Dois dispositivos do CTN, abaixo transcritos, versam sobre a preferência do crédito tributário.
“Art. 186 – O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.
Caput com a redação dada pela LC nº 118, de 19-2-2005.
Parágrafo único. Na falência:
I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado;
II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e
III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados”.
Parágrafo único acrescido pela LC nº 118, de 9-2-2005.
“Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.
Caput com a redação data pela LC nº 118, de 9-2-2005.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I – União;
II – Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata;
III – Municípios, conjuntamente e pro rata”.
Da conjugação desses dois dispositivos legais, verifica-se que o crédito tributário prefere a qualquer outro, ressalvados aqueles provenientes da legislação do trabalho ou de acidente de trabalho. No caso de falência o crédito tributário deixa de ter preferência, também, sobre os créditos extracontratuais (remunerações devidas ao administrador judicial, despesas com arrecadação, administração, custas, etc.), sobre as importâncias passíveis de restituição, e sobre os créditos com garantia real, até o limite do valor do bem gravado.
A cobrança do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial ou extrajudicial, inventário ou arrolamento, versando a preferência apenas sobre as pessoas jurídicas de direito público interno.
E aqui não iremos discutir se essa ordem de preferência, que coloca a União em primeiro lugar, é constitucional ou não, mesmo porque a Súmula 563 do STF já declarou a compatibilidade de concurso de preferência versado no art. 187 do CTN com o art. 9º, I da CF (art. 19, I da Constituição de 1988).
Abordaremos, neste breve estudo, questão prática: a de saber se pode a União, com base no seu direito de preferência, intervir em processo executivo alheio pra reclamar para si o produto da arrematação levada a efeito, como tem feito em alguns casos.
O concurso de preferência, disciplinado pelo art. 187 do CTN, repetido pelo parágrafo único do art. 29 da Lei de Execução Fiscal, somente tem lugar nas hipóteses de falência do comerciante e de execução coletiva do devedor civil insolvente. Nesses casos, as Fazendas Públicas federal, estadual e municipal podem promover execuções individuais sem se sujeitarem ao concurso universal.
Em execução contra devedor solvente, as Fazendas Públicas sujeitam-se às regras estabelecidas nos artigos 612 e 711 do CPC, in verbis:
“Art. 612 – Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III) realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.”
“Art. 711 – Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.”
Sem prévia existência de execuções, recaindo a penhora sobre o mesmo bem a ser leiloado, não há que se falar em direito de preferência da União ou de suas autarquias sobre os demais entes políticos.
Nesse sentido é a Jurisprudência:
“EMENTA. TRIBUTÁRIO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL E ESTADUAL. PENHORA SOBRE O MESMO BEM. ARREMATAÇÃO. CONCURSUS FISCALIS. 1. É cediço que a instauração do concurso de credores pressupõe pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem. Assim, discute-se a preferência quando há execução fiscal e recaia a penhora sobre o mesmo bem, excutido em outra demanda executiva. 2. Isto porque é assente na Corte que “O direito de preferência não concede à entidade autárquica federal a prerrogativa de intervir em execução movida pela Fazenda do Estado, a que é estranha, para reivindicar a satisfação preferencial de seu crédito, sem obedecer às formalidades processuais atinentes à espécie. Para instauração do “concursus fiscalis” impõe-se a pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem, devendo, portanto, a autarquia federal, provar haver proposto ação de execução, e que nela tenha restado penhorado o bem anteriormente excutido na ação movida pelo Fisco Estadual. Inteligência dos artigos 612 e 711 do CPC.”(REsp n° 36.862-6/SP, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 19.12.1994). 3. Assentando o Tribunal a quo que a execução fiscal movida pela Fazenda do Estado está garantida com o mesmo bem que restou penhorado na execução movida pelo fisco municipal, não há como afastar o direito de preferência do Estado sobre o produto da arrematação, ex vi do art. 187 do CTN e 29 da LEF, ressalvados eventuais créditos trabalhistas, conforme preceituam os arts. 184 e 186 do CTN. 4. A regra do art. 187 do CTN é especial em relação à regra geral do art. 130 do mesmo diploma. Este último dispositivo assegura apenas a sub-rogação na praça, sem disciplinar a hipótese de pluralidade de sistemas e o concurso de credores preferenciais. 5. Em caso da venda ser efetuada em autos onde se cobra crédito público de outra entidade federativa, no caso, o Estado, ao efetuar-se a alienação, o arrematante fica liberado de quaisquer outros encargos e o valor depositado é distribuído na ordem legal pelo art. 187 do CTN. Nesse caso, liberado o imóvel ao adquirente, receberá o que detém título melhor de preferência. E sobre o valor depositado, aplicando-se a ordem disposta no art. 187 do CTN, bem como no art. 29 da Lei 6.830/80 segunda a qual recebe em primeiro lugar a União, e, posteriormente Estados, após, Municípios. 6. Precedentes jurisprudenciais do STJ (EREsp 167.381/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 16.09.02; Resp 131.564, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 14/09/2004; REsp 74153, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 07/10/96; REsp n° 36.862-6/SP, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 19.12.1994) 7. Recurso especial provido. (REsp 654779/ RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 28.03.2005 p. 213)
Advirta-se, entretanto, que se a execução aparelhada pelo estado ou município alcançar a fase de arrematação antes daquela ajuizada pela União, esta deve protestar nos respectivos autos pela preferência de seu crédito, sob pena de perdê-la.
SP, 10-12-07.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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