Resumo: A matéria de acidentes do trabalho se insere nas regras que disciplinam o Direito Previdenciário em geral, embora tenha regras particularizadas. Os institutos da prescrição e decadência interessam à matéria acidentária do trabalho e, bem por isso, o estudo apresentado, pela atualidade da doutrina exposta, parece interessar a estudantes, advogados e juízes.
Sumário: 1. Breves considerações sobre prescrição de decadência. 2. A prescrição na esfera de acidentes do trabalho. 3. A decadência no Direito Previdenciário.
1.- Breves considerações sobre prescrição e decadência.
Os institutos da decadência e da prescrição foram tratados de forma um tanto confusa pelo legislador da Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social necessitando, assim, que o tema seja enfrentado visando adequar o sentido do texto à realidade dos acidentes do trabalho.
A doutrina e jurisprudência não discrepam no entendimento de que os prazos de decadência e prescrição têm natureza substantiva, portanto, material, e não processual. É sabido que os prazos processuais têm aplicação imediata, a partir do momento em que foram implementados pelo legislador, enquanto que os prazos decadenciais e prescricionais apenas atingem atos jurídicos posteriores à sua criação ou modificação.
Foi dito de início que os institutos da prescrição e decadência foram tratados de forma um tanto confusa em razão do conflito aparente de normas porque existem quatro períodos regidos por normas distintas, que se sucederam temporalmente. São eles:
a)- Até 27.6.1997 – não havia previsão legal de prazo decadencial atinente à revisão de benefícios previdenciários;
b)- De 28.6.1997 a 20.11.1998 – revisões sujeitas a prazo decadencial de 10 anos;
c)-De 28.11.1998 a 19.11.2003-revisões sujeitas a prazo decadencial de 5 anos;
d)-A partir de 20.11.2003- revisões sujeitas a prazo decadencial de 10 anos.
Mas, vejamos o que consta na Lei nº 8.213/91:
“ Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
Art. 104 -As ações referentes às prestações por acidentes do trabalho prescrevem em 5 (cinco) anos observado o disposto no art. 103 desta lei, contados da data:
I – do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou
II – em que for reconhecida pela Previdência Social a incapacidade permanente ou o agravamento das seqüelas do acidente.”
Para que se compreenda a questão é mister, primeiro, entender o que é prescrição e decadência.
A obra clássica a respeito pertence a Antonio Luís da Câmara Leal (Da Prescrição e da Decadência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.) que assim definiu a prescrição:
“Para nós, prescrição é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia do seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso. Aí estão, a dar-lhe corpo e individualidade, seus diversos elementos integrantes: objeto, causa eficiente, fator operante, fator neutralizante e efeito. Seu objeto: a ação ajuizável; sua causa eficiente: a inércia do titular; seu fator operante: o tempo; seu fator neutralizante:as causas legais preclusivas de seu curso; seu efeito: extinguir as ações(ob.cit., 12).”
Quanto à decadência, eis como a define o saudoso jurista: “Decadência é a extinção do direito pela inércia do seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um certo prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado”. (ob. cit., p. 101)
O Código Civil de 2002, nos arts. 189 e 207 deixa ao intérprete extrair do texto legal os traços distintivos entre um e outro instituto, razão pela qual é imperioso que novamente se socorra a Antonio Luís da Câmara Leal que, em outra passagem da mesma obra, ele explicita as dificuldades da doutrina no estabelecimento das distinções entre decadência e prescrição, com esta magistral lição:
“O primeiro traço diferencial entre a prescrição e a decadência: a decadência extingue, diretamente, o direito, e, com ele, a ação que o protege; ao passo que a prescrição extingue, diretamente, a ação, e, com ela, o direito que protege. A decadência tem por objeto o direito, é estabelecida em relação a este e tem por função imediata extingui-la. A decadência é causa direta e imediata de extinção de direitos; a prescrição só os extingue mediata e indiretamente.
O segundo traço diferencial vamos encontrá-lo no momento de início da decadência e o momento de início da prescrição, pois, se a decadência começa a correr, como prazo extintivo, desde o momento em que o direito nasce, a prescrição não tem o seu início com o nascimento do direito, mas só começa a correr desde o momento em que o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado, porque nesse momento é que nasce a ação, contra a qual a prescrição se dirige.
O terceiro traço diferencial se manifesta pela diversidade de natureza do direito que se extingue: a decadência supõe um direito que, embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício; ao passo que a prescrição supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pela falta de proteção pela ação, contra a violação sofrida”. (ob. cit., p. 100-101)
Bem se vê, portanto, que a decadência, ao contrário da prescrição, atinge o “fundo de direito”, ou seja, decorrido o prazo previsto em lei fica impedido o próprio reconhecimento do direito, vedando-se que sejam produzidos quaisquer efeitos financeiros.
Assim, parece indiscutível tanto a decadência como a prescrição são reflexos da fluência do tempo ao que se alia a inércia do titular do direito, no campo do direito material e não processual.
Portanto, usando outras palavras, a prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda sua capacidade defensiva, em razão do não uso dela durante determinado lapso de tempo, enquanto a decadência se dá quando o direito é outorgado para ser exercido dentro de determinado prazo e por não exercido, se extingue. Logo, a prescrição atinge diretamente a ação e, por via obliqua, faz desaparecer o direito, enquanto a decadência, atingindo diretamente o direito, por via reflexa extingue a ação.
2 – A prescrição na esfera de acidentes do trabalho
Embora a prescrição seja instituto que tradicionalmente tem figurado na legislação previdenciária, diante da particularidade da pretensão em jogo, direito fundamental de cunho social com estrita conotação alimentar, sua aplicação se cerca de particularidades que buscam evitar injustiças que são afrontosas dos objetivos protetivos sociais dos benefícios previdenciários.
Quando o art. 103 da Lei nº 8.213/91 faz menção à decadência que seria aplicada à revisão do ato de concessão, a bem da verdade está se referindo à prescrição. Só é pertinente revisar ato derivado de direito já exercido que, se foi implementado defeituosamente, com prejuízo ao acidentado, é possível demandar revisão para corrigir-se o ato irregular.
Apenas como valor histórico, o entendimento que outrora se sedimentou na doutrina e julgados de nossos Tribunais foi no sentido de que a prescrição em matéria acidentária se contava a partir da apresentação do laudo em juízo. Em tal sentido inúmeros julgados foram proferidos no extinto 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, e do Superior Tribunal de Justiça, decisões essas originárias das legislações acidentárias antecedentes, notadamente no âmbito do Dec.-lei 7.036/44, onde a discussão do tema tomou vulto.
A corrente apontada suportava-se na Súmula 230 do Supremo Tribunal Federal, assim redigida:
“A prescrição da ação de acidente do trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade”.
Mas, a Súmula 230 do STF reflete toda uma problemática longeva, surgida ao tempo em que a indenização acidentária era tarifada, sob a responsabilidade das seguradoras particulares que eram contratadas pelos empregadores.
Como bem enfatiza José de Oliveira (Acidentes do Trabalho: Teoria, Prática, Jurisprudência. Editora: Saraiva), “a razão de seu aparecimento, Súmula 230, confessou-a o Ministro Thompson Flores em decisão posterior, na RTJ 81/113: evitar que os empregadores e seguradoras privadas pudessem, por expedientes protelatórios de liquidação da obrigação por acordo, vir em juízo reclamar a prescrição” (ob. cit., p. 207).
Desde o advento da Lei 6.367/76 se tem como revogada a Súmula 230 do STJ, por incompatível o seu enunciado com as regras de estatização do seguro acidentário, que passou a ser liquidado através de prestações mensais pela autarquia previdenciária.
De tudo resulta que, atualmente, a matéria relativa à prescrição acidentária deve pautar-se pelo que se acha estatuído no art. 104 da Lei 8.213/91, que estabelece em 5 (cinco) anos a prescrição das ações, contados desta forma:
a)-Do acidente, quando dele resultar a morte ou incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social;
b)- Da data em que for reconhecida pela Previdência Social a incapacidade permanente o agravamento das seqüelas do acidente.
Portanto, de tudo resulta que o direito à propositura de ação acidentária persiste imprescritível, ocorrendo a prescrição apenas das prestações vencidas e não reclamadas pelo interessado, dentro dos cinco anos anteriores à distribuição do feito infortunístico (cf. decisão do extinto 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo – Apelação sem Revisão 523.198-00/0/Matão – 3ª Câm. – j. em 04.08.1998 – Rel. Juiz Aclibes Burgarelli).
No acórdão mencionado o Relator consigna lição do respeitado jurista José de Oliveira (Acidentes do Trabalho. 2. ed., p. 207). In verbis: … Não existe em matéria acidentária a prescrição do próprio fundo de direito. O legislador fez distinções entre benefício-indenização e prestações ou mensalidades. Não se confunde a obrigação decorrente da lei com a prestação, que é a forma do seu cumprimento.
Dessa forma, nas prestações de trato sucessivo, a prescrição atinge somente a ação atribuída ao direito relativo a cada parcela, sendo oportuno lembrar a Súmula 85/STJ, onde consta: “Nas relações de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação”.
E nessa esteira, a posição pacificada no Superior Tribunal de Justiça não permite dúvida a respeito, conforme se depreende do Recurso Especial nº 435.220-SP, Relator Ministro Paulo Gallotti, DJ de 02.08.2004, cuja ementa foi assim redigida:
“EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ACIDENTÁRIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DAS PARCELAS ANTERIORES AO QUINQUÊNIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO.
MULTA. EXCLUSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATICIOS. INCIDÊNCIA.PARCE—
LAS VENCIDAS ATÉ A PROLAÇÃO DA SENTENÇA.
1.- Cuidando-se de ação acidentária, não ocorre a prescrição do fundo de direito, mas apenas das prestações referentes aos cinco anos anteriores contados: do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; do reconhecimento, também pela Previdência Social, da incapacidade permanente ou do agravamento das seqüelas do acidente, conforme o disposto no artigo 104 da Lei de Benefícios.
4.- Recurso Especial conhecido e provido.”
Sob o aspecto processual, vale recordar que a prescrição se interrompe à data da propositura da ação, como prevê o art. 219, § 1º do Código de Processo Civil.
Exemplo: um trabalhador perdeu a força da mão em acidente ocorrido e teve alta do auxílio-doença acidentário no mês de fevereiro de 1990, retornando ao trabalho. Ajuizou a ação acidentária em março do ano 2000, portanto, após mais de dez anos em que teve alta do infortúnio. Tomando-se como marco a data do ajuizamento da ação (março do ano 2000), segue-se que as prestações acidentárias pretéritas somente serão pagas dentro dos cinco anteriores ao ingresso em Juízo da ação acidentária, reconhecendo-se como prescritas todas as demais parcelas.
Não fosse bastante a correta interpretação do texto de lei (arts. 103/104, da Lei nº 8.213/91) e a aplicação da Súmula 85/STJ, também é oportuno lembrar a natureza alimentar do benefício acidentário. No direito alimentar propriamente dito, regulado na Lei 5.478/68, está escrito em seu art. 23 o seguinte:
A prescrição qüinqüenal referida no art. 178, § 10, inc. II, do Código Civil, só alcança as prestações men sais e não o direito a alimentos que, embora irrenunciável, pode ser provisoriamente dispensado.
A Lei 11.280, de 16.02.2006 deu nova redação ao § 5º do art. 219 do Código de Processo, estabelecendo que o Juiz pronunciará de ofício a prescrição. Trata-se de norma imperativa, não conferindo faculdade, mas sim obrigatoriedade. Essa alteração legislativa revogou o art. 194 do CC, que proibia o juiz de conhecer de ofício a prescrição, salvo quando se tratasse de favorecimento de incapaz. A modificação em tela obriga conhecer de ofício independentemente de quem será prejudicado ou beneficiado com esse reconhecimento. Trata-se de questão de ordem pública.
Por outro lado, dispondo sobre a matéria, o atual Código Civil, Lei nº 10.406/02, em seu artigo 198 estabelece que não corre a prescrição “contra os incapazes de que trata o artigo 3º”, ou seja, os absolutamente incapazes; “contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios”; e “contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas em tempo de guerra”. E também é oportuno referir que durante a tramitação de processo administrativo no qual se discute sobre direito de dependente ou segurado, o prazo prescricional fica suspenso (art.4º do Decreto nº 20.910, de 06.01.1932).
3 – A decadência no Direito Previdenciário.
A decadência no direito previdenciário apenas foi instituída a partir da nona edição da Medida Provisória n. 1.523, de 27 de junho de 1997, convertida posteriormente na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro do mesmo ano. Trata-se de instituto que não era previsto na LOPS (Lei Orgânica da Previdência Social, Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960), que cuidava, em seu artigo 57, apenas da prescrição qüinqüenal das respectivas prestações, prazo que deveria ser contado da data em eram devidas.
Assim, anteriormente à edição da Medida Provisória n. 1523/97 o segurado dispunha de prazo indefinido para requerer benefício, providenciar ou reajustamento, tendo limite temporal apenas quanto ao recebimento das parcelas exigidas e que não foram pagas.
Mas, exegese estrita do art. 103 da Lei nº 8.213/91, já com a redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004, tem levado os doutrinadores ao entendimento de que o prazo decadencial ali previsto apenas diz respeito à revisão do ato de concessão do benefício, contados do dia primeiro do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação ou, quando o for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. A conclusão que se tira é a de que não existe prazo algum de decadência no tocante aos atos posteriores à concessão do benefício, mas, exclusivamente, a prescrição das parcelas não reclamadas há mais de 5 anos.
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen (Direito d Seguridade Social- Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2005) ensinam que “não há decadência do direito ao benefício, já que o dispositivo legal determina sua incidência quando em discussão revisão de ato concessório, isto é, de benefício já em manutenção. Daí decorre que o segurado pode, a qualquer tempo, requerer judicialmente ou administrativamente, benefício cujo direito tenha sido adquirido a bem mais de 10 anos” (ob.cit.,pg.252).
Os mesmos juristas acentuam que resta “como único objeto do prazo decadencial a matéria atinente ao cálculo da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários: tem-se, aqui, um benefício concedido, e a discussão envolve revisão de um elemento do ato de concessão, qual seja a fixação da renda mensal inicial da prestação.” (ob.cit.pg.253).
A nós parece acertada a posição dos referidos juristas porque o art. 103, da Lei nº 8.213/91 diz respeito exclusivamente aos atos de concessão do benefício, sendo que todas as ações relacionadas a atos praticados pela autarquia previdenciária subseqüentes à efetiva concessão do benefício não estão sujeitos a nenhum prazo de decadência.
Por último, quando ocorre indeferimento administrativo do pedido de concessão do benefício, não se consegue vislumbrar no texto do citado art.103, da Lei nº 8.213/901, o instituto da decadência, eis que não existe o prazo de 10 anos para o segurado pleitear judicialmente a negatória de concessão do benefício. É que se o direito a esse benefício já se encontrava incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, é bem de ver que ele tinha direito adquirido que, por seu turno, se acha protegido pela Constituição Federal no art. 5º, XXXVI.
Advogado, especialista em Direito Previdenciário, autor do livro “Manual de Acidentes do Trabalho”, Editora Juruá, Curitiba, associado do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário
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