Resumo: O presente artigo abordará o Princípio da Razoável Duração do Processo, sua conceituação e sua ligação com a Razoabilidade e demais princípios correlatos, seu desenvolvimento histórico legislativo até os dias atuais e quais as implicações e consequências da Responsabilidade Civil das partes e do Estado pelo seu descumprimento.
Palavras-chave: Razoabilidade. Duração do Processo. Descumprimento. Responsabilidade Civil.
Abstratct: This article will address the Principle of the Reasonable Duration of the Process, its conceptualization and its connection with Reasonability and other related principles, its historical legislative development to the present day and what are the implications and consequences of the Civil Liability of the parties and the State for their noncompliance.
Keywords: Reasonability. Duration of the Process. Noncompliance. Civil responsability.
Sumário: Considerações Iniciais. 1. Razoabilidade e seu liame na duração do processo: 1.1 Conceito; 1.2 Princípios Constitucionais Relacionados. 2. Desdobramentos nos textos legislativos: 2.1 Cenário Internacional; 2.2 Cenário Nacional. 3. Responsabilidade pelo Descumprimento ao princípio da Razoável Duração do Processo: 3.1 Responsabilidade do Estado; 3.2 Responsabilidade das Partes; 3.2.1 Magistrado; 3.2.2 Autor e Réu. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
Considerações Iniciais
“A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, já ressaltava Rui Barbosa em 1921. Mas não podemos, com isso, afirmar que a celeridade processual irrestrita, com prazos minuciosamente genéricos, seria a solução.
Apesar de não ser um tema novo, o Código de Processo Civil 2015 veio reforçar a ideia de Razoável Duração do Processo, trazendo a importância de uma resolução de mérito e da atividade satisfativa. A intenção atual do legislador é deixar claro que não basta apenas a prolação de uma sentença, e sim resolver a demanda judicial de forma eficaz.
Para entendermos a importância e a polêmica em torno do que seria considerado razoável, veremos seu conceito, os princípios correlatos e o desenrolar normativo tanto na esfera internacional quanto na nacional.
Após, faremos uma análise da responsabilidade pelo descumprimento ao Princípio da Razoável Duração do Processo. Quem, com base em que e como respondem as partes do processo, bem como papel do Estado no despreparo do Poder Judiciário.
1. Razoabilidade e seus liames na Duração do Processo
1.1 – Conceito
Segundo os dicionários, razoável é o coerente, o possível, o ponderado, o sensato, conforme a razão. Sua compreensão no campo do Direito é de harmonização da relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada e indicando em quais circunstâncias, em virtude de sua singularidade, o caso específico deixa de se enquadrar na norma geral.
Seria inviável e contrário à natureza do direito, fixar rigidamente minuciosas tabelas temporais de razoabilidade que determinassem genericamente uma dada quantidade de tempo, por outro lado não significa com isso que seria dado uma margem muito ampla de arbitrariedade ao julgador, abrindo a possibilidade de que predileções pessoais influenciem nos vereditos.
O processo é uma sequencia de vários atos essenciais que possibilitam a defesa dos interesses do autor, do contraditório e da ampla defesa do réu e do Pode Judiciário de averiguar os fatos, reunir as provas e construir o convencimento acerca da melhor solução da lide.
O tempo da Justiça deve permitir uma leitura não emotiva do litígio e conduzir a uma decisão de qualidade. Entre a interposição da demanda e a providencia judicial
satisfativa do direito de ação há que se percorrer determinado espaço de tempo, que dependendo da natureza dos procedimentos e da complexidade do caso concreto, pode ser maior ou menor.
Como titular do monopólio da jurisdição, o Estado, mais do que assegurar a tutela jurídica garantindo o direito de ação, deve propiciar a solução justa da lide dentro de um prazo razoável. Ou seja, não pode se abster de garantir o direito fundamental ao devido processo legal e a ampla defesa, mas também não pode criar obstáculos ou dificultar a efetiva prestação jurisdicional.
Desse modo, diante da impossibilidade de um conceito único relativo a todas as circunstâncias processuais temporais, o legislador optou por um conceito jurídico indeterminado, oportunizando ao operador do direito aplicar ao caso concreto a percepção do seu conteúdo e de sua extensão. Assim, diante do caso particular e dos específicos fatos que se dará a verificação quanto à violação ou não da garantia à razoável duração do processo.
1.2- Princípios Constitucionais relacionados
Princípios são considerados ‘supernormas’, ou seja, normas gerais que expressam valores, sendo considerados pontos de referência, modelos a serem seguidos. Como bem define Celso Antônio Bandeira de Mello[1]:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”
Nessa esteira, os princípios devem equilibrar-se e nortear a estrutura do Estado de Direito.
Alguns princípios constitucionais relacionam-se com o Princípio da Razoável Duração do Processo, como Devido Processo Legal, Segurança Jurídica, Dignidade da Pessoa Humana, Acesso à Justiça, Legalidade, Eficiência, dentre outros, mas o princípio considerado núcleo essencial é o Princípio da Razoabilidade, onde se contrapõe a celeridade tramitação do processo com a prudência na prestação jurisdicional.
Diante disso, no caso da razoável duração do processo, a razoabilidade deve ser compreendida como uma diretriz a ser aferida para alcançar o ideal de justiça aclamado pela Constituição Federal.
2 – Desdobramento nos Textos Legislativos
2.1 – Cenário Internacional
Desde os primórdios da Justiça já havia uma preocupação com a duração do processo. Uma das primeiras evidências nos remete ao ano de 1166 na Inglaterra, no Assize of Clarendon, onde, grosso modo, seu art. 4º expõe que se o preso não tiver seu julgamento no local onde fora detido tempestivamente, os xerifes deverão comunicar aos juízes mais próximos para fazê-lo.
Também na Inglaterra, a Magna Carta de 1215, trouxe o Princípio do Devido Processo Legal e como não adianta o acesso ao processo sem sua devida Justiça, em seu art. 40º dispôs: “A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos, direito ou justiça”, condenando assim as lentidões processuais.
O mesmo entendimento foi dado na Declaração da Virgínia de 1776, em seu art. 10: […] de exigir processo rápido por um júri imparcial […], com a diferença que não restringia o direito a um determinado segmento social como foi na Magna Carta.
Muitos são os tratados e convenções internacionais sobre o tema. O primeiro deles, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950 nos art. 5º, §3º, e 6º, §1º, refere no direito da pessoa ser julgada num prazo razoável.
Já em 1966, sob o amparo da Assembleia Geral das Nações Unidas tem-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que prevê nos artigos 9º e 14º o direito do acusado pela prática de um crime ser julgado em tempo razoável.
A convenção Americana sobre os Direitos do Homem, de 1969, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica (ratificada pelo Brasil em 1992), prevê no seu art. 8º, item 1, como garantia judicial um prazo razoável.
A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 2000, também estatui no art. 47 que: “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável[…]”.
Atualmente há uma tendência em adicionar aos textos constitucionais o direito fundamental a um processo adequado às peculiaridades do caso concreto, mas também no menor prazo possível, a fim de se preservar o direito material que se busca tutelar.
2.2 – Cenário Nacional
No Brasil, o estabelecimento desse princípio na Constituição chegou com atraso, se comparado o contexto histórico apresentado. Apenas na Constituição de 1934, no capítulo destinado aos Direitos e Garantias Individuais, assegurou pela primeira vez em seu art. 113, 33, a celeridade processual: “A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas […]”, tendo a doutrina da época entendido que se expandia a todos os processos judiciais.
Contudo, a Constituição de 1988, originalmente, não fez menção expressa à duração processual, mas a doutrina entendia estar o conceito implícito no art. 5º, LIV e XXXV, que são relativos ao Princípio do Devido Processo Legal e da Inafastabilidade da Jurisdição. Entretanto em 1992 ratificamos o Pacto de São José da Costa Rica, que consagrou o direito a um processo justo com inúmeras garantias, dentre as quais a de um julgamento em tempo razoável.
Mas a ratificação de tal Tratado não foi suficiente para termos alcance e efetividade do princípio, e com a reforma do judiciário com a EC45/2004, incluiu expressamente a razoável duração do processo (judiciais e administrativos), garantida a utilização de todas as técnicas necessárias à celeridade na tramitação como direito fundamental, incluindo assim o art. 5º LXXVIII.
Apesar das mudanças legislativas, a inoperância do Judiciário brasileiro continuou a preocupar, sendo necessário reforçar esta ideia, estampando no Novo Código Processo Civil 2015, em seu art. 4º, uma maior clareza a questão, tendo em vista a expressa menção a solução integral do mérito, fazendo com que a condução do processo priorize sempre a questão principal discutida, além de incluir em seu texto que a solução razoável compreende a atividade satisfativa e não só a fase de conhecimento.
O art. 139, II, do mesmo Código elenca que o dever do magistrado “velar pela duração razoável do processo”, ou seja, deve garantir tempo plausível a todos os procedimentos da lide até sua satisfação.
Assim, o Princípio da Duração Razoável do Processo ganhou novos contornos ao estabelecer a prioridade em se resolver o mérito da questão, incluindo a entrega do bem pleiteado, e não meramente uma decisão favorável, com isso evoluindo de uma duração razoável do processo meramente formal para um material.
3. Responsabilidade pelo Descumprimento ao Princípio
Quando há uma violação de uma norma legal, consequentemente seu praticante será responsabilizado de alguma forma, seja penal, civil ou administrativamente. Não poderia ser diferente com o descumprimento ao Princípio da Razoável Duração do Processo, apesar de sua viabilidade dependerá sempre do caso concreto.
3.1 – Responsabilidade do Estado
O Estado detém com exclusividade o poder de solucionar conflitos e tutelar direitos, bem como prover condições para dar efetividade às causas judiciais que surgirem.
O descumprimento ao direito fundamental à razoável duração do processo ocorrerá se o Estado não disponibilizar uma logística capaz de atender as necessidades reais para uma eficiente tramitação processual, dando condições de trabalho digna aos seus servidores, bem como fiscalizá-los e qualifica-los, juntamente com uma estrutura organizacional qualificada.
Apesar do crescente o número de demandas, também cresceu o número de valores arrecadados com taxas judiciais e impostos, que devem ser usados para oferecer uma contraprestação eficiente aos jurisdicionados, não podendo o Estado se pautar nisso para se eximir de suas obrigações.
A Imputação da responsabilidade ao Estado, conforme preceitua o art. 37, §6º da CRFB/88, não depende da sua intenção de dolo ou culpa , basta à evidência de que a conduta proporcionou um resultado prejudicial para surgir a obrigação de reparação.
Assim, o precário funcionamento do serviço público gera morosidade processual, como bem sucinta Cavalieri Filho[2]:
“O serviço judiciário defeituoso, mal organizado, sem os instrumentos materiais e humanos adequados, pode, igualmente, tornar inútil a prestação jurisdicional e acarretar graves prejuízos aos jurisdicionados pela excessiva morosidade na tramitação do processo. Os bens das partes se deterioram, o devedor desparece, o patrimônio do litigante se esvai, etc”
Desse modo, não afeta apenas o Princípio da Razoável duração o processo, como também as garantias do acesso à justiça, logo, as consequências negligentes ou as omissões de conduta do Estado devem ser penalizadas, tendo esse de indenizar quem sofreu os malefícios.
3.2 – Responsabilidade das Partes:
São partes do processo toda pessoa (física ou jurídica) com envolvimento na demanda, seja ela o autor, o réu, o juiz e ou assistentes processuais. Recai sobre elas, dentre outros, o art. 5º e art. 77 do CPC. Ou seja, participar do processo de acordo com a boa-fé e obediência aos deveres processuais legais.
Por mais dificultoso que seja na prática observar a deslealdade processual no caso concreto, deve-se ter um equilíbrio ético na atuação das partes e de seus interesses pessoais.
Independente se a intenção era boa ou má, a boa-fé impõe que a parte aja de forma honesta e leal. Assim como não pode a parte que criar um vício processual, atrapalhando a celeridade da demanda alega-la em juízo para se beneficiar posteriormente.
Assim, qualquer conduta que retarde indevidamente o andamento da lide, seja com pedido de provas inúteis ou desnecessárias, suscitar incidentes infundados, interpor recursos sem fundamentação mínima, dentre outras, ferem a garantia constitucional ao tempo razoável do processo, gerando aplicação de sanções processuais, que geralmente é representada pela aplicação de multas, calculadas pelo percentual do valor da causa ou do proveito econômico pretendido por quem deu causa a violação.
3.2.1- Magistrado
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79) já fazia menção no art. 49, II da responsabilidade do juiz que responderia por perdas e danos caso retardasse sem justo motivo o andamento processual que devia conhecer de ofício ou a requerimento das partes. Também o CPC/73 trazia esse mesmo entendimento no art. 133, II e parágrafo único.
Já o CPC/2015, art. 143, acrescentou que a responsabilidade do magistrado seria civil e regressivamente pelas perdas e danos que der causa por dolo ou fraude, e ainda acrescentou o entendimento que responderia por culpa somente nos casos do inciso II: recusar, omitir ou retardar o processo, onde o escrivão deverá requerer ao juiz que tome a providência cabível em um prazo de 10 dias.
A responsabilidade aqui elencada é pessoal do juiz, mas o prejudicado pode ingressar com ação de indenização contra o juiz e o Estado num litisconsórcio passivo, ou também poderá ingressar somente contra o Estado (art. 37, § 6º CRFB/88) e a esse caberá ação regressiva contra o magistrado, que será condenado somente se verificado dolo ou fraude.
3.2.2 – Autor e Réu
Tanto o Autor como o Réu pode responder por litigância de má-fé, como bem preceitua o art. 79 do CPC/2015, que também menciona a responsabilidade do terceiro interveniente.
Vale destacar que não cabe a condenação solidária ou não do advogado com seu cliente, mas poderá ser responsabilizado regressivamente para ressarcir dos prejuízos ocasionados pelo ato de má-fé.
Será cabível a aplicação de multa, que poderão ser cumuladas, em desrespeito ao princípio da razoabilidade do processo, nos casos em que se opuser resistência injustificada ao andamento do processo (art. 80, IV, CPC/2015) e a interposição de recursos apenas de caráter protelatório (art. 80, VII, CPC/2015).
A multa poderá ser requerida ou imposta de ofício pelo juiz, que calculará de acordo com o caso concreto, de 1% a 10% sobre o valor da causa, paga a parte contrária que sofreu os prejuízos e também arcará com os honorários advocatícios e por todas as despesas que deu causa, conforme art. 81, CPC/2015. Caso o valor da causa por irrisório, a multa poderá ser fixada em até 10 vezes o valor do salário mínimo.
Se forem dois ou mais litigantes de má-fé o juiz condenará cada um deles na proporção do seu respectivo interesse na causa e solidariamente se coligarem para lesar a parte contrária.
O Réu apresenta também uma peculiaridade previsto no art. 311, I. A concessão da tutela de evidência se ficar caracterizado que o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório.
Considerações Finais
Há um crescente esforço do legislador em ampliar a aplicação do Princípio da Razoável Duração do Processo, e por isso fez-se necessário acrescentar tal garantia constitucional ao CPC/2015, mostrando e dando ênfase ao seu caráter de direito fundamental.
A polêmica em torno da aplicação do princípio se dá em torna de como definir o que seria razoável, deixando para o aplicador do direito a função de melhor julgar em que termos seria usado, respeitando a ética e a boa-fé processual.
Por isso, que o descumprimento deve ser reprimido, tanto se for praticado pela desídia do Estado, pelo desrespeito do magistrado ou pela má conduta do Autor ou Réu, assim, progressivamente, o princípio ganhará fortalecimento e respeito.
Pós-Graduanda em Direito Processual Civil (UCAM/RJ) e Advogada
Como reverter um indeferimento do INSS? Para reverter um indeferimento do INSS, o segurado pode…
O auxílio-doença é um benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a trabalhadores…
A cirurgia bariátrica é um procedimento indicado para pessoas com obesidade grave que não obtiveram…
A recusa da seguradora em pagar a indenização prevista em contrato pode trazer uma série…
Entrar com uma ação judicial contra uma seguradora pode ser um processo necessário quando há…
Quando uma seguradora se nega a pagar a indenização que o segurado acredita ter direito,…