Resumo: A pesquisa faz uma análise acerca da dignidade humana como valor fundamental e a violência doméstica como violadora deste princípio. Analisa o surgimento desta violência, desde a concepção bíblica, sua posterior evolução até chegar aos dias atuais. Discute brevemente a Lei Maria da Penha, buscando compreender a violência doméstica na sociedade. Estuda os aspectos dominantes no tocante aos motivos desta violência e como as mesmas afetam os demais membros da família, principalmente os filhos. Nessa perspectiva, tece algumas considerações desse fenômeno em nosso país, igualmente, analisando o seu surgimento, a sua evolução e, por fim, as medidas interdisciplinares de apoio as vítimas.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Dignidade.
Resumen: La investigación analiza la comprensión de la dignidad humana como valor fundamental y la violencia doméstica como una violación de este principio. Analiza el surgimiento de la violencia desde el concepto bíblico, su posterior evolución hasta la actualidad. Discute brevemente la Ley Maria da Penha, en un intento de entender la violencia doméstica en la sociedad. El estudio de los aspectos principales sobre los motivos de esta violencia y cómo afectan a otros miembros de la familia, especialmente los niños. Desde esta perspectiva, ofrece algo de este fenómeno en nuestro país, también, el examen de su aparición, su evolución y, por último, medidas de apoyo a las víctimas interdisciplinario.
Palabras clave: Violencia doméstica. Dignidad.
Sumário: Introdução. 2. O princípio da dignidade humana como valor fundamental. 2.1 Aspectos do princípio: histórico e conceito. 2.2 Como agir com essa dignidade frente aos desafios que a excluem. 2.3 O princípio constitucional da dignidade humana. 2.4 Dignidade humana como norma jurídica e valor fundamental. 3. A violência contra a mulher, princípio da dignidade da pessoa humana e atendimento interdisciplinar. 3.1 Conceituação e principais tipos de violência contra a mulher. 3.2 A violência contra a mulher e dignidade humana. 3.3 Lei Maria da Penha. 3.4 Instrumentos jurídicos que podem ser utilizados pela mulher para efetivação da sua proteção. 3.5 Atendimento interdisciplinar. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Este estudo, busca compreender a violência doméstica, como afronto à dignidade da pessoa humana, analisa este principio basilar para o convívio social, estabelecendo uma conexão, entre os valores aderentes a vida em sociedade e a agressão intra-familiar.
Neste prisma, o principal argumento, aqui desenvolvido, será em favor das idéias em torno da recusa do uso exclusivo, do paradigma de gênero e a hierarquia pelo sexo. Por entender-se, que este conceito seja bastante amplo, profundo e de rápida penetração, não apenas no pensamento acadêmico, mas também na sociedade em geral, por isso defender-se-á, o axioma da vida harmônica, pela compreensão das contendas, o que está diretamente ligado ao afeto familiar.
Num primeiro momento, será analisado o principio da dignidade humana, sua base histórica, bem como, o respeito do ser em si, apoiando-se na Legislação pertinente e no entendimento de doutrinadores.
Em um segundo momento far-se-á, uma analise crítica, acerca da Lei Maria da penha, sua conexão com o respeito à dignidade humana e as medidas protetivas de urgência elencados por esta, com base na legislação e entendimento da doutrina, elencando por último, algumas medidas de apoio as vítimas deste sofrimento.
Para tanto, usar-se-á, o método dedutivo e pesquisa bibliográfica.
Cabe lembrar, que em momento algum se busca, neste esboço, esgotar as questões concernentes aos institutos in foco. Nosso interesse é unicamente apresentar uma abordagem breve, mesmo que sucinta sobre os temas elencados trazidos à tona.
2. O princípio da dignidade humana como valor fundamental
Discorrer acerca da dignidade humana é ponderar sobre algo intrínseco ao ser, não apalpável, mas interno e subjetivo, dependendo do acordo vigente no determinado espaço e tempo, no entanto, sempre ligado a sobrevivência do homem na terra.
Porém, apesar dos laços racionais e espirituais, ligando o ser humano ao seu semelhante, muitas vezes, os ditames da dignidade são omitidos, passando a vigorar outros, como os do egoísmo, do egocentrismo e da ganância, deixando a margem da sociedade, aqueles, muitas vezes, afastados por condições econômicas, sociais, ou culturais, que a dignidade não alcança.
Neste primeiro capítulo, faremos uma abordagem histórica, trazendo uma conceituação da temática em tela, as formas de ação, frente aos desafios que a excluem, trazendo uma visão deste princípio fundamental gravado no ordenamento pátrio pela nossa Carta Política.
A dignidade da pessoa humana atinge o valor interior e manifesta interesses coletivos acerca do individuo, diferentemente das coisas, que possuem um valor exterior, onde os interesses são particulares.
O tema em pauta possui conotação psicológica, além de reflexos na área da filosofia, da religião, economia, bem como na ciência jurídica, e nos mais diversos ramos do conhecimento acerca do ser humano.
Não se olvidará em discutir posições doutrinarias, bem como preceitos estabelecidos, pois este estudo buscará apontar uma reflexão ampla, sobre a Política adotada pelo Estado Brasileiro, evidentemente, conhecedores de que não existe um conceito igualitário para todos, sabemos que o que para alguns parece ser digno, para outros pode não ser.
O objetivo deste trabalho não é aprofundar o estudo do tema da dignidade da pessoa humana em primeiro plano, mas apresentar elementos, para uma compreensão da dinâmica seguinte, acerca da dignidade da mulher e aplicação da Lei Maria Da Penha.
2.1 Aspectos do princípio: histórico e conceito
As civilizações antigas mantinham rígidas suas tradições e princípios, tratando o homem como sendo um ser soberano, sendo que a dignidade era medida, conforme a posição que a pessoa ocupava dentro da sociedade, existindo pessoas mais dignas e outras menos dignas (SARLET, 2004, p. 30).
Dependendo de sua posição, quanto sua casta, assim consequentemente, os mais pobres apresentavam menos dignidade e quanto mais rico tinha mais dignidade, porém, esta posição gerava bastante controvérsia, em face à diversidade do ser humano e a ligação com a crença religiosa.
O termo dignidade, deriva da palavra latina “dignitas”, apoiando-se principalmente nas escrituras do cristianismo, a qual proclama que os homens são irmãos e devem abandonar a injustiça.
A Bíblia Sagrada (1990, p. 14-15), ensina que “o homem foi criado à imagem a semelhança de Deus, impondo assim, um ideário, no qual todos são iguais, filhos do mesmo pai, onipotente,” consequentemente abarcando a ideia de bondade, de amor e perdão, para com os demais seres humanos, o que resultaria em tratamento digno ao ser humano.
Contudo, a filosofia dos estóicos, dentre outras, vê os homens, iguais em dignidade, contrapondo-se ao pensamento dominante da época, afirmando que a dignidade é inerente ao ser humano, ligando a noção de dignidade a de liberdade de cada indivíduo (SARLET, 2004, P. 31).
Segundo o mesmo autor (2004, P. 32) na idade média, diante de atrocidades cometidas pela igreja católica, muitos pensadores ficaram divididos, em seguir os ensinamentos da igreja, ou se rebelar, tendo em vista, os comportamentos do clero e da nobreza, os quais se consideravam mais dignos frente as demais pessoas.
Nesse período, ocorre certo desligamento da religião, ou seja, abandonando o enraizamento divino, como fonte para a doutrina, partindo-se para uma racionalização do conteúdo, o que para Kant, citado por Sarlet (2004, p. 33), passa a ser um atributo ligado a autonomia de vontade, assim descreve:
“A partir da natureza racional do ser humano, […] assinala que a autonomia de vontade, entendida como faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana.”
Com a Revolução Francesa de 1789, esta declarou como marco a dignidade da pessoa humana; a liberdade e a igualdade perante a lei; a resistência à opressão política; o direito à propriedade privada e a liberdade de pensamento o que mais tarde, levou a Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a proclamar a Declaração Universal de Direitos Humanos. A segunda etapa somente se completou em 1966, com a aprovação de dois pactos, um sobre direitos civis e políticos, e outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais. A terceira etapa, consistente na criação de mecanismos capazes de assegurar a universal observância desses direitos, ainda não foi completada. Por enquanto, o que se conseguiu foi instituir um processo de reclamações junto à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, objeto de um protocolo facultativo, anexo ao Pacto sobre direitos civis e políticos (DHNET, 2010).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos serviu de parâmetro para diversos países, inclusive o Brasil, a implantar em seu ordenamento a proteção ao ser humano e democracia, como regime a ser adotado.
No intuito de buscar uma conceituação, recorre-se às palavras de Sarlet (2004, p. 37), a qual assevera que:
“A qualidade intrínseca e distinta reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerações por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, alem de propiciar e promover sua participação efetiva e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
Desta reflexão, observa-se que, o princípio em questão, suporta um entendimento bastante amplo, estando acoplada a existência do ser humano e as condições de sobrevivência em meio social, na qual o autor usa a dimensão ontológica, sendo inalienável e irrenunciável, esta qualidade, neste sentido não pode ser dada, alterada, nem retirada do ser humano, apenas cultivada.
Entretanto, Sarlet (2004, p. 20) coloca que, “esta poderá ser violada, por ato criminoso, neste caso, será protegida, pois mesmo não alcançada pelo direito, a mesma existe, bastando à existência, do ser humano.”
Nesta ceara, Nunes (2007, p. 49) diz que “o ser humano, pela condição natural de ser, com inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza, e se diferencia do ser irracional.”
Deste modo, assevera-se, que o simples fato de existir, é o suficiente para termos direito a proteção da dignidade, pelo aparato Estatal, visto que, esta se liga a vida, sendo a proteção desta, alicerce do Estado Brasileiro, juntamente com as demais garantias.
Bernardo (2006, p. 12) nos mostra que o amparo legal, segue uma linha defensiva, impondo medidas protetiva com escopo de efetivação, assim expondo:
“A definição, entretanto, parte de aspectos negativos, quais sejam, de não violar, não fazer. Há que se lembrar, entretanto, que o direito à integridade psicofísica dispõe, também, de um caráter positivo, que consiste em uma série de situações que têm que ser garantidas pelo Estado a todos os seus membros, indistintamente. Refiram-se, como exemplos, o direito à saúde e o direito à moradia. Além de garantir a pessoa contra qualquer violação, por parte dele Estado ou de particulares, há o Estado que tomar uma série de medidas positivas no sentido da efetivação de tais direitos.”
Nesta linha de pensamento, a vida digna almejada por todos, demanda alguns desafios para concretização da mesma e a investigação das ações a serem perseguidas, atinentes ao tema, será pauta da próxima discussão.
2.2 Como agir com essa dignidade frente aos desafios que a excluem
Esta garantia fundamental serve de alicerce a outros princípios, pois a promoção da igualdade entre outros, os quais dependerão da dignidade para sua efetivação, não sendo plausível, sua violação, em favor de um ser, de forma a penitenciar outro, o que é fruto da racionalidade do ser humano.
Kant, citado por Crosara (2005, p. 1), entende que:
“A dignidade parte da autonomia ética do ser humano, tendo ela como fundamento da dignidade do homem, ou seja, não podendo ele ser tratado como objeto nem por ele mesmo, e, que o “Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, tem, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meio e por isso se chama coisas, ao passo, que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não poder ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).”
Destarte, encontra limites, justamente no convívio com o próximo, onde reside o mútuo respeito e a convivência harmônica entre os indivíduos de uma sociedade, necessitando da intervenção Estatal quando há uma supremacia do interesse individual, causando prejuízos ao coletivo, ou afastando por algum motivo, alguns seres, que deveriam fazer parte desta sociedade.
Nesta ótica, a tutela acerca deste princípio, sobrepõe-se aos demais valores, como bem anotado por Morais, citado por Bernardo (2006, p. 14), veja:
“Aqui, e desde logo, toma-se posição acerca da questão da tipicidade ou atipicidade dos direitos da personalidade. Não há mais, de fato, que se discutir sobre uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos direitos da personalidade, porque se está em presença, a partir do princípio constitucional da dignidade, de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana. Como regra geral daí decorrente, pode- se dizer que, em todas as relações privadas nas quais venha a ocorrer um conflito entre uma situação jurídica subjetiva existencial e uma situação patrimonial, a primeira deverá prevalecer, obedecidos, assim, os princípios constitucionais que estabelecem a dignidade da pessoa humana como o valor cardeal do sistema.”
Entretanto, ainda figuram em meio à sociedade, alguns atos lesivos tanto em se tratando de bases econômicas, quanto sociais e culturais, inclusive quanto ao alcance a interação social, ligadas a apoio biológico, para a formação de aros sociais e afetuosos em meio a indivíduos.
Frente a estes desmandos, porquanto muitas objeções podem ser lançadas como desafios, como o enfrentamento da luta entre os sexos, a situação econômica, o status em cargo público, revestido de autoridade, enquanto os demais, não passam apenas de meros servos, são problemas que necessitam ser enfrentados e discutidos, procurando soluções imediatas.
No entanto, apesar de já terem sido plantadas as sementes pela Carta Maior, falta concretização destas garantias, o que discutiremos a seguir.
2.3. O princípio constitucional da dignidade humana
Ao falar em princípios, sempre estará em pauta à discussão acerca de alicerce, pilares basilares, estabelecidos pela Carta Magma, Lei Maior, Lex Suprema, portanto, estaremos nos referindo a garantias do Estado Democrático de Direito, ou ponto de partida do ordenamento jurídico, fundamentos do próprio Estado, ou ainda requisitos primordiais da nação.
A Constituição Da República Federativa do Brasil, garante em seu artigo 1º, o princípio da dignidade humana, assim dispondo:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III- a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.”
Observa-se que, no inciso III do presente artigo, faz-se presente a proteção do Estado à dignidade humana, o que admite uma ampla e diversa interpretação, como demonstrado, anteriormente.
Bernardo (2006, p. 15), observa ter sido opção do legislador em outorgar precedência a dignidade humana, o qual assim assevera:
“E parece clara a opção do legislador Constituinte neste sentido, quando elaborou a regra do § 2º do art. 5º da Constituição da República: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Aparece aí a opção de erigir a dignidade da pessoa humana à condição de princípio fundamental, inserindo-a neste locus, logo no artigo 1o do texto constitucional, outorgando-lhe, assim, precedência em face mesmo de outros princípios constitucionais.”
Como bem observado pelo autor, a escolha do legislador pátrio, vai na direção de implantar um Estado democrático, com a participação popular, visto que a derrota do autoritarismo, fez com que vários direitos inerentes ao real titular do poder, no Estado Brasileiro, fossem observados, pelo menos no papel, enquanto regra que normatiza a conduta dos indivíduos.
Ainda faz-se mister, transcrevemos conteúdo da lição de Moraes (2002, p. 50):
“A dignidade da pessoa humana: concede os direitos e garantias fundamentais, sendo inerentes as personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predominio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo vulnerável que todo o estatuto jurídico deve asegurar, de modo que somente excepcionalmente , possam ser feitas limitações ao exercício de direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas, enquanto seres humanos.”
Sendo base da sociedade brasileira, os princípios devem se basear no respeito às pessoas, visto que norteiam ou embasam o Estado social, demonstrando a capacidade de reclamar eficácia e real efetividade na concretização dos direitos fundamentais, uma vez que transparece a posição do Estado frente aos cidadãos.
Neste sentido a proteção do Estado, concentrando-se na pessoa, vida, saúde ou corpo da mesma, contra agressões oriundas de terceiros, seja qual for a procedência, incluindo neste rol, os de ordem moral e espiritual, envolvendo para tanto, o planejamento familiar, proteção ao menor e ao idoso, como bem referido por Sarlet (2010, p. 72), que assim explica:
“O texto constitucional vigente […], quando estabeleceu a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, na esfera da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável ( art.226§6º), além de assegurar a criança e ao adolescente ao direito a dignidade (art.227, caput). Mais adiante, no art. 230, ficou consignado que “a família a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantido- lhes o direito a vida.” Assim, antes tarde do que nunca- pelo menos antes da passagem para o terceiro milênio- a dignidade da pessoa e, nesta quadra, a própria pessoa humana, merecem a devida atenção por parte da nossa ordem jurídica positiva.”
Percebe-se que, a positivação deste tema, tende a lançar o seu manto, sobre os integrantes da família, pois a mesma é base de toda sociedade.
Com efeito, o próprio princípio da dignidade humana, alcança uma multiplicidade de efeitos, embora a norma jurídica demonstre apenas o aspecto positivado, a conduta no sentido de proteção como observar- se –á, no próximo item.
2.4 Dignidade humana como norma jurídica e valor fundamental
Várias são as categorias encobertas pelo mandamento da dignidade humana, o que para aplicação da norma jurídica, vai depender muito da situação e da valoração da prova, tendo em vista, o caráter subjetivo do tema.
Todavia, o reconhecimento pela ordem jurídica, dependerá de sua efetiva realização e promoção, para além da regra, ou condição normativa, colocando- se, portanto numa condição de fundamento do Estado democrático, em prol da pessoa humana.
Nas palavras de Sarlet (2010, p. 81-82), quando comenta a magnitude e a amplitude deste principio, assim assevera:
“O reconhecimento de sua plena eficácia na nossa ordem constitucional, onde – nunca é demais repisar- foi guindada à condição de principio (e, portanto, sempre também valor) fundamental do nosso Estado democrático. Alias […], assumindo a feição de principio (e até mesmo como regra) constitucional fundamental, não afasta o seu papel com o valor fundamental geral para toda ordem jurídica (e não apenas para esta), mas pelo contrario, outorga a este valor, uma maior pretensão de eficácia e efetividade.
[…] sua relação com os direitos fundamentais (sem prejuízo de assumir, também nesta perspectiva, a condição de regra jurídica, impositiva ou proibitiva de determinadas condutas, por exemplo), possui uma dupla dimensão, objetiva e subjetiva, que por sua vez, […], guarda relação com os valores fundamentais de uma determinada comunidade.”
Deste modo, observa- se das anotações do autor, que a dignidade humana, tem conotação moral e existia entre os homens, mesmo antes da norma jurídica, sendo que esta foi incorporada ao ordenamento, dando lhe um aspecto de regra geral de direito, ampla, com dimensão objetiva e subjetiva.
Considerando a hierarquização de preceitos estabelecidos, o tema deve ser enfocado como dever geral, de certa forma, um dever das pessoas, consigo mesmas, e com as demais, seus pares.
Na visão de Tepedino, citado por Bernardo (2006, p. 14), ainda deve ser associado ao tema, à erradicação da pobreza.
“Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.”
O autor coloca que o princípio pode ser visto como cláusula geral para aplicação das demais normas jurídicas, inclusive incluindo outros temas na sua reflexão, como pobreza e marginalização, pois também refletem a condição para uma vida digna.
Contudo, os tratados internacionais firmam a proteção ao princípio elencado, para tanto os pactos civis e políticos convergem no compromisso dos signatários em assegurá-lo, desde a declaração do genoma humano, até a carta da Organização das Nações Unidas (MOTA, 2008)
Como já anunciado, a dignidade, atua como limite, ou seja, como barreira aos demais direitos e deveres constituídos como lembrado por Sarlet (2010, p. 142), quando assim descreve:
“O principio da dignidade da pessoa também serve como justificativa para imposição de restrições a direitos fundamentais, acabando, neste sentido, por atuar como elemento limitador destes […] sempre se poderá afirmar […] que a dignidade da pessoa atua simultaneamente como limite dos direitos e limite dos limites […] o que não afasta a controvérsia sobre o próprio conteúdo da dignidade e a existência ou não, de uma violação do seu âmbito de proteção.”
O autor aqui deixa claro, que o preceito basilar informado, sobreposto, indicando ao próprio legislador e aos demais cidadãos, de onde e até onde poderão atuar, em se tratando de normas jurídicas, relativo a condutas permissivas e proibitivas, impostas pelo Estado e consequentemente, a serem seguidas pelos cidadãos.
Deste modo, fica de fácil percepção, que todos têm direito a dignidade humana, pois este serve aos demais preceitos como função integradora e hermenêutica, ou seja, serve de parâmetro tanto para a aplicação, quanto para interpretação dos direitos fundamentais, não importando a origem, sexo, raça, ou idade, mas sim abarcando todos os seres humanos (SARLET, 2004, P. 78-80).
Finalmente, como corolário deste tema aparece à solidariedade e a convivência harmônica entre os seres, fazendo referencia ao tratamento demandado ao âmbito doméstico, entre as pessoas que habitam o mesmo teto, onde muitas vezes a dignidade é ferida e o respeito à pessoa é esquecido, por isso, a violência contra mulher e aplicação da Lei Maria da Penha, baseado em um sistema mais digno, será pauta no próximo capítulo.
3. A violência contra a mulher, princípio da dignidade da pessoa humana e atendimento interdisciplinar
Neste segundo momento, estudar-se-á, a violência contra a mulher, que pode ser entendida como qualquer ação ou conduta com fundamentado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher.
Os ataques as mulheres ocorrem, tanto na esfera pública como na esfera privada, caracterizando-se, como uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres (PIRES, 2009).
Para tanto, iniciar-se-á com os tipos de violência contra mulher, de onde se partirá para a relação desta violência com a dignidade humana e trazendo para a atualidade com a implantação da Lei Maria Da Penha, aqui no direito Pátrio.
3.1 Conceituação e principais tipos de violência contra a mulher
Para conceituar os tipos de violência, enfrentados pelas mulheres, recorrer-se-á aos ensinamentos do Instituto Patrícia Galvão, sendo os seguintes:
Em primeiro plano, procurar-se-á abordar a violência de gênero, que pode ser entendida como uma violência sofrida pelo fato de ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino (INST… 2010).
Será violência doméstica, quando ocorre no ambiente doméstico, ou seja, em casa, ou em uma relação de familiaridade, coabitação ou afetividade sob o mesmo teto.
Diferenciando-se de violência familiar, a qual será aquela que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade, como amigo, ou amiga, que residem em uma mesma casa (INST… 2010).
Temos também a violência física, que será caracterizada pela ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa, causando lesões ao corpo.
A violência institucional é um tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades (PIRES, 2009).
A violência intra familiar acontece dentro de casa, ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono. (INST… 2010)
A violência moral, muito comum, ocorre quando há uma atuação destinada a danificar o interior, abrange todo atentado à reputação desta, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas benignidades, caluniando, difamando ou injuriando a honra ou a reputação da mulher, causando um sofrimento.
A Violência psicológica acontece quando sucede uma ação ou omissão destinada a humilhar ou controlar os atos, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça, direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal (INST… 2010).
A violência patrimonial envolve patrimônio da mulher, onde esta é lesada, ou tem diminuído, subtraído, destruído ou retido seus objetos, documentos pessoais, bens e valores, implicando sem duvida, em dano ou perda para esta.
A violência sexual abrange as ações que constrangem uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros (INST… 2010).
A legislação brasileira prescreve ainda que a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, ou outro ato libidinoso(PIRES, 2009).
Ainda, é oportuno que se traga ao estudo, que a violência doméstica compõe-se de ciclos que podem se tornar vicioso, repetindo-se ao longo de meses ou anos.
Primeiramente, tem-se a fase da tensão, que vai se acumulando e se manifestando por meio de atritos, cheios de insultos e ameaças, muitas vezes recíprocos. Em seguida, vem a fase da agressão, com a descarga descontrolada de toda aquela tensão acumulada. O agressor atinge a vítima com empurrões, socos e pontapés, ou às vezes usa objetos, como garrafa, pau, ferro e outros. Depois, é a vez da fase da reconciliação, em que o agressor pede perdão e promete mudar de comportamento, ou finge que não houve nada, mas fica mais carinhoso, bonzinho, traz presentes, fazendo a mulher acreditar que aquilo não vai mais voltar a acontecer (INST… 2010).
É notável, em diversos casos, que esse ciclo se repita, com cada vez maior violência e intervalo menor entre as fases, repetindo-se indefinidamente, ou, pior, muitas vezes termina em tragédia, com uma lesão grave ou até o assassinato da mulher, quando a intervenção estatal, poderá ser tardia (AZEVEDO, 21010).
No próximo subtítulo, far-se-á, uma relação entre a dignidade de pessoa humana e a violência contra mulher.
3.2 A violência contra a mulher e dignidade humana
Como já foi dito, a razão humana confunde-se com a própria dignidade humana inerente a todo ser humano, simplesmente por ser “ser humano”. Seja qual for a condição da pessoa ela será titular de direitos, e os direitos humanos serão instrumentos de proteção à dignidade humana (MARCO, 2002).
O tratado, resultante da Assembléia das Nações Unidas, em seu artigo I, reza que:
“Toda distinção ou restrição fundada em sexo e que tenha por objetivo ou conseqüência prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
Afirma-se assim, o amparo e a equidade das mulheres, sem restrições, garantida pelos Estados signatários, como é o caso do Brasil.
Surge assim, uma universalidade de direitos voltada à proteção e garantia da dignidade humana, ou seja, respeito ao semelhante, isso, inexoravelmente, alcança aquele que esta ao nosso lado, a mulher companheira, esposa, namorada, filha, etc. É a razão surgindo como fonte principal dos direitos dos seres humanos, um respeitando o outro.
Deste modo, no intuito de garantir direitos e punir desmandos, nasceu a Lei Maria da Penha, a qual será estudada a seguir.
3.3 Lei Maria da Penha
A Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha” em homenagem a uma mulher vítima de violência doméstica, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige uma grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero (BASTOS, 2006).
Conforme leciona Hermann (2008, p. 19), garantir a presença da mulher nos espaços sociais é cogente, observe:
“A Lei tem o principal mérito reconhecer e definir a violência doméstica em suas diversas manifestações, além de prever a criação de sistema integrado de proteção e atendimento as vitimas […] revela presença organizada das mulheres no embate humano, social e político por respeito. Sua presença esta marcada na ênfase a valorização e inclusão da vitima no contesto do processo penal, na preocupação com a prevenção, proteção e assistência aos atores do conflito, no resguardo de conquistas femininas, como o espaço no mercado de trabalho.”
Todo esse avanço, relatado pelo autor citado, demonstra que as conquistas são frutos de uma árdua luta da sociedade, em especial das mulheres, por políticas mais justas, mas que ainda podem ser consideradas insuficientes, tendo em vista que, os números ainda são alarmantes.
É impressionante o número de mulheres que apanham de seus maridos, além de sofrerem toda uma sorte de violência que vai desde a humilhação, até a agressão física. A violência de gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e afeto, que é o lar, o seio familiar (BASTOS, 2006).
O Instituto Patrícia Galvão (2010, p. 62) também mostra o relatório da Organização Mundial da Saúde, acerca do tema, observe:
“Cerca de 70% dos assassinatos de mulheres são praticados por seus parceiros masculinos. Na Zâmbia, cinco mulheres são assassinadas por semana por seus parceiros ou por algum amigo da família. No Egito, 35% das mulheres declararam ter apanhado do marido. No Paquistão, 42% das mulheres aceitam a violência como parte de seu destino. […] quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex. A violência responde por aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 a 44 anos no mundo todo. Em alguns países, até 69% das mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente e até 47% declaram que sua primeira relação sexual foi forçada.”
Percebe-se, que se trata de um grande problema social mundial, o que se perpetua, em por causa da omissão e ao pacto de silêncio que cerca o problema.
Marco (2002, p. 1) relata alguns dados, que sem duvida são impressionantes, como pode ser observado:
“A violência contra a mulher é um assunto que precisa ser tratado com seriedade. Pois, trata-se de um fenômeno generalizado que não distingue raça, classe social ou religião. Recente estudo constatou que de cada cinco mulheres que faltam ao trabalho, uma o faz por violência doméstica. Em 1994 constatou-se que, de cada cem mulheres que morrem nesta situação, setenta morrem por causas advindas de violência doméstica. A principal causa de lesões contra as mulheres de 15 a 45 anos são agressões por parte de seus parceiros. Em 1998, constatou-se que, de 66,3 % dos acusados em homicídios contra mulheres eram seus próprios parceiros”
Além dos números trazidos pelo autor citado, as noticias mostram que quinze mulheres são violentadas por dia, somente tendo por base os dados que chegam a conhecimento oficial, não levando em consideração os casos camuflados em casa, que também devem ser muitos. Especialistas no atendimento às vítimas estimam que, para 20 casos de violência no país, apenas um é denunciado (INST… 2010).
A principal causa apontada, como responsável pelos desentendimentos de casais, ainda é o alcoolismo e as drogas em geral, mas também é um caso cultural de desrespeito a mulher, por considerá-la inferior (MIANO, 2009).
O que nas palavras de Hermann (2008, p. 133), também pode ter outra causa, como as experiências vividas:
“Sabe-se que condutas violentas em família são, normalmente, comportamentos aprendidos na família de origem e reproduzidos na vida adulta, portanto cíclicos, agressores e vitimas comumente vivenciaram experiências de violência e abuso na infância, tendendo a repetir essas vivencias na fase adulta. A intervenção preventiva é tanto mais eficaz quanto mais precoce, e a influencia da escola e de seus agentes- professores, orientadores, colegas – e vetor de credibilidade para campanhas e outras ações preventivas de educação e informação.”
Neste cenário traumático, a sexualidade das mulheres, pode ser o alvo de condutas agressivas por parte do parceiro, tendo em vista, o sentimento de posse do homem sobre a mulher, o que inclusive pode provocar brigas por adultério, com ataques físicos, tendo o agressor em mente a punição, por entender que conduta foi diversa da esperada por ele, o que é tratado pela Lei 11340, a partir do art. 7º e 9º.
Apontar-se-á a seguir, as medidas jurídicas cabíveis, tendo em vista, uma legislação farta de possibilidades.
3.4 Instrumentos jurídicos que podem ser utilizados pela mulher para efetivação da sua proteção
As medidas possíveis para dirimir casos de violência doméstica, dependem da legislação em vigor, por isso, é imprescindível, que se traga a discussão, a norma veiculadora.
Desde a Constituição Federal de 1988, marco no processo de redemocratização do País, a qual instituiu e consolidou, importantes avanços na ampliação dos direitos das mulheres e no estabelecimento de relações de gênero mais igualitárias, conforme aduz o art. 5º, que transcreve-se in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;”
Este artigo pretende estender a todo cidadão, buscando a igualdade, perante a lei, entre homens e mulheres, vislumbrando essa, como uma conduta justa.
Por outro lado, o diploma legal, Lei Maria da Penha, enfoca algumas medidas cabíveis, em caso de agressão, como pode ser observado:
“O diploma legal de violência doméstica é todo focado na proteção à mulher, do preâmbulo ao final do texto, com conteúdo específico relativo à condição feminina. O legislador previu a possibilidade de criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 14) e vedação de algumas penas alternativas (cesta básica ou prestação pecuniária) ou substituição da pena por multa (art. 17). A mulher pode ser beneficiada por medida judicial de urgência (art. 18) e até por prisão preventiva do agressor (art. 20). Ao agressor de mulher, podem ser impostas várias medidas restritivas de direitos (arts. 22 a 24), prisão preventiva (art. 42) e agravante por violência contra a mulher (art. 43). E mais: o agressor de mulher pode ser obrigado a freqüentar programas de recuperação e reeducação (art. 45) (SANTIM, 2006, P. 2).”
Denota-se, que as medidas elencadas pelo texto da legislação, servem para garantir a integridade da mulher, em se tratando de pessoa humana digna de amparo da norma, ou seja, mediada de proteção e prevenção ao mesmo tempo.
O Brasil desenvolve um plano Nacional de Políticas para as mulheres, com autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania, com objetivos, metas, prioridades e plano de ação, uma educação inclusiva e não sexista, que visam ações voltadas a proteger a saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivas,buscando enfrentar à violência contra as mulheres.
Essas políticas governamentais são muito importantes para se fazer valer um sistema igualitário, possibilitando um individuo buscar o aparato Estatal, no intuito de protegê-lo, sendo que, estas devem ser cobradas pela sociedade a sua implantação, o mais urgente possível.
O país também é signatário da Convenção Interamericana de Belém do Pará (1994) para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, efetivada no solo pátrio, pelo Decreto Presidencial nº 1.973, de 01 de agosto de 1996, o qual, sendo um tratado internacional, vincula o Brasil não só perante os demais Estados signatários, mas também internacionalmente, possibilitando sua plena aplicação e execução ante o Poder Judiciário.
Quanto à ação penal, persiste a exigência de representação nos casos do art. 129, § 9º, do CP, e art. 21, da LCP (por analogia); no caso do art. 147 do CP, o parágrafo único exige tal condição de procedibilidade; se o legislador pretendesse banir referida condição da ação penal pública, não teria trazido a previsão do art. 16 da lei Maria da Penha, que impõe formalidade para a renúncia à representação (NOGUEIRA, 2006).
Ademais, em certos casos, o juiz pode determinar que o agressor fique longe da casa da vítima, pois manter o agressor longe do convívio familiar, também é fundamental, medida cautelar que se faz necessária, no caso em que a presença, oferecer riscos a mulher.
Isto ocorreu primeiramente com o advento da Lei nº 10.455/02, que acrescentou ao parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar, de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica, a ser decretada pelo Juiz do Juizado Especial Criminal. Após foi incorporado pela Lei Maria Da Penha.
Outro antecedente ocorreu em 2004, com a Lei nº 10.886/04, que criou no art. 129 do Código Penal, um subtipo de lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de 3 (três) para 6 (seis) meses, o que pouco modificou no dia a dia das vitimas, ainda, mas que a tendência é intensificar a punição do agressor e a segurança da vítima.
A nova redação do § 9º do artigo 129 do Código Penal Brasileiro, conforme a lei 11340 ficou assim estabelecida:
“Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: […]
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10º Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11º Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.”
Deste modo, fica clara a preocupação do legislador, com o convívio pacifico, dos coabitantes da mesma residência, pois os dramas ali vividos, não são políticos, ou econômicos e sim, humanos.
Neste contexto, Jesus (2004, p. 2) faz a seguinte anotação:
“Nos termos do § 9.º do art. 129, acrescentado pela Lei n. 10.886/2004, com o nomen júris “violência doméstica”, se a lesão corporal for provocada em ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o agente conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a pena é de detenção, de 6 meses a 1 ano. Trata-se de uma figura típica qualificada, cominados mínimo e máximo da pena, aplicável somente à lesão corporal leve dolosa (figura típica simples), excluída a forma culposa (§ 6.º). As lesões de natureza qualificada pelo resultado (§§ 1.º a 3.º), quando presente a violência doméstica, têm disciplina diversa (§ 10 do art. 129). Presente uma circunstância especial do § 9.º (exemplo: prevalecimento das relações domésticas), prevista também como agravante genérica (art. 61 do CP), aquela prefere a esta.
Na Lei n. 10.886/2004, a violência doméstica também é descrita como causa de aumento da pena. De acordo com o § 10 do art. 129, ainda com o nomen juris “violência doméstica”, nas hipóteses de lesão corporal grave, gravíssima e seguida de morte (§§ 1.º a 3.º), se provocado o resultado em ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o sujeito conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a pena é acrescida de um terço. Cuida-se de causa de aumento de pena, uma vez que o legislador não comina mínimo e máximo e, sim, impõe um acréscimo. Quanto aos conceitos de cônjuge, companheiro, relações domésticas, coabitação e hospitalidade, prevalecem os mesmos do art. 61 do CP. Presente no fato uma circunstância especial do § 9.º (exemplo: relação de parentesco), prevista também como agravante genérica (art. 61 do CP), aquela prefere a esta, impondo-se a pena da agravação específica (pena do § 10).”
A intenção da norma, é justamente proteger os bens jurídicos tutelados, neste caso especifico a vida e a integridade física da mulher.
Quanto à ação penal, a Lei 11340 prevê em seu art. 16 o seguinte:
“Art. 16 Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”
Entende-se, que a ação será condicionada a representação, tanto da vítima, como do seu representante, que poderá vir a ser o Ministério Publico, se assim for requisitado, o qual deverá ser ouvido, em caso de renúncia, conforme leitura do artigo supracitado.
Como se percebe, meios jurídicos existem, para efetivação da proteção, bastando para tanto, que o poder Judiciário e todos os operadores do Direito, bem como a sociedade como um tudo, devem não só se sensibilizar, mas ter a ânimo de atribuir aforismo e eficácia aos dispositivos constitucionais existentes, para adaptá-los à realidade.
Nesta ceara, no próximo item subtítulo se procurará estabelecer algumas linhas de raciocínio, ou melhor, alguns traços indutores da melhoria da situação enfrentada pelas mulheres.
3.5 Atendimento interdisciplinar
Fazer um atendimento interdisciplinar as vítimas da violência doméstica, envolve um acolhimento de forma especializada, com diversos profissionais da área, bem como, com a implementação de políticas voltadas a recuperação do trauma sofrido.
Sob esta ótica, o atendimento as vítimas, passa por fazer valer a cidadania por inteiro, sendo necessário garantir que os direitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico sejam respeitados e fiscalizados pelo aparato estatal, pois todos os cidadãos suportam o Estado, e este por sua vez, deve garantir seus direitos individuais.
Além disso, abolir as ideologias patriarcais é imprescindível, mantendo-se a coerência teórica, a redutora substituição de um julgamento por outro, ou seja, um conceito igualitário, onde a diferença sexual, que existe apenas na esfera ontológica orgânica, seja encarada, como um fator envolvente entre os seres sociais, e não mais, imagens diferenciadas de um ser superior e um inferior, pois não se trata de opositores, mas sim de companheiros, construtores de um mesmo ideal.
Esta forma de opressão, vinda de uma hierarquização pelo sexo, deve ser abolida não apenas pelas feministas, mas pela participação daquele indicado como opressor, pois deverá enxergar a opressão e liderar o processo de mudança, recusando-se a oprimir.
Ainda, torna-se imperativo, dar assistência a toda família dos atores do caso, principalmente os filhos, com a preocupação na formação psicológica e moral do ser fundante da sociedade, restabelecendo a segurança, que lhes foi arrancada, e substituída pelo medo, o que acontecerá, quando houver uma relação afetiva e de compreensão, evitando-se assim, que este seja um futuro agressor.
Nesta ceara, será cogente, realizar atividades de extensão, com delegacias da mulher, universidades e demais instituições, na perspectiva de uma interseção entre teoria acadêmica e práxis feminista, que possam operar na transformação profunda da sociedade, formulando estratégias, não de luta, mas de convívio familiar compreensivo, pois é preciso dar um basta de violência.
Nesta linha, entende-se que construir uma vida sem violência é um direito de todas, para isso, o Estado, juntamente com as demais instituições, precisam desenvolver práticas educativas, culturais, das relações econômicas e/ou sexuais, concentrando-se nos mecanismos de transformação e resistência lançado mão pelas mulheres, rompendo barreiras e paradigmas machistas.
As políticas públicas precisam se pautar no desenvolvimento com responsabilidade social, onde questões como saúde da mulher, sindicalismo, participação política, requalificação profissional, inserção da mulher no mercado de trabalho e economia familiar são pertinentes às reflexões, envolvendo a sociedade, de forma urgente e eficaz.
Além disso, a preocupação quanto ao trabalho da mulher, urbana ou rural, deve ter em conta, a exposição aos riscos que possam incidir sobre a sua vida, segurança, saúde e bem estar.
4. Conclusão
De todo o exposto, denota-se que a sociedade evoluiu muito no sentido de proteção efetiva da dignidade da pessoa humana, principalmente no que diz respeito à mulher, pessoa digna de todo respeito.
Neste prisma, a violência doméstica é um problema social, que de forma alguma, deve ficar entre quatro paredes, estimulando a existência de dois mundos, o do lar e o externo a ele, pois se trata de um afrontamento a dignidade da mulher, como ser humano, fere o princípio da igualdade, além disso, é um problema de saúde pública, e deve ser encarado como tal.
Percebe-se, que a violência contra a mulher é um problema bastante complexo que não se resolverá de forma simples. Encontrar soluções representa um enorme desafio para as mulheres em geral e para os demais segmentos da sociedade. Neste assunto, as políticas preventivas são fundamentais.
O combate à violência contra a mulher exige ações integradas em diversos níveis, áreas e instâncias. Não se pode combater a violência sem exigir o fim da impunidade, quanto ao cometimento do crime e não uma separação de homens e mulheres, afinal, um não sobrevive sem o outro.
Além disso, quanto as metodologias interdisciplinares, é cogente que se fomente estabilidade dos órgãos de apoio, para garantir a continuidade das políticas públicas, com auxílio de profissionais habilitados, no tratamento de doenças, como alcoolismo e sintomas do aparelho reprodutor feminino. Na educação faz-se fundamental as discussões sobre a igualdade de gênero e o combate às discriminações.
Enfim, por derradeiro, a luta não pode cessar as mulheres e a sociedade em geral, precisam seguir em frente, contra os preconceitos e tabus, que a colocam numa condição de inferioridade e, dessa forma legitimam a violência, mas o grande foco da sociedade, deve ter, é sem duvida, a educação, a conscientização das pessoas, desde o seu nascimento, pois é nos seus primeiros anos de vida que o ser humano aprende distinguir o certo do errado.
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA – Buenos Aires-Ar.
Bacharel em Direito pela UNIJUÍ – Santa Rosa/RS.
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