Rosimeire de Oliveira Brezovsky[1].
Orientador: Haruo Mizusaki[2].
Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso tem como principal objetivo a análise da incidência do Princípio da Insignificância nos julgamentos dos crimes praticados contra a Administração Pública. Abordando o contexto histórico do referido princípio e suas raízes no direito romano, em que vigorava a máxima contida no brocardo minima non curat praetor, tratando da intervenção do Estado na esfera de direitos dos cidadãos por meio do Direito Penal, que deve ser sempre a mínima possível (ultima ratio), para que não se torne demasiadamente desproporcional e desnecessária, diante de uma conduta incapaz de gerar lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado. A discussão perpassa pela problemática acerca dos entendimentos divergentes entre as Cortes Pátrias, visando compreender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não há um entendimento pacífico sobre a aplicação desse princípio nos crimes contra a administração pública.
Palavras-chave: Direito Penal; Princípio da insignificância; Administração Pública.
The Insignificance Principle In The Crimes Against The Public Administration
Abstract: This undergraduate thesis has as its main objective the analysis of the incidence of the Insignificance Principle in the judgments of crimes practiced against the Public Administration. Bringing up the historical context of the referred principle and its roots in the Roman law, in which prevailed the maximum in the brocade minima non curat praetor, referring to the State intervention in the citizen’s rights sphere through the Criminal Law, that always have to be as minimum as possible (ultima ratio), so it doesn’t become very disproportionate and unnecessary, before a conduct that is incapable of harming or threatening the juridical asset protected. The discussion runs through the problematic about the different understandings between the homeland Courts, aiming to comprehend the positioning of the Federal Supreme Court and the Justice Superior Court, once there is not a pacific understanding about the application of this principle in the crimes against the public administration.
Keywords: Criminal Law; Insignificance Principle; Public Administration.
Sumário: Introdução – 1. Princípio da Insignificância: Origem e Conceito; 2. Critérios Objetivos e Subjetivos; 3. Natureza Jurídica e sua Consequência no Tipo Penal; 4. A Incidência do Princípio da Insignificância nos Crimes Contra Administração Pública; 5. Entendimento do Superior Tribunal De Justiça; 6. Entendimento do Supremo Tribunal Federal – Conclusão – Referências.
Introdução
Conviver em sociedade exige-se dos homens uma série de normas de condutas por meio do Estado que procuram assegurar uma convivência harmônica entre as pessoas, regulando as suas ações, estabelecendo o que é lícito e ilícito, o desejado do indesejado. O Estado na verdade realiza o que se denomina de controle social por meio das leis, embora essas não sejam as únicas e nem são consideradas as melhores formas, embora as mais objetivas, eficientes, democráticas e destinadas a todos.
Assim é o Direito Penal que vem tutelar os bens jurídicos eleitos pela sociedade como os de maior relevância na sociedade ditos fundamentais. Porém, quando observamos o caso concreto é possível perceber que a aplicação literal da lei penal pode gerar casos conflitantes com a razoabilidade, equiparando as condutas que causam lesões de diferentes graus e tipificando-as de forma idêntica, não existindo proporcionalidade entre a conduta ou o dano causado com a pena cominada.
O presente trabalho tem por objetivo compreender a incidência do Princípio da Insignificância nos julgamentos dos crimes praticados contra a Administração Pública. Analisando a consequência gerada em razão da utilização do Princípio da insignificância frente ao conceito analítico de crime, e a possibilidade de ser aplicado na esfera pública.
Será abordado o contexto histórico do referido princípio que deitam suas raízes no Direito Romano com a máxima contida no brocardo minima non curat praetor. Também tecer-se-á sua aplicabilidade concreta no ordenamento jurídico brasileiro, ante a inexistência de disposição legal expressa, seja constitucional ou infraconstitucional, concentrado em princípios humanitários e nos princípios gerais de direito e fontes do Direito Penal, em última análise.
Além disso, serão especificadas as condutas que podem ser passivas de exclusão da tipicidade ainda que tais fatos sejam formalmente típicos, por aplicação do princípio da insignificância, que vem sendo constantemente aplicado pelos tribunais, considerando tais condutas materialmente atípica, apesar de prevista na lei penal, pois não possui lesividade suficiente (ou de mínima lesividade) para atingir o bem jurídico tutelado pela norma.
Por conseguinte, os citados crimes contra a Administração Pública estão previstos no Título XI do Código Penal, que destinam a punição de funcionários públicos e particulares que vierem a praticar condutas que afetem o regular funcionamento da administração pública em geral.
Desta forma, esclarecer e expor as condições sobre interpretação e posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, quanto à aplicação do princípio da insignificância perante os crimes contra a administração pública, visto a dificuldade de interpretação de cada caso são os objetivos deste trabalho.
1 Principio da Insignificância: Origem e Conceito
Persistem algumas discordâncias doutrinárias quanto à origem do princípio da insignificância pois não se sabe, ao certo, em que momento da história foi utilizado pela primeira vez. Alguns estudiosos atribuem a sua origem ao Direito Romano Antigo, a partir do brocardo de origem latina “minima non curat praetor”; outros afirmam que quem primeiro sugeriu a utilização desse princípio no Direito Penal foi o Claus Roxin, na Alemanha.
O princípio teve seu surgimento segundo Cezar Roberto Bintencourt (2019, p.64) “o princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Pena, partindo do velho adágio latino mínima non curat praetor.”
Devido à crise social vivida na Europa após as duas grandes guerras mundiais que gerou desemprego em massa, falta de alimentos e aumento da criminalidade, surgiu daí a ideia de delito bagatela ou crimes de pequena lesividade.
Nesse sentido, Luiz Regis Prado pontua:
De acordo com o princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin e relacionado com o axioma minima non curat praeter, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância ou quando afete infimamente a um bem jurídico-penal (2019, p.114).
Esse princípio foi incorporado ao Direito Penal somente na década de 1970, e é também conhecido como criminalidade de bagatela; veda a atuação penal do Estado se a conduta não lesiona e nem coloca em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal.
Assim, desde a antiguidade tinha se a percepção de que o Direito Penal não deve se ocupar com questões irrelevantes, reservando-se as questões mais importantes da vida em sociedade. Desse modo, evita-se a aplicação desmedida de penas, em especial as privativas de liberdade.
O crime de bagatela não tem previsão expressa na legislação penal brasileira, tendo sua inserção através da doutrinária e da jurisprudência, que vem delimitando as condutas tidas como insignificantes, sob a ótica de um Direito Penal humanizado.
Para Regis Prado (2019, p. 115) “o que é, afinal, insignificante? Trata-se de um conceito extremamente fluido e de incontestável amplitude. Daí por que sua aplicação costuma vulnerar a segurança jurídica, peça angular do Estado de Direito”. Devido essa subjetividade do princípio que gera uma certa insegurança jurídica, sendo sempre discutível.
Desta maneira, os princípios atuam como unificadores de todo o sistema jurídico; agem como vetores interpretativos para as normas, resignando o raciocínio interpretativo da lei para alcançar a coerência e unidade das interações normativas fundamentais, tanto no âmbito interno, como no externo à própria legislação.
No intuito de buscar um conceito amplo e completo acerca do instituto em questão, tem se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
O princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo restringir a qualificação de condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele (tipo penal) albergado. Tal forma de interpretação insere-se num quadro de válida medida de política criminal, visando, para além da descarcerização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve ocupar-se apenas das infrações tidas por socialmente mais graves. Numa visão humanitária do Direito Penal, então, é de se prestigiar esse princípio da tolerância, que, se bem aplicado, não chega a estimular a ideia de impunidade. Ao tempo que se verificam patentes a necessidade e a utilidade do princípio da insignificância, é imprescindível que aplicação se dê de maneira criteriosa, contribuindo sempre tendo em conta a realidade brasileira, para evitar que a atuação estatal vá além dos limites do razoável na proteção do interesse público. (HC 104.787/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 2ºTurma, j. 26.10.2010).
Sobre referido princípio, faz necessário melhor esclarecimento como Cleber Masson, 2019 conceitua:
Mais do que um princípio, a insignificância penal é um fator de política criminal. Portanto, é necessário conferir ampla flexibilidade ao operador do Direito para aplicá-lo, ou então para negá-lo, sempre levando em conta as peculiaridades do caso concreto. É imprescindível analisar o contexto em que a conduta foi praticada para, ao final, concluir se é oportuna (ou não) a incidência do tipo penal. Este é o motivo pelo qual a jurisprudência muitas vezes apresenta resultados diversos para casos aparentemente semelhantes. (2019.p.104)
Esses posicionamentos se baseiam no pressuposto da intervenção mínima do Estado em matéria Penal. O Estado deve ocupar-se de lesões significativas, ou seja, crimes efetiva ou potencialmente que causam lesão a bem jurídico protegido pela norma.
Neste sentido é o ensinamento de Zaffaroni e Pierangeli:
Há relativamente pouco tempo, as afetações de bens jurídicos exigidas pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade, isto é, alguma gravidade, posto que nem toda afetação requerida pela tipicidade penal[…] A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil.(2013, p.505)
Para melhor desenvoltura sobre tema, colaciona-se o entendimento de Cesar Roberto Bitencourt sobre a insignificância:
Com efeito, a insignificância ou irrelevância não é sinônimo de pequenos crimes ou pequenas infrações, mas se refere à gravidade, extensão ou intensidade da ofensa produzida a determinado bem jurídico penalmente tutelado, independentemente de sua importância. A insignificância reside na desproporcional lesão ou ofensa produzida ao bem jurídico tutelado, com a gravidade da sanção cominada. A insignificância situa-se no abismo que separa o grau da ofensa produzida (mínima) ao bem jurídico tutelado e a gravidade da sanção que lhe é cominada. É nesse paralelismo — mínima ofensa e desproporcional punição — que deve ser valorada a necessidade, justiça e proporcionalidade de eventual punição do autor do fato (2019.p.65).
Todavia, ao observar a ideia de insignificância deve se analisar mediante critérios subjetivos e objetivos do caso concreto, pois é sabido que não há um parâmetro legal pré-determinado acerca do que seria um delito relevante ou irrelevante, devendo perquirir ao caso concreto.
2 Critérios Objetivos e Subjetivos
É imprescindível salientar que o simples fato de uma conduta tipificar uma infração penal de ínfimo valor ofensivo, não significa que ela se enquadre, automaticamente no princípio da insignificância. Para adoção do princípio tem que se observar alguns vetores de ordem subjetiva e objetiva que são fundamentais para sua concretização, pois ao ser adotado exclui-se a tipicidade material do crime, tornando o fato conduta atípica. A valoração desses vetores é necessária para determinar o conteúdo da insignificância, que deve ser de modo mais coerente e equitativa possível, afastando-se eventual lesão ao princípio da segurança jurídica.
Segundo os imaculados preceitos de Mirabete;
[…]distingue a criminalidade de bagatela, dentre outras, com as seguintes características: (a) escassa reprovabilidade; (b) ofensa ao bem jurídico de menor relevância; (c) habitualidade; (d) maior incidência nos crimes contra o patrimônio e no trânsito, além de uma característica de política-criminal, qual seja, a da dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral, se não mesmo sua inconveniência do ponto de vista da prevenção especial.( 2009,p.105).
Em se tratando de aplicação dos vetores subjetivo, o valor patrimonial do bem é o elemento que tem grande relevância na aferição da insignificância, pois o valor econômico do dano se faz necessário.
Contudo, não deve ser entendido como único requisito subjetivo, visto que existem outros igualmente importantes que devem ser levados em consideração, como, a condição econômica da vítima, ou o valor sentimental do bem; com isso não se pode reconhece-lo de imediato, devendo realizar-se mediante uma interpretação restritiva orientada ao bem jurídico protegido.
No mesmo sentido tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça:
Há que se conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, como também as circunstancias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar, subjetivamente, se houve relevante lesão (Habeas corpus n. 60.949/PE. Rel. Min. Laurita Vaz, 2007).
Assim, no intuito de minimizar suposta subjetividade proveniente da utilização do Princípio da Insignificância, além dos vetores subjetivos, é primordial a observância de quatro requisitos objetivos para aplicação, i) a mínima ofensividade da conduta do agente; ii) nenhuma periculosidade social da ação; iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada, sendo consolidado o entendimento pela Suprema Corte:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”. (STF – HC: 84412 SP, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 19/10/2004, Segunda Turma.-)
De tal sorte, perante um caso concreto, existem situações e circunstâncias diferentes concernentes a um tipo penal e, por essa razão, surgem dificuldades na utilização do princípio da insignificância, gerando inúmeras dúvidas entre os magistrados, em razão de existir considerável discricionariedade em relação aos vetores adotados.
Quando se tratar de condutas reiteradamente criminosas tende a ser um obstáculo na aplicação do princípio em estudo, sendo que Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido de que a reiteração de atos criminosos é empecilho para à incidência do princípio da bagatela.
3 Natureza Jurídica e sua Consequência no Tipo Penal
A doutrina majoritária afirma que a natureza jurídica do princípio da insignificância tem o condão de afastar a tipicidade material do fato, o que retira a conduta do âmbito de proteção do Direito Penal. Opera-se apenas a tipicidade formal da conduta, juízo de adequação entre o fato praticado e a conduta descrita na lei.
Atipicidade material reconhece a falta de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, eliminando a denominada tipicidade pela ausência da sua vertente material. Eis a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. O princípio da insignificância que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade intervenção mínima do Estado em matéria penal tem o sentido de excluir ou de afastar própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.
(HC 146114, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 28/02/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 01/03/2019 PUBLIC 06/03/2019)
Para adentrarmos no assunto faz se necessário uma análise no conceito analítico de crime e sua teoria. Assim, trazemos o conceito de Fernando Capez sobre o conceito de crime:
Todo penalista clássico, portanto, forçosamente precisa adotar a concepção tripartida (crime = fato típico + ilícito + culpável), pois do contrário teria de admitir que o dolo e a culpa não pertenciam ao crime, o que seria juridicamente impossível de sustentar (2019, p.224).
Desta maneira, seguindo entendimento da doutrina majoritária para se considerar que determinado fato é crime, deve-se identificar se o fato é típico, ilícito e culpável. Nesse mesmo sentido vale destacar cada elemento detalhadamente, é o que traz Mirabete e Fabbrini (2009, p.84) sobre “fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca, em regra, um resultado, e é previsto como infração penal”.
De acordo com teoria do crime, um fato típico é um fato material no qual se identifica a efetivação de uma conduta prevista, sendo necessário que estude a conduta do agente infrator, a relação entre a conduta praticada e o resultado alcançado o que eleva a categoria de elemento essencial para se caracterizar o tipo penal
A ilicitude como elemento do crime, pode ser formal ou material. A tipicidade formal tem como característica a conexão, que consiste no enquadramento do fato concreto à uma norma hipotética e abstrata. De acordo com Nucci,
[..] a ilicitude, sob o critério tripartido do delito (fato típico, antijurídico e culpável), é mais que a singela contrariedade da conduta com o direito, pois isso o tipo penal preenche. Ela significa a contrariedade da conduta com todo o ordenamento jurídico, causando lesão a um bem jurídico tutelado. (2019, p.630)
Assim, a “ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigos de lesão bens jurídicos penalmente tutelados’’. (MASSON, 2019 p. 560).
Nas palavras de Guilherme Nucci (2019, p. 628) “Apenas a teoria dos elementos negativos do tipo a inclui no tipo-total de injusto, unindo tipo e ilicitude numa só figura, resultando o crime como um fato típico (abrangente da ilicitude) e culpável”.
No tocante a culpabilidade, é considerada como o juízo de reprovação de determinada conduta, deste modo, não basta que a ação seja típica e ilícita, se faz necessário que haja uma reprovabilidade em relação àquele comportamento.
Segundo Damásio de Jesus,
Culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. Reprovabilidade que vem recair sobre o agente […] no comportamento se exprime uma contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma. Como vimos, a culpabilidade não é requisito do crime, funcionando como condição de imposição da pena. (2019, p.197)
Neste seguimento Cesar Roberto Bitencourt (2019, p. 448) traz em sua obra que, “Tradicionalmente, a culpabilidade é entendida como um juízo individualizado de atribuição de responsabilidade penal, e representa uma garantia para o infrator frente aos possíveis excessos do poder punitivo estatal”.
Sendo que essa concepção advém princípio que não existe pena sem a culpabilidade (nulla poena sine culpa), tem como fundamento o limite de imposição para uma pena mais justa.
Para conceituarmos a culpabilidade nas palavras de Cleber Masson (2019, p. 643) “Culpabilidade é o juízo de censura, o juízo de reprovabilidade que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável por um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição de pena”. (grifo nosso)
O conceito de culpabilidade nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt;
Atribui-se, em Direito Penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade, precisa ser liminarmente esclarecido. Em primeiro lugar, a culpabilidade como fundamento de pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de série de requisitos, capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme a norma que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. Ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal (2019, p.449)
Portanto, após o breve relato sobre a teoria do crime, pois não é objetivo do trabalho, tratar sobre o tema, o que deve ter um estudo mais aprofundado devido suas peculiaridades, entende-se que para configurar o tipo penal precisa constituir os elementos citados.
4 A Incidência do Princípio da Insignificância nos Crimes Contra Administração Pública
Os crimes contra a Administração Pública estão elencados no Título XI do Código Penal, e visa a punição de servidores públicos e particulares que praticarem condutas que venham depreciar, de alguma forma, o regular funcionamento da Administração Pública, em geral.
Devemos entender o conceito de Administração Pública em seu sentido amplo, é um conjunto de atividades importantes executórias, exercidas pelas pessoas jurídicas de direito público direta ou indireta, ou pelas delegatórias, conduzindo interesses públicos, para alcançar o fim desejado. (GRECO, 2017).
Nesse conceito compreende-se tanto a Administração Direta (formada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios) como a Administração Indireta composta pelas autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e as fundações.
Administração Pública, segundo a Carta Magna no caput do art. 37, deve guiar-se pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, que servirão de proteção não somente a ela, como também a todos os cidadãos.
Destarte, vamos abordar o conceito de Administração Pública no âmbito do Direito Penal, pois tal termo possui uma grande abrangência, estando, assim, relacionado a todas as atividades exercidas pelo Estado e entes públicos.
Assim, a noção do bem jurídico tutelado penalmente por administração pública deve vir associado da relação entre funções estatais e os princípios resguardado pela Constituição. No que se diz respeito dos atos cometidos contra administração como improbidade e abuso de função sempre foram puníveis severamente (PRADO, 2013).
Do mesmo modo, o funcionário público tem o encargo de cumprir regularmente com seus deveres de representantes do poder estatal, que são lhes confiados. A distorção gera a traição funcional, acende no povo o desejo que sejam punidos por tal práticas desleais (SANCHES, 2017).
Quando estivermos diante de crimes praticados por funcionários públicos, estes deverão ser considerados como crimes funcionais, devendo ser divididos em: crimes funcionais próprios e crimes funcionais impróprios. Para essa classificação Rogerio Greco traz;
Os crimes funcionais próprios são aqueles em que a qualidade de funcionário público é essencial à sua configuração, não havendo figura semelhante que possa ser praticada por quem não goza dessa qualidade, a exemplo do que ocorre com o delito de prevaricação, tipificado no art. 319 do Código Penal. Por outro lado, há infrações penais que tanto podem ser cometidas pelo funcionário público como por aquele que não goza desse status, a exemplo do que ocorre com o peculato-furto, previsto no art. 312, § 1º, do Código Penal, que encontra semelhança com o art. 155 do mesmo diploma legal, denominando-os, aí, impróprio ( 2017, p.275).
Desta maneira, quando um agente público viola a norma jurídica nasce ao estado o direito de punir, assegurado pelo seu jus puniendi, assim, acontece com particular, não havendo distinção em punir, então quando se tem uma possibilidade de amenizar tal conduta, deve estender a todos. Aqui entra o sentido da pesquisa que o jus puniendi estatal carece de ser equânime para com todos.
No que se refere à aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a administração pública, as Cortes Superiores não possuem um entendimento unificado. Posto isso, vamos expor os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal sobre o tema nas subseções seguintes deste artigo.
5 Entendimento do Superior Tribunal de Justiça
O posicionamento predominante no Superior Tribunal de Justiça é o da não utilização do princípio da insignificância nos crimes contra a administração pública, ainda que o dano causado ao patrimônio público seja irrisório. Segundo o STJ, os crimes contra Administração Pública têm por objetivo proteger não apenas o valor patrimonial, como também o princípio constitucional da moralidade administrativa.
De acordo com a Súmula 599, de 20 de novembro de 2017, daquela Corte de Justiça, que traz em seu bojo o entendimento de que as condutas formalmente típicas, praticadas em desfavor da Administração Pública, mesmo que desprovidas de ofensividade e periculosidade social, com reduzidíssimo grau de reprovabilidade e com prejuízo econômico ínfimo, não poderão ser entendidas como insignificantes, independentemente da gravidade do dano causado à Administração Pública: “o Princípio da Insignificância Penal é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”.
O Superior Tribunal de Justiça já vinha se posicionamento nesse sentido antes da súmula 599.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA DO STJ. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SUPERIOR. 1. O aresto objurgado alinha-se a entendimento assentado neste Sodalício no sentido de ser incabível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos cometidos contra a Administração Pública, uma vez que a norma visa resguardar não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moral administrativa, insuscetível de valoração econômica. 2. Incidência do óbice do Enunciado n. 83 da Súmula do STJ, também aplicável ao recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. 3. Agravo a que se nega provimento (AgRg no AREsp 572.572/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. em 8-3-2016, DJe 16-3-2016).
No entanto, referente ao crime de descaminho, previsto artigo 334 do Código Penal, para a consumação desse delito ocorre com ato de iludir o pagamento de imposto devido na entrada ou saída de mercadoria do território nacional, prescindindo de obtenção de resultado. Conforme previsão as hipóteses cabíveis, in verbis:
Descaminho
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
I – pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei.
II – pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho.
III – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem.
IV – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
A referida Corte vem aceitando a aplicação do princípio da insignificância, quando o debito não ultrapassar o valor de 20.0000 (vinte mil reais). Assim, de acordo com Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF – R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). ADEQUAÇÃO. 1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO – Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n.10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e130, ambas do Ministério da Fazenda. 3. Recurso especial provido para cassar o acórdão proferido julgamento do Recurso em Sentido Estrito n.0000196-17.2015.4.01.3803/MG, restabelecendo a decisão do Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia – SJ/MG, que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do recorrente pela suposta prática do crime previsto no art. 334 do Código Penal, ante a atipicidade material da conduta (princípio da insignificância). Tema 157 modificado nos ermos da tese ora fixada. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.709.029 – Ministro Rogerio Schietti Cruz. Brasília, 28 de fevereiro de 2018)
Desta maneira, a terceira seção do STJ, por sua maioria, entendeu que deve incidir o princípio da insignificância nos crimes tributários federais de descaminho quando o débito tributário, a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, não ultrapassar R$ 20.000,00 (vinte mil Reais).
Após esse julgado o Superior Tribunal de Justiça entrou em consonância com entendimento do Supremo Tribunal Federal estabelecendo o limite para acolhimento do princípio da insignificância no valor de até vinte mil reais alusivo aos crimes tributários federais e de descaminho.
No que tange a reincidência no crime de descaminho, o Informativo 575 do STJ (19 de dezembro de 2015 a 4 de fevereiro de 2016) traz notícia a respeito do estado atual da questão nos tribunais superiores:
DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável. Destaca-se, inicialmente, que não há consenso sobre a possibilidade ou não de incidência do princípio da insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração delitiva no crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal Superior, o passado delitivo do agente não impede a aplicação da benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais negativas do autor inviabilizam o benefício. De fato, uma conduta formalmente típica, mas materialmente insignificante, mostra-se deveras temerária para o ordenamento jurídico acaso não se analise o contexto pessoal do agente. Isso porque se estaria instigando a multiplicação de pequenos crimes, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Nesse sentido, o Plenário do STF, quando do julgamento dos HC 123.734-MG (DJe 2-2-2016), HC 123.533-SP (DJe 8-8-2014) e HC 123.108-MG (DJe 1º-2-2016), a despeito de ter exarado que a aplicação do princípio da insignificância “deve ser analisada caso a caso pelo juiz de primeira instância, e que a Corte não deve fixar tese sobre o tema”, acabou por traçar orientação no viés de que a vida pregressa do agente pode e deve ser efetivamente considerada ao se analisar a possibilidade de incidência do preceito da insignificância. Ressaltou-se, no mencionado julgamento, que adotar indiscriminadamente o princípio da insignificância, na hipótese em que há qualificação ou reincidência, seria tornar a conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de repressão estatal. Além disso, na mesma ocasião, salientou-se que a imunização da conduta do agente, ainda que a pretexto de protegê-lo, pode deixá-lo exposto à situação de justiça privada, na medida em que a inação do Estado pode fomentar a sociedade a realizar “justiça com as próprias mãos”, com consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves. Concluiu-se, assim, que: “o Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja do princípio constitucional da individualização da pena”. Portanto, entende-se que, para aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, além de ser analisado o tributo iludido e os vetores – (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a vida pregressa do agente. Note-se que a incidência do princípio da insignificância nos casos de reiteração do crime de descaminho estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se tornar, em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente fizesse o transporte das mercadorias de forma segmentada. Logo, a reiteração delitiva deve efetivamente ser sopesada de forma negativa para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de ordem subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da insignificância, não se está desconsiderando a necessidade de análise caso a caso pelo juiz de primeira instância. Antes, se está afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a benesses jurídicas. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação ao reincidente, o que não significa, entretanto, que referida circunstância deva ser desconsiderada. A propósito, ressalta-se a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a qual considera que “a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia” (STF, HC 114.723-MG, Segunda Turma, DJe 12-11-2014) STF, HC 114.723-MG, Segunda Turma, DJe 12-11-2014). Destaca-se, ainda, que apenas as instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da situação que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de realizar o exame do caso concreto, por meio da valoração fática e probatória a qual, na maioria das vezes, possui cunho subjetivo, impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância. No entanto, preconiza-se a ampliação de sua análise para se incorporar elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu. Isso não guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com todo o ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a pena-base, escolher o regime de cumprimento da pena, entre outros. Nesse contexto, ainda que haja um eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a incidência do princípio da bagatela um verdadeiro privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras vezes, ser necessária a adaptação de teorias à nossa realidade. Precedentes citados do STF: HC 120.662/RS, 2ª Turma, DJe 21-8-2014; HC 109.705/PR, 1ª Turma, DJe 28-5-2014 (EREsp 1.217.514/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 9-12-2015, DJe 16-12-2015).
Nesse contexto chega-se ao corolário de que não possui um entendimento pacifico sobre o tema da reincidência devendo cada caso ser analisado conforme suas peculiaridades para que possam tomar a decisão mais acertada.
Agora, analisaremos o crime de contrabando previsto 334-A do Código Penal, que tem distinção do descaminho pois está relacionado pelo não pagamento do imposto devido, tentando ludibriar o estado. Já o contrabando diz respeito à importação ou exportação de mercadoria proibida, não regulamentada no território nacional. Esta é a redação do artigo:
Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
I – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
V – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
O Superior Tribunal de Justiça tem dois entendimentos sobre a aplicabilidade ou não do princípio da bagatela quando se refere a mercadorias ilegais como cigarros e drogas;
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL.IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. DELITO PREVISTO NO ART. 33, § 1º, INCISO I, DA LEI N. 11.343/06. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.1. Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que “A importação clandestina de sementes de cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006″ 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, não é cabível a aplicação do princípio da insignificância na hipótese de importação clandestina de produtos lesivos à saúde pública, em especial a semente de maconha. 3. Agravo regimental desprovido. (EDcl no AgRg no REsp 1442224/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REISJÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 13/09/2016, DJe22/09/2016).
Em se tratando de uma importação de pequena quantidade de medicamento para consumo próprio, o Superior Tribunal de Justiça aceita aferição do princípio:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE MEDICAMENTO PARA USO PRÓPRIO. QUANTIDADE PEQUENA. AUSÊNCIA DE DOLO E INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E, EXCEPCIONALMENTE, DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO, IN CASU, DA SÚMULA N. 568/STJ. RECURSO DESPROVIDO.
1. Esta Corte de Justiça vem entendendo, em regra, que a importação de cigarros, gasolina e medicamentos (mercadorias de proibição relativa) configura crime de contrabando. 2. Todavia, a importação de pequena quantidade de medicamento destinada a uso próprio denota a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, tudo a autorizar a excepcional aplicação do princípio da insignificância (ut, REsp 1346413/PR, Rel. p/ Acórdão Ministra MARILZA MAYNARD – Desembargadora convocada do TJ/SE -, Quinta Turma, DJe 23/05/2013). No mesmo diapasão: REsp 1341470/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 21/08/2014. 3. De outra parte, é certo que o art. 334, primeira parte, do Código Penal, deve ser aplicado aos casos em que suficientemente caracterizado o dolo do agente em introduzir no território nacional mercadoria que sabe ser de proibição absoluta ou relativa. Não se pode olvidar, ainda, o princípio da proporcionalidade quando se constatar que a importação do produto se destina ao uso próprio (pelas características de quantidade e qualidade) e não é capaz de causar lesividade suficiente aos bens jurídicos tutelados como um todo. A análise de tais questões, contudo, compete às instâncias ordinárias, soberanas no exame do conjunto fático-probatória, e não ao Superior Tribunal de Justiça, órgão destinado exclusivamente à uniformização da interpretação da legislação federal. (REsp 1428628/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015). 4. Na espécie, as instâncias ordinárias reconheceram a inexpressiva lesão de duas caixas de medicamentos (uma para emagrecimento – 15mg – e uma para potência sexual – 50 mg), avaliadas em R$ 30,00. Ausência de dolo. Princípios da proporcionalidade e, excepcionalmente, da insignificância. 5. Incidência da Súmula n. 568/STJ: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.6. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1572314/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 10/02/2017)
Vale destacar que para a consumação do crime de contrabando basta a entrada da mercadoria proibida no território nacional, independentemente de outro resultado, sendo que o bem protegido, não é exclusivamente o erário, como também a saúde pública, ordem pública e moralidade administrativa, que é tão defendida pela corte.
No entanto quando estamos diante do crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, o agente apropria-se de bem móvel o qual tem a posse anterior e lícita, o dolo surge depois com a intenção de tê-la pra si ou para outrem, ocorrendo a consumação com a posse, assim, mesmo que o dano causado seja ínfimo, o prejuízo financeiro é irrelevante e a subtração sejam de uma caneta ou post its, ficará sujeito a uma pena de reclusão.
Logo, para o Superior Tribunal de Justiça;
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O entendimento firmado nas Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, uma vez que Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.275.835/SC, Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, DJe 1°/2/2012) Em relação à suposta violação do art. 514 do Código de Processo Penal, também não assiste razão à defesa, pois é desnecessária a resposta preliminar de que trata o art. 514 do Código de Processo Penal na ação penal instruída com inquérito policial. A questão, inclusive, é objeto da Súmula 330/STJ. Logo, é o caso de incidir o enunciado da Súmula 83/STJ à espécie. Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental. A norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa.”( Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 11/6/2014)
Outro exemplo deste entendimento é do Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1382289, de Relatoria do Ministro Jorge Mussi:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PECULATO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CABIMENTO. 1. Não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, uma vez que a norma visa resguardar não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moral administrativa, insuscetível de valoração econômica. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO EXTRAPENAL. ART. 92, I, A DO CÓDIGO PENAL. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. 1. Não há que se cogitar de ausência de fundamentação válida na decisão que decretou a perda do cargo público do apenado, pois evidenciou, a partir de elementos concretos, a violação de dever para com a Administração Pública. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg no REsp: 1382289 PR 2013/0131925-2, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 05/06/2014, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2014)
Tal entendimento, tem como o fundamento para impossibilidade da incidência do Princípio da Insignificância nos crimes contra a Administração Pública é o do ponderoso bem jurídico resguardado pela norma a moral administrativa, associando-se a moralidade administrativa com toda a coletividade, ofendendo-a atinge os indivíduos em sua totalidade.
A moralidade administrativa está pautada na boa fé e na probidade, vinculando as condutas dos agentes frente ao ente público, quando são contrárias à lei e bons costumes, desperta o anseio de justiça, devido a importância do bom funcionamento destes órgãos, devem conduzir o exercícios de suas funções zelando pelos valores éticos e morais, e mesmo que ocorra a aplicação desse princípio a moral administrativa não deve ser menosprezada.
É possível encontrar decisões do Tribunal em que há o apartamento da súmula 599, consequentemente, a utilização do princípio da bagatela nos delitos contra a Administração Pública. Desta forma, foi decisão da 6ª Turma da Corte em questão, do recurso em habeas corpus n. 85.272/RS de relatoria do ministro Nefi Cordeiro:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DANO QUALIFICADO. INUTILIZAÇÃO DE UM CONE. IDOSO COM 83 ANOS NA ÉPOCA DOS FATOS. PRIMÁRIO. PECULIARIDADES DOCASO CONCRETO. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DA SÚMULA N. 599/STJ. JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.1. A subsidiariedade do direito penal não permite tornar o processo criminal instrumento de repressão moral, de condutas típicas que não produzam efetivo dano. A falta de interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos da vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal. 2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada.3. Recurso em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal n.2.14.0003057-8, em trâmite na 2ª Vara Criminal de Gravataí/RS.
A justificativa para mitigação da referida súmula, é peculiaridade do caso, pois o réu era primário, tinha 83 anos à época dos fatos e o cone cujo valor não chegava a R$ 20 reais, nem 3% do salário mínimo vigente. Haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada, seguido por unanimidade pelos demais membros da turma.
Todavia, pode se concluir que a postura inexorável da Corte Cidadã, do uso da referida sumula da inaplicabilidade do princípio, ocorre quando se tem polo ativo um funcionário público que tem dever de zelar pela moralidade e o bom costume frente à Administração Pública.
6 Entendimento do Supremo Tribunal Federal
A Suprema Corte tem pautado pela aplicação do princípio da insignificância nos crimes praticados contra Administração pública desde que a lesão seja de ínfimo prejuízo ao patrimônio público. Assim, estão sendo as decisões, como se observa neste julgamento do ministro Teori Zavascki, (habeas corpus n. 120.662/RS), em que assevera que:
Todo e qualquer bem jurídico está exposto a graus diversos e ordenados de violação, do mais intolerável ao mais irrisório. E até a moralidade administrativa pode ser atingida de forma maior ou menor, situação que não justifica a intervenção penal.
O que deve ser levado em consideração nos crimes funcionais é que o Direito Penal se aplica em caráter suplementar, pois o funcionário público que pratica condutas ímprobas já é penalizado também no âmbito administrativo, por meio de procedimentos dos quais podem resultar inúmeras sanções.
Para o Supremo Tribunal Federal,
EMENTA: AÇÃO PENAL. DELITO DE PECULATO-FURTO. APROPRIAÇÃO, POR CARCEREIRO, DE FAROL DE MILHA QUE GUARNECIA MOTOCICLETA APREENDIDA. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da Administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento .( STF .HC 112.388, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ acórdão: Min. Cezar Peluso, 2ª T., j. em 21-8-2012, DJe 14-9-2012).
Da mesma maneira é o pensamento de Fernando Capez (2019) quanto a aplicação desse princípio, acredita que não existe razão para não aceitar a incidência em hipóteses que a lesão ao erário é de ínfimo valor. Deve o Direito Penal tutelar bens jurídicos, e não a moralidade administrativa.
Para Cleber Masson (2019);
O Supremo Tribunal Federal, contudo, já decidiu em sentido contrário, admitindo o princípio da insignificância em hipóteses extremas.28 É a posição a que nos filiamos.29 Exemplificativamente, não há falar em peculato (CP, art. 312)quando o funcionário público se apropria de poucas folhas em branco ou de alguns clips de metal pertencentes a determinado órgão público. Não é legítima a utilização do Direito Penal em tais hipóteses. Eventuais ilícitos de baixíssima gravidade devem ser enfrentados na instância administrativa. (2019, p.111)
Entretanto, quando se refere aos militares a Suprema Corte muda seu posicionamento não aceitando aferição do princípio da insignificância, pois a conduta realizada pelo militar, independentemente de ser ínfima a lesão ao patrimônio público, a reprovabilidade subsiste.
Na visão de Masson, é vedada a utilização do princípio igualmente o STF, “[…] nos crimes cometidos por militares, em face da elevada reprovabilidade da conduta, da autoridade e da hierarquia que regulam a atuação castrense, bem como do desprestígio ao Estado, responsável pela segurança pública”. (2019, p.108)
O Supremo Tribunal Federal assevera suas decisões o no mesmo sentido;
EMENTA Habeas corpus. Penal militar. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Crime de furto (art. 240 do Código Penal Militar) praticado dentro da caserna. Reprovabilidade da conduta. Precedentes. Ordem denegada. 1. A aplicabilidade do postulado da insignificância ao delito de furto foi afastada na espécie, uma vez que não se pode falar em reduzido grau de reprovabilidade da conduta, a qual foi praticada pelo paciente dentro da caserna e contra um colega de farda. 2. Conforme já assentou o Supremo Tribunal, “é relevante e reprovável a conduta de um militar que, no interior do aquartelamento, furta bens de dois colegas de farda, demonstrando total desrespeito às leis e às instituições castrenses de seu País” (ARE nº 728.826/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 21/5/13). 3. Ordem denegada” (HC 117215, Primeira Turma, relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 14-10-2013). (Grifo nosso)
Com base no caso analisado, entende-se que apesar dos valores irrisórios dos bens furtados, a reprovabilidade da conduta do militar está altamente valorada, e subsiste o crime diante do fato ilícito ter sido realizado por um militar contra um colega de trabalho, no local sujeito à administração militar. Logo, a conduta do militar não pode ser considerada insignificante, tendo em vista a incompatibilidade com a disciplina e a subordinação hierárquica próprias do regime militar.
Com exceção aos militares o guardião da Constituição Federal tem aceitado aplicar o princípio da insignificância nos delitos de pequena monta frente à administração pública.
No tocante aos posicionamentos contrários à aplicação do Princípio da Insignificância nos crimes praticados contra a Administração Pública, Rogério Greco, Apud Di Calvacanti (2019) sabiamente pontua que:
A radicalização no sentido de não se aplicar o princípio em estudo nos conduzirá a conclusões absurdas, punindo-se, por intermédio do ramo mais violento do ordenamento jurídico, condutas que não deviam merecer a atenção do direito penal em virtude da sua inexpressividade, razão pela qual são reconhecidas como de bagatela.(2019, p.38)
O que precisa ser levado em consideração é o fato de que a privação de liberdade só deve ser efetivada quando houver indícios de que a segurança da sociedade está em risco, ou em situações que ocorra lesão frente aos direitos dos cidadãos (Di Calvacanti, 2019).
Seguindo tal lógica, o célere autor Zaffaroni leciona, Apud Di Calvacanti,
O injusto concebido como lesão a um dever é uma concepção positivista extremada; é a consagração irracional de dever pelo dever mesmo. Não há dúvida que sempre existe no injusto uma lesão ao dever [uma violação a norma imperativa], porém o correto é afirmar que só existe violação quando se afeta o bem jurídico tutelado. Não se pode interromper arbitrariamente a análise do fato punível e se a ação não prejudica terceiros, deve ficar impune, por expressa disposição constitucional (2019, p.25).
Em vista disso, para alcançarmos o Estado Democrático de Direito, com fundamento no respeito às liberdades civis e às garantias fundamentais, através de uma proteção jurídica igualitária a todos, para que não afete, de forma relevante, a esfera de liberdade de terceiros, sem distinção de função ou status, faz-se necessário estender a aplicação do princípio da insignificância.
Conclusão
Em face do exposto, conclui-se ser incontestável a relevância do estudo na aplicação do Princípio da Insignificância no exercício punitivo do Estado porque surge como instrumento de controle do excesso do jus puniendi estatal, objetivando defender um Direito Penal mais humanizado, legitimando os direitos e as garantias individuais, contribuindo sobremaneiramente com o desenvolvimento da sociedade, para um entendimento jurisprudencial homogêneo e um processo mais justo.
O Direito Penal deve atuar sempre como a ultima ratio, tutelando bens jurídicos fundamentais e que efetivamente cause uma lesão, ou que venha causar um perigo concreto de dano, deixando de punir essas condutas menos graves ou que não exponham os bens jurídicos a risco, ainda que juridicamente protegido, em consonância com o princípio da intervenção mínima, após criteriosa análise das condutas em cada caso em especifico.
Após análises doutrinaria e jurisprudencial que, independentemente do caráter extraordinário que a Administração Pública representa como bem jurídico penalmente tutelado, não é prudente referenciá-lo ao nível de um bem inatingível e inviolável. Sabe-se que os funcionários públicos e agentes políticos devem, sem dúvidas, legitimarem-se mediante preceitos éticos e morais para o bom funcionamento da administração pública.
No entanto, a postura inexorável de Tribunais frente à inaplicabilidade da insignificância nos delitos contra a Administração Pública, transmuta os preceitos arguidos pelos princípios e ideais de um Estado Democrático de Direito e de um Direito Penal Humanizado. Reconhecer que não é possível lesão insignificante à moralidade administrativa afronta diretamente os ideais de justiça e razoabilidade.
Conforme a doutrina majoritária que defende o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância deve incidir também nos crimes praticados contra a administração pública, desde que, sejam abraçados pelos requisitos subjetivos e objetivos de aplicação e não haja arbítrio no seu reconhecimento pelos magistrados de instâncias inferiores. Infere-se, que o entendimento do STF se revela mais equitativo e justo, pois reconhece a aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes cometidos contra o ente estatal quando as infrações provocaram dano mínimo ao erário público.
Apesar da Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça afirmar não ser aplicável o princípio da insignificância nos crimes cometidos contra a administração pública, o próprio Tribunal Superior tem aberto exceções em alguns desses delitos os quais assim podemos catalogar, de acordo com os sujeitos dessas infrações: crimes praticados por particular; crimes praticados por servidor público; e, delitos praticados por militar, todos contra a administração pública.
Nos crimes praticados por particular contra a administração pública, o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado o princípio da insignificância nos crimes tributários federais e de descaminho, quando o valor do débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00, a teor do disposto no art. 20, da Lei n. 10.522/2002, tratando o fato como sendo atípico, e desde que não se verifique a reiteração delitiva, porque possibilitar a segmentação da mercadoria poderia tornar inútil o preceito primário incriminador. E no que se refere ao crime de contrabando, quando a circulação, o depósito, o uso ou o consumo no país da própria mercadoria importada é proibido, o Superior Tribunal de Justiça tem sido mais rigoroso, tolerando a importação dessas mercadorias desde que em pequena quantidade, de valor irrisório, e de uso do próprio sujeito, considerando ser essa conduta de pouca reprovabilidade e de inexpressiva lesão jurídica.
Quando o sujeito é servidor público, verifica-se que os Tribunais Superiores têm sido muito mais rigorosos na aplicação do princípio da bagatela, eis que tentam assegurar também a higidez da moralidade pública. Mesmo assim, tem-se reconhecido e aplicado o princípio quando o valor do prejuízo é ínfimo, como nos casos de danificação de cones de sinalização, apropriação de poucas folhas de papel e clipes, materiais de uso ordinário da administração pública. E em relação ao militar, por se sujeitar não somente às normas de direito público, mas também às regras de hierarquia da instituição, não se tem admitido a aplicação do princípio da bagatela ainda que mínimo o prejuízo.
Ao se analisar esse quadro de exceções pela aplicação do princípio da insignificância, verifica-se que os Tribunais Superiores ressaltaram a importância dos magistrados que atuam em instâncias inferiores no reconhecimento e aplicação do princípio, não só por serem os responsáveis pela coleta da prova e análise dos fatos, mas por estarem mais próximos das partes, o que lhes permite avaliar, em cada caso concreto, a aplicação em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja do princípio constitucional da individualização da pena (EREsp 1.217.514/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 9-12-2015, DJe 16-12-2015).
Pensamos que identificamos as hipóteses de aplicação do princípio da insignificância nos crimes praticados contra a administração pública. A rigidez de tratamento em relação a esses crimes, impossibilitando a aplicação desse princípio não se coaduna com os preceitos ideais de justiça e de um Direito Penal mais humanizado. Deve-se salientar que, mesmo nesses casos em que a Lei Penal deixou de ser aplicada, por atipicidade da conduta, não significou, de outro lado, a impunidade do agente em relação à infração cometida, na medida em que o ordenamento jurídico dispõe de outras formas de punição e reparação do prejuízo que se revelam ser suficientes e proporcionais para as situações acima descritas e preservar a moralidade pública.
Referências
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça STJ. Agravo em Recurso Especial. AgRg no REsp 1479836/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 18/08/2016, DJE 24/08/2016.Disponíve em:https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia> Acesso em: 05/02/2020.
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[1] Rosimeire de Oliveira Brezovsky, bacharelando em Direito do Centro Universitário São Lucas, 2020, E-mail: meireoliveira_jipa@hotmail.com
[2] Orientador Haruo Mizusaki, Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Universidade Federal de Rondônia e Escola da Magistratura do Estado de Rondônia. E-mail: haruo.mizusaki@saolucas.edu.br
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