Resumo: O presente artigo não tem a intenção da exaustão do tema, mas antes, um enfoque sobre a responsabilidade civil, sua origem histórica, seus elementos conceituais e constitutivos, com uma visão sobre as tendências modernas da responsabilidade civil como por exemplo a Teoria da Perda de Uma Chance, já sedimentada na doutrina, acerca, também, da Teoria da Responsabilidade Pressuposta, em sedimentação na doutrina e uma provocação à Teoria em Perspectiva do Dano Pressuposto através de um repensar da doutrina civilista mediante um cotejo com direitos fundamentais.
Palavras-chaves: Direitos Fundamentais, Responsabilidade Civil, Responsabilidade Pressuposta, Perda de Chance e Dano.
Abstract: This article is not intended exhaust the subject, but rather a focus on civil liability, its historical origin, its constituent elements and conceptual, with a view of modern trends of a liability such as the Theory of Loss Chance, now cemented in the doctrine about, too, the Theory of Liability Assumed in settling the doctrine and a provocation to de Theory Perspective of Damage Assumption through are thinking tor doctrine through a comparison with fundamental rights.
Keywords: Fundamental Rights, Liability, Liability Assumed, Damage and Loss of Change.
Sumário: Resumo. Abstract. Introdução. Breve apontamento histórico. Marcos Conceituais e Estrutura Clássica da Responsabilidade Civil. Tendências das Modernas Doutrinas: Teoria da Perda de Uma Chance. Teoria da Responsabilidade Pressuposta. Teoria em Perspectiva do Dano Pressuposto. Conclusões.
Introdução
É sempre importante ter à vista que a essência acadêmica está justamente na eterna crítica, no enfrentamento dos marcos teóricos e paradigmáticos e sua constante valoração. Todavia, não menos verdade, é importante que se diga, que não se pretende a afirmação de que a correta solução de todo e qualquer problema sobre o qual se debruça o pensamento e a pesquisa acadêmica representa a quebra dos paradigmas já pré-estabelecidos, quiçá que a quebra dos paradigmas pretéritos viola o núcleo do conforto do pensamento, nem que tampouco esse enfrentamento de uma posição consolidada, todavia, é imperiosa ao sucesso e eficácia do trabalho intelectual.
Em uma análise comparativa, estaria a pesquisa acadêmica mais para uma obrigação de meio do que de resultado e, por tanto, estaria o pesquisador vinculado, sempre, com a conduta e não com a produção dessa conduta.
Partindo dessa premissa, a pretensão, pois, reside exatamente na justificativa da ação do questionamento, plenamente fundamentada pela necessária e saudável revisão procedida pelo fazer docente.
Roberto J. Brie (1998) apontou com precisão que
“El docente de cualquier nivel, desde el preescolar hasta el universitario, es consciente, hoy en día, de que el punto neurálgico del aprendizaje es el aprender a aprender, ese objetivo de aprender a aprender se identifica con la tarea de la restauración de la inteligencia.”
Em assim, atrela a atividade do professor como aquele que professa de fato os frutos de sua experiência acadêmica e que essa experiência transita na compreensão de sua pesquisa influenciada por suas diversas, mutáveis e, por isso, instáveis circunstâncias temporais e espaciais.
A dicotomia entre a necessidade do reconhecimento e a manutenção do que se conhece por núcleo duro de um lado e, de outro, do reconhecimento e enfrentamento desse núcleo duro mencionado, estabelecem um ponto de convergência sobre o necessário questionar acadêmico que não permite, assim, verdades dogmáticas.
E é justamente por isso que se afasta da presente proposta esse estabelecimento de marcos rígidos e terminativos. Por isso é importante permitir-se o questionamento que ora se propõe.
O instituto da responsabilidade civil sempre mereceu nota de atenção porque é dele toda a gama de consequências do relacionamento humano.
Particularmente no direito contemporâneo, essa especial atenção ganha contornos cada vez mais aprofundados em face do crescente relacionamento humano e os meios mais facilitados de comunicação, como por exemplo, os meios virtuais.
É certo, verdade, que o atual diploma civil nada projetou acerca da responsabilidade civil pelos danos derivados do relacionamento humano virtual, que preferimos chamar de danos virtuais.
Porém, em um sistema aberto e em construção, como o brasileiro, esses enfrentamentos mostram-se possíveis mediante a simples análise do preenchimento dos requisitos básicos à constituição do dever de indenizar.
Para tanto, o presente aportará um enfrentamento histórico da Responsabilidade Civil, passando pelo sua tipificação através de seus marcos conceituais e elementos constitutivos e enfrentará a alteração e tendências das modernas doutrinas acerca desses elementos constitutivos com um questionar quando a pressuposição do dano enquanto elementos constitutivo.
1. Breve Apontamento Histórico
A primeira concepção de responsabilização por violação de dever de conduta, afastava a análise de culpa e amoldava-se na idéia do que hoje se nomina por vingança e que, por certo, à época nominava-se por justiça.
Essa exteriorização de um senso de justiça era uma expressão de conduta humana como bem leciona Wilson Melo da Silva[1]
“quem lesava contava com a reação desordenada do ofendido. Não havia, na reação, nem regras, nem preceitos limitadores. Era a eclosão do primarismo do homem bárbaro a atuar sem peias, no automatismo da reação desmedida, no golpe pelo golpe.”
Essa idéia de uma justiça privada, de vingança, ganha contornos de legalidade pela Lei de Talião a qual parcela da doutrina[2], aponta como efetiva origem do sistema legal de responsabilidade civil a qual ganhou sensível evolução com a Lei das XII Tábuas, sob forte influencia do catolicismo, buscando afastar a vingança, inserindo a tolerância, e, ao fim, substituindo as penas sanguinárias por penas pecuniárias. Há a substituição do sangue pelo ouro como forma de responsabilização o que vem a ser recebido de forma expressa pelo ordenamento legal através da Lex Papiria Poetelia, no século VI aC que afasta a responsabilidade incidente sobre a pessoa do devedor direcionando a responsabilização incidente sobre o seu patrimônio, o que veio ganhar contornos definitivos através da Lex Aquilia, no século III aC, em que se sedimenta ideia de reparação afastando a ideia de punição.
É interessante ver que, no primeiro momento, na época da vingança privada, pouco importava a figura do dano. Bastava, à ensejar a responsabilidade, a conduta culposa que transgredisse um direito alheio.
Com o advento da Lex Aquilia a ideia de punição estrutura-se a contar da reparação e, para tanto, a figura do dano passa a ter especial atenção como condicionante da responsabilidade civil. Surge, ai o berço no instituto da responsabilidade civil, das figuras da indenização pelas perdas e danos, compreendidas essas como o dano emergente e o lucro cessante pois, segundo é possível verificar, a pretensão era a reparação do dano causado compreendido essa a efetiva perda experimentada pelo ofendido.
Essa estrutura da responsabilidade civil proposta pela Lex Papiria Poetelia e pela Lex Aquilia mantém-se praticamente intocada até o advento da Revolução Francesa que marca a ruptura da estrutura Igreja-Estado que anteriormente foi de vital importância para o afastamento da vingança e a inserção da ideia de reparação do dano, através de sua doutrina.
O Iluminismo francês, forte influencia do Código Civil Napoleônico, traz àquele diploma a ideia clássica da responsabilidade civil através do art. 1382, estabelecendo a estrutura base do instituto através do dano, de uma conduta culposa e o dever de indenizar.
Era o sistema da responsabilidade civil subjetiva em que o elemento culpa precisa estar vinculado ao elemento conduta para que se pense em responsabilidade civil.
Essa estruturação clássica – responsabilidade civil subjetiva – encontra sua primeira excepcionalidade na Revolução Industrial.
É que com o incremento dessa nova forma de trabalho, alterando-se a matriz produtiva da agricultura e da pecuária para os meios urbanos e, nesses, a matriz industrial, houve igual e proporcional aumento dos acidentes tanto pelo trabalho em si quanto por fatores que esse trabalho em meios urbanos ocasionou como, por exemplo, o incremento de população nos centros urbanos, aumentando os seus relacionamentos e, em decorrência, a violação dos deveres recíprocos de condutas, propiciando assim o dever de indenizar.
Todavia, nem sempre – e particularmente no meio industrial – havia a possibilidade da tipificação da culpa estabelecendo-se uma situação antagônica e que precisava ser dirimida sob pena de não se saber o que fazer ante a questão de condenar alguém sem culpa provada ou deixar alguém lesado sem reparação.
Dessa dicotomia surge a ideia da responsabilidade civil objetiva em que se passa a presumir a culpa, preponderando o interesse da reparação do dano em prejuízo do enfrentamento da culpa.
O Código Civil de 1916 incorpora essa estrutura proposta pelo sistema Francês, em que a ideia de culpa está insculpida na teoria da responsabilidade civil como regra – responsabilidade civil subjetiva, sendo a sua presunção a exceção – responsabilidade civil objetiva.
Nessa época, tanto lá como aqui, a visão do civilismo está focada no individualismo e no patrimonialismo. Basta ver que o Code Napoleon surge sob influencia do Iluminismo, calcada na força da burguesia, que à época tinha medo das recentes experiências da pretensões de intervenção do Estado Francês. Se lá era assim, por aqui a sociedade não se mostrava, ao menos intelectualmente, muito diferente pois se mostrava com os mesmo valores daquela sociedade, calcada no patriarcalismo conservador e rural.
Porém, o final do século XIX e o século XX mostram uma alteração gradativa dessas premissas originárias da Revolução Francesa. Como bem sinala Jesus Ballesteros[3] (1991), a pós-modernidade proclama o primado do homem sobre as coisas. Diria-se mais: primado do homem enquanto agente e ser social sobre seus interesses particulares e individualistas.
É a época do constitucionalismo social mencionado por Eugênio Facchini Neto (2006) que passa a estabelecer uma nova limitação à autonomia da vontade a contar da necessária concretização dos princípios constitucionais de solidariedade social e da dignidade da pessoa humana. Abandona-se a ética do individualismo pela ética da solidariedade (SIC).
E, como se verá, essa mudança de paradigmas trouxe tanto para o direito civil quanto para a responsabilidade civil em si, profundas alterações como por exemplo uma migração de um sistema em regra de responsabilidade civil subjetiva para um sistema de responsabilidade civil objetivo como regra, como por exemplo ocorre com o sistema consumeirista. Ou ainda a coletivização dos direitos.
É fato, e como dito, que essas mudanças não ocorrem de abrupto e de forma terminativa. Mais se mostram como um amoldamento do instituto em resposta às necessidade sociais.
2. Marcos Conceituais e Estrutura Clássica da Responsabilidade Civil
A conclusão de que todos são responsáveis pelos seus atos e devem arcar com as conseqüências negativas que daí advier não é nova. Nesse sentido Sérgio Luis Mendonça Alves[4] (2010). Alias, é de Pablo Neruda a afirmativa que bem se aplica ao civilismo pois, ao mesmo tempo que reconhece a autonomia da vontade como seu primado, a essa adiciona a inafastável responsabilidade civil decorrente: “Você é senhor de suas escolhas, e escravo das consequências.”
De início é importante referir que responsabilidade civil não se confunde, tecnicamente, com o que se conhece por obrigação.
A obrigação nasce de fonte legal e contratual, tal como a responsabilidade civil, mas esta deriva do inadimplemento daquela. Assim, é possível dizer que a responsabilidade civil é a consequência do não cumprimento culposo de uma obrigação, seja esta ativa (dar e fazer) ou comissiva (não fazer).
A doutrina civilista, e para tanto cita-se Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano (2005), entende que a responsabilidade civil deriva da “
[…] a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)”.
Segundo esses Autores, as funções do instituto se resumem em compensar o dano á vítima, punir o ofensor e desmotivar socialmente qualquer conduta lesiva. É fato, as duas primeiras funções são bem mais presentes na doutrina clássica, todavia isso não afasta a terceira função que, em verdade, mostra-se bastante pontual.
Quanto a estrutura, a responsabilidade civil apresenta-se pela presença ora de três elementos ora pela presença de quatro elementos.
Parcela significativa e importante da doutrina refere que a responsabilidade civil tipifica-se pela presença dos elementos dano, nexo e conduta, desprezando a culpa, lato senso, como seu elemento constitutivo. Nesse sentido lecionam Pamplona Filho e Gagliano (2005).
Porém, a nosso ver, o elemento culpa está visceralmente ligado à figura da responsabilidade civil pois não há dever de indenizar – decorrência da responsabilidade civil – se o inadimplemento obrigacional ocorreu sem culpa imputável ao responsável. Para essa conclusão basta a leitura dos tipos obrigacionais que se resolvem sem perdas e danos quando a inexecução obrigacional é não-culposa.
Nesse sentido são os artigos 234, 235 e 248, primeira parte, todos do Código Civil de 2002.
A doutrina que refere que o elemento culpa não é essencial, porquanto haja a possibilidade de haver obrigação de indenizar sem necessidade da prova do elemento culpa na verdade equivoca-se ao confundir o elemento processual (prova da culpa) com o elemento material (culpa). Na verdade a dicotomia clássica da responsabilidade civil (subjetiva e objetiva) não afasta o elemento culpa, apenas dispensa da prova ao pretendente da reparação, impondo ao autor da agressão o dever de afastar a culpa imputável ao mesmo, talvez até atribuindo-a a terceiro ou à própria vitima. Mas veja-se: a culpa, enquanto elemento integrante da responsabilidade civil ali está presente redistribuindo-se apenas, e no plano processual, o encargo probatório pelo que é possível dizer que a dicotomia da responsabilidade civil, ao fim e ao cabo, importa muito mais ao direito processual que ao direito material.
Portanto quer parecer que a culpa é sim determinante à existência da responsabilidade civil e, por isso, seu elemento constitutivo. Se equivocado nosso posicionamento, pelo menos o conforto da qualidade doutrinária (por exemplo, Cavalieri Filho (2007) e Stoco (2007) – também defendem que a conduta humana deve ser culposa) que nos acompanha nesse equívoco é reconfortante.
Estabelecido esse acordo semântico, tem-se que a responsabilidade civil estrutura-se pela presença de três ou quatro elementos segundo a doutrina pesquisada, à saber: conduta culposa, nexo e dano ou conduta, culpa, nexo e dano.
Agora, mostra-se impossível conceber a ausência de culpa como elemento constitutivo da responsabilidade civil.
Transposto, ainda que de forma bastante preliminar, o enfrentamento do primeiro elemento constitutivo, estabelecida que a conduta deva ser culposa para se pensar em responsabilidade civil, importante é enfrentar o segundo elemento constitutivo que é o dano.
Segundo Cavalieri Filho (2007, p.71)
“[…] o dano (é) a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc.”
Portanto dano é todo o prejuízo economicamente aferível que seja decorrente de ato ilícito de outrem e que precisa ser reparado. Muito embora parcela da doutrina assente que essa tentativa de reparação para a recolocação do status na situação anterior ao dano não passe de mera tentativa, o fato é que se tenta aproximar ao máximo a reparação do dano ao que efetivamente experimentado pela vítima, tanto reparando, quanto compensando, em notada indenização pela conduta ilícita culposa de outrem.
O sistema de responsabilidade civil brasileiro vigente prima, por primeiro, pela reparação do dano e relega a um segundo plano a intenção punitiva ao agente agressor, pelo que vincula de maneira bastante categórica que, sem dano, não há dever de indenizar.
Dai pois que preferimos estabelecer o marco teórico fundamental da responsabilidade civil que se projeta pela passagem obrigatória através da figura do dano como sua efetiva condicionante deixando relativizada a presença da culpa quanto do nexo causal.
Basta ver nesse sentido que Cavalieri Filho (2008) refere que pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.
Logo, a indução é no sentido da conclusão de que a figura do dano, na responsabilidade civil, é pressuposto condicionante à reparação ou compensação, tanto pela análise da teoria subjetiva quanto pela análise da teoria objetiva que objetivam, com perdão da redundância, tão somente a necessidade ou não do enfrentamento da culpa na conduta e a quem cabe o ônus de sua prova como antes dito.
Passado literalmente an passant pela conduta culposa e pelo dano, cumpre o enfrentamento do elemento nexo causal.
Refere Cavalieri Filho (2007, p.46) que na responsabilidade civil
“Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal.”
A lição doutrinária não guarda maiores complexidades pois deixa claro que, de pouco adiantaria a presença de uma conduta culposa e de um dano, se não houvesse um vínculo, um liame, entre eles, não haveria se falar em responsabilidade civil e o nexo causal vem justamente traduzir-se nesse elo de ligação entre a conduta e o dano, com o decorrente dever de indenizar quando preenchidos, concomitantemente, esses três elementos constitutivos.
Por isso, o elemento nexo causal mostra-se como uma linha interligante entre a conduta e o dever de reparar o dano.
3. Tendências das Modernas Doutrinas
Tal como ocorreu em decorrência da Revolução Industrial, a evolução das relações sociais tem imposto ao instituto da responsabilidade civil, profundas releituras e algumas proposições de revisão de seus conceitos.
Esses questionamentos são frutos, naturais aliás, do pensamento acadêmico. E é justamente por isso que novas interpretações doutrinárias são aportadas para o aperfeiçoamento do instituto da responsabilidade civil na pretensão do afastamento do elemento dano como o determinante da pretensão indenizatória.
Para tanto, é preciso efetuar um recorde doutrinário para, apenas exemplificativamente, aportar duas releituras importantes, como tendências da doutrina contemporânea acerca da responsabilidade civil que são a Teoria da Perda de Uma Chance e a Responsabilidade Pressuposta, aquela muito mais aceita e difundida que esta.
Importante frisar que a Teoria da Perda de Uma Chance, até pela maior produção de efeitos doutrinários, despende no presente trabalho maior espaço para a justificação de que, quando primeiramente se pensava em afastar a figura do dano, essa leitura mostrava-se equivocada porque, como será visto, o dano há e, por esse enfoque, não há se falar em ponderação da ausência do elemento dano na estrutura da responsabilidade civil. De outra banda, iguais efeitos jurídicos doutrinários não são notados nas outras duas teorias, até pela ambiência temporal recente em que construídas e, evidente, com menor produção de efeitos.
Por fim, o que se pretende por teoria em que efetivamente a figura do dano, não perdendo sua importância, é posta em patamar de igualdade com os demais elementos, afastando-se, na perspectiva, sua visceral essência na responsabilidade civil.
Estabelecido o ajuste, passemos à análise das teorias.
3.1. Teoria da Perda de Uma Chance
O ordenamento pátrio não admite a responsabilização do ofensor onde não haja um dano que preencha os requisitos de certeza e atualidade, desse modo tem-se como impossível a reparação de certos danos futuros e hipotéticos.
Destarte como é possível ressarcir um indivíduo que teve privada sua oportunidade de obter êxito ou evitar um prejuízo, em decorrência do ato de um ofensivo?
Eis que surge aí a teoria da perda de uma chance, com o escopo de assegurar o justo ressarcimento nos casos de lesão à oportunidade perdida, sendo este pontualmente o objeto do ressarcimento e que não se trata propriamente dito de um ressarcimento, porquanto não há relação direta entre o prejuízo e o ressarcimento, mas sim compensação que na natureza jurídica tem o condão de substituição compensativa e não reparação de perda. Desse modo, tem-se como será visto adiante que a teoria da perda da oportunidade enquadra-se nos danos emergentes e não nos lucros cessantes, inclusive porque no lucro cessante há uma situação pretérita constituída que é interrompida pelo evento lesivo, o que não ocorre quando se trata de dano emergente, que é o dano que nasce do ato lesivo sem uma situação pretérita.[5]
Importa salientar que no estudo relacionado à teoria existe grande divergência doutrinária quanto a afastabilidade da prova de causalidade entre a perda da oportunidade e o ato do agente causador do dano, sendo a responsabilidade civil pela perda de uma chance aplicada tanto nos casos de responsabilidade objetiva como também nas situações de responsabilidade fundada na culpa, além de situar-se dentre os danos elencados pela responsabilidade contratual e extracontratual.
Isto porque alguns estudiosos atribuem ao surgimento da responsabilidade pela perda de uma chance um conceito um tanto relativo do nexo causal, e outros creditam a esta a aplicação intransigente do nexo causal e dos requisitos do dano passível de reparação.
Portanto não é interesse aprofundar-se nesta celeuma, pois seria necessário um estudo específico e bastante detalhado sobre a natureza jurídica da perda de uma chance, comparando-se a aplicação desta nos sistemas jurídicos alienígenas, mais precisamente no direito francês e italiano, percussores de sua adoção. Contudo não poder-se-ia deixar de abarcar o entendimento clássico acerca do enquadramento da teoria nas espécies de danos existentes.[6]
Conforme exposto linhas atrás, o instituto da responsabilidade civil, sofreu e ainda sofre diversas mudanças constantes sobretudo com o intuito de abarcar as mutações sociais e econômicas de um mundo cada vez mais globalizado.
“Nesse sentido, o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo da responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada.” (NORONHA, 2003 , apud SILVA 2007)
Através dessa diminuição de exigências para se qualificar o dano como sendo indenizável é que, aqueles danos intangíveis, incertos e que ocasionavam efeitos puramente emocionais tornam-se atualmente capazes de serem indenizados.
Segue essa mesma linha de raciocínio Rafael Peteffi, ao expressar-se sobre a reparação destes tipos de danos. (2007. p.72):
“Prejuízos representados por quebras de expectativa ou confiança, quebra de privacidade, estresse emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda de escolha, já são considerados plenamente reparáveis.
Diante da constante necessidade de assegurar à todos a mais ampla e justa proteção possível aos seus direitos e garantias individuais, aos poucos doutrina e jurisprudência nacional passam a aceitar e adotar a teoria estrangeira[7] da perda de uma chance no seu ordenamento jurídico, ainda que, na maioria dos julgados encontrados no Brasil sobre o tema nem sempre a perda de uma chance é abordada da forma adequada.
No Brasil a adoção da perda de uma chance é bastante recente, existindo poucos estudos dedicados exclusivamente a ela. Dentre os mais variados escritos sobre o instituto da responsabilidade civil, diversos doutrinadores brasileiros de renome abordaram ainda que de forma sucinta a teoria, a exemplo Caio Mário da Silva Pereira em sua obra intitulada Responsabilidade Civil, 1996. No estudo o autor faz menção a teoria no capítulo em que trata dos requisitos do dano, utilizando-se da doutrina francesa como base.
No entanto observa-se com freqüência um certo crescimento de estudos a cerca da perda da chance, principalmente nos meios acadêmicos, de onde originaram-se duas obras dedicadas exclusivamente ao tema elaboradas por Sérgio Savi e Rafael Peteffi da Silva.
Sérgio Savi (2006) conclui que a doutrina brasileira encontra certa dificuldade em enquadrar a responsabilidade pela perda de uma chance. Ora a coloca como dano patrimonial ou moral, dano emergente ou lucro cessante. Mas que ao final grande parte firma entendimento de que a perda de uma chance pode e deve ser indenizável quando tratar-se de séria e real.
Devido essa pouca produção cientifica no tratamento por parte dos tribunais dos casos envolvendo a teoria, observa-se com freqüência um padrão onde não é utilizado de forma correta a aplicação desta, devido a não implantação de uma sistemática que coordene o tema.
Sérgio Savi demonstra a dificuldade de se obter fontes jurisprudenciais no Brasil ao discorrer sobre os escassos e conflituosos julgados que pesquisou para fundamentar sua obra publicada em 2006. (2006 p. 44). Em seu estudo Savi aponta que o primeiro julgado brasileiro a fazer menção a responsabilidade civil pela perda de uma chance é de 1990 proveniente do sempre inovador Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apesar de a teoria não ter sido aplicada no caso. É a ementa:
“Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultando névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se tratar no caso, de obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance.” (Apelação Cível Nº 589069996, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em 12/06/1990)
Os exemplos do advogado, do jóquei, e do pintor são exemplos clássicos de aplicação da teoria da perda de uma chance comumente citados pela doutrina. Nesses exemplos visualiza-se com bastante facilidade um dano, qual seja, a perda da vantagem, a qual denomina-se dano final. Esse dano final é a perda da lide processual, do prêmio da corrida de cavalos, ou a perda de um negócio que não pôde ser feito. No entanto o ressarcimento pretendido pela teoria, não recai sobre esse dano que impossibilitou o ganho almejado, uma vez que, a conduta culposa do agente nem sempre se traduz em uma condição necessária para a caracterização do instituto da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Esse também é o entendimento de Rafael Peteffi, ( 2001, apud SILVA 2007 p. 12)
“[…] não podemos afirmar que o ato culposo do ofensor foi a causa necessária para a perda do resultado pretendido pela vítima, visto que o prognóstico retrospectivo que se poderia fazer para saber se o demandante ganharia a causa, ou se o cavalo ganharia a corrida, ou se a gestante permaneceria viva, é bastante incerto, cercado de fatores exteriores múltiplos, como a qualidade dos outros cavalos, a jurisprudência oscilante na matéria da demanda judicial e as misteriosas características das enfermidades. Entretanto não podemos negar que houve um prejuízo, tendo em vista que o demandante perdeu a chance de ganhar o premio, e a gestante perdeu a chance de continuar viva, ou seja, o resultado da aposta nunca será conhecido por causa da conduta culposa do ofensor. É este prejuízo que a teoria da perda de uma chance visa indenizar.”
Destarte, conforme exposto anteriormente, a teoria aplica-se nos casos de lesão á oportunidade, ou seja, de ter a vítima a possibilidade de ver o processo aleatório seguir o rumo habitual. Não aplicando-se na vantagem que se almeja a qual denominou-se dano final.
Em virtude disto é que a melhor classificação para a espécie de dano proveniente da perda da chance encontra respaldo entre os danos emergentes. Uma vez que, a oportunidade que foi tolhida da vítima, já incorporava o seu patrimônio.
É o que explica Adriano de Cupis:
“A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.” (1996 apud SAVI, 2006 p.11)
Agostinho Alvim comenta o caso clássico do advogado que deixa transcorrer o prazo recursal: (ALVIM 1995, apud SILVA 2007 )
“A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instância constituía uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o grau dessa probabilidade ser apreciados por peritos técnicos.
Tanto isso é verdade, que o autor de uma demanda pode, mesmo perdida a causa em primeira instância, obter uma quantia determinada, pela cessão de seus direitos, a um terceiro que queira apelar.
No exemplo figurado, os peritos técnicos forçosamente advogados, fixariam o valor a que ficara reduzido o crédito após a sentença da primeira instância, tendo em vista, para isso, o grau de probabilidade de reforma da mesma, de modo a estabelecer-se a base negociável desse crédito.
O crédito valia dez. Suposta a sentença absolutória, que mal apreciou a prova, seu valor passou a ser cinco. Dado, porém, que a mesma haja transitado em julgado, tal valor desceu a zero. O prejuízo que o advogado ocasionou ao cliente, deixando de apelar foi de cinco.
Se este cálculo não traduz exatamente o prejuízo, representa, em todo o caso, o dano que pôde ser provado, e cujo ressarcimento é devido.” [grifo nosso]
Esse entendimento porém, não é pacifico na doutrina nacional. Há quem acredite na teoria da perda de uma chance como espécie de lucros cessantes, outros ainda a enquadram como um terceiro tipo de dano, classificando-a entre os danos emergentes e os lucros cessantes. E por fim existem ainda alguns doutrinadores que a classificam como espécie de dano moral.
Acaso a teoria seja enquadrada como lucros cessantes, observar-se-á conforme desprende-se do entendimento de Adriano Cupis, e do entendimento firmado no presente trabalho a inviabilidade de aplicação da própria teoria, tendo em vista que o dano final restaria recompensado.
É o que ocorre no exemplo de Sérgio Novais Dias, onde o autor cita um caso em que o advogado tendo recebido os documentos que instruem a reclamatória trabalhista, deixa transcorrer o prazo prescricional. Acabando com a oportunidade do cliente de ter sua ação apreciada pelo judiciário.[8]
Por vezes, existem alguns doutrinadores que adotam a teoria da perda de uma chance como fundamento do dano moral, em virtude da vitima ter sofrido uma frustração na expectativa de uma possível vantagem. Excluindo qualquer hipótese de dano material.
Por óbvio que às vezes, a perda da chance, poderá ensejar a reparação por danos morais. Contudo não se pode estabelecer a perda de uma chance como fato gerador exclusivamente do dano moral, uma vez que, ela enquadra-se dentro dos danos patrimoniais.
Quando referimos ao dano, viu-se que é toda e qualquer lesão a um direito. Importando no presente estudo aqueles que implicam em diminuição do patrimônio da vítima.
Foi apresentado também que a natureza da responsabilidade civil pela perda de uma chance, possui um caráter compensatório, tendo em vista, trata-se de dano patrimonial, mais precisamente de dano emergente.
Desse modo tem-se que a perda da chance é um dano autônomo, que incide diretamente sobre o patrimônio da vítima, sendo assim, reparável
Corrobora desse entendimento Joseph King Jr. (1998 apud SILVA 2007, p.75) ao tratar as oportunidades perdidas pela vítima como sendo um dano autônomo e perfeitamente reparável, não sendo para este, imprescindível qualquer nexo de causalidade.
Rafael Peteffi ainda fazendo menção o aludido autor conclui que os tribunais acabam por fracassar, quando tratam a chance perdida como sendo causa do dano final, ou seja, a vantagem almejada. (2007, p.75)
Ressalta-se novamente que, no presente trabalho será apenas abordada a sistematização da responsabilidade civil pela perda de uma chance, sem vínculo algum com o nexo de causalidade, entre o agente e o dano. Sabe-se que existe doutrina no sentido de que a perda da chance deve ser analisada somente ou em conjunto sob a ótica da causalidade, seja ela parcial, alternativa ou adequada. Porém esta problemática merece dedicação exclusiva e não será alvo de discussão neste estudo.
De outra banda, é importante referir que existe grande dificuldade por parte da jurisprudência nacional em quantificar o dano ocasionado pela perda da chance. Realmente esta avaliação é complexa, porém, essa dificuldade não pode servir de fundamento para a negação do ressarcimento. Cabe ao magistrado realizar de forma justa a quantificação do dano em cada caso em concreto. Do mesmo modo, por muito tempo e ainda hoje os tribunais encontram certa dificuldade em quantificar os danos morais e não é por isso que os mesmos deixaram de ser indenizados.
Em relação a dificuldade encontrada pelos tribunais brasileiros Rafael Peteffi (2007) explica que isso ocorre pelo fato de não existir critério técnico para se chegar ao valor da indenização. Relata que os julgados não fazem qualquer referência expressa sobre a forma como é realizada a quantificação, dando a entender na maioria das vezes que a valoração é feita por um critério subjetivo, sem nenhuma relação real com o estudo das probabilidades.
Para se obter uma justa compensação há, contudo, que se avaliar alguns aspectos de suma importância para a definição da indenização pela responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Sabe-se que, no momento em que ocorre o ato que interrompe o curso normal do processo aleatório, a chance perdida possui um valor, que como explicado anteriormente incorporava o patrimônio da vítima, mesmo que seja de difícil determinação, este valor é incontestável.
Outro aspecto relevante que não pode ser esquecido é que a indenização da perda da chance nunca será capaz de abarcar o benefício que o lesado alcançaria se não tivesse obstada a chance, em outras palavras, o dano final nunca será alvo do ressarcimento.
Como bem salientou o doutrinador francês José Duclos (DUCLOS 1984 apud SILVA 2007 p.144):
“Desse modo, pode-se afirmar que a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima”.
Imperioso lembrar que as chances perdidas são danos autônomos, específicos, independestes do chamado dano final. Apesar de serem autônomas as chances perdidas mantém um vínculo com a vantagem esperada, dano final, no que tange a sua quantificação. Destarte, o julgador para buscar o valor da reparação, deverá partir do dano final e fazer com que incida sobre este o percentual relativo a probabilidade de ganho da vantagem esperada[9]. Rafael Peteffi ilustra a questão (2007 p 138):
“Como bom exemplo desta afirmação tem-se aquele do proprietário de um cavalo de corrida que esperava ganhar a importância de R$ 20.000,00 (vantagem esperada), proveniente do primeiro prêmio da corrida que seu cavalo participaria não fosse a falha do advogado, o qual efetuou a inscrição do animal de forma equivocada. Se as bolsas de apostas mostravam que o aludido cavalo possuía vinte por cento (20%) de chances de ganhar o primeiro prêmio da corrida, a reparação pelas chances perdidas seria de R$ 4.000,00.”
Conforme destacado, os tribunais brasileiros encontram certa dificuldade para quantificar a reparação do dano decorrente da chance perdida, dessa forma, acabam por equivocar-se quanto ao critério de quantificação, não utilizando a regra tradicional implantada pela doutrina francesa.
É o que ocorreu, no exemplo clássico do advogado que perde o prazo, com o julgamento da apelação cível, interposta no tribunal gaúcho, o qual também é analisado por Sérgio Savi em sua obra dedicada exclusivamente ao tema:
“Ação Cível. Responsabilidade civil. Perda de uma chance. Advogado. Mandato. Decisiva contribuição para o insucesso em demanda indenizatória. Dever de indenizar caracterizado.
Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916. Apelo desprovido”. (Apelação Cível Nº 70005473061, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 10/12/2003) [grifo nosso]
Na situação apresentada, nota-se que o tribunal acolhe a tese do dano gerado em virtude da perda da oportunidade. No entanto ao estimar o valor da lesão, o tribunal acabou por responsabilizar a advogada ao montante que o seu cliente obteria caso a demanda fosse provida pelo órgão jurisdicional.
Destarte, está-se diante de uma reparação de lucros cessantes, que conforme exposto previamente, não traduz-se na natureza das chances perdidas, além do que, viu-se que a perda da oportunidade possui autonomia, sendo um dano especifico diferente do dano final (vantagem almejada).
Savi (2006, p. 62) exemplifica com outro julgado:
“Mandato. Responsabilidade civil do advogado. Indenização por danos causados em virtude de perda de prazo para interpor recurso por falta do preparo. Dano consistente em perda de uma chance. Indenização devida.
Tendo o mandatário deixado de realizar o preparo do recurso que foi julgado deserto, deve indenizar os danos do mandante consistentes, além de gastos com sucumbência e outros, daqueles relativos a perda de uma chance. Recurso adesivo da autora provido. Recurso do réu improvido”. (Apelação Cível Nº 70000958868, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em 22/08/2001)
Nesse caso, o tribunal gaúcho também reconhece a perda da chance, é o que demonstra o trecho do voto da relatora (Apelação Cível Nº 70000958868, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em 22/08/2001):
“Houve para a Demandante a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. A propósito do tema, cito parte de voto do então Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do RS, Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, quando do julgamento da Apelação Cível 591064837, tratando da questão da responsabilidade do advogado pela perda do prazo de interposição de recurso:”
“… causaram à autora a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Professor François Chabas: Portanto, o prejuízo não é a perda de aposta ( de resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la “( La perte d´une chance en Droit Française, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS. Em 23.05.90.)”
No voto proferido, restou decidido que o dano indenizável corresponde apenas à perda da chance. [ com grifos no original]
Para um melhor entendimento do método correto de quantificar a perda da chance nos exemplos do advogado que perde o prazo do recurso, confira-se a explicação de Sérgio Novais Dias (2006, p.64):
“Suponhamos que o advogado tenha ajuizado ação judicial para a cobrança de R$10.000,00 (dez mil reais); que a sentença tenha sido proferida por um juiz inexperiente, que tenha analisado equivocadamente as provas e julgado improcedente o pedido de cobrança e que, após a publicação da sentença de improcedência, o advogado do autor perca o prazo para interposição do recurso de apelação.
Caso o juiz competente para julgara cão de indenização movida pelo cliente contra seu advogado negligente chegue á conclusão de que o cliente tinha 90% (noventa por cento)de chance de ganhar o recurso não interposto, deverá partir do resultado útil esperado, no caso R$10.000,00, e fazer incidir sobre este valor o percentual das chances perdidas, qual seja, 90%. Assim nesta hipótese, o valor da indenização seria de R$9.000,00 9nove mil reais)”
Interessante é a inovadora metodologia de Paul Speaker, para a quantificação das chances perdidas.
O método tradicional de quantificação da perda da chance consiste em estabelecer a diferença entre as oportunidades que o lesado tinha antes do comportamento do agente que gerou o fato impeditivo, e as oportunidades que restaram após a conduta do lesante.
Contudo há quem critique este método tradicional de quantificação nos casos em que a teoria é aplicada na seara médica, como bem atenta René Savatier (1976 apud 2007 p.142), “ […] as probabilidades e estatísticas somente conferem uma média teórica, cabendo ao magistrado, em cada caso concreto, determinar em que lado da média teórica se encontrava a vítima”.
É o que acontece neste exemplo de chance perdida por falha médica que segue:
Suponha-se que determinado médico agiu com negligência ao tratar um paciente com câncer, e que em virtude desta falha o índice de evolução da doença que antes era de 25% passou a ser 50%, tendo vindo o paciente a falecer tempos depois. Deste modo caberá ao examinador do caso concluir se o óbito do paciente deu-se em decorrência da negligência médica ou em virtude do desenvolvimento normal da enfermidade.
Segundo o norte-americano Paul Speaker (2002, apud SILVA 2007), nos casos em que findo o processo aleatório, e perdida a vantagem esperada, deve-se indagar o que deu causa ao dano final e não a quantidade de oportunidades perdidas. E ainda, “ vislumbrar o aumento de probabilidades de causar um dano como espécie de prejuízo autônomo somente faria sentido nos casos em que o dano final ainda não ocorreu”.
Assim como Savatier, Speaker discorda do método tradicional, pois não acredita que este método possa proporcionar a mais justa indenização em diversos casos de perda de uma chance, como nos casos de ações coletivas.[10]
Conforme apresentado no transcorrer do presente trabalho existem diferentes tipos de responsabilidade civil pela perda de uma chance, como nos casos em que, apesar do processo aleatório seguir seu rumo lógico o dano final não é atingido.
E de acordo com isto o autor atenta para a forma como é realizada a quantificação da perda de uma chance no sistema da Common Law, onde a teoria é comumente aplicada na serara médica (SILVA 2007 p. 146): “ […] um dos principais equívocos da jurisprudência norte-americana é não proceder a uma quantificação diferenciada entre os casos em que o dano final já ocorreu e aqueles em que o prejuízo derradeiro ainda não foi observado […]”.
E ainda segundo o mesmo (SILVA, 2007 p.147)
“[…] a única hipótese do antigo método de quantificação das chances perdidas chegar a um resultado igual ao encontrado pela aplicação da nova metodologia ocorre quando a conduta do réu causa o desaparecimento total das chances da vítima, vale dizer, causa o dano final de forma inexorável, fato que sempre ocorre quando o processo aleatório foi interrompido antes de chegar ao seu final.”
De acordo com o ordenamento vigente o dano para ser passível de indenização deve preencher os requisitos de certeza, atualidade e realidade, não sendo indenizáveis os danos incertos ou hipotéticos, porém, na teoria da perda de uma chance deve ser feito um prognóstico de potencialidade do dano certo, onde deverá ser criada uma barreira que separe aquilo que é razoavelmente provável que aconteça, de situações meramente hipotéticas.
No caso de um pintor que possui uma tela vencedora de diversos concurso,e que foi extraviada a caminho de um novo concurso artístico, não se pode indeniza-lo pelo valor do prêmio ao qual a tela concorreria. mas sim pela probabilidade que tinha de ganhar o concurso, tendo em vista, a real probabilidade de ganho, em virtude da tela ter vencido outros concursos.
Silvio Salvo Venosa (2006, p. 275) explica: “Se possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência da perda da oportunidade”
Deste modo, no exemplo corriqueiro do advogado, para que a ação indenizatória movida pelo lesado seja apta a ser acolhida pelo tribunal, a oportunidade frustrada tem que ser muito mais do que meramente uma expectativa subjetiva.
É o que ocorre com doentes terminais, onde a chance de cura é pouco provável ou nenhuma. Nesses casos, existe tão somente uma esperança, sem indicação de qualquer melhora.
Rafael Peteffi (2007) discorre que o critério da chance séria e real é muito utilizado pelo ordenamento francês, com o intuito de diferenciar os danos certos dos hipotéticos:
“[…] a observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada”
Peteffi atenta que somente através da comparação de casos concretos é que o julgador poderá utilizar-se de parâmetros verdadeiramente úteis, pois, um simples conceito de chances sérias e reais deixa margem para ao duvidoso.
A preocupação é vista também no sistema da Common Law, é o que observa-se no caso Hotson v. Fitzgerald, onde foi requerida a existência da perda de uma chance substancial. (PETEFFI 2007, p. 134)
“Em Houston v. Fitzgerald, o voto vencedor requeria a existência da perda de uma chance “substancial”. A decisão citada, com rara ousadia, chega a afirmar que as demandas de vítimas que perderam menos de vinte e cinco por cento de chances de auferir a vantagem esperada devem ser encaradas com o rigor redobrado, já que demandas de natureza especulativa não devem ser encorajadas”.
Ainda no mesmo sistema Peteffi aponta outro exemplo onde visualiza-se uma preocupação maior. (2007, p.135)
“A Suprema Corte de Nevada, em Perez v. Las Vegas Méd. Ctr., não fixou qualquer limite rígido para a seriedade das chances, mas afirmou que, na maioria dos casos, uma chance que represente uma probabilidade inferior a dez por cento de auferir a vantagem esperada pela vítima não seria considerada substancial, isto é, digna de reparação.”
No entanto, alguns doutrinadores norte-americanos afirmam que a perda de uma chance deveria ser aplicada somente nos caso de responsabilidade médica, tendo em vista a falta de estatísticas fidedignas nas outras áreas.
Conclui-se então que, as chances perdidas devem ser sérias e reais, alicerçadas num exame criterioso de probabilidade, não sendo passíveis de indenização aquelas onde vislumbra-se apenas uma expectativa hipotética de vantagem. Ademais, que caberá ao julgador do caso que se apresenta como perda de uma chance, realizar como regra um cálculo estatístico, onde possa chegar ao resultado concreto de que a oportunidade perdida era realmente passível de seguir o curso esperado.
3.2. Teoria da Responsabilidade Pressuposta
Com essa teoria há uma mudança no vértice de intepretação da teoria base da responsabilidade civil.
Trata-se de inovação no plano conceitual que tem por base a evolução histórica do instituto da responsabilidade civil, adotando como paradigma o sistema estadunidense o qual foge do sistema Francês, e portanto do brasileiro, não tendo por fundamento tão somente a indenização do dano (reparação e/ou compensação), mas também busca no instituto a punição do ofensor pela conduta em si, pouco importando se essa conduta apresenta ou não dano.
Nessa nova tendência, pois, a figura do dano hoje preponderante, passa a um plano de relativização existencial, aportando-se uma nova e importante função ao instituto que é, exatamente, aquela função que, como antes dito, somente parcela da doutrina apontava com também função da responsabilidade civil que é o caráter doutrinário da medida, de tal sorte que o agente agressor, ou até mesmo a sociedade, ante a severidade da punição, se sinta desestimulada à prática de um novo ilícito.
Segundo a Professora Giselda Hironaka, propositora de tal nova tendência:
“qualquer efeito da responsabilidade civil deve ter por fundamento o princípio constitucional (art. 1°, II, CF) da dignidade da pessoa humana e da proteção permanente e integral a quaisquer direitos da personalidade por serem eles inerentes à pessoa. Assim, a responsabilidade civil tem que se pautar em primeiro na vítima e em segundo na conduta do ofensor. Aí então, sob estes fundamentos, ela reconhece a adoção de medidas especiais, tanto de caráter preventivo quanto de caráter repressivo (a exemplo do que ocorre com as indenizações milionárias nos Estados Unidos) são a grande forma de garantia da efetivação dos pressupostos da responsabilidade civil.”
Por isso, é possível estabelecer que essa proposição trazida por essa nova doutrina buscasse, mediante um critério geral, dar ao instituto da responsabilidade civil condições de tornar-se antes de um instrumento reparador, a conotação de um efetivo instrumento de pacificação social.
Objetivando uma síntese, é possível estabelecer a teoria em análise através das próprias palavras de sua Autora, em sua obra “Responsabilidade Pressuposta (2005, p.346)”:
“Se for o caso de observar um horizonte histórico de responsabilidade civil, este instituto contemporâneo é um instituto que hoje, exige uma reformulação de concepção e clama por uma concepção ético-política, vale dizer uma concepção que vá além da sua singela compreensão dogmática ou burocrática. A compensação e a reparação, porque, porque são formas concebidas contemporaneamente para o reequilíbrio da vida social, não podem simplesmente procurar restabelecer um mesmo estado anterior de pouca cidadania. Clama também por obrigação e responsabilidade civil, mas pode – ou melhor, deve – fazer da responsabilidade civil um instrumento para garantia de direitos sociais e de exercício de direitos civis por todos os cidadãos, inclusive o direito à propriedade.
Se, todavia, se pretender apenas considerar a responsabilidade civil como um simples instituto jurídico – que pode simplesmente ser reduzido à condição de ser uma garantia da propriedade – certamente a sociedade brasileira poderá deixar de contar com mais uma excepcional vertente endereçada a uma substancial alteração de uma cultura de violência e de exclusão social.”
A lógica proposta na teoria pretende a formulação de um critério geral de responsabilidade civil sem culpa, ou seja, em que a reparação se mostra imperativa tão somente como decorrente de um ato ilícito pois, como bem leciona a própria Professora:
“No que tange à responsabilidade civil, pretende-se, portanto, a busca por um critério que se expresse, diante das evoluções tecnológicas, sociais e econômicas, na presunção de responsabilidade e não da presunção de culpa, pois culpa, ainda que presumida é culpa.”
Por isso, a pressuposição da responsabilidade ganha contorno de um novo horizonte hermenêutico na teoria da responsabilidade civil e muito embora se mostre de forma provocante ante os primados conceituais adquiridos na formação acadêmica, não se pode olvidar que a função da academia é justamente ler e reler seus posicionamentos, nem que isso sirva, tão somente, para confirmar os marcos anteriormente estabelecidos.
É que é preciso ver, deveras, que somente a partir de uma interpretação criativa, o direito é avaliado criticamente e é capaz de produzir transformações em si mesmo e no mundo. Do contrário não passa de mera leitura, despreocupada e irresponsável.
Como menciona GADAMER (1989):
“quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que o texto lhe diga alguma coisa, por isso a consciência educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível à alteridade do texto. Tal sensiblidade não pressupõe uma neutralidade objetiva nem um esquecimento de si mesmo, mas implica uma precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos próprios preconceitos.”
Portanto, a teoria posta é importante e precisa, de fato, produzir seus efeitos históricos, tanto para a sua confirmação quanto para sua eventual refutação. O que é preciso, é verdade, é manter-se aberto à sua interpretação sem pré-conclusões cerradas sobre o tema.
3.3. Teoria em Perspectiva do Dano Pressuposto
Se fato é que a teoria proposta pela Professora Giselda Hironaka acerca da pressuposição da responsabilidade busca mudar no norte do instituto da responsabilidade civil do plano existencial da reparação para o plano existencial da punição pelo ato ilícito, não menos verdade é que a figura do dano, ainda que se pense ao contrário, não resta afastada do instituto da responsabilidade civil e segue, segundo a doutrina civilista já citada, sendo o elemento visceral do instituto pois, repise-se, sem dano não há responsabilidade civil (Savy).
Todavia, essa leitura dogmática quanto ao elemento dano, e isso repise-se é uma mera proposição de questionamento, também precisa ser relativizada em sua necessária demonstração. Essa relativização é fruto de uma releitura do direito civil em face de uma hermenêutica mais socializada do que a estrutura individualista do código de 16.
Porém, não há relativização no que tange a figura do dano, ao que parece em uma leitura preliminar, ao ponto de tornar absoluta a necessidade da presença do elemento “dano” no sentido de ser possível estabelecer de maneira até dogmática que sem dano não há o que se falar em responsabilidade civil justamente porque a simples violação de um dever, seja este de fonte contratual ou extracontratual, aquiliana, não gera o dever de reparar sendo este dever vinculado, pelo que se tem estudado, à necessária presença do dano.
Some-se a isso a estrutura da responsabilização civil pelo dano ambiental que prevê a construção de uma obrigação de natureza jurídica aquiliana facultativa, ou seja, o dever, após o dano, é reparar e, na impossibilidade do reparo, surge a compensação, tornando ainda mais evidente que sem prova de dano não há responsabilidade civil ambiental que se estruture.
Muito embora possa parecer que trata-se de mera construção de acordo semântico, em verdade isso não se mostra tão conforme assim na jurisprudência, pois as tutelas prestadas tem norteia-se no sentido de impor o dever de reparar o dano ambiental e, ante sua impossibilidade, dai sim impor-se a medida compensadora.
Afastada esse discussão que ora torna-se estéril, é fato que para a defesa de um meio ambiente sustentável, enquanto direito fundamental, a presença do elemento dano conflita com essa premissa da responsabilidade civil de que sem dano não há imputação de responsabilidade e um sistema de direito privado que não se mostra mais hermético, não é possível essa visão oitocentista de que o dano precisa ser comprovado para justificar a responsabilidade.
É correto afirmar que algumas atividades são produtora de danos ambientais e isso é intrínseco ao próprio exercício da atividade.
Esse é o caso, por exemplo, da extração petrolífera em águas profundas que, por si só, é uma atividade que produz inegável manejo ambiental com conseqüências, em algumas vezes, imperceptíveis ou indetectáveis.
Levando-se em consideração que o Brasil, nos últimos trinta anos tem apontado sua política energética para um predomínio do petróleo como fonte primária de energia o que condiciona e orienta uma política economia nesse sentido é importante ver a que custo sócio-ambiental essa eleição de matriz energética se estabelece e, para tanto, pensar na responsabilidade civil da atividade mostra-se inafastável.
Assim, pensar na responsabilidade civil desse exemplificado manejo ambiental, pela atual estrutura da responsabilidade civil brasileira, é dizer que toda e qualquer responsabilização está fundamentada na presença do elemento dano porque, sem dano, como dito, não há responsabilidade o que se mostra incongruente com a proteção dos direitos difusos e coletivos e, portanto, aos direitos fundamentais da pessoa.
Se, por outro lado, a competência da defesa desse direito fundamental incumbe ao Judiciário, que ao analisar o caso concreto deverá prestar a tutela levando em consideração essa pressuposição do dano, ou, ao contrário, incumbe ao Legislador que precisará reconstruir a célula mater da responsabilidade civil extracontratual – art. 186 e art. 187, CC/02 – é foco também do que se pretende estudar de maneira mais aprofundada em outra oportunidade acadêmica, fugindo daqui a razão lógica da discussão desse enfoque exatamente porque como dito o objetivo deste artigo é tão somente plantar a indagação.
O fato é que, doutrinária e jurisprudencialmente, a casuística tem demonstrado que a imputação da responsabilidade sempre esbarra na comprovação da figura do dano, ou seja, de que o ambiente foi, efetivamente, degradado para, a contar dessa prova, constituir-se o direito-dever de reparação.
Porém, como também tem se experimentado da análise doutrinária e jurisprudencial, nem sempre esse dano mostra-se direto e emergente e, quando (e se) aferível o estabelecimento do nexo causal mostra-se insustentável muito embora toda uma coletividade possa vir ser prejudicada.
Não se perca de vista que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente passa a ser objeto de proteção especial e integral, surgindo um verdadeiro direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Muito embora a responsabilidade objetiva civil ambiental tenha sido a estatuída por força do disposto no art. 225, § 3º, CF/88, no que concerne ao dano, como dito, esse ainda precisa ser demonstrado, concreto, à ensejar a responsabilização quando se pensa, que também quanto à esse elemento, deva a doutrina nortear-se para a sua relativização presencial como condicionante à imputação da responsabilidade de igual sorte que, na responsabilidade objetiva o agente agressor somente se exime da responsabilidade provando ou culpa exclusiva da vítima ou fato imputável à terceiro, no caso do dano ambiental a atividade potencialmente poluidora só se exonere do dever de indenizar acaso prove a inexistência do dano que, por isso, passa a ser pressuposto, ou seja, presumido.
É essa teoria-base que irá fazer com que a função social atinja, integralmente, a responsabilidade civil e não só quanto à teoria da responsabilidade objetiva, segundo defende Rosenvald (2006), mas também quanto à figura do dano que, a contar de então, será pressuposto e inerente ao risco da atividade
E, por ai, a proteção desse direito fundamental de forma ampla, precisa de uma releitura doutrinária e jurisprudencial para que se atinja a efetivação da vontade do legislador constituinte o que, como dito, encontra óbice na posição doutrinária e jurisprudencial que reconhecem o dano como elemento visceral da responsabilidade civil ambiental seguindo a ratio da estrutura do direito privado oitocentista em dissonância com a telos da proteção ambiental como direito fundamental extraída do texto constitucional.
Ainda que se admita a posição de Ürich Beck (1986) que nega a afirmativa de que vivemos em uma sociedade pós moderna e que, ao contrário, concebe os riscos e as ameaças no mundo contemporâneo como efeitos e reflexos de uma dissintonia da modernidade com seus frutos, mesmo assim sua teoria é interessante a dar conforto ao presente questionamento posto que, segundo alude o risco moderno não é e não pode manter sua estrutura conceitual ultrapassa. Diz que o risco moderno é escorregadio, que tem contornos imateriais e que, por isso, foge da compreensão da ciência estabelecida (que se mede, se pesa e se experimenta). Assenta que o risco moderno apresenta com uma potencialidade destruidora de longo prazo temporal e larga escala espacial.
Para Beck (1986), a modernidade acentua velhas formas de desigualdade social à medida que instaura novas formas de exposição ao que atinge todos onde, os menos favorecidos sofrerão por primeiro as conseqüências do dano pela ausência de condições materiais primárias e imediatas de defesa, mas, em longo prazo, as conseqüências mediatas e indiretas atingiram a todos, independente da classe social.
Segundo Barroso (2008), a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados.
Nesse sentido, manter-se a visão doutrinária e jurisprudencial de que, sem dano não há responsabilização, quer parecer, na prática, a negativa exatamente da tutela à esse direito fundamental a um dos integrantes do patrimônio mínimo existencial que é um ambiente profícuo ao desenvolvimento da pessoa, negando-se essa ética social e, principalmente, retirando-lhe um dos elementos constitutivos de sua dignidade, fazendo crescer o número dos ‘marginalizados sociais’ (Facchini, 2006).
Conclusão
Como se viu, o instituto da Responsabilidade Civil está intimamente vinculado em sua evolução aos reflexos das relações sociais, como dito na introdução histórica, nem poderia ser diferente pois exatamente da evolução do relacionamento social é que se justifica a responsabilidade.
O professor argentino Gerardo Ancarola sempre mencionou que quem quiser conhecer um instituto jurídico precisa entender de seu tempo histórica e de suas justificativas sócio-psicológicas.
E a responsabilidade civil bem demonstra a exatidão desse pensamento ao passar de uma construção originária baseada na vingança irracional, para uma substituição de sua natureza para a reparação e, como se viu, para uma projeção de um binômio reparação-punição.
A primeira situação em que se questionou a figura do dano foi através da Teoria da Perda de Uma Chance. Com essa teoria passou-se a ponderar a figura do dano em hipótese – até então totalmente dispensada da doutrina – para, em uma primeira análise, dizer que a responsabilidade civil dava uma guinada doutrinária ao reconhecer a responsabilidade para um dano hipotético. Como se viu, e justamente porque a história dos efeitos norteou noutro sentido, na verdade essa teoria nada mais fez do que referendar a figura do dano, presente na chance perdida e, como tal, com a reparação do prejuízo experimentado na proporção proposta pela doutrina, como alhures posto.
Novamente, e agora de forma mais recente, a figura do dano passa a ganhar companhia importante na constituição da responsabilidade civil. É o que defende a Teoria da Responsabilidade Pressuposta que traz à igual patamar de importância junto ao dano a figura da punição, ou seja, o instituto não terá, pela teoria proposta, tão somente a intenção de reparação do dano experimentado que, como refere Savatier (apud Facchini), “não se cancela mais da sociedade: o ressarcimento não o anula”. E justamente porque não o anula, fica ali, patente, no seio social e por mais que seja reparado, jamais será esquecido. Diante disso, propõe a teoria que agrege-se também ao dano, como um binônio à reparação, a figura da punição pelo ato ilícito.
E, como projetado, segundo se pensa, dizer que esse binômino na verdade não precisa ser co-existente, ou seja, em havendo o ilícito, mesmo que aparentemente não producente de danos, este passa a ser relativizado para uma espécie de inversão de ônus probatório desconstitutiva da pretensão reparadora. É o que se projeta por Teoria do Dano Pressuposto que, como dito, possibilita a atenção, por exemplo, de direitos fundamentais difusos e coletivos.
Talvez seja através dessa teoria que se mude o foco da responsabilidade civil o qual, segundo assenta Facchini, “pelo que se percebe da sua evolução histórica e tendências doutrinárias, tem sido no sentido de estar centrada cada vez mais no imperativo de reparar um dano do que na censura de seu responsável.” Segundo o Professor, a punição estaria vinculada ao direito penal.
Porém, se é fato que para se pensar em responsabilidade civil a figura do dano é sua grande marca, não menos verdade é que essa essência reparadora está mostrando-se, passo a passo, ultrapassada ao verificar-se que os direitos perderam a sua figura individualista para um contorno mais social e por isso, em que a figura da punição passa a ganhar contorno interessantes na sua estrutura, mormente quando se tratam de direitos coletivos e difusos, ao que parece, de uma leitura preliminar, não mais só preocupação do direito penal, portanto.
Se a responsabilidade civil, em sua constante mutação, busca cada vez mais a reparação de todo e qualquer dano, com o afastamento progressivo da teoria da culpa subjetiva e, em sua substituição ganhando campo fértil a teoria da culpa objetiva, fundada na teoria do risco e da idéia de garantia (Facchini, 2006), não menos verdade é que também com o afastamento do dano como elemento visceral ou, pelo menos, sua pressuposição sendo possível, permitirá que do ilícito outras funções possam surgir tais como as funções punitivas e dissuasórias que, além de reparar e compensar o dano experimentado, tem o objetivo, conexo, de punir e prevenir, quiçá dissuadir, novos atos ilícitos.
Posto isso, e também como dito, esse questionar do instituto é que faz a retroalimentação acadêmica como essência de sua existência em que a ciência jurídica procura acompanhar a evolução social para dar-lhe esteios jurídico-doutrinários capazes de tornar a convivência humana digna, justa e equilibrada.
Graduado em Direito (FURG, Rio Grande, Brasil, 1992). Pós-Graduado, Especialização, em Direito Civil e Empresarial (FURG, Rio Grande, Brasil, 1994). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidad del Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina, 2004). Pós-Graduado, Especialização, em Responsabilidade Civil Extracontratual (Universidad Castilla La Mancha, Toledo, Espanha, 2010). Mestrando do Programa de Mestrado da PUCRS para a Área de Concentração; Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande e Professor Assistente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande/ Anhanguera Educacional S.A. (Disciplinas: Direito Civil – Obrigações e Direito Processual do Trabalho). Professor da Pós Graduação da Faculdade Anhanguera do Rio Grande/Anhanguera Educacional S.A. Professor da Pós Graduação da Faculdade Anhanguera Pelotas / Anhanguera Educacional S.A. Membro de Conselho Editorial. Advogado. Conselheiro Julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS.
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