O art. 2º da EC nº 30, de 13-9-2000, inseriu o art. 78 ao ADCT possibilitando o pagamento parcelado em até 10 parcelas anuais iguais e sucessivas, tanto para os créditos pendentes de pagamento na data da promulgação dessa Emenda, quanto para os créditos que vierem a ser gerados por ações judiciais iniciadas até o final do ano de 1999.
O § 2º, do art. 78 ,do ADCT prescreveu que as parcelas anuais, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, terão poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.
O art. 2º, da EC nº 30/2000, que introduziu o art. 78 do ADCT, foi objeto de ADIs de ns. 2356 e 2362 ajuizadas pela CNI e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
O Relator dessas ADIs, Min. Néri da Silveira, em 18-2-2002, deferiu a media liminar para suspender até o julgamento do mérito a eficácia do art. 2º da EC nº 30/2009. Após os votos dos Ministros Elen Gracie, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Dias Tóffoli, Ricardo Lewandowiski, Ayres Britto e Gilmar Mendes houve empate na votação (5 votos a 5) aguardando o voto do Ministro Celso de Mello, desde 10-2-2010.
Na sessão plenária do dia 25-11-2010 o Min. Celso de Mello proferiu seu voto aderindo ao voto do Relator. Com isso a eficácia do art. 2º, da EC nº 30/2000 ficou suspensa até o julgamento definitivo do mérito. Considerando os dez anos decorridos desde a propositura das ADIs poderia ter sido julgado diretamente o mérito.
Quais as conseqüências desse julgamento?
a) A suspensão de eficácia do art. 2º, da EC nº 30/2009 sinaliza idêntico resultado no julgamento da ADI nº 4357 ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que ataca a EC nº 62/2009, conhecida como emenda do calote, pois ela padece dos mesmos vícios de inconstitucionalidade do art. 2º da EC nº 30/2000 por afronta aos princípios da coisa julgada, da independência e harmonia dos Poderes e da segurança jurídica. Posteriormente, outras duas ADIs foram ajuizadas por outras instituições.
b) As parcelas anuais pendentes de pagamento poderão ensejar pedido de intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios, pois essas dívidas deveriam ter sido pagas até o final do exercício seguinte ao das respectivas inclusões orçamentárias dos condenações requisitadas tempestivamente.
Os precatórios alimentícios, ironicamente prejudicados em função do privilégio de que gozam, também, podem ensejar pedidos de intervenção. Como se sabe, os credores alimentícios foram preteridos pelos credores de precatórios comuns, sem privilégios, em função do poder liberatório concedido pelo § 2º, do art. 78 do ADCT relativamente às parcelas anuais inadimplidas, sem prejuízo de seqüestro. Em razão dessas sanções os governantes preferiram pagar os não privilegiados e congelar a fila de precatórios privilegiados.
O Município de São Paulo, por exemplo, nem terminou de pagar os precatórios alimentares do exercício de 2001, não por falta de recursos financeiros, mas pela opção política de não pagar. O exame das contas do Executivo do exercício de 2009 sob julgamento pela Câmara dos Vereadores revela os seguintes dados estarrecedores: a) foi requisitado pelo Tribunal para aquele exercício R$ 1,5 bilhões e a Prefeitura incluiu apenas R$ 830 milhões e pagou somente R$ 112 milhões, ou seja, 1,04% da dívida, enquanto a Prefeitura mantinha aplicado no mercado financeiro R$ 3,7 bilhões auferindo rendimento de R$ 370 milhões. Enquanto isso centenas de credores morreram na fila de precatórios, alguns deles, até por falta de assistência médica como decorrência do calote. A Prefeitura cometeu, pois, ato ilícito ao teor do art. 186 do CC, legitimando os prejudicados a ingressar com ação de indenização contra o Município. Quando o descumprimento de precatório assume a característica de algo planejado e programado, mediante esvaziamento sistemático das verbas consignadas ao Judiciário, como vem acontecendo no Município de São Paulo, o atentado ao princípio da moralidade pública é de tal ordem que somente o uso da via interventiva será capaz de colocar nos trilhos a administração municipal mediante afastamento de seu governante.
c) A tese da compensação de precatório alimentar com tributos da entidade política devedora perde base constitucional, pois toda ela estava ancorada na interpretação ampla do § 2º, do art. 78, do ADCT, que dispunha sobre o poder liberatório dos precatórios sob moratória, nas hipóteses de descumprimento das parcelas anuais.
A menos que se busque novo fundamento para sustentar o poder liberatório do precatório descumprido é provável que o STF julgue prejudicado o RE nº 566349-MG, onde discute duas questões: a) autoaplicabilidade do § 2º, do art. 78 da ADCT; b) extensão do poder liberatório de pagamento de tributo da entidade devedora aos precatórios de natureza alimentícia.
Se for considerar que a Corte Suprema decidiria pela extensão do poder liberatório dos precatórios alimentares é de se concluir que o julgamento do STF favorece, de um lado, os precatoristas à medida que sinaliza julgamento favorável na ADI que discute a inconstitucionalidade da EC nº 62/2009, mas, de outro lado, torna a sustentação da tese da compensação de precatório com tributos de entidade devedora bem mais difícil, senão impossível por ausência de matriz constitucional.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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