Privatização da Administração Pública

Resumo: O fenômeno da privatização da Administração Pública pode ser entendido por diversos sentidos, mas a todos é comum a substituição ou passagem de uma seara eminentemente pública para uma essencialmente privada. Isso poderá ocorrer tanto no que diz respeito à transferência de determinados bens, a subsunção de determinadas funções, ou ainda, a substituição de mecanismos de direito público por mecanismos de direito privado. Para uma completa compreensão desse fenômeno faz-se necessário traçar um quadro geral dessa realidade, partindo-se de uma visão do desenvolvimento histórico da Administração Pública; em seguida delimitando os principais conceitos jurídicos passíveis de serem enquadrados dentro do fenômeno privatizador; na sequencia, estabelecer os princípios jurídicos regentes desse fenômeno, os motivos e fins da privatização, os principais processos e mecanismos de privatização e os limites à privatização; para, por fim, analisar algumas conseqüências desse fenômeno, tal qual a diluição das fronteiras entre Direito Público e Direito Privado.[i]


Palvras-chave: Privatização – Administração Pública – Privatização do Direito Administrativo – Publicização do Direito Privado – Interesse Público


Abstract: The phenomenon of privatization of public administration can be understood by a sort of meanings, but all of them have in common the substitution or change of an area typically public to an area typically private. This can occur both as regards the transfer of certain assets, the subsumption of certain functions, or the replacement of public law mechanisms for private law mechanisms. For a complete comprehension of this phenomenon it is necessary to provide an overall picture of this reality, starting from an overview of the historical development of public administration; and then, outlining the major juridical concepts that can be framed within the privatization phenomenon; in sequence, establishing juridical principles rulers of this phenomenon, the reasons and purposes of the privatization, the main processes and mechanisms of privatization and the limits to privatization; to finally look at some consequences of this phenomenon, like the attenuation of boundaries between Public and Private Law .


Key words: Privatization – Public Administration – Privatization of Administrative Law – Publicization of Private Law – Public Interest


Sumário: Delimitação do Tema. 1. Relação entre fins do Estado, funções e formas de atuação da Administração Pública. 2. Principais conceitos jurídicos de privatização da Administração Pública. 3. Privatização e Reprivatização: uma realidade portuguesa. 4. Princípios Constitucionais justificadores do fenômeno Privatizador. 4.1. Princípio da persecução do Interesse Público. 4.2. Princípio da Eficiência. 4.3.Princípio da Participação. 4.4. Princípio do respeito pelas vinculações comunitárias. 4.5.Princípio da Subsidiariedade do Setor Econômico Estatal. 5. Processos de privatização da Administração Pública. 5.1.Ope legis. 5.2.Por típicos meio jurídico-administrativos. 5.3.Por meios jurídico-privados. 6. Fenômeno da difusão da Administração Pública sob formas e instrumentos jurídico-privados: “Fuga para o Direito Privado” 7. Publicização do Direito Privado: Verwaltungsprivatrecht. 8. Vinculações jurídico-Públicas da Administração Pública na utilização do Direito Privado. 8.1.Interesse Público. 8.2. Princípio Legalidade e da Juridicidade 8.3. Vinculações aos Direitos Fundamentais. 8.4. Sujeição a regras procedimentais e jurisdição administrativa. 9. Limites à privatização. 9.1.Setor Público de natureza não econômica. 9.2.Setor Público de natureza econômica 9.3.Privatização das relações laborais intra-administrativas. 10. Fronteiras entre o Direito Público e o Direito Privado. Conclusões. Referência Bibliográfica.


Delimitação do Tema


O fenômeno da privatização da Administração Pública pode ser entendido por diversos sentidos, mas a todos eles é comum a característica de haver a substituição ou passagem de uma esfera eminentemente pública para uma essencialmente privada. Isso poderá ocorrer tanto no que diz respeito à transferência de determinados bens, a subsunção de determinadas funções, ou ainda, a substituição de mecanismos de direito público por mecanismos de direito privado.


É fato que fenômenos dessa natureza, em que o privado substitui o público, não são exclusivos da atual conjuntura da Administração estatal. Desde a antiguidade clássica tem-se notícia do exercício de tarefas administrativas por privados como por fórmulas concessionárias na Grécia e em Roma. Todavia é na Idade Moderna, já com um Estado mais estruturado e forte, que se tem mais intensamente a utilização de mecanismos de privatização da Administração Pública. Exemplo disso é a criação e doação das capitanias donatárias, e mesmo o sistema de doação de cartas de sesmarias, adotados por Portugal em suas colônias, em que amplas faixas de terra eram doadas aos Capitães Donatários que detinham amplos poderes de soberania sobre este território e população, inclusive os de natureza administrativa e jurisdicional; ou ainda, a criação de Companhias Majestáticas, sociedades comerciais, com o intuito de explorar, valorizar e organizar as colônias portuguesas, realidade que perdurou, inclusive, até a primeira metade do século XX (por exemplo a Companhia de Moçambique, Niassa, Zambézia e Mossamedes); e ainda, a patrimonialização dos ofícios públicos em que a titularidade era transmitida por meios de Direito Privado como venda ou sucessão mortis causa, e ainda, através de arrendamento ou subarrendamento dos ofícios[1]. Após isso, também fenômenos privatizadores foram comuns durante o Estado Liberal, propugnador de um modelo de Estado Mínimo, e da menor interferência possível dentro da sociedade. A esse ímpeto privatístico, fora comum ocorrência de concessões de obras públicas, de domínio público e de serviços públicos.


Todavia, é de se considerar que o fenômeno privatizador possui características bem específicas no atual estágio do Estado democrático de Direito. Além de uma complexidade jamais dantes vista, hodiernamente muitas são as vertentes passíveis de enquadramento dentro deste conceito. Não apenas a transferência de titularidade ou exercício de tarefas públicas a particulares, como também a utilização de mecanismos de Direito Privado pela Administração em áreas que antes eram de exclusivo domínio do Direito Público. Além disso, as causas e conseqüências do fenômeno privatizador atual também são absolutamente distintas daquelas que o justificaram séculos atrás, dados os contornos e fins do Estado e da Administração Pública atualmente, bem como sua posição diante e dentro da sociedade.


Dessa nova conjuntura vê-se inclusive uma permuta de valores e formas entre Público e Privado. Vinculações classicamente típicas a figuras públicas passam também a reger a atuação de entes particulares, bem como instrumentos tipicamente privados tornam-se comuns também à atuação da Administração Pública. Assim, pode-se inclusive falar em uma diluição (ainda que não haja uma eliminação) das fronteiras entre esses dois campos, sobretudo, no que diz respeito à clássica dicotomia entre Direito Público e Privado.


Muito divididas são as opiniões quanto à adequação e oportunidade da privatização da Administração Pública. Se este é um processo lícito, em que setores ele deve ser efetuado, e ainda, até que ponto pode o Estado transferir a titularidade e/ou gestão de empresas e tarefas estatais, e mais, até que ponto a “fuga para o Direito Privado” pela Administração não representa uma “fuga do Direito” em si, ora haverem vinculações jurídico-públicas inexoráveis a determinados campos de atuação do Estado e entidades públicas, e mesmo, em alguns casos, incontornáveis a qualquer atividade pública.


É verdade que as questões referentes à adequação, indicação, juízo de oportunidade e limites da privatização, transcendem a seara jurídica, envolvendo também questões de ciência da economia, de economia política, de ciência da administração e de política. Mais que isso, muitas são as vozes apaixonadas sobre o tema que variam de posições de ampla liberalização do mercado, até aquelas que abominam por completo o fenômeno baseando-se em uma concepção de Estado total. Mas sem dúvida, os parâmetros mais adequados para melhor se compreender a realidade e os valores que devem nortear o fenômeno privatizador, estão justamente esculpidos nos valores de Direito Constitucional e Direito Comunitário (no caso dos países europeus, naturalmente), sobretudo em tempos em que tanto se trata acerca de Constituição Econômica e Constituição Dirigente[2] («dirigierende Verfassung»).


É o objetivo deste trabalho justamente traçar um quadro geral dessa realidade, partindo, para tanto, de uma visão do desenvolvimento histórico dos fins e moldes do Estado Moderno (e, por conseguinte, do formato da Administração Pública nesses estágios); para em seguida delimitar os principais conceitos jurídicos passíveis de serem enquadrados dentro do fenômeno privatizador; na sequencia, estabelecer os princípios jurídicos regentes desse fenômeno; os motivos e fins da privatização; os principais processos e mecanismos de privatização; os limites à privatização; e, por fim, analisar algumas conseqüências desse fenômeno, tal qual a diluição das fronteiras entre Direito Público e Direito Privado.


1. Relação entre fins do Estado, funções e formas de atuação da Administração Pública


Desde o surgimento do Estado Moderno, a estrutura estatal já sofreu diversas alterações. Essas alterações estão intimamente ligadas à relação do Estado com a sociedade e, de mesmo modo, aos fins e às funções estatais. A vinculação, e mesmo existência de um Direito Administrativo enquanto Direito excepcional regente da atuação estatal, tem intima conexão com essas alterações.


Com a concepção de unidade nacional e soberania, o Estado Moderno surge junto com o absolutismo, e é a partir de então que a estrutura estatal se organiza de modo a concentrar o poder em um comando central (na figura do Rei[ii] e seus delegados), invertendo a lógica dispersa da estrutura medieval. De mesmo modo, no Estado absolutista a vontade do Rei era lei, ainda que sob formas determinadas. Portanto, a figura do monarca era considerada infalível, e seus atos não eram passíveis de repressão ou discordância. Nesse momento, a relação existente entre Estado e indivíduo era a de Soberano e Súdito. Neste período o principal critério norteador da ação política era a razão do Estado e não a justiça ou a legalidade. Assim, o fim essencial do Estado Absolutista era justamente o de construir uma unidade nacional, inexistente durante a idade média, envolvendo para tanto o Estado e a sociedade.


Diante dessa conjuntura, viu-se nesse estágio uma crescente necessidade de encaixar a atividade da Administração dentro de parâmetros de responsabilização e vinculação ao Direito. Destarte, foi recurso técnico-jurídico corrente desse período a figura do Fisco apartada da idéia de Estado dotado de soberania, como forma de contornar a idéia de infalibilidade soberana. O Fisco era entidade regida pelo Direito Privado com quem o particular poderia tratar relações jurídicas, como, contratar, obrigar-se, opor em juízo, enfim, reivindicar direitos subjetivos.


 Portanto, no período Absolutista havia claramente duas esferas de vinculação jurídica na atuação do Estado. Uma primeira em que os atos do príncipe estavam situados acima do direito comum, quando investido dos poderes de soberania. E havia ainda uma segunda esfera em que a Administração não se portava com poderes soberanos, mas sim como um particular. Neste âmbito encontrava-se a figura do Fisco subordinado ao Direito Comum[3].


Com as revoluções liberais (a Inglesa, a Americana e a Francesa), a queda do regime absolutista, e, sobretudo, com as idéias de Estado de Direito e do constitucionalismo, o indivíduo deixa de ser súdito e passa a ter status de cidadão detentor de Direitos. Não há mais que se falar em soberania do Príncipe e sim em soberania nacional. Destarte, a lei passa a ser expressão da vontade geral, e não mais expressão da vontade do rei. Deste período são marcantes a primazia do individualismo, a proteção da esfera individual de cada cidadão, a proteção dos direitos fundamentais de liberdade através de uma necessária não intervenção estatal no campo subjetivo de cada um e a acentuada divisão entre Sociedade e Estado[4]. Há outro fator histórico que pode ainda ser elencado também enquanto causador de todas essas transformações que é a ascensão do capitalismo como modo de produção dominante, e o consequente fortalecimento político da burguesia. Esses dois fenômenos demandam naturalmente por maior liberdade e menor interferência estatal na economia. São essas as principais razões justificadoras para o surgimento do Direito Adminsitrativo enquanto Direito excepcional vinculador da atuação estatal, inclusive quando nos exercícios dos poderes de soberania. Portanto, pode-se dizer que a principal finalidade dessas excepcionais vinculações juspublicistas foi, ao menos à partida, garantir a liberdade individual, limitando o poder político dentro do Estado – através de sua divisão e separação – e fora dele – reduzindo ao mínimo suas funções e ingerências sobre a sociedade. Ou seja, proteger o próprio cidadão do poder exacerbado da estrutura estatal. Portanto, é característico deste período a denominação de Estado Mínimo, caracterizado por uma Administração muito pouco interventiva.


Mas no início do século XX esse modelo liberal demonstrou fraquezas e algumas novas formas de Estado surgiram em sua alternativa. Se por um lado floresceram alguns modelos de Estados Totalitários (tanto de extrema direita como os casos do Nazismo e do Fascismo, como de extrema Esquerda com o Marxismo-leninismo), o Estado democrático de Direito apresentou em resposta a essa crise o Estado Social. Inicialmente com a Constituição mexicana de 1917 e logo em seguida com a Constituição de Weimar em 1919, foi nas constituições do segundo pós-guerra que este modelo difundiu-se plenamente, sendo hoje o modelo predominante no Estado Democrático de Direito[iii].


Ainda que de formulações e bases um tanto quanto diferentes, esse fenômeno foi comum tanto ao Estado Europeu quanto ao Estado dos Estados Unidos da América do Norte. Com a Grande Depressão desencadeada a partir de 1929, o Estado americano não encontrou saída que não se render a um refreamento de um modelo de liberalismo exacerbado e a um mercado muito desregulamentado. Isso fica exposto ao constatar-se a elaboração de políticas sociais à época, tal como a criação, em plena Grande Depressão, de um sistema de seguridade social. É desse tempo o famoso programa do New Deal, implementado a partir de 1933 pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt[5].


Nesses termos, enquanto no modelo liberal de Estado de Direito havia uma ruptura marcante entre Estado e Sociedade, no Estado Social a coletividade passa a ser o foco da atuação da Administração Pública, vinculada especialmente à proteção e promoção dos Direitos Fundamentais do Cidadão, e ao seu bem-estar social.


Portanto, pode-se dizer que o Estado Social tem por fim o Bem-estar de seus cidadãos[iv]. Mais do que a simples preservação do individualismo tão promovido no Estado liberal, o Estado social reuniu Estado e Sociedade, valorizando acima de tudo o interesse da coletividade. Ganham forças assim os Direitos Sociais, que para sua efetivação, via de regra, exigem do Estado uma prestação positiva, além da idéia de promoção de uma igualdade material não limitada à igualdade formal propugnada pelo modelo liberal.


Dessa forma, a Administração passa então a ter uma função prestadora de serviços à coletividade, e o indivíduo passa a ter uma posição de utente (usuário) frente à Administração Pública.


Porém, esse modelo, bem como ocorrera com o Estado liberal, não sobreviveu aos excessos do sistema. O Estado Social em seu ímpeto prestador, adentrou em esferas que naturalmente não seriam de sua “competência”, e que em bem da verdade, as estruturas super-vinculadas da Administração Pública e do Direito Administrativo não permitiam seu pleno desenvolvimento e adequado desempenho, como o caso de boa parte do setor industrial. Assim, o inchamento do Estado Social, o conseqüente crescimento da dívida pública e a ineficiência das empresas públicas, fez com que houvesse um gradual processo de privatização dessas tarefas, e mesmo de empresas públicas, sendo assim novamente modificado o papel do Estado. Há quem identifique nesse excessivo peso estatal sobre a sociedade e a economia, uma transição do dito “Estado de Bem-Estar” para um “Estado de Mal-Estar” [6].


O processo de retirada desse peso estatal teve como marco inicial principal as privatizações do governo Margareth Thatcher na Grã-Bretanha, seguido pelo Chile do Governo Pinochet, e depois fora adotado por diversos outros países, principalmente nos desenvolvidos, em um momento inicial, mas posteriormente, inclusive nos países em desenvolvimento. Com a queda dos regimes comunistas na Europa oriental, nos anos oitenta, outro surto privatizador deu-se lugar, com contornos bem específicos e problemas bem extremados de maneira muito marcante nas Repúblicas advindas da antiga URSS[v].


Quanto às privatizações em Portugal, há um fator excepcional a ser destacado que foi a política de nacionalizações. Inicialmente, o texto da Constituição de 1976 previa uma transição para um modelo de economia Socialista. Naturalmente esta transição nunca ocorreu, mas como consequência desse programa inicial, ocorreram uma série de nacionalizações de empresas no país a partir da queda do Estado Novo[vi]. Com as reformas constitucionais ocorridas, e o abandono do caminho por um Estado intervencionista, nos anos noventa várias dessas empresas estatais foram alvos de privatização ou reprivatização[vii]. Com as nacionalizações, em alguns setores houve uma verdadeira inversão da lógica de mercado. Ao invés de o Estado limitar-se a atuar sobre os setores básicos da economia, ele era o maior empreendedor de áreas totalmente mais adequadas à iniciativa privada. Como exemplo disso, o Estado português chegou ao ponto de ser dono e comandar as duas maiores empresas da indústria cervejeira nacional (CENTRALCER e UNICER), realidade incomum até para países que efetivamente conviveram com o regime socialista.


Com essa retirada do peso do Estado sobre a economia e a sociedade civil, e, por conseguinte, com essa importante alteração no modelo e formas de atuação da Administração Pública, há quem identifique um novo modelo estatal, não mais identificado plenamente com o Estado Social de Administração Prestadora ou Administração Providência, mas sim, com um momento de transição para um novo momento, o do Estado Pós-social de Administração planejadora e garantidora das prestações essenciais, mas ainda sem contornos plenamente definidos[7].


Sem dúvida, é o Poder Executivo no desempenho de sua função administrativa que sofre maiores alterações diante de todas essas transformações. É fato que a administração da justiça e a estrutura administrativa do Poder Judiciário, não se adaptaram ainda para uma justiça de massas, e que o Poder Legislativo foi afetado pelo incremento das formas diretas de participação popular e das novas vinculações Constitucionais. Mas é a Administração Pública que ficou sem alternativa senão ser para além de mais atuante (não necessariamente diretamente), mais ágil, tendo ainda de pagar a dívida interna e externa[8]. Inclusive, passa a ser comum ver nos textos constitucionais a prescrição expressa do princípio da eficiência enquanto norteador da atividade administrativa[viii].


Nesse novo estágio cabe à Administração, através da regulação e planejamento dos setores, garantir a prestação das tarefas públicas essenciais e da vida social, não mais necessariamente de forma direta. Assim, novamente muda o quadro do indivíduo frente ao Estado, deixando portanto de ser utente, passando agora a um posto de Cliente ou mesmo Consumidor.


Diante desta nova demanda da sociedade, e desse novo modelo de Estado então desenhado, nada mais natural que um processo de privatização presente tanto nos meios de produção como dos instrumentos de atuação da Administração Pública.


2. Principais conceitos jurídicos de privatização da Administração Pública


Entretanto, o próprio conceito do fenômeno privatização não é assim tão simples. Melhor seria identificar a privatização enquanto um fenômeno complexo que abarca, portanto, uma série de significados e vertentes.


Portanto, vários são os fenômenos que podem ser nomeados “Privatização”, admitindo-se para tanto uma série de listagens feitas pela doutrina. Aqui adotaremos a identificação em seis conceitos jurídicos de privatização da Administração Pública[ix].


2.1. O primeiro deles, a ser usualmente assim enquadrado, é a utilização de formas organizativas e procedimentos de Direito Privado pela Administração. Veja-se que aqui não haverá necessariamente uma transferência dessa empresa do setor público para o privado. Isso porque ainda que uma empresa pública tome forma organizacional de Direito Privado, como ao transformar-se em uma sociedade anônima, a maioria de seu capital e sua gestão podem permanecer comandados por uma entidade pública. Assim, essa empresa continuaria a pertencer ao setor público empresarial.


Em segundo lugar, denomina-se também privatização o fenômeno da privatização da regulação administrativa da sociedade. Isso significa uma espécie de desregulamentação da sociedade e do mercado por parte do Direito Administrativo, por matérias até então sujeitas a esse regime jurídico. Nesse caso seriam deixados espaços vazios de modo que a própria sociedade/mercado se auto-regule.


Alternativa seria a transferência da competência de regulação para os entes da sociedade civil interessados (aqui não fala em transferência de competência em um sentido de delegação de função legislativa, ora ser impossível essa transferência para órgãos externos ao Estado, mas sim em um sentido mais flexível). Nesse âmbito, não necessariamente essa auto-regulação estaria a par a intervenção estatal, podendo ela ser efetivamente independente, ser uma auto-regulação feita por entidades públicas infra-estaduais ou ainda estarem sob a condição de uma intervenção pública certificativa.


Uma terceira possibilidade de privatização dá-se à abertura de acesso a uma atividade econômica anteriormente vedada a particulares. Isso significa que atividades anteriormente desempenhadas através de monopólio estatal passam a também poderem ser desempenhadas por particulares[x].


Em quarto lugar, deve-se reconhecer enquanto vertente do fenômeno privatizador, a privatização do direito regulador da Administração Pública. Essa face diz respeito justamente à utilização de meios tipicamente jusprivatísticos pela Administração. As menores vinculações e a maior dinamicidade das fórmulas de Direito Privado dão justamente maior mobilidade e agilidade às entidades públicas. Assim, a Administração Pública e demais entes públicos passam a utilizar institutos tais como o contrato, a contratação de pessoal fora do regime natural de serviço público. Ainda assim, esse Direito Privado aplicado pela Administração sofre alterações significativas de modo a adaptar-se a algumas vinculações advindas do Direito Administrativo, do Direito Constitucional e do Direito Comunitário, incontornáveis na atuação do Estado.


Essas quatro primeiras vertentes da privatização, sobretudo, e mais especificamente a privatização do direito regulador da Administração Pública, caracterizam o fenômeno nomeado “fuga para o Direito Privado”. Este tema será abordado de forma mais aprofundada mais adiante neste mesmo trabalho, mas desde já vale destacar sua origem na escola administrativista alemã sob a insígnia de: “Fluch ins Privatrecht”. Dele aduz-se justamente a fuga para o Direito Privado como forma de contornar as vinculações mais severas comuns ao Direito Adminsitrativo.


É comum a qualquer uma dessas acepções do fenômeno da Privatização da Administração Pública, a conexão que têm não exatamente com um processo de retirada da participação estatal no mercado, mas certamente com a redução do peso das vinculações inerentes ao Direito tipicamente Administrativo do mercado. Por isso mesmo, trata-se mais propriamente de uma “privatização formal”[9]. Essas vinculações enrijecem a fluidez das atividades econômicas e sociais, ora o maior grau de formalismo e burocratização naturalmente decorrente da atuação da Administração Pública.


2.2. Enquanto quinta faceta do complexo fenômeno da privatização tem-se a transferência ao setor privado de atividades, funções ou tarefas administrativas. Ou seja, é o exercício de típicas funções públicas (serviços públicos, de prestação, de polícia, fomento, “meios de produção” da propriedade pública) exercida por particulares. Ainda assim, por se tratarem de tarefas eminentemente públicas, a responsabilidade última pelo seu correto e eficiente desempenho cabe justamente ao Estado ou a outra entidade pública. Por isso, pode-se identificar um determinado grau de precariedade nessa modalidade de privatização, que ocorre por atos ou contratos administrativos, cabendo ao órgão público responsável fiscalizar sob amplos poderes o funcionamento dessas tarefas pelo particular.


Ainda assim, a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) designa que pelo simples fato da gestão dessas tarefas estar em mãos de entidades privadas, elas enquadram-se enquanto setor privado[10] [xi], portanto, não há como afastar essa modalidade do conceito de privatização.


2.3. Por fim, o termo privatização pode ainda referir-se à transferência do capital social de entidades públicas, empresariais ou não[11].


Neste ponto faz-se imprescindível diferenciar três possibilidades. Uma primeira em que apenas parte do capital social da empresa pública é privatizado, permanecendo seu controle nas mãos de uma entidade pública (também dito semiprivatização)[12]. Uma segunda perspectiva é possível quando, mesmo em se transferindo mais da metade do capital social da empresa pública para o setor privado, o controle dessa empresa permanece no setor público, por meio, por exemplo, de ações públicas privilegiadas, as ditas golden shares[xii].


Por fim, quando há a transferência total ou majoritária da empresa pública, passando seu controle para o domínio da empresa privada que o adquire, passando assim a pertencer a o setor privado[xiii]. Essa é, de certa forma, a privatização de forma plena[13], quando ocorre a transferência da titularidade e do controle de uma empresa anteriormente situada no setor público. Naturalmente, para tanto, é necessário que o adquirente desses capitais não seja tão pouco uma sociedade de capitais totalmente, ou mesmo majoritariamente, públicos, senão não se tratará nem de uma privatização, mas de mera transferência de capitais dentro do Estado ou entre entidades públicas, uma “privatização imperfeita”[xiv].


3. Privatização e Reprivatização: uma realidade portuguesa


Dados seis conceitos jurídicos do fenômeno privatizador, é interessante destacar as reprivatizações, uma particularidade muito típica da realidade portuguesa, consequente da política de nacionalizações e do programa constitucional a partir do processo revolucionário de 25 de abril de 1974.


Em conseqüência a isso, a partir da revisão constitucional de 1989, deu-se inicio ao processo de privatização e de reprivatização do setor público. Isso porque foi nessa revisão que fora retirado da lei fundamental portuguesa o princípio da irreversibilidade das nacionalizações


Enquanto privatizar é transferir ao privado aquilo que nunca houvera antes pertencido a este setor, reprivatização é justamente o processo de devolução ao setor privado empresarial das empresas que anteriormente foram alvo de estatização no processo de nacionalização.


Assim sendo a reprivatização contêm basicamente três características: a) a transferência da propriedade do bem público para o setor privado; b) que o adquirente deste objeto esteja inserido no setor privado típico – não incluindo, portanto, empresas sob organização privada, porém de gestão e/ou titularidade total ou majoritariamente de entidade pública – sob pena de haver tão somente configurada uma “reprivatização imperfeita”; c) e ainda, principalmente, que o bem em causa transferido tenha já anteriormente pertencido ao setor público.


Quanto à principal diferença entre privatizações e reprivatizações, ela se dá quanto à existência de um regime jurídico diferenciado no desenrolar do processo de ambos os fenômenos. Nesse sentido, o artigo 293º da CRP (antigo 296º renumerado com a Revisão Constitucional de 2004), determina que para regulamentação das reprivatizações seja aprovada, por quorum especial, lei-quadro que reja esse processo. Todavia o próprio texto constitucional já prescreve algumas diretrizes específicas desse projeto:


Artigo 293.º


(Reprivatização de bens nacionalizados depois de 25 de Abril de l974)


1. Lei-quadro, aprovada por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, regula a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de l974, observando os seguintes princípios fundamentais:


a) A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974 realizar-se-á, em regra e preferencialmente, através de concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública;


b) As receitas obtidas com as reprivatizações serão utilizadas apenas para amortização da dívida pública e do sector empresarial do Estado, para o serviço da dívida resultante de nacionalizações ou para novas aplicações de capital no sector produtivo;


c) Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem titulares;


d) Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização adquirirão o direito à subscrição preferencial de uma percentagem do respectivo capital social;


e) Proceder-se-á à avaliação prévia dos meios de produção e outros bens a reprivatizar, por intermédio de mais de uma entidade independente.”


Quanto a esse regime específico destinado ao processo reprivatizador é importante esclarecer que ele se destina propriamente às empresas estatizadas a partir do processo de nacionalização do 25 de abril 1974. As empresas que antes disso tenham sido transferidas do setor privado para o setor público, portanto que não tenham sido alvo de nenhum ato de nacionalização, devem ser privatizadas pelo processo natural de privatização. Além disso, no que se segue a disposição do nº 2 do referido artigo 293º[xv], na transferência do setor público para o setor privado das pequenas e médias empresas situadas fora dos sectores básicos da economia, que foram indiretamente nacionalizadas, poderá o legislador optar entre seguir o processo ordinário de privatização e o especial das reprivatizações.


4. Princípios Constitucionais justificadores do fenômeno Privatizador


Como dito, apesar de ser a privatização um fenômeno complexo e transdisciplinar, ela, como qualquer atividade dentro de uma sociedade e, sobretudo, qualquer atuação de entes públicos, está vinculado intimamente às disposições e princípios constitucionais. É fato que em muitas vezes suas normas indicam objetivos e valores gerais a serem seguidos pelo poder público, deixando aos governantes, grande margem de decisão política para escolher quais os melhores caminhos a serem trilhados na busca pela efetivação do texto constitucional.


Mas não por isso pode-se deixar de mencionar quais os cardeais princípios constitucionais justificadores do fenômeno privatizador.


4.1. Princípio da persecução do Interesse Público


É inerente a qualquer sociedade a percepção do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado enquanto princípio geral do Direito[14]. Isso porque a observância deste princípio é pressuposto lógico para o convívio social[xvi]. Leia-se que o interesse público não se confunde com o interesse do Estado[15], mas sim com os interesses da coletividade, ou seja, dos indivíduos enquanto corpo comum[xvii]. Ainda mais no que se considere um estágio de Estado de Bem estar no qual vivemos hoje.


De mesmo modo, há de se considerar sempre uma aplicação de tal princípio tendo em consideração os princípios da proibição do excesso e razoabilidade, tendo em vista a existência de uma esfera de subjetividade comum a cada indivíduo, próprio da dignidade da pessoa humana inerente a cada cidadão. Desse modo, é necessário observar que existem esferas de subjetividade do particular que nem mesmo a coletividade pode-se sobrepor.


Naturalmente, maior ainda é a vinculação da atuação Estatal, exercida diretamente pela Administração Pública, por entidade pública, ou mesmo por entidades privadas, à persecução do interesse público. Assim sendo os diversos outros princípios do Direito Administrativo guardam intima relação com a persecução do interesse público. Dado seu sentido extremamente amplo e diluído, o interesse público funciona tanto como fundamento a um processo privatizador da Administração, bem como fundamento a seus limites[16]. Isso porque a persecução do interesse público não obriga, necessariamente, uma intervenção direta pela Administração, mas também da utilização de meios tipicamente jurídicos para atingir esse objetivo da forma mais eficiente.


Por isso mesmo, nada impede que mesmo depois de feita uma privatização, a Administração Pública, na superveniência de um interesse público reverta-a através de uma nova apropriação pública[17]. No que diz respeito a Portugal, a Constituição Portuguesa não prevê qualquer garantia de irreversibilidade das privatizações, estando a critério do legislador ordinário qualquer disposição nesse sentido.


Nesse sentido, alguma discussão se faz presente quanto ao reconhecimento pelo ordenamento português do princípio a liberdade de iniciativa e organização empresarial,[xviii] inclusive ao setor público. Naturalmente, a “liberdade” do setor público sempre estará limitada pela legalidade, razão base de qualquer atuação dentro da esfera pública.


O setor empresarial público pode, por razões de eficiência e persecução do interesse público, utilizar formas organizativas tipicamente jurídico-privadas para assim atingir melhor seus objetivos[xix], em se considerando sempre ser esta uma “liberdade” condicionada pelos parâmetros de legalidade. Assim sendo, não se poderia tratar propriamente de um “princípio de liberdade de iniciativa e organização empresarial pelo setor público”, mas tão somente, de uma “liberdade política” do legislador e dos agentes públicos em decidir quais os melhores meios e formas para atingir-se o interesse público, podendo-se desse modo falar apenas em um princípio de liberdade de competência[18].


4.2. Princípio da Eficiência


O conceito de eficiência, a priori, está muito mais ligado à ciência da economia do que propriamente a ser um conceito jurídico[19]. Diz respeito principalmente a uma idéia atingir o maior e melhor resultado despendendo uma de menor quantidade de gastos, ou seja, “fazer acontecer com racionalidade”. Portanto o conteúdo do princípio da eficiência[xx] é a relação entre os meios e os resultados. É assim uma vertente de um princípio mais amplo mais intensamente trabalhado pela doutrina italiana, o “Princípio da Boa Administração”[20].


O princípio da eficiência, e também o princípio da boa administração, guardam importante relação com a cláusula de Estado de Bem-estar comum ao modelo de Estado Social. Naturalmente sob o signo da legalidade, cabe à administração buscar os meios mais adequados e racionais para o melhor desempenho e cumprimento das tarefas públicas.


A introdução de uma lógica privada, seja por qualquer uma das formas de privatização, torna sua atuação mais eficiente graças a uma maior dinamicidade comum à atuação particular devido à menor quantidade e intensidade de vinculações que esses possuem com relação ao Direito Público.


Assim o fenômeno privatizador pode representar a modernização da estrutura econômica, instalando através da lógica de mercado uma ambiente concorrencial favorável ao desenvolvimento de maior eficiência no desempenho de tarefas públicas e no setor empresarial[xxi].


Em um primeiro momento, na observância deste princípio pode-se justificar a privatização do acesso a uma atividade econômica ou do capital social de entidades empresariais públicas. Isso porque ao inserir nessa atividade ou empresa uma lógica lucrativa e de mercado, obriga, necessariamente, a sua adequação a um desempenho com maior eficiência na prestação das tarefas e na organização dos meios de produção.


Basear uma justificativa da privatização da gestão ou da exploração de tarefas públicas pelo princípio da eficiência tem ainda mais relevância. Isso porque ao submeter as tarefas públicas a uma dinâmica empresarial privada, introduz nessas áreas a mesma lógica lucrativa e de mercado. Desse modo, o Estado indiretamente maximiza a respectiva eficiência do serviço, além de aumentar sua utilidade econômica e social, ao transferir para a sociedade civil esta atividade. Além disso, quando o Estado cede a gestão ou exploração de tarefas públicas a entidades privadas, a responsabilidade pelo correto desempenho permanece sendo da administração que deve fiscalizar, sancionar e cobrar a devida performance que deve ser desempenhada com a devida eficiência. Dessa forma, se a privatização passa a ser a forma pela qual o Estado desempenha as tarefas públicas, ainda que indiretamente, pela forma mais eficiente.


De mesmo modo vê-se quanto à adoção das formas organizativas privadas pela Administração ou mesmo da utilização do Direito Privado enquanto direito regulador. A “desburocratização” da atividade administrativa gera uma melhor qualidade e menor dispendioso desempenho do setor público, tornando-o mais dinâmico, portanto eficiente.


 Por fim, a privatização da regulação administrativa da sociedade, ficando reduzido o peso da intervenção reguladora do Estado sobre a área econômica e social, torna o setor “desestatizado” mais fluido e livre de vinculações, e de mesma forma, mais eficiente.


4.3.Princípio da Participação


Quanto ao princípio da participação que no ordenamento constitucional português encontra abrigo no artigo 2º, artigo 80º/e, artigo 267º, nº 1 e nº 5[xxii], ele é decorrente diretamente do sistema de democracia participativa. Isso porque ele consiste em permitir aos administrados participação direta na gestão dos negócios do Estado e da coletividade, funcionando complementarmente aos direitos políticos do cidadão[xxiii].


A privatização pode representar uma transferência à sociedade civil de poderes decisórios antes concentrados no aparato estatal, promovendo assim a participação dos cidadãos. A título de exemplo, a privatização da regulação de determinados setores, ou melhor dizendo, a “desregulação” pública de determinados setores antes regulamentados através de normas estatais, acaba por transferir, total ou parcialmente, à sociedade civil, o controle sobre tais atividades, e assim promove o dito “capitalismo popular”. De mesmo modo ocorre quando há a abertura de atividade anteriormente monopolizada pelo setor público à iniciativa privada. Igualmente vê-se os casos de transferência da gestão de tarefas públicas ao setor privado, cabendo assim ao particular sua gestão. Ou ainda, na transferência da titularidade, parcial ou totalmente, do capital social de empresas públicas, havendo uma abertura da participação do capital privado em empresas e entidades até então públicas.


4.4.Princípio do respeito pelas vinculações comunitárias


Apesar de o Direito Comunitário consagrar o princípio da neutralidade no que diz respeito ao regime de propriedade dos diversos Estados-membros da comunidade, tem-se que se trata de uma neutralidade relativa[xxiv]. O fato é que o Direito Comunitário impõe à iniciativa econômica pública e privada as mesmas regras de funcionamento, impedindo que o setor econômico público seja tratado de forma diferente no mercado.


Em primeira analise é importante destacar que no ambiente europeu as empresas públicas estão sujeitas às mesmas normas de atuação das empresas privadas, sendo vedado qualquer favorecimento estatal àquelas. Desse modo pode-se dizer que o Direito Comunitário favorece uma tendência privatizadora, seja das formas, critérios de gestão e/ou processos dentro do setor público, seja na própria transferência da gestão ou da titularidade de tais empresas públicas ao setor privado, para assim adaptarem-se melhor à lógica concorrencial do mercado.


De mesmo modo, e até em conseqüência dessa vedação de discriminação positiva ao setor empresarial público, o Direito Comunitário impede a possibilidade das empresas públicas receberem qualquer auxílio financeiro dos Estados, prática que fora comum em diversos Estados-membros. Assim sendo, as Administrações nacionais viram-se obrigadas a redimensionar o setor empresarial público de modo a racionalizar sua atuação, adequando-a a essa nova realidade, o que exigiu por vezes encerrar empresas inviáveis, e por vezes, efetuar a privatização de outras.


Desse modo é possível identificar que ao propugnar os princípios da igualdade entre as empresas públicas e privadas, da economia de mercado aberto[xxv] e o da livre concorrência, o Direito Comunitário assume uma postura favorecedora do processo privatizador.


4.5.Princípio da Subsidiariedade do Setor Econômico Estatal


Muito se discute a respeito da efetiva existência de um princípio Constitucional da subsidiariedade da iniciativa econômica estatal. Parte da Doutrina encontra-o de forma implícita na própria Constituição enquanto conseqüência do próprio princípio de Estado de bem-estar, ou mesmo, como conseqüência impreterível às vinculações comunitárias.


Seu significado seria o de reservar ao setor econômico estatal justamente aquelas áreas que o próprio mercado não é capaz de preencher autonomamente (como foram os casos, por exemplo, do sistema de seguridade social durante o New Deal[21]). Assim, deveria o Estado agir sobre o setor econômico apenas subsidiariamente, apenas na incapacidade do próprio mercado.


Particularmente não nos alinhamos a essa corrente. Não se vê uma dedução direta e necessária à cláusula de bem-estar o entendimento da subsidiariedade do setor econômico empresarial. A maior ou menor intervenção na economia trata-se de um campo de decisão política do legislador/administrador ao definir quais devem ser os graus de intervenção ou abstenção do Estado no setor empresarial. Muito mais importante é a compreensão, como dito, dos princípios da prossecução do interesse público e da eficiência. Estes sim devem nortear sempre qualquer atuação da Administração. Todavia, a decisão por um modelo mais ou menos intervencionista de Estado cabe aos representantes eleitos pelo povo, naturalmente observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


Ainda em se considerando um modelo de economia de mercado aberto, livre iniciativa e igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas, como o resguardado pelo Direito Comunitário, se o setor público empresarial for competitivo o suficiente para sustentar-se dentro da lógica capitalista, nada obsta sua atuação não meramente supletiva na economia[xxvi], mas também de forma concorrencial.


5. Processos de privatização da Administração Pública


Explicitado os principais conceitos relacionados à privatização, e quais os princípios constitucionais norteadores e justificadores do fenômeno, importa classificar quais os meios utilizados para a privatização. São eles basicamente de três ordens: diretamente por ordem legal (ope legis); por típicos meio jurídico-administrativos; por meios jurídico-privados[22].


5.1 Ope legis


Toda a atividade administrativa é intimamente vinculada ao princípio da legalidade, portanto, qualquer atuação da Administração pública só terá fundamento se em razão de lei. Todavia, a privatização ope legis diz respeito justamente às privatizações determinadas diretamente pelo legislador, não carecendo, portanto, de nenhum ato jurídico ou intervenção material subsequente.


Esse método é comum, via de regra, não propriamente à transferência da titularidade de bens públicos ao setor privado ou da gestão de tarefas públicas a particulares. É sim mais conveniente às ocasiões de privatização do direito regulador da Administração Pública. São os casos: da privatização da regulação administrativa da sociedade através de “desregulação” ou “desregulamentação” de certas matérias anteriormente normatizadas pelo Estado; da abertura à iniciativa privada de atividade econômica anteriormente reservada ao monopólio público; da privatização das formas organizativas de empresa pública feitas por operação direta de lei; ou ainda, da determinação legal de na atuação da Administração pública aplicar-se o direito privado.


5.2. Por típicos meio jurídico-administrativos


Nesse tipo de processo a privatização não se faz por obra direta e imediata da lei, mas sim através de mecanismos tipicamente jurídico administrativos, tais como a concessão (seja por ato administrativo ou por contrato administrativo) e a delegação. Apesar de a Administração ser regida pela legalidade, portanto, quaisquer de seus atos necessariamente têm de estar de acordo e motivados pela lei, nessa modalidade, a determinação legal será tão somente a causa mediata da privatização. Assim, o legislador apenas concede à própria Administração pública a competência para, por meio de instrumentos jurídico-públicos, efetivamente proceder à privatização. Portanto, a decisão inicial de privatizar é tomada pelo legislador, todavia, é a Administração que efetuará tal processo.


Essa qualidade de processo de privatização é comum na transferência à particulares da gestão ou exploração de tarefas administrativas, ou ainda, na privatização do capital social das entidades empresariais públicas, como por exemplo, através de processos de alienação de ações precedidos de concursos público.


5.3. Por meios jurídico-privados  


Por fim, há ainda a possibilidade da privatização ser efetuada através de meios tipicamente jurídico-privados, tal qual a privatização de empresas públicas por subscrição pública, ou com a abertura do capital social de empresas públicas por meio de oferta pública de venda em bolsa de valores, ou ainda, a utilização pela Administração Pública de formas de organização tipicamente jurídico-privadas, como a criação de entidades privadas por escritura pública.


Vale a ressalva de que, ainda que o meio utilizado em tal processo seja tipicamente jurídico-privado, a decisão por tal modalidade de privatização é essencialmente pública. Mesmo a utilização de mecanismos jusprivatísticos nesse processo nunca deixa de envolver certa publicização. Isso porque a decisão que determina a utilização de meios de direito privado no processo privatizador é tomada através de um ato legislativo, ou ainda, de uma decisão da própria Administração, sendo assim um ato jurídico submetido ao Direito Administrativo, consequentemente, submetido aos parâmetros da legalidade[xxvii].


6. Fenômeno da difusão da Administração Pública sob formas e instrumentos jurídico-privados: “Fuga para o Direito Privado”


Tratando da privatização enquanto um fenômeno amplo e complexo, observando dentro deste conceito uma gama variada de vertentes, uma delas que merece apreço diz respeito à difusão da Administração Pública sob formas jurídico-privadas. Ou seja, a utilização pela Administração de formas organizacionais, procedimentos, institutos e até regimes jurídicos de direito privado, o que Luís Cabral de Moncada denomina “privatização formal”[23]. Como dito anteriormente, essa forma de privatização é dita apenas formal porque não ocorre a transferência da titularidade de entidades públicas nem mesmo da gestão de tarefas públicas para o particular. Ela corresponde ao tão propagado fenômeno da “fuga para o Direito Privado”[24].


Essa realidade foi comum a vários países, sendo este modelo de privatização o ponto inicial de um caminho comum para uma posterior privatização plena. Inicialmente transformando-se o organismo público em sociedade comercial com participação total ou majoritária do Estado, para em seguida efetivamente privatizá-la. Em Portugal, esse fenômeno teve início com a Lei nº 84/88 de 20 de junho, que determinou a transformação de empresas públicas em sociedades anônimas e logo em seguida da Lei-Quadro das privatizações nº 11/90 de 5 de abril.


A opção pela utilização do Direito Privado pela Administração tem fundamento basilar no princípio da eficiência. As características de maior fluidez, dinamicidade e menos vinculações, despertam o interesse pela utilização de meios que propiciam maior liberdade e igualdade nas relações entre Administração e particulares. Entretanto, as maiores vinculações administrativas têm sua razão de ser, e por vezes não podem ser ignoradas, sobretudo nos campos em que o Estado exercer funções de soberania, ou ainda, nas vinculações de garantia aos administrados.


É instintivo que as funções de soberania, por sua própria natureza, sejam alvo de maiores impedimentos quanto à utilização de figuras de Direito Privado, não sendo necessários maiores desenvolvimentos sobre o tema. Mas, além disso, ainda é importante ressaltar desde já que a existência de maiores vinculações no Direito Administrativo por muitas vezes não têm por objetivo simplesmente garantir uma posição de autoridade das entidades públicas, mas sim proteger o particular contra a força hegemônica estatal.


Fato é que a simples utilização de meios tipicamente privados pela Administração Pública não é por si só capaz de tornar uma relação entre particular e entidade pública uma relação de igualdade. Sendo necessário, para tanto, uma adequação dos mecanismos jusprivatísticos através de uma publicização do Direito Privado utilizado pela Administração. Isso porque a diminuição das vinculações comuns ao Direito Administrativo através da utilização do Direito Privado pelo setor público pode representar uma patente fórmula autoritária, como o caso em que a própria Administração discricionariamente atribui a si própria a liberdade de optar pelo direito regulador aplicável. Nesse caso a utilização de tais meios representaria muito mais que uma fuga do Direito Administrativo para o Direito Privado, mas a bem da verdade, significaria uma “fuga do próprio Direito”, ora nesses casos o Direito Privado não oferecer as garantias suficientes aos administrados.


Todavia, é importante ressaltar que em se tratando de entidades empresariais públicas dotadas de personalidade jurídica privada – sociedades de capitais públicos e sociedades de capitais mistos – a utilização do Direito Privado não caracterizará nenhum processo de “fuga”, ora que o ordenamento-regra regulador dessa atividade é justamente o Direito Privado. Isso em razão, tanto do Direito Comunitário, que vela pelo princípio da economia de mercado aberta e livre concorrência, quanto pelos valores constitucionais da igualdade e legalidade de competência – este último no que se refere à reserva constitucional do exercício normal dos poderes de autoridade para as entidades públicas[25]. Entretanto, mesmo que utilizando formas de organização de Direito Privado, essas empresas são vinculadas à prossecução do interesse público, e por isso, devem aplicar um Direito privado especial da Administração, vinculado aos Direitos e princípios constitucionais, principalmente, à igualdade e imparcialidade.


De outro modo, ocorre no setor público empresarial. Não se aplica automaticamente o Direito Privado por estas empresas, mas tão somente quando houver ordem normativa de natureza jurídico-administrativa. Como sempre, nesses casos a utilização de instrumentos jurídico-privados se dá por razões de persecução do interesse público e eficiência. Contudo, pode-se identificar que em respeito aos princípios constitucionais e comunitários da livre-concorrência, igualdade, e economia de mercado, via de regra, é o Direito Privado que pautará as atividades do setor público empresarial. Entretanto, neste caso, ainda maior será o grau de publicização do Direito Privado utilizado. Seja pela própria personalidade jurídico-pública dessas entidades, seja pelas determinações do artigo 2º, nº 5 do Código de Processo Adminsitrativo português. Desse modo, pode-se enquadrar dois graus distintos de publicização do Direito Privado utilizado pela Adminsitração. Em grau menor de adminsitrativização, aquele utilizado pelas empresas públicas de personalidade privada, e em grau maior de vinculação aos ditames de Direito Administrativo, o Direito Privado utilizado pelo setor publico empresarial[26].


Assim sendo é necessário identificar que a utilização do Direito Privado pela Administração deverá ser instrumental, e que esta nunca poderá dispor de autonomia de vontade, só admissível aos particulares. Há quem sustente essa condição a partir da doutrina dos dois níveis, «Zweistufenlehre», na sua abordagem quanto à instrumentalização das decisões que optam pelos mecanismos jurídico-privados[27].


No que se refere às principais amostras do fenômeno da difusão da Administração Pública sob formas jurídico-privadas, pode-se estabelecer três principais campos de manifestações: a) privatização das formas organizativas da Administração; b) privatização do Direito regulador da atividade administrativa; c) privatização das relações laborais intra-administrativas.


6.1.É consequência direta da privatização das formas organizativas, não apenas uma privatização natural do setor público, mas como uma publicização reflexa de parte e institutos do setor privado. Exemplo do primeiro fenômeno pode-se facilmente identificar pelo fato de a Administração assumir formas de organização tipicamente privadas tal como a sociedade comercial. Enquanto isso, diversas sociedade do tipo societário passam a ter poderes de autoridade, de mesmo modo, o interesse público também passa a ser um dos princípios norteadores dessas entidades que a rigor possuem uma estrutura formal de Direito Privado, dentre outras transformações.


De mesmo modo ocorre com a privatização do Direito regulador da atividade administrativa. O Direito Privado aplicado pela Administração não é igual ao utilizado nas relações particulares, ele sofre uma publicização, surgindo inclusive entre a doutrina alemã a idéia de Verwaltungsprivatrecht.


Por fim pode-se falar de forma autônoma da privatização das relações laborais intra-administrativas. Apesar de ser em boa parte coincidente à idéia de utilização de Direito Privado pela Administração, o contorno de natureza tipicamente híbidra do Direito do Trabalho, e caracterização do regime de funcionalismo público enquanto garantia institucional constitucionalmente reconhecida, dá azo à individualização dessa categoria. Em conseqüência desse fenômeno vê-se ao mesmo tempo a fuga ao regime do funcionalismo público, mas também uma publicização do regime de emprego público.


7. Publicização do Direito Privado: Verwaltungsprivatrecht


Como dito, a utilização de formas tipicamente privadas pela administração públicas não pode significar um afastamento das vinculações jurídico-públicas fundamentais da Administração, sob pena de não se tratar de uma mera “fuga para o Direito Privado”, mas sim de uma “fuga do ordenamento jurídico”, “fuga do Direito”. Portanto qualquer que seja a atividade da Administração, ela deve ser limitada pelas vinculações jurídico-públicas, sobretudo no que diz respeito aos Direitos Fundamentais[xxviii].


Portanto, em resposta a essa “tentativa” de fuga das vinculações jurídico-públicas da Administração através do Direito Privado, o que ocorre é um processo reflexo à privatização, que seja, a publicização do Direito Privado utilizado pela Administração, podendo-se inclusive se falar em um Direito Privado especial, o Direito Privado da Administração[28]. Nessa esteira surgiu na Alemanha o conceito de Verwaltungsprivatrecht, enquanto esse Direito Privado publicizado utilizado pela Administração. A princípio atribui-se a H. J. Wolff, juspublicista alemão, a formulação inicial desse conceito, mas contemporaneamente, Wolfgang Siebert, partindo o Direito Privado fez formulação similar. Pouco importa qual dos dois doutrinadores foi o primeiro a definir essa característica sui generis do direito Privado da Administração, interessante é que, mesmo Wolff partindo de uma perspectiva de Direito Público e Siebert partindo do Direito Privado, ambos chegaram ao ponto em comum de identificar que os instrumentos jurídico-privados utilizados pela Administração Pública eram necessariamente alvo de um publicização.


A Administração, seja atuando por meio de instrumentos tipicamente jurídico-públicos, seja por instrumentos jurídico-privados, não deixará de assumir uma posição diferenciada do particular, estando cerceada de uma hipotética autonomia privada. Segundo Stober, as normas de Direito Privado, nesse caso, seriam “complementadas, ultrapassadas e modificadas” pelas normas de Direito Público[29]. Segundo Cantucci quanto à Administração e sua condição de atuar segundo instrumentos jurídico-públicos e jurídico-privados, “a esta dupla capacidade não corresponde uma dupla personalidade: a administração, se quando age com formas e procedimentos de direito público, seja com formas e procedimentos de direito privado, age sempre para o fim ou para o conjunto de fins para os quais foi constituída”[30] .


Assim, enquanto aspectos dessa publicização, pode-se destacar, por exemplo, a exigência de autorização legal para a atividade jurídico-privada da Administração, vinculações especiais na utilização dos instrumentos de Direito Privado (principalmente no que concerne às vinculações ligadas à proteção de Direitos Fundamentais) ou mesmo confundir, ou misturar as atividades da Administração em funções de soberania com aquelas que não desempenham esse papel.


8. Vinculações jurídico-Públicas da Administração Pública na utilização do Direito Privado


Qualquer que seja a atuação da Administração Pública ela será sempre pautada por uma série de valores, de ordem legal e constitucional, que funcionam como modeladores da vida administrativa do Estado e entidades públicas. Porém, é possível observar-se diferentes graus de influência dessas vinculações dentro da atividade pública. Enquanto, por exemplo, em um patamar de extrema vinculação identifica-se o desempenho de funções de soberania, em outro, como na atuação empresarial estatal vê-se menor influência. Todavia, não há como se falar em qualquer atuação pública que não observe esses limites.


Assim sendo, se por um lado as vinculações jurídico-públicas na utilização de instrumentos jurídico-privados pela Administração Pública representam os limites à utilização de tais mecanismos por entidades públicas, por outro, representam condições moldadoras desse Direito Privado especial que é o Direito Privado da Administração. E elas atuam não apenas no que diz respeito a esse tipo de privatização formal – mera utilização de instrumentos e formas jurídico-privadas por entes públicos – como também na gestão de tarefas públicas por entidades essencialmente privadas, ou enquanto barreiras à privatização plena – efetiva transferência total ou majoritária da gestão e capital social de entidades públicas para o setor privado.


Aqui tratar-se-á de elencar as principais vinculações dessa natureza que são inerentes à Administração Públicas no que diz respeito ao processo privatizador em suas diversas vertentes. Em grande parte elas são manifestação dos próprios princípios gerais do Direito Administrativo, e mais que isso, dos Princípios Gerais do Ordenamento. Em boa medida, são conceitos normativamente abertos e amplos, tal qual interesse público e juridicidade, e na maioria das vezes de ordem constitucional.


8.1. Interesse Público


O princípio da prossecução do interesse público já fora trabalhado anteriormente enquanto princípio justificador do fenômeno privatizador, mas ele ocupa também a posição inversa nessa relação, enquanto vinculação inibidora, ou ao menos conformadora do processo privatizador.


A prossecução do interesse público é justamente o objeto que distingue a administração pública da administração privada. Enquanto a primeira visa (ou deve visar) somente o interesse da coletividade, a segunda ambiciona promover e proteger interesses individuais.


É inegável o nível de vinculação que a Administração possui em relação a este princípio na sua atuação. Nas palavras da professora Maria João Estorninho, “o interesse público é indissociável de toda e qualquer actividade administrativa”[31]. Todavia, em certa medida, com o movimento de constitucionalização do Direito Privado, muitas das figuras tipicamente jusprivatísticas são influenciadas e moldadas pelo interesse público. Sãos casos, por exemplo, da necessidade da propriedade cumprir sua função social, ou mesmo, de determinadas limitações existentes à autonomia da vontade dos contraentes como modo de proteger os indivíduos. Portanto, não haveria tão pouco como afastar a influência do princípio da persecução do interesse público no Direito Privado da Administração. Isso porque o uso de processos de Direito Privado pela Administração não significa que esta não esteja a gerir interesses da coletividade, portanto, exercendo uma gestão pública. Sem esse entendimento, o princípio da prossecução do interesse público não passaria de mero expediente ideológico e sem força normativa qualquer.


Nesse sentido o ordenamento jurídico português confirma a persecução do interesse público como princípio da atuação administrativa tanto no artigo 266º da CRP[xxix] como no Código de Procedimento Administrativo (CPA), artigo 4º[xxx], complementado pelo artigo 2º do mesmo código[xxxi]. Por isso não se pode justificar a utilização de meios, formas e procedimentos de Direito Privado como tentativa de fuga a essa tão cara vinculação definidora e legitimadora da atuação Administrativa.


Para tanto, é importante definir que é inerente à própria idéia desse macro princípio, sua característica de só a lei poder definir normativamente qual o interesse público a ser perseguido pela Administração, não cabendo a ela própria fazê-lo. Manifestação essa típica e esclarecedora do modelo de Estado de Direito ocidental, e de sua forma organizacional básica, a Separação dos Poderes[32] e de um de seus corolários mais fundamentais, o princípio da legalidade. Portanto pode-se qualificar a indisponibilidade do interesse público, mesmo que pela Administração Pública[33].


Ainda assim, por vezes o interesse público designado em lei não suficientemente concreto para a aplicação direta pela Administração, nesses casos, cabe a esta, através de seu poder discricionário, completar o sentido da lei “imprecisa” para designar qual interesse corresponde o interesse da coletividade. Isso porque, como dito, a própria noção de interesse público é “variável, abrangente e flexível”, mas que ainda assim, é cogente e exigível à Administração[34]. Portanto, qualquer que seja a forma de manifestação da Administração, ela terá sua competência sempre pautada pelos fins a que fora criado, mediatamente, o bem da coletividade.


Destarte qualquer atuação Administrativa, ainda que por meios jurídico-privados que não correspondam à prossecução do interesse público, tratar-se-á de um nítido caso de “desvio de poder”, nesse sentido também a professora Maria João Estorninho muito precisamente questiona: “que outros interesses poderia a Administração Pública prosseguir legitimamente no nosso ordenamento jurídico, para além daqueles fins de interesse público que a lei especificamente coloca a seu cargo?”. Em se considerando que o interesse outro perseguido pela Administração na questão relacionada à pergunta seja o interesse secundário – este como sendo o interesse da entidade pública, mas não propriamente o interesse da coletividade – a resposta apontaria para o enquadramento de tal caso na situação de “desvio de poder”. Mas ainda, quando em casos mais graves, o interesse perseguido pela entidade privada seja um interesse privado de um particular, tratar-se-á então de um caso de corrupção.


Portanto, é inexorável identificar à Administração o dever de persecução interesse público, seja na escolha pela adoção ou não de meios jurídico-privados(em nome da eficiência, decorrente do próprio princípio do interesse público), seja no momento da escolha de quais meios e de como serão eles utilizados para atingir os fins típicos da Administração.


8.2. Princípio Legalidade e da Juridicidade


Como dito, é próprio do modelo de Estado de Direito a sujeição da Administração à legalidade. Esse princípio é decorrente tanto a característica de indisponibilidade da Administração sobre o interesse público, da fórmula de organização típica do Estado de Direito – a Separação dos Poderes –, como também do caríssimo princípio da segurança jurídica[xxxii].


No Estado Social, a legalidade torna-se ainda mais ampla do que o era no Estado Liberal, passando em boa medida a ser considerado um “princípio de juridicidade da administração”, estando essa, portanto, adstrita não somente à lei, não somente à Constituição, mas a todas as regras e princípios da ordem jurídico-constitucional devem ser consideradas no desempenho da Administração[xxxiii]. De mesmo modo, se na idéia liberal a lei tinha a função primordial de limitação da Administração, sua formulação negativa, na fase contemporânea do Estado Social ela possui também um caráter positivo, pois, para além disso, também é o fundamento de qualquer atividade administrativa[xxxiv]. Não existe na Administração Pública liberdade nem vontade pessoal, e enquanto para o particular vale a regra de que é lícito tudo o que a lei não proíbe, para o Direito Administrativo deve-se considerar a máxima, “só é permitido o que a lei autoriza”.


Desse modo é possível identificar duas vertentes à legalidade, o “princípio da precedência da lei” e o “princípio da reserva de lei”. O primeiro diz respeito à idéia da superioridade hierárquica da norma legal, não podendo qualquer ato normativo a ela inferior desautorizá-la, ou ser com ela incompatível, contra legem. Enquanto o segundo determina que não poderá haver no campo de atuação da Administração Pública nenhum ato que não seja fundamentado em norma legal, praeter legem.


Mas uma questão se faz no que se refere à legalidade. A finalidade do princípio da legalidade em sua formulação inicial seria justamente o de proteger os direitos e deveres do particular da força onipotente do Estado. Por isso, resta a dúvida se no estágio atual da Administração, quando esta não mais desempenha exclusivamente funções relacionadas às imposições aos cidadãos (relacionada a concepção de “Administração agressiva”) como também age na prestação de bens e serviços (tomando assim a posição de uma “Administração prestadora”), ainda há que se falar de uma vinculação intangível e constante à legalidade, seja qual seja a forma de atuação administrativa. Naturalmente não há como se falar de uma dicotomia tão estanque como a que se apresenta, mas esses são conceitos muito úteis, se levado em conta a essência de sua diferenciação.


Parte da doutrina, muito sustentada pelas lições do juspublicísta alemão Wolff, entende que essa estrita vinculação à legalidade só existiria nos casos em que se encontra uma “administração agressiva”, pois só nesta esfera seria necessária a proteção ao particular, enquanto que essa estrita vinculação estaria afastada quando a Administração atuasse como prestadora.


Por outro lado, nos alinhamos à corrente contrária, que entende a legalidade como vinculadora de toda a Administração, seja ela de caráter “agressivo” seja de caráter “prestador”. Isso porque, mesmo no desempenho da função prestadora, por muitas vezes a Administração Pública exerce seus poderes de autoridade, sempre sendo passível uma violação aos direitos fundamentais dos administrados. Além disso, a importância da legalidade para o controle da adequada atuação e desempenho estatal é imprescindível, de modo que sua inobservância dá maior margem para a existência de prestações incorretas e inadequadas, incompatíveis ao erário, “desvios de poder” e mesmo manobras de corrupção.


Portanto, pode-se encontrar uma gama de formulações nesse sentido que admitem desde uma visão minimalista da “reserva de lei” até aqueles que defendem uma “reserva total de lei”. Mais vastas ainda são as teses intermediárias, sendo importante ressaltar o entendimento acima iniciado, que já era defendido por Wolff, no entendimento de que a “reserva de lei” aplicar-se-ia à “Administração agressiva”, mas não à “Administração prestadora”.


Acompanhando o entendimento expressado pelo já citado artigo 2º do Código de Procedimento Administrativo português, somos do entendimento de que a legalidade deve vincular tanto a atividade administrativa de gestão pública, como a atividade administrativa de gestão privada, seja no que se refere à sua vertente da “preferência de lei”, seja quanto à “reserva de lei”.


Todavia, hodiernamente, o que interessa saber não é propriamente “se” a legalidade é aplicável a toda a Administração pública, mas sim, “como”, em que forma, ela é aplicável. Mesmo dentro da Administração diversas são as formas de subordinação este princípio. Têm-se hoje que ao aplicar/interpretar o Direito, de certo modo também se está completando a norma. Nesse sentido, Eros Grau descreve: “a interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação [Gadamer]”[35]. E assim, é fato que só se pode propriamente aduzir as vinculações do princípio da legalidade/juridicidade à utilização de instrumentos jurídico-privados pela Administração Pública quando da avaliação do caso concreto.


8.3.Vinculações aos Direitos Fundamentais


Originariamente, no surgimento da concepção de Direitos Fundamentais com o Estado Liberal, a intenção primordial dessa construção jurídica era justamente a de proteger os cidadãos frente ao poder estatal. A marcada separação entre Estado e sociedade contribuía ainda mais para essa marcante característica dos Direitos Fundamentais em sua gênese.


Apesar de inegável o maior grau de vinculação da atividade estatal aos direitos fundamentais, com o Estado Social, e a “reconciliação” entre Estado e sociedade, a dimensão dos Direitos Fundamentais deixou de ser apenas referente à relação Estado-Cidadão, e passou também a dizer respeito às próprias relações particulares. Portanto, quando antes se falava em uma eficácia vertical dos Direitos fundamentais – indivíduo-Estado – hoje já se fala da eficácia horizontal desses Direitos – entre os próprios particulares[xxxv].


Nesse sentido, extremamente feliz e clara fora a CRP ao prescrever expressamente a eficácia imediata dos Direitos fundamentais quanto às entidades privadas aos direitos, liberdades e garantias. Nesse sentido é o texto do artigo 18º, da CRP: “1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.


Se esse artigo deixa superada a questão de “se” os Direitos Fundamentais vinculam o particular e o Direito Privado, resta ainda saber “como” se dá essa regulação. Essa discussão é longa, e repleta de diferentes posicionamentos doutrinais[xxxvi], as quais especificamente aqui não cabem discorrer genericamente. Mas necessário se faz atentar a respeito da vinculação da Administração Pública quando da utilização de meios e formas jurídico-privadas, ou ainda, no desempenho de tarefas públicas por particulares.


A Administração, ainda que utilizando de instrumentos jurídico-privados jamais poderá ser considerada um ente privado. A Administração Pública sempre será Administração Pública, independentemente da função que esteja exercendo, da relação que esteja travando, ou do modo como esteja organizada. Nas palavras da Professora Maria João Estorninho, “a Administração Pública em caso algum deixa de estar sujeita ao seu regime próprio de vinculação aos direitos fundamentais (…). Na realidade, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, julgo que, quanto mais se generaliza a actividade administrativa de direito privado, mais frequentes são as ocasiões para eventuais atropelos aos direitos fundamentais dos cidadãos”. Em mesma condição devem-se considerar pessoas coletivas de direito privado quando essas disponham com poderes de autoridade em sua relação com os particulares, como, por exemplo, na gestão de tarefa pública por entidade privada.


8.4.Sujeição a regras procedimentais e jurisdição administrativa


Outra vinculação que deve ser observada quando se trata da utilização de instrumentos e formas jurídico-privadas pela Administração Pública deve ser quanto às regras procedimentais aplicáveis, sobretudo, quando se trata da firmação de contratos.


As regras de procedimento administrativo existem principalmente para garantir o adequado curso e respeito às vinculações jurídico-públicas. Pode-se dizer que é o modo pelo qual formalmente se garante o respeito por essas vinculações. É ainda mais marcante essa necessidade, dado a maioria dos atos administrativos serem atos complexos, portanto, caracteristicamente dotados de plurisubjetividade e de sequência temporal[xxxvii].


Portanto, por este aspecto, a existência de regras procedimentais na administração representa um esforço de tornar objetiva a “vontade da pessoa coletiva”, através da conjugação de uma série de atos e formalidades seqüenciados, praticados pelos diversos órgãos internos a essa pessoa coletiva.


Ainda há outro aspecto a ser exaltado que é quanto à função que as regras procedimentais possuem no controle da persecução do interesse público pela Administração, bem como no respeito aos Direitos Fundamenais – essencialmente a igualdade entre os cidadãos. Nunca é demais lembrar que qualquer atividade da Administração Publica, seja ela praticada direta ou indiretamente, está relacionada à utilização de dinheiro público. O procedimento administrativo é deste modo, uma forma de garantir a juridicidade da Administração. Juridicidade entendida, novamente, como um conceito mais amplo que a legalidade, significando não apenas a estrita vinculação à lei, mas, mais que isso, a vinculação ao próprio Direito em si, à realização do bem comum e à promoção e proteção à dignidade da pessoa humana.


Em contrapartida a acentuação do grau de rigor procedimental espraiado em toda atividade da Administração – marcantemente na contratualização – vai de encontro ao princípio da eficiência, dada maior regulação. Cabe nesse sentido, como sempre, a austera observância ao princípio da proporcionalidade, ao balancear o garantismo com a eficiência.


Destarte, em se considerando o contrato tipicamente de Direito Privado utilizado pela Administração, é inegável que o processo de formação da “vontade administrativa” anterior a contratualização, impreterivelmente processar-se-á através do Direito Administrativo. Esse procedimento preliminar na contratação pela Administração desempenha basicamente três funções: garantir que o contrato privado é o meio melhor e mais adequado ao desempenho do interesse público; consequentemente, garantir a publicidade dos atos da Administração, e por fim, também em decorrência do interesse público, viabilizar um controle prévio de conveniência e juridicidade.


Assim, muito se discute hoje em dia quanto à necessidade de efetivamente se diferenciar dois tipos distintos de contratos utilizados pela Administração, o contrato administrativo e o contrato de Direito Privado. Ou ainda, se não seria mais adequado introduzir-se no ordenamento uma regra que consista justamente em eliminar tal dicotomia na atividade administrativa, unificando-se pura e simplesmente todas as atuações administrativas em apenas um regime único de contratação[xxxviii]. Isso porque, seja qual seja o modelo de contrato escolhido pela Administração, jamais se terá como fugir das vinculações jurídico-públicas que a cerca. Mesmo na firmação de contrato eminentemente de Direito Privado, a vontade contratual da Administração deverá ser obtida através de um procedimento preliminar.


Na esteira do direito comunitário, a caminho da uniformização do modo de contratação da Administração, em Portugal fora editado o Decreto-Lei nº 55/95, registrando a necessidade dos contratos de Direito Privado serem alvo de um preliminar procedimento jurídico-administrativo que assegurem sua juridicidade[xxxix]. O artigo 1º do referido diploma normativo determina seu objeto: “O presente diploma estabelece o regime da realização de despesas públicas com locação, empreitadas de obras públicas, prestação de serviços e aquisição de bens, bem como o da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis”, não fazendo qualquer referência à clássica diferenciação entre contrato administrativo e contrato de direito privado.


De forma diferente se porta o Código de Procedimento Administrativo português. Apesar dele expressamente designar a aplicação de algumas de suas disposições e de seus princípios gerais às entidades jurídico-privadas da Administração, ao mesmo tempo traz os contratos administrativos em título destacado (no Capítulo III da Parte IV). Essa diferenciação vai em sentido contrário da doutrina e do Direito Comunitário que tendem a uniformizar a forma contratual administrativa, de modo a estabelecer regras de funcionamento, competência e vinculação uníssonas para toda a atividade administrativa.


Quanto às esferas de aplicação das disposições do CPA é determinada por seu artigo 2º[xl]. Cabe destacar a especial disposição do nº 5 que determina expressamente a aplicação na atuação da atividade administrativa, ainda que meramente técnica e de gestão privada, os princípios gerais da atividade administrativa referidos no Código de Procedimento Administrativo (capítulo II, Parte I, artigos 3º e ss. Do CPA), bem como das normas que concretizam preceitos constitucionais.


A título de exemplo, observa-se que o artigo 44º, que trata das disposições acerca de impedimentos, corolário do “princípio da imparcialidade”, deve ser aplicado a toda a atividade administrativa, ainda que de gestão privada. De outro modo, ver-se-ia uma fuga das disposições constitucionais e legais referentes à moralidade administrativa, e ao princípio da boa administração.


Mas, ao não estabelecer uma uniformização do regime de contratação na atividade administrativa, o CPA acaba por fomentar uma discussão quanto a qual a natureza qualificação das declarações de vontade da Administração antecedem um contrato jurídico-privado. Além de como que se trava a relação entre esse estágio preliminar, eminentemente de Direito Administrativo, e o próprio contrato de Direito Privado.


O problema em muito se dá porque o CPA não fizera qualquer menção à natureza da fase composta pelos atos que reproduzem a formação da vontade administrativa de contratar, se atos administrativos ou declarações de vontade contratual meramente privadas. Mas isso fica resolvida com o já referido Decreto-lei 55/95 que afirma serem caso de adjudicação os contratos por ele regidos, “administrativos” ou “jurídico-privados”.


Marcadamente em Portugal a doutrina se divide em duas linhas, a primeira, em que o principal expoente é professor Sérvulo Correia, entende que como esses atos preliminares à contratação são regidos pelo Direito Administrativo, ou seja, “em diferentes campos do ordenamento jurídico” em relação à celebração e à execução do contrato. Assim, os efeitos destes atos pré-contratuais da Administração são regidos pelo Direito Administrativo, e de mesma forma a competência jurisdicional para apreciação de seus possíveis vícios seria da jurisdição administrativa. E que a invalidade de tais atos geraria nulidade do posterior contrato de direito privado firmado pela Administração.


Na outra corrente doutrinária, vê-se o posicionamento do Professor Freitas do Amaral. Esta linha de raciocínio entende que essa fase pré-contratual é acessória ao contrato de direito privado, e nessa lógica, prevaleceria o princípio do accessorium principale sequitur. Inclusive, esta linha de pensamento entende a figura do ato administrativo pré-contratual ser desnecessária, dado que sempre será passível de invalidação de tais atos com base no princípio da boa-fé, legalidade ou imparcialidade, ora serem estas questões de ordem pública, e assim capazes de serem fiscalizadas pelo próprio juízo comum.


De fato, entendemos que a melhor opção é aquela que opta pela jurisdição administrativa. Inexoravelmente, os atos conformadores da vontade de pessoa coletiva pública serão atos administrativos, em que se deve ter sempre a observância do interesse público. As maiores garantias e especificidade da jurisdição administrativa são bem mais compatíveis a estas características. Mas é dado que mais importante que se optar por uma ou outra linha de raciocínio, é justamente uniformizar as regras procedimentais e de competência para toda atuação contratual da Administração Pública.


9. Limites à privatização


O fenômeno privatizador, todavia, encontra alguns limites, existindo setores públicos que não podem estar sujeitos a uma privatização plena, pela transferência da titularidade de entidade pública para o setor privado; nem à transferência da gestão de determinada tarefas a particulares; e nem mesmo por uma privatização meramente formal, existindo setores publico que são absolutamente incompatíveis com a utilização de instrumentos jurídico-privados.


As limitações ao processo privatizador não podem ser encaradas de mesma forma em todo o setor administrativo, tendo de ser reconhecidos diferentes limites no que se refere à susceptibilidade da privatização no setor público de natureza não econômica e no setor público de natureza econômica.


Ainda assim, é importante destacar que algumas vinculações limitadoras são comuns a ambos os setores, como são os casos da cláusula de bem-estar[xli], fator de causa e limite da privatização, e da juridicidade, que significa que qualquer privatização só poderá ser efetuada se baseada em lei, ou ato administrativo concretizador de lei que habilite o processo.


9.1. Setor Público de natureza não econômica


No que diz respeito ao setor público de natureza não econômica, a primeira e mais flagrante limitação à privatização diz respeito à reserva dos poderes de soberania ou do núcleo essencial das prerrogativas de autoridade. Entender de modo diferente seria ignorar toda a construção garantista que o Direito Administrativo edificou ao longo dos séculos no sentido de proteger os particulares contra a força opressora do Estado. Entendam-se funções de soberania aquelas referentes à defesa nacional, segurança e administração interna, justiça e negócios estrangeiros.


Assim sendo, é garantido pela CRP que o desempenho das funções de soberania e dos poderes de autoridade com caráter perene são, via de regra, reservados às autoridades públicas. Bem como que seja privativo às formas jurídico-públicas e/ou de Direito Administrativo, o exercício regular ou permanente das prerrogativas de autoridade em áreas tipicamente, ou essencialmente, da atividade administrativa. Assim pode-se identificar uma reserva constitucional em nome das autoridades públicas para o exercício dessas funções e prerrogativas[xlii].


É nítido que os meios de Direito Administrativo são mais condizentes com o exercício dos poderes de autoridade pela Administração. Ora porque historicamente a formação do Direito Administrativo está intimamente ligada à garantia dos particulares frente a esses poderes da Administração, ora o Direito Privado expressar valores como a liberdade e igualdade, não encaixáveis aos desempenhos de tais funções.


Além disso, ao determinar pelo artigo 212º, nº 3, uma reserva material sujeita a jurisdição administrativa[xliii], a Constituição determina também a existência de certas áreas da Administração insuscetíveis de serem privatizadas, sob pena de ver-se uma fuga da própria competência jurisdicional dos tribunais administrativos, constitucionalmente prescrita. Essa competência especializada tem por especial escopo justamente também assegurar as garantias particulares, com especial observância ao que determina o artigo 268º[36].


Outro limite à privatização de atividades do setor não econômico da administração se dá em razão da cláusula de bem-estar e Estado Social que designa a existência de tarefas fundamentais, ou ao menos de incumbência prioritária do Estado, tais quais, educação, saúde e segurança social. Nesse caso, não há vedação ao exercício de tais funções pelo particular, mas somente a imperiosidade deles não deixarem de ser desempenhados também pelo setor público. Isso porque essas funções são essenciais para a concretização e efetivação dos Direitos Fundamentais dos cidadãos, sobretudo, dos Direitos Sociais.


Já no referente à gestão privada de tarefas ou serviços públicos, genericamente a privatização dessas áreas sempre terá de respeitar os princípios da universalidade e da igualdade, ora pela própria natureza da atividade, ora por serem essas tarefas públicas, e por isso, ainda que geridas e exercidas por particulares, têm a responsabilidade mediata por seu adequado exercício vinculada à Administração.


9.2. Setor Público de natureza econômica


Com a extinção do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, não há qualquer preferência as formas jurídico-públicas do setor empresarial do Estado. Pelo contrário, nesse caso, pode-se dizer que as formas de organização e o direito comum a ser aplicado no setor público empresarial naturalmente são as formas e regras do Direito Privado ao invés das do Direito Administrativo (ainda que nada impeça a opção do legislador por entidades públicas empresariais). Sem prejuízo de a decisão quanto à adoção de uma determinada forma societária de organização empresarial pública, ser, em última análise, sempre um ato jurídico-público[xliv].


Há ainda áreas em que existe um setor vedado à iniciativa privada, sendo estes de atuação exclusiva do Sector Público Empresarial ou ainda do Setor Cooperativo. Dessa forma, esses são setores que não são passiveis de privatização – esta entendida nas suas vertentes da transferência da titularidade ou gestão de tarefas públicas. Assim sendo, dois podem ser os motivos apontados para essa vedação à iniciativa privada.


Primeiramente, a vedação à iniciativa privada de determinado setor econômico pode ser designada em razão da cláusula constitucional de Estado de bem-estar. Considerada enquanto garantia do cumprimento de tarefas ou incumbências essenciais do Estado, apresentando-se, desta forma, com uma natureza implicitamente obrigatória.


Como segunda razão, pode ser designada por lei a vedação à iniciativa empresarial privada de determinado setor econômico básico em razão de opção política, cabendo discricionariamente ao legislador a disposição sobre essa decisão. Nesse caso, essa possibilidade existe como forma de proteção a atividades de maior importância econômica ao país[37]. Deixe-se claro que a simples caracterização de um setor da economia enquanto básico, não representa que ele seja automaticamente vedado à iniciativa privada, sendo a demarcação dessa reserva do setor público de opção do legislador[xlv]. Entretanto, a identificação de um setor econômico, enquanto básico, é condição sine qua non para sua vedação pelo legislador, entendendo-se este enquanto “aqueles cuja atividade se integre nos setores mais importantes da economia ou que se envolvam recursos ou serviços essenciais, sem que isto envolva qualquer imposição constitucional de considerar todos estes como sendo sectores básicos para efeitos do artigo 96º, nº3, da Constituição”.


Outro aspecto em que se pese contra a total privatização das atividades públicas, a Constituição Portuguesa determina no artigo 80º, alínea b), a existência de obrigatoriamente três setores de propriedade dos meios de produção, o setor público, o setor privado, e o setor cooperativo e social[xlvi]. De acordo com essa determinação constitucional, nunca poderá haver privatizações em número suficiente de modo a extinguir, ou mesmo tornar praticamente inexistente, os setores público e cooperativo. Desse modo a Constituição Portuguesa veda transferência ao setor privado de mais de 50% do capital social de todas as empresas públicas, ou pelo menos, de tantas empresas que deixe sem efetividade a existência de um setor público econômico. De mesmo modo, proíbe também a integral privatização da gestão ou exploração de tarefas administrativas.


9.3. Privatização das relações laborais intra-administrativas


Por fim, cabe uma nota destacada às limitações à privatização das relações laborais intra-administrativas. É inegável reconhecer a redução do campo de regime de funcionalismo público e o conseqüente avanço das formas típicas de vinculação contratual regidas pelo Direito Administrativo dentro da Administração.


Naturalmente, a Administração não pode aplicar o Direito Privado do mesmo modo que qualquer empregadora privada o faria, sem observar princípios de igualdade e imparcialidade, gozando de liberdade de contratação. A escolha pelo regime de Direito do Trabalho na contratação pública só tem espaço quando fundamentado na persecução do interesse público, e de mesmo modo, é por ele limitado. Desse modo, tratar-se-á sempre de um Direito do Trabalho administrativizado.


Mais que isso, por maior que seja a redução das esferas do regime de funcionalismo público, sempre haverá âmbitos em que esse regime será obrigatório, nomeadamente, no exercício dos poderes de soberania ou no núcleo essencial das prerrogativas de autoridade.


10. Fronteiras entre o Direito Público e o Direito Privado


Por fim, resta discorrer a respeito das implicações que o fenômeno privatizador tem nas relações e fronteiras entre Direito Público e Privado, mas especificamente entre o Direito Administrativo e o Direito Privado.


Há de se novamente relembrar que o surgimento do Direito Administrativo durante o momento liberal teve por objeto justamente criar um direito especial ao Direito privado para regular a atividade estatal, especificamente no que diz respeito ao desempenho das funções de autoridade e soberania. Portanto, o Direito Administrativo eminentemente teve por razão de seu surgimento, proteger o cidadão contra abusos da máquina estatal, vinculando as atividades administrativas a um direito especial.


Mas se inicialmente o Direito Administrativo tratava-se de um ramo jurídico de menor desenvolvimento, e mesmo de certa dependência do Direito Civil, com o seguir do século XIX, mas, sobretudo, com o surgimento do Estado Social, ele passa a ter grande importância dado o alargamento da relação Estado-sociedade.


No entanto, diante de tal alargamento, surge a dúvida do que realmente pode ser caracterizado enquanto Direito Administrativo. Além disso, a recorrente utilização de meios jurídico-privados como modo de atingir o interesse público, e o conseqüente processo reflexo da administrativização de alguns dos instrumentos utilizados, torna ainda mais complexa a demarcação das fronteiras entre Público e Privado. Mais que isso, pode-se inclusive falar em uma verdadeira publicização da vida privada, quando o Estado passa a interferir em atos e acontecimentos anteriormente entendidos como sendo da alçada única do particular. Marca dessa confluência se dá, por exemplo, no reconhecimento constitucional da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais pelo artigo 18º da CRP.


Não raro é a utilização do Direito Privado pela a Administração, como dito, um direito privado adminitrativizado. Nem tão pouco a transferência da gestão de tarefas públicas a particulares, que ainda assim, conservam determinada sujeição a um regime especial de direito público, como deveres e poderes extraordinários ao direito comum.


Visto isso, vários foram os critérios utilizados pela doutrina para identificar qual a “noção-chave” do Direito Administrativo[38]. Essa busca gerou, e ainda gera, uma série de discussões doutrinárias. Seja baseando-se em critérios fundamentados na teoria do interesse, teoria da sujeição, teoria dos sujeitos, teoria estatutária, tem-se que ressaltar, a bem da verdade, que qualquer um deles será incompleto quando parte do pressuposto de se poder fazer uma separação estanque e perfectibilizada entre Público e Privado.


O fato é que a divisão entre Público e Privado tem de ser encarada com uma realidade dialética em que um ramo jurídico influencia e é influenciado pelo outro. Todavia pode-se encontrar a idéia nuclear do Direito Administrativo na harmonização entre a garantia dos particulares e a persecução do interesse público[39].


Para a melhor divisão entre Direito Privado e Direito Público, deve-se buscar fazer uma conjugação dos critérios clássicos, partindo rumo a uma teoria mista. Para isso, deve-se analisar tanto o estatuto, o sujeito, sua natureza e posição, quanto qual o interesse em jogo. Ainda que toda a atividade do setor público deva existir somente em decorrência do interesse público, inclusive a atividade empresarial público, tem de ser considerado qual o interesse imediatamente perseguido pela entidade no caso concreto analisado. É uma questão de se saber se a função exercida é a função administrativa, independentemente de identificar-se ao certo qual a natureza e modo de organização da entidade de que desempenhe.


Mas ainda assim, é necessário ter em mente que não há mais como se falar em uma “homogeneidade ao nível do Direito aplicável à Administração Pública”. Sendo deste modo marcante a existência de diferentes níveis e ocasiões de aplicação de diversos instrumentos, ora tipicamente administrativos, ora privados (administrativizados), mas todos eles enquadrados dentro do próprio ramo do Direito Administrativo[40].


Conclusões


1. Em primeiro lugar é necessário se ter em foco que privatização pode ser entendido sob uma série de perspectivas, todos relacionados a uma passagem do setor público para o setor privado. Portanto, pode-se identificar que se trata de um fenômeno complexo, composto por uma série de diferentes atos e sentidos. Inclusive estando não apenas restritas a conceitos e valores eminentemente jurídicos, mas também se tratando de uma realidade transdisciplinar, envolvendo preceitos da ciência da economia, de economia política, de ciência da administração e de política.


2. Desde a antiguidade, e mais marcantemente durante a idade moderna, já haviam casos do exercício de funções e tarefas públicas por particulares, através de figuras concessionárias, ou mesmo pela criação de sociedades comerciais pela Coroa Portuguesa, para a exploração de determinadas áreas e setores.


3. Contudo, há de se identificar que o fenômeno privatizador apresenta hoje características bem peculiares, e variadas vertentes que em muito guardam relação com os fins identificados hodiernamente ao Estado Democrático de Direito.


4. Desde o surgimento do Estado moderno sempre existiu uma preocupação em adequar-se a atividade Estatal nos padrões do Direito. No estágio absolutista, comum foi a utilização da figura do fisco, enquanto parte da Administração que agia como particular, submetida às regras de Direto Comum, apartada das funções de soberania e da idéia de infalibilidade do rei, e contra quem os particulares poderiam opor em juízo. Com a queda do antigo regime, o Estado Liberal passa a adotar regras específicas para a atuação da Administração Pública excepcionais ao Direito Comum, surge assim o Direito Administrativo, como garantidor do respeito aos direitos individuais do cidadão frente ao Estado.


5. No início do século XX o modelo de Estado Liberal não se apresenta mais suficiente para satisfazer as necessidades da sociedade. Em resposta a isso surge o Estado Social, preocupado com o bem-estar do cidadão, caracterizado pelo reconhecimento dos Direitos Sociais e por uma Administração muito mais interventora na sociedade, e prestadora de serviços à coletividade. Entretanto, o aumento do endividamento público e o inchamento do Estado também deram causa à crise desse novo modelo de Estado. Assim sendo, diante desta nova realidade a Administração volta a alterar seu papel diante da sociedade, tomando uma função muito mais planejadora/reguladora perante a sociedade e os serviços a ela prestados, não intervindo diretamente. Nesse processo de retirada do peso estatal da sociedade e da economia, e da necessidade de maior eficiência da atividade administrativa, acelera-se o fenômeno privatizador.


7. Pode-se identificar de forma genérica três principais tipos de privatização: a) a privatização formal (priva Privatização da regulação administrativa da sociedade; privatização do direito regulador da Administração; privatização das formas organizativas da Administração; privatização do acesso a uma actividade econômica); b) a privatização da gestão de tarefas públicas; c) e a privatização dita plena, que consiste na privatização do capital social de empresas públicas.


8. Em Portugal cabe o destaque para a figura das reprivatizações, que consiste da devolução ao setor privado de empresas tornadas públicas pelo processo de nacionalizações desencadeado a partir do 25 de Abril de 1974.


9. Identifica-se como sendo os mais marcantes princípios constitucionais justificadores do fenômeno da privatização: princípio da persecução do Interesse Público; princípio da eficiência; princípio da participação; princípio do respeito pelas vinculações comunitárias.


10. No que se refere aos processos de privatização da Administração Pública eles se dividem em ope legis – quando operados diretamente em razão de lei; por meios tipicamente jurídico-públicos – quando operados imediatamente por atos da própria Administração; por meios tipicamente jurídico-privados – quando operados imediatamente por meio de instrumentos jusprivados. Nunca é demais ressaltar que independentemente de qual seja o meio imediato de viabilização da privatização, a razão mediata sempre será determinação legal.


11. Nesse contexto, observa-se uma difusão da Administração Pública através de formas e instrumentos jurídico-privados, podendo identificar inclusive um fenômeno nomeado “fuga para Direito Privado”. Se é verdade que a utilização do Direito Privado pela Administração é válida, na medida que signifique sua desburocratização e maior fluência da atividade administrativa, por outro lado ela não pode significar uma fuga das vinculações essenciais que devem pautar a atuação da Administração Pública, sob pena de se caracterizar uma real “fuga do Direito”.


12. Diante disso, é notável que o Direito Privado utilizado pela Administração é o mesmo Direito Privado aplicado pelo particular, sofrendo assim influências das vinculações administrativas, havendo portanto um processo reflexo à privatização, o da publicização do Direito Privado utilizado pela Administração. Podendo-se inclusive se falar em um Direito Privado, o Direito privado da Administração (Verwaltungsprivatrecht).


13. Destarte, é importante destacar que há algumas vinculações jurídico-públicas inexoráveis na aplicação do Direito Privado pela Administração, e que por essa mesma razão o transformam. Ainda que, de mesma forma, há diferentes graus de vinculação, dependendo de qual função desempenhada e de qual sua personalidade da entidade que utiliza desse Direito privado especial da Administração. São as principais vinculações: o próprio princípio da prossecução do interesse público, justificador e limitador do fenômeno privatizador; o princípio da Legalidade e da Juridicidade; as vinculações aos Direitos Fundamentais; e por fim, a sujeição a regras procedimentais e jurisdição administrativa.


14. Desse modo há de se reconhecer que o fenômeno privatizador exige algumas limitações ao seu avanço. São elas, sobretudo, relacionadas às funções de soberania e desempenho dos poderes de autoridade pela Administração; a cláusula de bem-estar; a reserva material da justiça administrativa; a obrigatoriedade da existência de três setores na economia; setores básicos vedados à iniciativa privado por determinação legislativa; e por fim, no concernente às relações laborais intra-administrativas, a necessidade de se manter um regime de funcionalismo público indispensável a algumas áreas da Administração, nomeadamente no âmbito do desempenho das funções de soberania.


15. E enfim, tem de se ter em conta que esses diversos fatores elencados passam a tornar ainda mais complexa a tarefa de estabelecer fronteiras entre o público e o privado, e determinar especificamente o campo de atuação do Direito Administrativo. Entretanto, é preciso se ter em conta que essa é uma realidade dialética, em que há influência e confluência em ambos os ramos do Direito. Não tendo como se falar em uma superação dessa dicotomia, ainda válida para a ciência e prática jurídica, sobretudo no que diz respeito à competência jurisdicional dos tribunais administrativos, mas reconhecendo também uma flexibilização de tal divisão.


 


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Notas:

[i] Artigo apresentado e aprovado como relatório na Disciplina de Direito Administrativo, no Mestrado de Ciências Jurídico-Políticas da FDUL, ministrada pelo Professor Doutor Fausto de Quadros

[ii][ii] Característica expressada maximamente na célebre frase do Rei Luís XIV da Fraça, “l’État c’est moi”.

[iii] Foi na Lei Fundamental de Bonn de 1949 que este termo Estado Social foi constitucionalizado pela primeira vez: “Art 20 (1) Die Bundesrepublik Deutschland ist ein demokratischer und sozialer Bundesstaat”.

[iv] Essa característica inclusive gera a utilização do termo de “Estado de Bem-estar” enquanto sinônimo de Estado Social.

[v] Para maiores desenvolvimentos históricos sobre a privatização da Rússia e suas peculiaridades, STIGLITZ, J.E. A Globalização e seus malefícios. A promessa não cumprida de benefícios globais… pp. 86 e ss.

[vi] Entendendo-se nacionalização como processo inverso ao de privatização, ou seja, pela incorporação de empresas dantes movidas pelo capital particular pela máquina estatal.

[vii] Este será tema tratado mais adiante, mas basicamente trata-se da devolução à sociedade civil de empresas anteriormente nacionalizadas.

[viii] Na Constituição da República Portuguesa: “Artigo 81.º (Incumbências prioritárias do Estado)Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: c) Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público;” e ainda na Constituição da República Federativa do Brasil: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:…”, esse artigo tem a redação dada pela Emenda Constitucional nº19 de 1998.

[ix] Cfr. OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração pública…, pp. 37 e ss.

a) Privatização da regulação administrativa da sociedade;

b) Privatização do direito regulador da Administração;

c) Privatização das formas organizativas da Administração;

d) Privatização da gestão ou exploração de tarefas administrativas;

e) Privatização do acesso a uma actividade econômica;

f) Privatização do capital social de entidades empresariais públicas.

Sem prejuízo de classificações diversas como a de MARTÍN-RETORTILLO, que identifica apenas três diferentes acepções para o termo privatização: a) a utilização de personificações e procedimentos de direito privado pela Administração, como forma de reduzir a força das vinculações juspublicistas em sua atuaçã; b) a simples transferência para o setor privado de uma atividade/função que se considera pública;e c) o âmbito do setor público industrial e comercial da Administração, através de sociedades mercantis, independentemente de ser a Administração sócio único, majoritário ou minoritária. Em MARTÍN-RETORTILLO, Sebastián. Sentido y formas de la privatización de la administración pública, in IV Colóquio luso-espanhol de direito administrativo: os caminhos da privatização da administração pública, stvdia ivridica 60. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 20 e ss.

[x] Cfr. OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado. Coimbra: Almedina, 1998, pp. 95-97. Em Portugal, a revisão constitucional de 1997 desconstitucionalizou a necessidade de existência de setores básicos vedados à iniciativa privada. Assim, é de competência do legislador ordinário estabelecer ou não tais vedações.

[xi] CRP: “Artigo 82.º (Sectores de propriedade dos meios de produção) 3. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

[xii] Lei-Quadro das Privatizações 11/90, de 5 de Abril, artigo 15º, nºs 1 e 3.

[xiii] Cassese em sua obra identifica enquanto privatização apenas essa espécie de transferência, quando a empresa passa a ser controlada efetivamente por um entidade privada, CASSESE, Sabino. La nuova costituzione econômica, lezioni…, pp. 126 e ss.

[xiv] A respeito das “privatizações imperfeitas”, OTERO, Paulo. Privatizações, reprivatizações e transferências de participações sociais no interior do sector público… pp. 200 e ss.

[xv] Artigo 293 (…) 2. As pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas situadas fora dos sectores básicos da economia poderão ser reprivatizadas nos termos da lei.

[xvi] Neste sentido, marcante é a idéia estabelecida pelas formulações contratualistas de Hobbes, Espinoza e sobretudo Rousseau. Este último ao definir a existência de uma vontade geral como a razão sempre reta, comum e suprema a todos os indivíduos do corpo social. ROUSSEAU, Jean-Jacques; trad. Antônio de Pádua Danesi. O Contrato Social, Princípios do direito político. São Paulo, Martins Fontes: 2006.

[xvii] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo…, pp. 89 e ss. Nesse sentido este autor comenta, seguindo a doutrina italiana a existência de um interesse público primário, enquanto sendo este interesse da coletividade, do corpo social. E ainda um interesse secundário relevante quanto ao interesse das pessoas estatais. Apenas esse primeiro teria importância na inteligência do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

[xviii] Constituição da República Portuguesa: Artigo 80.º (Princípios fundamentais) A organização económico-social assenta nos seguintes princípios: (…) c) Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista.

[xix] Nesse sentido Paulo Otero inclusive defende que justamente por questão de eficiência a adoção de formas de organização jurídico-privadas pelo setor público empresarial deve ser regra e não exceção, ainda que considerada a e a liberdade do legislador em escolher por tais formas, além dos limites constitucionais e de legalidade existentes. OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado. Coimbra: Almedina, 1998, pp. 230 e ss.

[xx] Não rara é a positivação nos ordenamentos constitucionais a este princípio. A título de exemplo, na CRP ele encontra amparo de forma expressa no artigo 81º, c, e artigo 267º, 2: Artigo 81º (Incumbências prioritárias do Estado) Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:(…) c) Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público; Artigo 267.º (Estrutura da Administração) 2. Para efeito do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção da Administração e dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no artigo 37, após a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98.

[xxi] Lei quadro 11/90 que estabelece no artigo 3º os objetivos maiores da privatização em Portugal:

As reprivatizações obedecem aos seguintes objectivos essenciais:

a) Modernizar as unidades económicas e aumentar a sua competitividade e contribuir para as estratégias de reestruturação sectorial ou empresarial;

b) Reforçar a capacidade empresarial nacional;

c) Promover a redução do peso do Estado na economia;

d) Contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais;

e) Possibilitar uma ampla participação dos cidadãos portugueses na titularidade do capital das empresas, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores;

f) Preservar os interesses patrimoniais do Estado e valorizar os outros interesses nacionais;

g) Promover a redução do peso da dívida pública na economia.

[xxii] Constituição da República Portuguesa: Artigo 2.º (Estado de direito democrático) A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa;

Artigo 80.º (Princípios fundamentais) A organização económico-social assenta nos seguintes princípios:(…) e) Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social;

Artigo 267.º (Estrutura da Administração) 1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática. (…) 5. O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação

das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

[xxiii] Quanto a maior participação dos particulares na economia, Lei-quadro 11/90, artigo 3º/e.

[xxiv] OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado… pp. 132: “confere ao Direito Comunitário a susceptibilidade de limitar o espaço de liberdade conferido pelo próprio texto constitucional ao legislador ordinário em matérias referentes à intervenção económica”.

[xxv] Inclusive, quanto aos objetivos da privatização em Portugal o já citado artigo 3º/d da lei quadro 11/90 já faz referência ao desenvolvimento do mercado de capitais.

[xxvi] Como exemplo disso, no Brasil pode-se destacar o desempenho da Petrobrás, empresa de economia mista gerida enquanto entidade pública, extremamente competitiva em um mercado tão concorrido como o petrolífero. É bem verdade, que por muitos anos ela provou de regalias públicas, e do monopólio estatal na extração do petroleo brasileiro. Mas hoje em dia pode-se dizer que ela está totalmente adaptada ao mercado sendo inclusive a empresa com tecnologia de ponta para a extração de petróleo em águas profundas.

[xxvii]OTERO, Paulo. Legalidade de Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2007, p. 794; e ainda em MONCADA, Luís Cabral de. A Administração Pública, a privatização e o Direito Privado…, pp. 492 e ss, onde o autor comenta: “Nunca a actividade de direito privado da Administração é pura e simplesmente indiferente à legalidade. Ultrapassada que está a tese alemã do Fisco que configurava a Adminsitração como uma pessoa jurídica dotada de dupla personalidade, pública e privada, vendo nesta última uma entidade em tudo semelhante ao simples particular, a solução não pode ser outra”.

[xxviii] “as entidades públicas não deixam de ser públicas no exercício da iniciativa económica, isto mesmo que usem formas ou instrumentos de Direito Privado, pelo que não podem gozar, por definição, de «liberdades», antes obedecem o pricípio da legalidade”, OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado. Coimbra: Almedina, 1998, pp 123.

[xxix] CPR: Artigo 266.º (Princípios fundamentais)

1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

[xxx] CPA: Artigo 4º. Princípio da prossecução do interesse público.

Compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

[xxxi] CPA: Artigo 2º (Âmbito de aplicação)

1 – As disposições deste Código aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas.

(…) 3 – O regime instituído pelo presente Código é ainda aplicável aos actos praticados por entidades concessionárias no exercício de poderes de autoridade.

4 – Os preceitos deste Código podem ser mandados aplicar por lei à actuação dos órgãos das instituições

particulares de interesse público.

5 – Os princípios gerais da actividade administrativa constantes do presente Código e as normas que

concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada.

[xxxii] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo…, p. 77: “o princípio da segurança jurídica, o qual, se acaso não é maior de todos os princípios gerais de direito, como acreditamos que efetivamente o seja, por certo é um dos maiores dentre eles”.

[xxxiii] Código de Procedimento Adminsitrativo português: Artigo 3º. Princípio da legalidade. 1 – Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins par que os mesmos poderes lhes foram conferidos.

[xxxiv] “Administrar é aplicar a lei de ofício”, frase de Seabra Fagundes em O controle dos ato administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[xxxv] A esse novo quadro da eficácia dos Direitos Fundamentais, a doutrina alemã optou, ao menos inicialmente por nomear, “eficácia externa dos direitos fundamentais”, ou ainda, “eficácia com relação a terceiros”, muitas vezes tratadas como sinônimos. Contudo, para Jorge Miranda – Manual de direito constitucional tomo III: estrutura constitucional do Estado. 5 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 298 e ss. – há de se diferenciar “eficácia externa” de “eficácia em relação à terceiros”. Nas palavras do referido constitucionalista, “Enquanto que, na eficácia externa, tudo está em não interferir no exercício dos direitos de outros, na eficácia horizontal há relações bilaterais sobre quais se projectam ou em que podem ser afectados especificamente certos e determinados direitos, liberdades e garantias”.

Essas duas designações posteriormente sofreram várias criticas, ora ambas estarem justamente relacionadas à concepção liberal de Direitos Fundamentais, enquanto estrutura oponível contra o Estado, tratando assim os demais particulares como meros terceiros, ou, figuras externas a essa relação. Nesse sentido, J. J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação ao legislador, Coimbra: Coimbra Editora, 1982.

[xxxvi] Para maiores aprofundamentos MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional tomo III: estrutura constitucional do Estado. 5 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 298 e ss. SILVA, Vasco Pereira da. Vinculações das entidades privadas pelos direitos, liberdades e garantias. Separata da R.D.E.S., ano XIX, II, 2ª Série, nº 2, 1987.

[xxxvii] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… p. 242: “Na verdade, em todas as pessoas colectivas, privadas ou públicas, se encontram certas regras e procedimentos de conteúdo análogo, visto que as pessoas colectivas têm necessariamente de fazer uso de regras predeterminadas para disciplinar toda a actividade preliminar da acção contratual”.

[xxxviii] Para maiores desenvolvimentos sobre o tema, ESTORNINHO, Maria João. Requiem Pelo Contrato Administrativo, Coimbra: Almedina, 2003.

[xxxix] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… p. 301: “Neste diploma existe, de uma forma ainda mais nítida, uma verdadeira uniformização do regime jurídico aplicável a uma série de contratos da Administração Pública, independentemente de se tratar de contratos tradicionalmente considerados como «administrativos» ou «de direito privado». Consolida-se, assim, a tendência anteriormente analisada no sentido de exigir, mesmo nos contratos «jurídico-privados» a Administração, o cumprimento de uma série de requisitos procedimentais jurídico-administrativos”.

[xl] CPA: “Artigo 2º. Âmbito de Aplicação

1 – As disposições deste Código aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas.

2 – São órgãos da Administração Pública, para efeitos deste Código:

a) Os órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas;

b) Os órgãos dos institutos públicos e das associações públicas;

c) Os órgãos das autarquias locais e suas associações e federações.

3 – O regime instituído pelo presente Código é ainda aplicável aos actos praticados por entidades concessionárias no exercício de poderes de autoridade.

4 – Os preceitos deste Código podem ser mandados aplicar por lei à actuação dos órgãos das instituições particulares de interesse público.

5 – Os princípios gerais da actividade administrativa constantes do presente Código e as normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada.

6 – As disposições do presente Código relativas à organização e à actividade administrativas são aplicáveis a todas as actuações da Administração Pública no domínio da gestão pública.

7 – No domínio da actividade de gestão pública, as restantes disposições do presente Código aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares”.

[xli]Dentre outros dispositivos, prescrita nos referentes artigos da CRP:

Artigo 9º (CRP) d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;

Artigo 81º (CRP) Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:

a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;

[xlii] OTERO, Paulo. Legalidade de Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade…, p. 825 e 826: falando-se, por isso mesmo, numa reserva constitucional a favor das autoridades públicas do exercício normal ou permanente de poderes e prerrogativas de autoridade. Senão vejamos:

i) A Constituição estabelece um princípio pelo qual o exercício de poderes dos órgãos de entidades públicas só pode ser objecto de delegação nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição ou na lei, podendo aqui extrair-se uma regra geral de tipicidade legal objectiva e subjectiva dos poderes de autoridade;

ii) Em consequência, quando a Constituição permite que as entidades privadas exerçam poderes públicos (artigo 267º, nº6), somente se pode estar a referir a poderes públicos que não resultem da Constituição, nem se traduzam m prerrogativas de autoridade de caráter normal ou permanente, salvo expressa disposição de carácter normal ou pernanente, salvo expressa disposição constitucional em contrário;

iii) Comprovando este mesmo entendimento, a Constituição serve de norma habilitadora expressa para as organizações de moradores, enquanto estruturas não públicas de participação das populações na administração local, poderem exercer terfas de natureza pública;

iv) O caso das organizações de moradores permite extrair o princípio geral subjacente: o exercício normal de poderes ou prerrogativas de autoridade por entidades sem natureza pública só é admissível perante expressa habilitação constitucional, salvo tratando-se, repita-se, do exercício privado de tais funções a título precário e sem carácter de permanência e, ainda aqui, sempre com base em título jurídico do poder público”.

[xliii] Artigo 212, nº 3: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

[xliv] Exceção feita à constituição de sociedade filial por outra sociedade já integrante do setor público, ou ainda quando da participação de sociedade já existente no setor público no capital social de outra sociedade. Via de regra, para nenhuma das situações haverá que se falar em ato público permissivo exterior.

[xlv] Antes da Reforma Constitucional de 1997 a existência de setores básicos vedados à iniciativa privada não era de ambito discricionário do legislador, mas sim de imposição constitucional.

[xlvi] Princípio também resguardade pelos artigos 82º, nº1 e 288º, f, também da CRP:

Artigo 82º. 1. É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.

Artigo 288º. f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social

de propriedade dos meios de produção;
1] Cfr. OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da Administração Pública, in Os caminhos da privatização da Adminsitração Pública, IV Colóquio Luso-espanhol de Direito Administrativo. Stvdia ivridica 60, colloquia 7. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 32 e ss.

[2]Cfr. Cfr. CASSESE, Sabino. La nuova costituzione econômica, lezioni. Bari: Editori Laterza, 2004; CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição Dirigente e Cinculações do Legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2 ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1994; BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e Constituição dirigente, in Constituição e democracia, estudos em homenagem ao professor J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006.

[3] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 42 e ss.

[4] PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: contributo para o estudo da suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, pp. 171 e ss.

[5] STIGLITZ, J.E. A Globalização e seus malefícios. A promessa não cumprida de benefícios globais. São Paulo, Editora Futura, 2002, pp. 87 e ss.

[6] RAMON COTARELO. Del Estado del Bienestar al Estado de Malestar. 2 ed. Madrid de 1990.

[7] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública. Coimbra : Almedina, 1996, p. 96.

[8]DALLARI, Adílson Abreu. Privatização, eficiência e responsabilidade. «http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1205505553174218181901.pdf», consultado em 10/08/2009, 16:00, p. 9.

[9] MONCADA, Luís Cabral de. A Administração Pública, a privatização e o Direito Privado, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Armando Marques Guedes. Lisboa : Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 460 e ss.

[10] OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração pública…, pp. 40 e 41.

[11] MARTÍN-RETORTILLO, Sebastián. Sentido y formas de la privatización de la administración pública

[12]OTERO, Paulo. Privatizações, reprivatizações e transferências de participações sociais no interior do sector público. Coimbra: Almedina, 1999, p. 14.

[13] OTERO, Paulo. Coordenadas jurídicas da privatização da administração pública…, pp. 42 e 43.

[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 87 e ss.

[15] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição…, pp. 42 e ss.

[16] OTERO, Paulo. Privatizações, reprivatizações e transferências de participações sociais no interior do sector público…, pp. 33 e ss.

[17]OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado… , p. 169.

[18] OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado… pp. 124 e ss.

[19] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 337.

[20] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 112.

[21] STIGLITZ, J.E. A Globalização e seus malefícios. A promessa não cumprida de benefícios globais… pp. 87 e 88.

[22] Cfr. OTERO, Paulo. Privatizações, reprivatizações e transferências de participações sociais no interior do sector público…, pp. 43 e ss

[23] MONCADA, Luís Cabral de. A Administração Pública, a privatização e o Direito Privado…, pp. 460 e 461.

[24] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública. Coimbra: Almedina, 1996.

[25] OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado. Coimbra: Almedina, 1998, p. 797.

[26] OTERO, Paulo. Legalidade de Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade…, pp. 796 e ss.

[27] FERNÁNDEZ, Tomás Ramón, Las transformaciones Del Derecho Administrativo a Resultas de lãs Privatizaciones, in IV Colóquio luso-espanhol de direito administrativo: os caminhos da privatização da administração pública, stvdia ivridica 60. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p.335; e MONCADA, Luís Cabral de. A Administração Pública, a privatização e o Direito Privado…, pp. 491; a respeito da Zweistufentheorie, ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… pp 109 e ss.

[28] MONCADA, Luís Cabral de. A Administração Pública, a privatização e o Direito Privado…, pp. 474 e 475. Boa parte da doutrina prefere a utilização do termo “Direito Privado Administrativo” como em ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública…, pp. 121 e ss., ou ainda “Direito Administrativo Privado”, como é o caso de OTERO, Paulo. Legalidade de Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade…, p. 311.

[29] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública…, p. 129.

[30] CANTUCCI, Michele, L’Attività di Diritto Privato della Pubblica Ammistrazione. Ed. CEDAM, Padova, 1941, p. 16, Apud. ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública…, p. 130.

[31] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… p 167.

[32] PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: contributo para o estudo da suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989.

[33] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo…, pp. 64 e ss.

[34] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… p 171.

[35] GRAU, Eros Roberto; ensaio e discurso sobre a INTERPRETAÇÃO/APLCAÇÃO DO DIREITO, Malheiros Editores, 4 ed. São Paulo, 2006.

[36] OTERO, Paulo. Legalidade de Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade…, p. 821 e ss.

[37] OTERO, Paulo. Vinculação e liberdade de compormação jurídica do sector empresarial do Estado. Coimbra: Almedina, 1998, pp 114 e ss.

[38] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… p. 342.

[39] AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo, vol. I,. 2. ed. – Coimbra : Almedina, 1994.

[40] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado : contributo para o estudo da actividade de direito privado da administração pública… p. 351.

Informações Sobre o Autor

Raoni Macedo Bielschowsky

Mestrando do Mestrado de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, FDUL, Portugal.


Equipe Âmbito Jurídico

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