanto, há temas sobre os quais a discussão acalorada não é bem-vinda. São aqueles que não envolvem valores. A solução da discussão, que deve ser curta, sobre, por exemplo, o que é coisa julgada, prequestionamento etc, deve se derivar de um acordo, pois, caso este acordo não exista, o único prejudicado é o jurisdicionado. (WAMBIER; LOBO, 2016).”

Outro ponto significativo levantado por eles foi o de que, em havendo divergências hermenêuticas, não poderá prevalecer aquela que prejudique o jurisdicionado. Com isso, o intérprete possuirá um norte que o guiará para, ao menos, reduzir as celeumas. Os autores apontam para solução no seguimento abaixo transcrito:

“Atenção: muitas dessas discussões são daquelas que na verdade nem deveriam existir: trata-se de criar uma convenção, apenas, para que o jurisdicionado não seja prejudicado, pois tudo existe em função e por causa dele, afinal.

Então, em caso de haver esse tipo de discussão e de se verificar haver ótimos argumentos para sustentar todas as possíveis interpretações, qual seria o critério para se optar por uma ou por outra interpretação? O que deve desempatar é esse critério: como vai funcionar melhor o sistema, do ponto de vista do jurisdicionado? Ou ainda, qual a opção que torna o sistema mais simples e gera menos problemas para o jurisdicionado?

Uma das inspirações dos processualistas que elaboraram o novo CPC foi simplificar o sistema, para que as discussões acadêmicas, tão fascinantes, não acabassem por prejudicar o jurisdicionado.

Ficaria integralmente frustrada caso cada tribunal do país interpretasse de um modo diferente as regras sobre prazos, considerando que alguns seriam, e outros não, tipicamente processuais. (WAMBIER; LOBO, 2016).”

No que tange especificamente à discussão sobre a distinção entre os prazos processuais e materiais, reconhecem que não é possível partir de um raciocínio simplista em que todo e qualquer prazo previsto em uma lei processual é necessariamente processual, pois muitas leis tratam tanto de prazos materiais, quanto de prazos processuais. Ademais, o CPC de 2015 não limitou a contagem em dias úteis àqueles nele estabelecidos, incidindo sobre os prazos previstos em qualquer outra lei ou em ato do juiz. Assim, defendem que os prazos de natureza processual seriam aqueles que “(…) determinam ‘quando’ e ‘como’ devem ocorrer situações jurídicas que geram efeitos processuais” (WAMBIER; LOBO, 2016).

Teresa Arruda Alvim Wambier e Arthur Mendes Lobo (2016) concluem que, na dúvida, os prazos devem ser interpretados como processuais para evitar prejuízos aos jurisdicionados, nos seguintes termos:

“Na dúvida se o prazo é material ou processual, deve-se entender como processual, já que previsto para ser praticada determinada conduta pela parte ou por seu advogado dentro do processo. Realizado o ato, o mesmo deverá ser informado no processo gerando consequências na marcha processual? Se a resposta for positiva, então se trata de um prazo processual e, como tal, deve ser contado em dias úteis.

Esta solução deve ser construída a partir de um acordo na comunidade jurídica.  Se houver discussão quanto ao termo final dos prazos processuais, por filigranas jurídicas ou vaidade intelectual, principalmente quanto à classificação de um prazo como material ou processual, teremos uma enorme insegurança jurídica com consequências incalculavelmente nefastas para o jurisdicionado. (…)

Porém, se um prazo é previsto em uma norma processual, ainda que não integrante do novo CPC, este deve ser contado, sim e sempre, em dias úteis, ainda que se possa eventualmente dizer, com bons argumentos, que, no fundo, se trataria de um prazo material, de modo a evitar confusão e insegurança jurídica.

Por ora, em se tratando das possíveis discussões e polêmicas, que tanto fascinam os estudiosos do Direito, deve ficar sempre o lembrete de que o desejo deste novo CPC é produzir bons resultados na prática, beneficiando o jurisdicionado: em última análise, a sociedade brasileira.”

Essa solução, apesar de louvável, deve ser vista com uma ressalva: o cômputo em dias úteis não deve prevalecer quando o diploma legal disponha expressamente que ele é feito em dias corridos. Trata-se, como já visto, de homenagem ao critério da especialidade, que tem guiado a doutrina e a jurisprudência na busca de uma solução para uma aparente antinomia entre normas, pela qual prevalece a norma especial anterior sobre a geral posterior.

O fundamental, nesse caso, conforme lições de Luiz Dellore (2016) e de Bruno Fernando Garutti (2016), é que haja cautela do advogado, contando os prazos como se corridos fossem, bem como a cooperação do magistrado, que deve indicar expressamente como se dará a contagem do prazo. Nesse ponto, deve-se observar a vedação a decisões surpresa contida no art. 10 do CPC (BRASIL, 2015). De fato, o que não se pode é permitir que o prejuízo de divergências interpretativas recaia sobre as partes até que o tema seja pacificado.

Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que a polêmica maior gira em torno dos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública. Em que pese o entendimento do FONAJE de contagem em dias corridos, há fortes justificativas jurídicas, sociais e científicas, além do amplo apoio da doutrina, para alterar esse posicionamento. Primeiramente, tem-se o argumento técnico-jurídico no sentido de que ao sistema dos Juizados se aplica, subsidiariamente, o novo CPC, já que aquele não possui regra própria de contagem de prazos. Em segundo lugar, subsiste o argumento social acerca caráter benéfico aos profissionais do direito, pois eles terão efetivo acesso aos órgãos públicos durante todos os dias do prazo, além de passarem a ter direito ao descanso nos finais de semana. Finalmente, a terceira razão é científica, uma vez que estudos comprovam que a grande demora no julgamento dos processos está no período em que eles ficam parados nos cartórios. Diante de todos os fundamentos elencados, o entendimento pela contagem dos prazos em dias úteis nos Juizados é o mais adequado, não caracterizando qualquer ofensa ao princípio constitucional da duração razoável do processo.

Enquanto esse tema não tiver um desfecho, o causídico deverá ter cautela e contar os prazos em dias corridos, com vistas a evitar prejuízos graves a seus clientes.

Outrossim, constatou-se que a inovadora regra do Código de Processo Civil de contagem dos prazos apenas em dias úteis está, em regra, restrita ao seu próprio âmbito de incidência, pois as leis dos outros ramos do Direito costumam tratar expressamente sobre o cômputo dos prazos.

Restou esclarecido que, em havendo disposição específica sobre a contagem em dias corridos, o novo CPC não pode prevalecer, na medida em que lei geral, ainda que posterior, não prevalece sobre lei anterior específica. Assim, não há dúvidas que no âmbito do processo penal, penal militar, trabalhista e eleitoral aplicam-se suas respectivas regras que determinam a de contagem em dias corridos. Na seara do Direito Administrativo, como a legislação é esparsa, cada lei possui sua própria forma de contagem. Na ausência, em se tratando da Administração Pública Federal, deve-se aplicar subsidiariamente a regra da Lei nº 9.784/1999, pela qual a contagem se faz em dias corridos.

Finalmente, verificou-se que a contagem em dias úteis pressupõe alguns requisitos. O primeiro é a inexistência de regra específica que estipule o cômputo em dias corridos. O segundo é a exigência de que o prazo seja estipulado em dias, não incidindo essa regra sobre aqueles que forem fixados em meses ou anos. Finalmente, o terceiro requisito é a necessidade de o prazo possuir a natureza de direito processual e não material. Quanto a esse último ponto, a doutrina e a jurisprudência precisam definir mais claramente quais seriam as diferenças entre eles.

Por tudo o que fora exposto, restou evidenciado que o debate é atual, relevante e com impactos diretos no cotidiano dos profissionais do direito, especialmente quando se leva em consideração que tribunais do país adotam entendimentos distintos. Indubitavelmente, a ausência de consenso gera insegurança jurídica, o que é extremamente danoso para a ordem jurídica nacional, de um modo geral, bem como para os advogados e seus clientes em particular. Nesse caso, o fundamental é que, em homenagem ao princípio da cooperação, os advogados tenham cautela no cômputo dos prazos e os juízes indiquem expressamente como se dará o cômputo dos prazos, até que a matéria seja pacificada. Afinal, não se pode admitir que a parte seja prejudicada por uma decisão surpresa.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Pedro Paulo Martins da Fonseca

Advogado e Servidor Público Federal no Ministério do Meio Ambiente atuando no apoio da Assessoria Jurídica junto ao Serviço Florestal Brasileiro


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Equipe Âmbito Jurídico

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