Princípio da função social da propriedade e instrumentos de combate à retenção especulativa de imóveis urbanos

Resumo: Com o advento da Constituição Federal de 1988 o direito de propriedade sofreu consideráveis modificações, partindo de uma concepção eminentemente privatista, para uma noção coletiva. A propriedade, hodiernamente, deve ser exercida com observância a sua função socioambiental, sob pena do proprietário sofrer limitações na fruição do seu direito. Outra inovação trazida pela Constituição Federal diz respeito ao direito fundamental à cidade, o qual é decorrência da interpretação sistemática do texto constitucional. Buscando regulamentar os artigos 182 e 183, em 2001 surgiu o Estatuto da Cidade, legislação esta que traz em seu bojo as diretrizes fundamentais da Política Urbana, tendo como principais instrumentos de planejamento o Plano Diretor e o zoneamento ambiental. Tais instrumentos buscam organizar e planejar as cidades, de forma que estas concretizem os princípios da função social da cidade e da função socioambiental da propriedade, conferindo dignidade aos seus cidadãos. Outrossim, diversos são os instrumentos jurídicos que buscam assegurar o direito à cidade sustentável, todavia, a concretização de tais direitos somente será alcançada mediante a construção de uma ética ecológica efetiva na sociedade, bem como com a garantia do real exercício da cidadania pelo povo brasileiro, através da participação do cidadão na gestão de sua cidade.

Palavras-chave: Função socioambiental da propriedade. Direito Fundamental à cidade sustentável. Estatuto da Cidade. Instrumentos da Política Urbana. Ética Ecológica. Cidadania. Gestão Democrática.

Sommario: Con l'avvento della Costituzione Federale di 1988 il diritto di proprietà ha sofferto considerevoli modifiche, partendo di una concezione privatista per una nozione collettiva. La proprietà, adesso, deve essere impiegata rispettando la sua funzione socioambientale, sotto penna del proprietario soffrire limitazioni nel godimento del suo diritto. Un'altra innovazione portata per la Costituzione Federale dice rispetto al diritto fondamentale alla città, che è risultato dell'interpretazione sistematica del testo costituzionale. Cercando di regolamentare gli articoli 182 e 183, in 2001 nasque lo statuto della città, legislazione questa che porta le linee di base della politica della città, avendo come principali strumenti di progetto il prospetto direttore e il zoning ambientale. Tali strumenti cercano organizzare e progettare le città, cosicché queste realizzeno i principi della funzione sociale della città e della funzione socioambientale della proprietà, portando dignità ai suoi cittadini. Perciò, diversi sono gli strumenti giuridici che cercano assicurare il diritto alla città sostenibile, tuttavia, la realizzazione di tali diritti sarà raggiunta soltanto per mezzo della costruzione di un’etica ecologica efficace nella società, così come con la garanzia dell'esercitazione reale della cittadinanza per la gente brasiliana, con la partecipazione del cittadino nell'amministrazione della sua città.

Parole-chiavi: Funzione Sociale e ambientale della proprietà. Diritto alla città sostenibile. Statuto della città. Strumenti della politica delle città. Etica ecologica. Cittadinanza. Amministrazione com democrazia.

Sumário: Introdução. 1. A nova configuração do direito de propriedade em face da Constituição Federal de 1988. 2. O direito fundamental à cidade sustentável. 3. Plano diretor e zoneamento ambiental: instrumentos de planejamento da política urbana. 4. Das limitações impostas ao proprietário pelo descumprimento da função socioambiental da propriedade. 5. Ética ecológica e exercício da cidadania: formas de concretizar a função socioambiental da propriedade. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O processo de redemocratização do Brasil teve como marco a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual é reconhecida como uma das constituições mais democráticas de nossa história.

Ao analisarmos a sua estrutura, verificamos que o adjetivo “constituição cidadã” é extremamente acertado, haja vista que os seus dispositivos são voltados, na sua grande maioria, à promoção da dignidade da pessoa humana, princípio este erigido à categoria de princípio fundamental, bem como fundamento do nosso Estado Democrático de Direito.

No campo do direito urbano-ambiental, o legislador constituinte dedicou especial atenção ao tema, elaborando dois capítulos destinados a tratar da política urbana (artigos 182 e 183) e do meio ambiente (artigo 225), matérias estas posteriormente regulamentadas pelas Leis n° 10.257/01 e n° 6.938/81, respectivamente.

A partir da reflexão acerca dos diplomas legiferantes acima referidos, fica evidente a opção do legislador no sentido de garantir ao cidadão, desta e das próximas gerações, o direito a habitar em um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, usufruindo de uma moradia digna.

Outrossim, buscando viabilizar tal intuito, o legislador verificou que a forma como até então era entendido o direito de propriedade inviabilizava a consecução de tal objetivo, tendo em vista que outrora era impossibilitado ao poder público interferir na esfera privada no sentido de conferir outras diretrizes à propriedade privada.

De tal sorte, o legislador modificou as diretrizes orientadoras do direito de propriedade, passando a obrigar o proprietário a respeitar a função socioambiental da propriedade, sob pena de sofrer limitações à fruição de seu direito.

Da análise do cenário exposto, nasceu o tema objeto do presente estudo, o qual objetiva traçar um esboço de como deve ser entendido o direito de propriedade hodiernamente, tendo em vista, principalmente, a sua função socioambiental.

Para tanto, discorreremos acerca do direito de propriedade e sua nova configuração frente à Constituição Federal de 1988, para, após, analisarmos o surgimento do direito fundamental à cidade sustentável.

Nesta linha de apreciação, partiremos rumo à análise da importância da utilização dos instrumentos de planejamento da política urbana para a adequada formatação e utilização das nossas cidades. Destacaremos, ainda, algumas das limitações que podem ser impostas pelo Poder Público ao proprietário em decorrência do descumprimento da função socioambiental da propriedade.

Concluiremos nosso estudo destacando a relevância da criação de uma ética ecológica efetiva na sociedade, bem como do exercício da gestão democrática da cidade pelos seus moradores como formas de tornar-se possível a concretização da função socioambiental da propriedade.

1. A NOVA CONFIGURAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Visando adequar-se aos novos direitos tutelados pelo ordenamento jurídico, o direito de propriedade vem sofrendo profundas alterações. Com o advento da Constituição Federal de 1988, novos contornos à forma de entender a propriedade privada foram traçados, de sorte que, se antes o proprietário era o dominus soli, o qual possuía a faculdade de usar ou não a sua propriedade ao seu bel prazer, hodiernamente essa noção deve ser relativizada, uma vez que a propriedade possui um caráter difuso, devendo atender aos interesses da coletividade como um todo.[1]

Assim, a propriedade privada, que até então era considerada absoluta e ilimitada, tornou-se incompatível com a nova configuração dos direitos de ordem pública, os quais passaram a limitá-la no interesse da coletividade, incorporando valores sociais e ambientais ao seu uso.

O direito de propriedade deixou de ser medido exclusivamente a partir do ponto de vista do proprietário, passando a ser delineado conforme os interesses da coletividade. Conseqüentemente, a justa aplicação do direito de propriedade depende do ponto de equilíbrio entre interesse coletivo e individual. Neste sentido, é interessante a reflexão trazida por Liana Mattos (2000, p. 57), in verbis: “O instituto da propriedade sofreu profundas alterações ao longo dos diferentes paradigmas de sociedade e, num segundo momento, de Estado, pelos quais passou a humanidade. A linha de evolução da propriedade privada tem início numa forma coletiva de uso para, depois, reverter essa tendência primeva no sentido de uma individualização levada a níveis extremos em determinados momentos. Hodiernamente, a propriedade privada vem recebendo ingerências de ordem pública cada vez mais freqüentes, o que já se traduz numa tendência da propriedade para adquirir, de modo crescente, contornos cada vez mais coletivos.”

De tal sorte, a propriedade privada, tanto a urbana quanto a rural, é garantida desde que atenda a sua função social, devendo estar vinculada às suas finalidades, “o que significa que deve assegurar a todos existência digna, conforme os ditames de uma justiça social efetivamente isonômica” (LEAL, 1998, p. 120).

Ou seja, a função social da propriedade constitui um direito coletivo a que corresponde um dever individual do proprietário de dar ao bem um destino útil para a sociedade. Ela coexiste com o direito individual de propriedade, a que corresponde o dever coletivo de respeitar o uso do bem pelo seu titular. Assim, somente será legítima a propriedade que atender aos fins coletivos; a propriedade individual, voltada exclusivamente para os interesses individuais do proprietário, não é mais concebida diante da ordem jurídica vigente.

Por conseguinte, a noção de propriedade privada e de direito fundamental à propriedade está condicionada ao pleno exercício da função social da propriedade. Cumpre destacar que tal princípio, ao se relacionar diretamente com o direito fundamental à propriedade por impor determinados comportamentos aos detentores desta, possui, assim como este, status de direito fundamental. Ademais, passa a ser princípio que rege a ordem econômica e, ao lado da função social da cidade, é a base normativa onde deve repousar toda a política urbana.

Do exposto, figura inequívoco que o direito de propriedade urbana já nasce limitado[2] por uma função social que visa a “desenvolver as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, segundo um planejamento urbano que defina os índices urbanísticos aplicáveis a cada terreno” (PINTO, 2005, p. 215), razão pela qual, é possível afirmar que o princípio da função social da propriedade é o princípio vetor do direito urbanístico brasileiro, o qual justifica as limitações à propriedade imobiliária urbana.

Aliado ao princípio da função social da propriedade, o constituinte de 88 trouxe como inovação o princípio da função ambiental da propriedade, segundo o qual o direito de propriedade deve ser exercido atendendo aos requisitos de proteção ao meio ambiente, motivo pelo qual a atividade do proprietário imobiliário configura-se como direito-dever em favor da sociedade, titular do direito difuso do meio ambiente. [3]

Na atual ordem jurídica, a função socioambiental da propriedade, além de permitir ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente, também impõe comportamentos positivos para que a propriedade se adapte à preservação do meio ambiente, mediante o seu racional e adequado aproveitamento, o que inclui a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação da biota.

Desta forma, a propriedade apenas cumprirá sua função socioambiental quando também estiver em consonância com o disposto no art. 225 da Constituição. Daí porque o direito de propriedade deve ser exercitado em conformidade com as suas finalidades econômicas e sociais, e de modo que sejam preservados, nos termos do estabelecido em lei, a flora, fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e a proteção ao patrimônio histórico e artístico, evitando-se, sempre, a poluição do ar e da água, o que se aplica plenamente às propriedades situadas nas zonas urbanas.[4]

2. O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE SUSTENTÁVEL.

Buscando realizar uma interpretação sistemática das normas contidas em nosso texto constitucional, resta viável deduzir que o constituinte originário, além das novas diretrizes estabelecidas referente à função socioambiental da propriedade, buscou garantir aos cidadãos o direito fundamental à cidade[5]. Tal interpretação é deduzida da simbiose das diretrizes vinculadas à política urbana e ao meio ambiente, ventiladas, respectivamente, nos artigos 182-183 e 225 da CF, aliado ao direito social à moradia, preconizado no art. 6º da CF, e à gestão democrática decorrente do Estado Democrático de Direito, expressamente previsto no art. 1º da CF.

Assim, a cidade, a partir da nova ordem constitucional estabelecida pela Magna Carta de 1988, passou a ter uma dimensão constitucional, e o direito à cidade, considerada a ordem urbanística, visualiza toda a pluralidade que carrega em seu bojo.

Em linhas gerais, o direito à cidade preconiza a proteção dos direitos inerentes às pessoas que habitam nas cidades de gozarem de uma vida urbana digna, exercitando plenamente a cidadania – mediante a participação na gestão da cidade; os direitos humanos – aí abrangidos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais; bem como o direito a viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável.

Outrossim, partindo das diretrizes fixadas nos artigos 182 e 183 da CF, adveio a Lei Federal 10.257/01, também conhecida como Estatuto da Cidade, a qual objetiva estabelecer os pilares sobre os quais deve se estruturar a Política Urbana, conciliando regras de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana para garantir o bem coletivo, a segurança, o bem-estar das pessoas e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Desta sorte, estabelece o Estatuto da Cidade que configuram diretrizes da política urbana, entre outras, (a) a garantia do direito a cidades sustentáveis, o que inclui o direito ao saneamento ambiental; (b) o planejamento das cidades de modo a evitar e corrigir distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; (c) a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e degradação ambiental; (d) a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; e, finalmente, como forma de participação da sociedade, (e) a audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população.

Constata-se, portanto, que o Estatuto da Cidade possui uma incessante preocupação com a preservação do meio ambiente, uma vez que diversos instrumentos de proteção são postos pelo citado plexo normativo e devem ser aplicados pelo Administrador Público, sob pena de cometimento de ilegalidades, que podem ensejar em responsabilização civil, penal e administrativa pelo descumprimento.

Por conseguinte, a mencionada lei redefine, em seus artigos, a função socioambiental da propriedade, outorgando-lhe contornos firmes, e cria instrumentos que possibilitam uma intervenção mais concreta e efetiva do Poder Público no desenvolvimento urbano. Percebe-se, assim, que o Estatuto da Cidade tem contribuído para a caracterização e efetivação da função social e ambiental da propriedade urbana, uma vez que regula o uso da propriedade em prol do equilíbrio ambiental e da garantia às cidades sustentáveis.

Neste diapasão, estabelece o artigo 2º, I do Estatuto da Cidade[6] a garantia do direito a cidades sustentáveis como uma das diretrizes gerais da política urbana, compreendendo-se no conceito de cidades sustentáveis como sendo aquelas que garantem direitos mínimos aos seus cidadãos. Analisando tal conceito, Nelson Saule Junior (2004, p. 246) refere: “A cidade atende sua função social quando suas atividades e funções geram como resultado a redução das desigualdades sociais, a erradicação da pobreza, a promoção da justiça social e a melhoria da qualidade de vida urbana, de modo que todos tenham condições e oportunidades de acesso à moradia, aos equipamentos e serviços urbanos, ao transporte público, ao saneamento ambiental, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, que são os componentes inerentes ao direito a cidades sustentáveis.”

De tal sorte, no Estado Socioambiental Democrático de Direito, cidade sustentável é uma cidade democrática, na qual se garanta o direito para as futuras gerações, mediante “a adoção dos princípios da precaução e da prevenção como elementos informadores das políticas públicas, em especial da urbano-ambiental” (PRESTES, 2009, p. 88).

Outrossim, interessante analisarmos a questão da abrangência do conceito de cidade, tendo em vista a necessidade de limitarmos territorialmente a amplitude que as diretrizes de planejamento, exigidas do legislador infraconstitucional, devem ganhar.

Em que pese a orientação de alguns doutrinadores no sentido de fragmentar o estudo do direito urbanístico, excluindo de sua regulamentação as matérias vinculadas às áreas rurais[7], prepondera o entendimento de que o direito urbanístico não pode estar alheio ao aspecto rural dos territórios, devendo prevalecer uma visão integrada da cidade[8], conforme preconizado no artigo 40, § 2º do Estatuto da Cidade[9].

O Estatuto da Cidade define a abrangência territorial do Plano Diretor de forma a contemplar as zonas rurais com respaldo no texto constitucional. A política urbana, de acordo com a diretriz prevista no inciso VII do artigo 2º do Estatuto da Cidade deve promover a integração e a complementaridade entre atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência.

A Constituição, ao prescrever que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, não diferenciou os habitantes situados na zona rural dos que estão situados na zona urbana. A realidade das cidades demonstra, cada vez mais, a ligação entre as atividades promovidas na zona rural e as atividades realizadas na zona urbana.

De tal sorte, hodiernamente a dicotomia “Cidade X Campo” ou “Urbano X Rural” está superada principalmente em virtude da complexidade do modo de viver atual, motivo pelo qual o Município, para promover a política de desenvolvimento urbano, deve possuir um Plano Diretor com normas voltadas a abranger a totalidade de sua população e, por conseguinte, de seu território, compreendendo tanto a área urbana, quanto a rural, sob pena do Plano Diretor que se restringir apenas à zona urbana e de expansão urbana padecer, segundo o entendimento de Nelson Saule Junior (2004, p. 256-257), de vício constitucional.

3. PLANO DIRETOR E ZONEAMENTO AMBIENTAL: INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO DA POLÍTICA URBANA.

Seguindo a linha de raciocínio até agora esposada, é interessante destacar a relevância do Plano Diretor para os municípios, tendo em vista que este se constitui no instrumento básico da política urbana da cidade. Tal política tem como propósito a ordenação do pleno desenvolvimento da função socioambiental da propriedade e da função social da cidade, garantindo as necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento das atividades econômicas, atendidas as diretrizes gerais fixadas no Estatuto da Cidade.

Por conseguinte, o Plano Diretor deve estabelecer imperativamente as ações e diretrizes para a aplicação das políticas públicas de desenvolvimento urbano, as quais devem estar em consonância com os princípios constitucionais e com as diretrizes do Estatuto da Cidade, o que atesta que “a função social da propriedade urbana, juntamente com a função social da cidade caracteriza-se como princípio norteador do Plano Diretor quando de sua aplicação” (PAGANI, 2009, p. 66-67).

Assim, percebe-se que o Plano Diretor possui a missão de estabelecer, como normas imperativas aos particulares e agentes privados, as metas e diretrizes da política urbana, os critérios para verificar se a propriedade atende à sua função social, as normas condicionadoras do exercício desse direito, a fim de alcançar os objetivos da política urbana de garantir as condições dignas de vida urbana, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o cumprimento da função socioambiental da propriedade. Em outras palavras, compete ao Plano Diretor sistematizar o desenvolvimento físico, econômico e social do território municipal, assegurando o bem-estar da comunidade local.

Cumpre destacar que os planos devem definir uma afetação para cada região da cidade, mediante a delimitação de zonas e o estabelecimento dos usos permitidos e de índices quantitativos a serem respeitados por qualquer edificação que nelas se construa. Estes índices variam no tempo e no espaço, tendo em vista, respectivamente, que periodicamente o plano diretor deve ser alterado para garantir o seu ajuste com o dinamismo da cidade, e que a definição dos índices dependerá da localização do imóvel, localização esta definida conforme a zona em que este se situa (PINTO, 2005, p. 211).

Questão importantíssima para a compreensão do papel do plano diretor no sistema de planejamento urbano diz respeito ao fato de que o Plano Diretor se constitui em pré-requisito para a realização de obras públicas e para o parcelamento do solo urbano, ou seja, o parcelamento só poderá ocorrer nas áreas urbanas e de expansão urbana, segundo os usos e índices definidos pelo plano.

Por via de consequência, o plano diretor não deve se limitar a fixar diretrizes gerais, a serem posteriormente traduzidas em leis urbanísticas, mas deve estabelecer concretamente a ordenação do território urbano, reunindo exclusivamente os elementos necessários para defini-la.

Além do Plano Diretor, o Estatuto da Cidade introduziu, em seu capítulo II, outros instrumentos da política urbana, dentre os quais ressaltamos pela sua relevância, como instrumento de planejamento, o zoneamento ambiental, previsto no artigo 4º, III, “b”, o qual deve ser utilizado para todo o território e não somente na área urbana ou de expansão urbana.

O zoneamento, definido por José Afonso da Silva (2008, p. 78) como “procedimento urbanístico destinado a fixar as diversas áreas para exercício das funções urbanas elementares”, integra o conceito de planos urbanísticos. Com efeito, hodiernamente é possível cogitar a implantação de um sistema de planos estruturais, tendo em vista que o zoneamento fundamenta a construção de um sistema de planos urbanísticos hierarquicamente vinculados, de modo que os de nível superior sirvam de normas gerais e diretrizes para os inferiores, enquanto estes concretizem, no plano prático e efetivo, as transformações da realidade urbana, em vista de objetivos predeterminados.

Assim, tem-se que o zoneamento, em sentido abrangente, pode ser compreendido como a repartição do território municipal considerada a destinação da terra, o uso do solo e as características arquitetônicas do município, tendo também como objeto de interesse a determinação das áreas de proteção ambiental.

Percebe-se, assim, que tanto o Plano Diretor, norma geral para efetivação de uma Política Urbana adequada, quanto o zoneamento, norma especifica e com maior poder de concreção, servirão à tutela do meio ambiente urbano, natural e construído.

É interessante destacar, ainda, que as matérias reservadas ao plano diretor não podem ser delegadas, direta ou indiretamente, a outros instrumentos. Assim, a indicação dos temas a serem tratados em cada instrumento é feita pela Constituição e pelas normas de direito urbanístico, de competência da União e dos Estados, não competindo ao plano diretor definir os instrumentos de seu detalhamento, mas tão somente tratar diretamente dos assuntos que lhe são atribuídos, na forma determinada pelas leis (PINTO, 2005, p. 223).

4. DAS LIMITAÇÕES IMPOSTAS AO PROPRIETÁRIO PELO DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE.

Da análise do até agora exposto, percebe-se, como muito bem destaca Moreira Neto (1991, p. 332), que “a liberdade, no caso do proprietário de um imóvel urbano, não esta mais em parcelá-lo ou construí-lo a seu alvedrio, mas em ser ou não proprietário.” Considerando as previsões constantes no Plano Diretor de cada município, a propriedade privada deve se sujeitar à política urbana estabelecida na localidade, de sorte que o imóvel, principalmente o urbano, deixa de ser uma mercadoria, passível de ser estocada para fins de especulação, passando a ser um bem individual de expressão social, cujos contornos econômicos estão vinculados às definições restritivas de interesse público específico local.

Assim, conforme previsão expressa constante no artigo 182, § 4º da Constituição Federal, o município está autorizado a atuar, tendo como base as indicações constantes no Plano Diretor das áreas do perímetro urbano onde poderão ser utilizadas as medidas de exigência do parcelamento[10], da edificação e da utilização compulsórios, mediante prévia notificação, imposição de alíquotas progressivas de Imposto Predial e Territorial Urbano e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, quando verificada a não edificação, a subutilização e a não utilização de imóveis urbanos, buscando a otimizar o uso da infraestrutura urbana e evitar a especulação imobiliária nos centros urbanos.

Tal possibilidade foi propiciada ao município pelo constituinte considerando a nova diretriz traçada pelo plano constitucional no sentido de que a propriedade urbana deve cumprir a sua função socioambeital e por isso os imóveis devem ser adequadamente aproveitados.[11] O cumprimento da função socioambiental da propriedade, observadas as disposições constantes no Plano Diretor, é uma das formas que visa a ordenar o pleno desenvolvimento da função social da cidade, para garantir o bem-estar de seus habitantes.

Verifica-se, por via de consequência, que tais limitações configuram-se em medidas estatais interventivas de promoção do interesse público, por meio da regulamentação do exercício do direito de propriedade, em conformidade com o princípio da função social da propriedade.

Corroborando com esta diretriz de induzir o proprietário a utilizar adequadamente o seu imóvel, a Constituição traz, em seu artigo 184, previsão similar para os imóveis rurais, estabelecendo que o descumprimento da função socioambiental da propriedade rural poderá ensejar a desapropriação por interesse social para reforma agrária pela União Federal.

Além das disposições constantes na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, diversas outras leis infraconstitucionais possuem como objeto a garantia da preservação da ordem urbano-ambiental, sobretudo na esfera municipal, tais como os planos diretores, as leis de zoneamento, as leis de uso e ocupação do solo, as leis de parcelamento, as leis de regularização fundiária, as leis de proteção do patrimônio histórico-cultural e as leis de proteção do patrimônio ambiental.

Na ceara do Estatuto da Cidade verificamos a existência dos mecanismos de planejamento municipal já referidos, a saber, plano diretor, zoneamento ambiental, institutos jurídicos (v.g., tombamento de imóveis e unidades de conservação), dentre outros, os quais buscam garantir a organização da cidade, observando a ordenação e o controle do uso do solo, para evitar a poluição e a degradação ambiental, de sorte a garantir a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

Verificamos, ainda, disposição referente à obrigatoriedade de audiência do Poder Público municipal e da população nos procedimentos sobre obras ou atividades que possam causar impactos ao meio ambiente natural ou construído, ao bem-estar ou à segurança das pessoas.

Ademais, estabelece o referido diploma legislativo a exigência de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana, que guardem compatibilidade com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica, tanto do Município quanto do território por aquele influenciado.

Da análise do exposto, verifica-se incontestável o desiderato do legislador pátrio no sentido de estabelecer mecanismos assecuratórios do direito dos cidadãos a viver em um ambiente com excelência, concretizando o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

5. ÉTICA ECOLÓGICA E EXERCÍCIO DA CIDADANIA: FORMAS DE CONCRETIZAR A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE.

Ao projetar o cidadão habitante do país pós-Constituição Federal, o constituinte de 88 vislumbrou um indivíduo, titular de direitos e garantias fundamentais, habitante de uma cidade sustentável, administrada sob a égide da gestão democrática, o qual se utiliza do seu direito de propriedade de forma a concretizá-la em total conformidade com os ditames da função socioambiental da propriedade.

Nesse sentido, diversas normas infraconstitucionais foram editadas no decorrer dos anos buscando disponibilizar ao cidadão instrumentos jurídicos que viabilizem a proteção do meio ambiente natural e construído, bem como a concretização do direito fundamental à cidade sustentável.

Com a relativização do conceito de propriedade, o proprietário que não assegure a correta utilização de seu imóvel poderá vir a ser compelido a fazê-lo, haja vista os inúmeros institutos jurídicos que podem ser acionados pelo Poder Público nesse sentido.

Ocorre que, não obstante as relevantes disposições normativas no sentido de preservar o meio ambiente e as cidades de uma forma geral, faz-se necessária, conforme pondera Carlos Alberto Molinaro (2007, p. 117), a “emergência de uma ética ecológica efetiva”, a qual busque “corrigir o estilo de vida que levamos, construído através de critérios de desenvolvimento preponderantemente tecnológico-industrial; critérios que têm sido a causa de graves desastres para o ser humano e a natureza.”

No entendimento do referido doutrinador, entendimento este com o qual a autora corrobora, “a solução está em que um novo direito socioambiental esteja fortemente ancorado nesta ética ecológica, tendo como referente nuclear o dever e a obrigação de servir a nós mesmos, neste ‘lugar de encontro’, servindo, por consequência, à natureza, com uma metodologia de ação social eminentemente preventiva, preservativa e restaurativa do meio em que vivemos.”

Outro aspecto que destacamos de significativa relevância para a concretização das normas que buscam assegurar a proteção do meio ambiente, bem como a concretização da função socioambiental da propriedade, diz respeito à urgência de que seja desenvolvido um novo marco político-jurídico que viabilize a gestão urbano-ambiental.

Na esteira do defendido por Edésio Fernandes (2000, p. 39-40), emerge como vital a criação de uma esfera pública efetiva no processo político de gestão urbana, na qual sejam garantidos aos cidadãos mecanismos que assegurem formas diferenciadas e concretas de participação direta na gestão urbana. Preleciona o mencionado autor: “Um novo pacto social urbano requer que tais novas formas de participação popular sejam incorporadas no processo legislativo, na administração executiva e na resolução judicial de conflitos, em suma, no processo de governança urbana. […] A participação popular na administração executiva, seja na elaboração e definição de orçamentos ou através do trabalho em comitês, comissões etc., pode contribuir para a criação de melhores condições de acesso à terra e à moradia e para a promoção de políticas sociais e ambientais. […] Por fim, a participação popular na esfera de ação do poder judiciário tem de ser urgentemente ampliada. Uma ampla revisão da estrutura do judiciário tem de se basear na criação de novos canais processuais que garantam acesso individual e coletivo aos tribunais para o reconhecimento efetivo dos novos direitos sociais e coletivos que têm sido cada vez mais reconhecidos por convenções internacionais, constituições nacionais e legislações ordinárias, inclusive o direito de moradia e de segurança da posse.”

De tal sorte, somente o exercício efetivo da cidadania pelo povo brasileiro é que viabilizará a concretização das diretrizes traçadas pela Constituição Federal de 1988, a qual traz em seu bojo os fundamentos básicos para a criação de uma esfera pública que não seja reduzida à ação estatal.

A partir do momento em que a população demonstrar as suas necessidades e tiver maior possibilidade de influenciar concretamente nas decisões tomadas pelo poder público, as cidades brasileiras tornar-se-ão efetivamente sustentáveis e serão palco da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

CONCLUSÃO

Morar dignamente consiste em uma das maiores aspirações, assim como num dos mais relevantes direitos assegurados ao ser humano. Considerando o significativo índice de pobreza existente em nosso país, a intervenção do Poder Público, criando mecanismos que viabilizem tal direito, torna-se indispensável.

Neste diapasão, consideramos louvável a intervenção do legislador no sentido de criar mecanismos que autorizem o Poder Público a coagir os proprietários a conferir uma adequada utilização para o seu patrimônio.

Entendemos que, com o estabelecimento de tais limitações, o Poder Público visa a, em última análise, conferir efetividade ao princípio da função socioambiental da propriedade e ao princípio da função social da cidade, de modo que é vedado ao proprietário reter sua propriedade de forma a aumentar o seu patrimônio, sem lhe dar a devida finalidade.

Ao integrarmos uma sociedade que objetiva ser justa e solidária, necessário se faz pensar coletivamente, verificando-se indispensável a atuação do Poder Público no sentido de regulamentar as Políticas Públicas concretizadoras dos objetivos fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito.

O proprietário, hoje, deve pensar coletivamente, sendo-lhe inviabilizada a retenção especulativa de seus imóveis.

 

Referências
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SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008.
Notas
[1] Pertinente a referência feita por Ricardo Pereira Lira nesta questão: “Já se viu que, no ordenamento atual brasileiro, o não uso é uma faculdade do dominus soli, constituindo esse fato um dos fatores que ensejam a prática especulativa nos grandes centros urbanos. Em área previamente definidas em lei municipal, baseada em plano de uso do solo, o não uso pode deixar de ser uma faculdade desse dominus. Nas condições definidas no projeto de lei, o proprietário pode ser notificado para utilização do seu imóvel (inclusive parcelamento ou edificação) nos termos do plano, fundado em lei, sob pena de poder ocorrer a desapropriação do terreno do Município, com a possibilidade de aliená-lo a terceiro, que se comprometerá a utilizar o solo na conformidade do plano. Trata-se da possibilidade da criação da propriedade urbanística acompanhada de uma obrigação propter rem, consistente na obrigação de fazer (parcelar, edificar ou utilizar) sobre o solo, nos termos da lei municipal, baseada em plano de uso do solo.” In: LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 167.
[2] Conforme ensina Liana Portilho Mattos: “Por meio da função social da propriedade, o direito de propriedade não pode mais ser considerado como preexistente a uma legislação urbanística que venha a regular seu exercício. Ao contrário, a legislação urbanística é que precede esse direito, tratando de especificar as condições para que ele seja legítimo ou não, ou seja, estabelecendo requisitos para seu reconhecimento. Nesse sentido, José Afonso da Silva afirma ser o princípio da função social um princípio de transformação da propriedade capitalista, sem, todavia, socializá-la, condicionando-a como um todo.” In: Liana Portilho Mattos. Limitações Urbanísticas à propriedade. In: FERNANDES, Edésio (org.) Direito Urbanístico e política urbana no Brasil. p. 63.
[3] Interessante os ensinamentos de Carlos Alberto Molinaro nesta questão: “Num Estado Socioambiental e Democrático de Direito, o princípio nuclear tem sede no direito fundamental à vida e a manutenção das bases que a sustentam, o que só se pode dar num ambiente equilibrado e saudável, onde vai concretizar-se, em sua plenitude, a dignidade humana; ademais, um tipo de Estado com esta característica está comprometido com o privilegiar a existência de um “mínimo ecológico”, pois tem a obrigação de proteção à posteridade.” In: MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 104.
[4] Neste particular, Carlos Alberto Molinaro preleciona: “Impende ainda, na seara dos direitos fundamentais ambientais, especialmente pensando-se na proteção do mínimo existencial, sua “essencialidade”, identificar que o princípio de proibição da retrogradação socioambiental, por ser uma norma implícita ao Estado Socioambiental e Democrático de Direito, não está submetido ao denominado princípio da reserva do possível, tampouco ao princípio da reserva parlamentar orçamentária. Com efeito, o princípio de proibição da retrogradação socioambiental inaugura o desvelar de outro princípio, o da “reserva da reserva do possível”, isto é, não há possibilidade, sob pena de negar-se a qualidade do Estado-Socioambiental, alegar a carência de recursos materiais e humanos para concretizar a vedação da degradação ambiental. A eventual dependência de disponibilidade destes recursos deverá ser solvida por uma ordem de prioridade nas políticas econômico-financeiras do Estado.” In: MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. p. 112-113.
[5] Esclarecendo a adoção de tal conceito, cita-se o ensinamento de Ingo Wolfgang Sarlet, in verbis: “Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).” In: Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, 10 ed., p. 77.
[6] Nesse sentido, Nelson Saule Junior ensina: “O Estatuto da Cidade define o direito a cidades sustentáveis como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Das funções sociais da cidade são colhidos os demais elementos essenciais de satisfação do direito a cidades sustentáveis como o desenvolvimento das cidades sustentáveis e a gestão democrática da cidade, que são interesses difusos dos habitantes da cidade.” In: SAULE Jr., Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2004, p. 242.
[7] Conforme destaca Vanêsca Prestes: “Há um limite da legislação urbanística para todo o território, decorrente da legislação agrária, por ser tratada em capítulos distintos da ordem econômica política urbana e política agrária. É preciso, porém, algum cuidado com as simplificações. A Constituição isola, em capítulos separados, a política urbana (arts. 182-183) e a política fundiária (arts. 184-191), esta última ligada ao problema social da distribuição das terras (reforma agrária) e de sua exploração econômica. Assim, o direito agrário é efetivamente um limite do direito urbanístico, pois a cultura urbana não pode tomar para si definições que são próprias da política fundiária (agrária).” In: __________. Direito Urbanístico. p. 28.
[8] Neste sentido, ver: SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal 10.257/01. DALLARI, Adilson Abreu, FERRAZ, Sérgio (orgs.). São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
[9] “Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.” § 2º O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.”
[10] Conforme ensina Vanêsca Buzelato, o parcelamento do solo é gênero, sendo espécies deste o desmembramento e o loteamento. Trata-se de instituto aplicável nas zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, cuja delimitação deve constar nos planos diretores dos respectivos municípios, aos quais estão subordinados. O parcelamento do solo previsto na Lei Federal 6766/79 não é aplicável às áreas rurais, haja vista que foi concebido para regiões da cidade que estão planejadas para o desempenho de funções urbanas (adensamento, extensão viárias, infra-estrutura de serviços, entre outros). In: PRESTES, Vanêsca Buzelato; VIZOTTO, Andréa Teichmann. Direito Urbanístico. p. 46.
[11] Fazendo referência aos mecanismos expressos no art. 182, § 4º da CF/88, Nelson Saule Jr. refere: “Estes instrumentos devem ser considerados como instrumentos de indução dos terrenos vazios ou subutilizados, localizados em áreas dotadas de infra-estrutura e equipamentos, para a urbanização e ocupação prioritária destas áreas, evitando a pressão de expansão da área urbana e o impacto negativo ao meio ambiente. Os instrumentos adotados pelo texto constitucional têm por característica obrigar o proprietário a um comportamento positivo de promover uma destinação concreta para a sua propriedade. São mecanismos destinados a impedir e inibir o processo de especulação imobiliária nas cidades, conferindo aos imóveis urbanos ociosos uma destinação voltada a beneficiar a coletividade. Na falta dessa destinação, o Poder Público municipal está constitucionalmente capacitado para atuar com o objetivo de tornar social a função da propriedade urbana.” In: SAULE Jr., Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. p. 271-272.

Informações Sobre o Autor

Charlene Cortes dos Santos

Mestranda em Direito de Família e Sucessões pela UFRGS Advogada e Consultora Imobiliária. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/RS 2004 pós-graduação em Direito Público pela PUC/RS 2011 e pela Escola Superior Verbo Jurídico 2008


Equipe Âmbito Jurídico

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