Prisão preventiva, medidas cautelares e detração penal

Detração penal é o desconto do tempo de prisão provisória ou internação provisória na pena privativa de liberdade, ao início de seu cumprimento. Trata-se de incidente de execução, previsto no art. 66, III, c, da LEP.  Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, será expedida guia de recolhimento para dar início ao processo de execução. Em seguida, procede-se ao cálculo de liquidação das penas impostas em diferentes processos, somando-as (concurso material) ou unificando-as (crime continuado ou concurso formal, conforme o caso). Obtido o total a ser cumprido, desconta-se o tempo de prisão provisória. Trata-se de uma simples operação aritmética de subtração: pena menos prisão provisória.


Essa é a detração prevista no art. 42 do CP. Seu pressuposto é evitar que uma pessoa fique presa mais tempo do que a pena imposta na sentença condenatória. A prisão provisória não é punição, mas instrumento auxiliar da tutela jurisdicional. É por essa razão que, nos casos em que for decretada a prisão preventiva, esse tempo será descontado da futura pena privativa de liberdade, evitando-se dupla apenação pelo mesmo fato.


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Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/2011, passaram a existir somente duas modalidades de prisão provisória: prisão preventiva e prisão temporária (cf. CPP, art. 283)[i]. Em compensação, a nova redação do art. 319 do CPP passou a prever nove providências cautelares para a tutela do processo, as quais têm preferência sobre a custódia cautelar[ii], evitando-se, ao máximo, a medida extrema do encarceramento antes da decisão condenatória definitiva[iii].


A questão que se coloca é: Cabe detração penal nas medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP, como se fossem modalidades de prisão provisória?


A resposta, a princípio, é não. O CP é claro: só cabe detração da prisão provisória (art. 42), não sendo possível nas providências acautelatórias de natureza diversa.


Convém notar que o caput do art. 319 do CPP é expresso ao dizer que tais providências são “medidas cautelares diversas da prisão”. Ora, sendo diversas da prisão provisória, com ela não se confundem.


Do mesmo modo, o art. 321 do CPP é suficientemente claro: “Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva…..”, isto é, quando não for o caso de se decretar a prisão preventiva, “…o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código”. A redação é clara ao indicar que as medidas cautelares alternativas não constituem espécie de prisão provisória, mas restrições que acompanham a liberdade provisória. Duas são as opções: prisão preventiva ou liberdade provisória (acompanhada ou não de medidas  restritivas). Na primeira cabe detração, na segunda, não.


Uma das medidas previstas, por exemplo, é a fiança (CPP, art. 319, VIII). Não há como a liberdade provisória com fiança ser equiparada à prisão provisória.


Da mesma forma, a prisão preventiva em nada se parece com a liberdade provisória monitorada eletronicamente, ou acompanhada de alguma proibição (de sair da comarca, manter contato com pessoas determinadas, freqüentar lugares ou exercer função pública ou atividade financeira) ou obrigação (de recolhimento domiciliar noturno ou comparecer ao juízo periodicamente). Estar solto provisoriamente não é o mesmo que estar preso provisoriamente.


Em um caso, porém, pese embora a sofrível técnica legislativa empregada, não há como negar a detração. Estamos falando da internação provisória, prevista no art. 319, VII, do CPP.


A crítica que se faz consiste no fato de o legislador ter colocado no mesmo dispositivo, liberdade provisória com fiança ou outra restrição, e liberdade provisória mediante internação provisória. Não há como estar em liberdade provisória internado em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. A inserção da internação provisória como medida restritiva que acompanha a liberdade provisória (CPP, art. 321) constitui uma contradição em si mesma.


Daí porque, contornando essa falta de visão sistemática na elaboração do rol de medidas previstas no art. 319 do CPP, é forçoso reconhecer o direito à detração penal para o réu internado provisoriamente, uma vez que o art. 42 do CP é absolutamente claro ao admitir o benefício tanto para a prisão, quanto para a internação provisória.


Assim, para efeito de contagem do prazo mínimo da medida de segurança, após o qual se realiza o exame de cessação da periculosidade (LEP, art. 175 e incisos), desconta-se o tempo em que o sujeito esteve submetido à internação provisória.


Nos demais casos, porém, não há que se falar em detração, pois está-se diante de hipótese diversa da prisão provisória, consistente na concessão de liberdade provisória com alguma restrição acautelatória.


 


Notas:

[i] A prisão em flagrante não pode ser considerada modalidade de prisão provisória, uma vez que ninguém mais permanece preso durante ao processo em razão do flagrante. Trata-se de mera detenção provisória até que o juiz decida pela sua conversão em prisão preventiva ou pela liberdade provisória (cf. artigo “Prisão Preventiva na Nova Lei: Polêmica à vista”, in  www.fernandocapez.com.br, acesso em 09/09/2011).

[ii] São elas: comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;  proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;  proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;  suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;  internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;  fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; monitoração eletrônica.

[iii] Em alguns casos, a prisão preventiva é cumprida no próprio domicílio do agente, desde que presentes as situações excepcionais do art. 318 do CPP (maior de 80 anos; extremamente debilitado em razão de doença grave; imprescindível aos cuidados de menor de seis anos ou deficiente; gestante no sétimo mês de gravidez ou com gravidez de risco). É a prisão preventiva domiciliar.

Informações Sobre o Autor

Fernando Capez

Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas


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Equipe Âmbito Jurídico

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