Resumo: A presente pesquisa tem por escopo a análise de alguns aspectos do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal. Na consecução do presente trabalho, isento de qualquer pretensão de dissecar o assunto tratado, com supedâneo nos estudos, reflexões, debates nas aulas de seminário e críticas em relação às várias obras doutrinárias consultadas, bem como, fulcrado no respectivo entendimento jurisprudencial, sem, contudo, a ele se dobrar antes de uma coerente análise, será efetuada a abordagem, especificamente, de algumas questões relevantes, para os operadores do direito tributário alusivas ao Processo Administrativo Fiscal. Neste tema tão abrangente e rico, destaca-se a análise da competência do ônus da prova no Processo Administrativo Fiscal e o momento para apresentação de prova documental, bem como a disputa sem sentido entre verdade material e formal. Outra questão a ser tratada é a discussão quanto à possibilidade de os Tribunais Administrativos poderem afastar a aplicação de lei sob a alegação de sua incompatibilidade com a Constituição. Ademais, a análise quanto à probabilidade de revisão pelo Judiciário, de norma individual e concreta proferida no campo administrativo favorável ao contribuinte e a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a interposição intempestiva de recurso administrativo, também fazem parte do presente trabalho.
Palavras-chave: Processo Administrativo Fiscal. Ônus da prova. Revisão de norma individual e concreta.
Abstract: The present study aims to study some aspects of the Tax Administrative Process in national scope. In the attainment of this study, free from any objective of dissecting the dealt issue, it focuses on the studies, reflections, discussions during debates, and critiques to several doctrinal consulted books which are embedded in the respective jurisprudential understanding. However, this approach will not be pursued without a coherent analysis, especially when it deals with relevant issues for the operators of the allusive tax law to the Tax Administrative Process. In this broad and enriching issue, the analysis of the competency’s burden of proof in the Tax Administrative Process and the moment to present the documentary proof as well as the meaningless dispute between material and formal truth are highlighted. Another issue to be dealt is the discussion regarding the possibility of the Administrative Courts to remove the application of the law by alleging incompatibility with the Constitution. Moreover, the analysis in relation to the probability of review by the judiciary, to the individual and concrete norm uttered in the administrative field favourable to the taxpayer and the possibility of suspension of the tax credit liabilities before the ill-timed interposition of administrative resources are also present in this study.
Keywords: Tax Administrative Process in national. Burden of proof. Review to the individual and concrete norm.
Sumário: Introdução. I – Premissas Corte Metodológico e Sistema de Referência. II – Breve Panorama do Processo Administrativo Fiscal Federal. 2.1. Processo ou Processo Administrativo. 2.2. Normas de regência e princípios informadores do Processo Administrativo Fiscal. 2.3. Escopo do Processo Administrativo Fiscal. 2.4. Fases do Processo Administrativo Fiscal. III – Verdade Material e Formal no Processo Administrativo Fiscal X Verdade Lógica. IV – nus da Prova no Processo Administrativo Fiscal e momento para apresentação de prova documental. V – Da aplicação de norma considerada inconstitucional pelos Tribunais Administrativos de Julgamento. VI – Da impossibilidade de revisão pelo Poder Judiciário de decisão administrativa final favorável ao contribuinte. VII – Recurso Administrativo Intempestivo e a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Conclusões. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O processo administrativo fiscal tem por objeto a resolução de um conflito, em matéria tributária, cuja decisão é da competência de órgãos judicantes da Administração. Nesse mister, a Administração exerce a autotutela e controla internamente a legalidade de seus próprios atos. Por conseguinte, o Processo Administrativo Fiscal contempla o conjunto de normas que disciplina o regime jurídico processual administrativo aplicável às lides tributárias deduzidas perante a Administração Pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte).
Outrossim, o processo administrativo tributário é um mecanismo de revisão desencadeado por força de ação externa – ação dos particulares, detentores do direito de exigir que a Administração atue sempre na via do Direito; permite à Administração exercer controle sobre seus atos e se desenvolve quando existe uma reação do contribuinte contra o interesse público defendido pela Administração e do direito subjetivo atingido por essa atuação.
A supremacia do interesse público, de acordo com a lei, obriga a Administração a realizar controle da legalidade de seus atos e se alinha como reforço da garantia dos contribuintes. Assim, o processo administrativo tributário é instrumento posto à disposição do contribuinte para obter resposta às suas pretensões, possibilitando a eliminação de conflito com o fisco[1].
Nesta senda, serão fixadas algumas premissas para o bom andamento da pesquisa no Capítulo I, algumas premissas serão fixadas, inclusive com a demarcação de nosso sistema de referência. No Capítulo II traçar-se-á um breve panorama sobre o Processo Administrativo Fiscal, com destaque para a legislação que o rege, princípios constitucionais aplicados ao processo administrativo fiscal e suas fases (impugnação, recursos etc.).
A seguir o Capítulo III traz algumas discussões acerca da distinção sem sentido entre verdade material (real) e formal e da necessidade de prevalência da verdade lógica. Já o Capítulo IV aborda tema relativo à competência do ônus da prova no mencionado processo e ainda até que momento o contribuinte pode proceder à apresentação de prova documental.
Sequencialmente, a possibilidade de os Tribunais Administrativos poderem afastar a aplicação de lei sob a alegação de sua incompatibilidade com a Constituição Federal ou se tal procedimento é de competência exclusiva do Poder Judiciário, é ponto investigado no Capítulo V.
No Capítulo VI será tratada a questão de cabimento ou não de revisão judicial por ação proposta pelo Fisco, de norma individual e concreta, definitiva, favorável ao contribuinte. Por fim, a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a interposição intempestiva de recurso administrativo, será aventada no Capítulo VII.
Importa salientar, a intenção de sintetizar as idéias com o fito de produzir um texto conciso e objetivo, de modo a não nos perdermos em especificidades que de nenhuma forma iriam contribuir de maneira benéfica para a consecução do mister, sem deixar, contudo, de expressar nosso próprio entendimento, devidamente fundamentado, procurando manter a coerência, mesmo que, algumas vezes, ousemos discordar de argumentos de autoridade, sem, contudo, qualquer pretensão de esgotar o tema, mas, sim levar o leitor à reflexões acerca de questões pontuais.
I. Premissas, Corte Metodológico e Sistema de Referência
Inicialmente, vale destacar que utilizaremos as expressões “direito” ou ordenamento jurídico[2], significando conjunto de normas, com o objetivo de regular condutas humanas intersubjetivas. Segundo Lourival Vilanova, “onde há sistema há relações e elementos que se articulam segundo leis”.[3] Trataremos, assim, do direito positivo como um corpo de linguagem prescritiva.
Neste sentido, “não podemos esquecer, no entanto, que esta linguagem encontra-se inserida num contexto comunicacional, apresentando-se assim, como um fenômeno de comunicação. O direito, sob este ponto de vista, é um sistema de mensagens, insertas num processo comunicacional, produzidas pelo homem e por ele utilizadas com a finalidade de canalizar o comportamento inter-humano em direção a valores que a sociedade almeja realizar.
Tendo em conta ser o sistema social constituído por atos de comunicação, sabemos que as pessoas só se relacionam entre si quando estão em disposição de se entenderem, quando entre elas existe um sistema de signos que assegure a interação. Sob este referencial, logo percebemos que não há outra maneira a ser utilizada pela sociedade, para direcionar relações inter-humanas, que não seja por atos de comunicação.
Impor formas normativas ao comportamento social só é possível, neste sentido, mediante um processo comunicacional, com a produção de uma linguagem das normas.”[4]. E como bem assevera Paulo de Barros Carvalho, “o direito positivo está vertido numa linguagem, que é seu modo de expressão”[5], daí porque entendemos o direito como fenômeno comunicacional.
Pactuamos, ainda, do referencial teórico do qual parte Paulo de Barros Carvalho[6], que defende não ser a incidência das normas automática e infalível, dependendo de ação humana para ocorrer. Assim não se dará a incidência das normas se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina.
Perfilhamos, outrossim, do entendimento do mesmo professor[7] no tocante à validade das normas. Paulo de Barros Carvalho, ao tratar da validade das normas jurídicas, este autor afirma que ela “se confunde com a existência, de sorte que afirmar que u’ a norma existe implica reconhecer sua validade, em face de determinado sistema jurídico. Do que se pode inferir, ou a norma existe, está no sistema e é, portanto, válida, ou não existe como norma jurídica”. Portanto, ao enunciar os requisitos de validade da norma, não faz outra coisa senão determinar quais as características que determinada proposição deve ter para ser qualificada como jurídica.
Por fim, conforme detalhamento feito adiante, entendemos ser plenamente possível falar em Processo Administrativo (expressão que será utilizada no decorrer da explanação), vez que a defendemos a tese de que a Constituição de 1988[8] promoveu a “processualização” do contencioso administrativo. E, conseqüentemente, a partir do momento em que se considera existente um verdadeiro processo, impõe-se a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório inerentes ao devido processo legal.
II. Breve Panorama do Processo Administrativo Fiscal Federal
2.1. Processo ou Processo Administrativo
De acordo com Paulo de Barros Carvalho[9], tem-se empregado o termo “processo” para designar, invariavelmente, tanto a discussão que se desdobra perante o Poder Judiciário quanto às controvérsias deduzidas no âmbito da Administração Pública, sobre temas tributários ou meramente administrativos[10].
Contudo, como ressalta James Marins[11], não pode ser confundido o Processo Administrativo Tributário com o procedimento administrativo tributário, ou procedimento fiscal. Este é marcadamente “fiscalizatório” ou “apuratório” e tem por finalidade preparar o ato do lançamento, que é o momento em que o Estado exator formaliza sua pretensão tributária (crédito) em face do contribuinte.
Após tal formalização, que se realiza através do lançamento fiscal, é que pode ter lugar o Processo Administrativo, bastando para tanto que o contribuinte, lançamento mão dos meios de impugnação administrativa previstos, ofereça formalmente sua resistência à pretensão fiscal.
O Processo Administrativo Fiscal é, portanto, a etapa litigiosa do percurso de formalização da obrigação tributária no âmbito administrativo. Destarte, formalizada a lide fiscal transforma-se o procedimento fiscal em Processo Tributário e passam a incidir na formalização definitiva do crédito tributário as garantias inerentes ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório, conforme será visto adiante. Logo, é correto afirmar que “o lançamento é o divisor de águas entre procedimento e processo administrativo …”[12]. Isto é, com a impugnação do lançamento.
E, uma vez formalizado o processo administrativo fiscal, após o lançamento, com a impugnação do contribuinte, momento em que instaura-se a fase litigiosa da percussão tributária, levando em conta que as decisões administrativas proferidas vinculam a Administração, acarretando inúmeras conseqüências, sendo que varais questões, algumas controvertidas, surgem no meio deste percurso.
De fato, a doutrina tem feito a seguinte diferenciação:
“a) Procedimento Administrativo Tributário: O procedimento administrativo tributário aqui deve ser entendido como a ação de fiscalização, desde o seu início, até a lavratura do lançamento fiscal, se for o caso. Aqui, o procedimento não envolve litígio.
b) Processo Administrativo Tributário: Este processo se instala no momento da interposição da impugnação do lançamento tributário pelo sujeito passivo. Instala-se, neste momento, a resistência do contribuinte notificado contra a pretensão do Estado na cobrança do crédito que julga lhe ser devido.”
Assim, até a interposição da peça impugnatória pelo contribuinte, o conflito de interesses ainda não está configurado. Os atos anteriores ao lançamento referem-se à investigação fiscal propriamente dita, constituindo-se medidas preparatórias tendentes a definir a pretensão da Fazenda. Há simples procedimento que tão somente conduz a constituição do crédito tributário. Após esta etapa, abre-se ao contribuinte a oportunidade de contestação da exigência fiscal, ocasião em que oferece sua impugnação. A partir daí, instaura-se verdadeiro processo informado por seus princípios (desdobramento do due processo of law)[13].
Em que pese toda a argumentação trazida à baila, concordamos com Alberto Xavier[14], segundo o qual tal controvérsia sobre a terminologia correta – processo ou procedimento -, sob o ângulo do regime jurídico adequado, encontra-se superada, já que não tem sido transposta para a redação das leis que regem a matéria processual tributária, aí incluído tanto o texto constitucional (art. 5º. Da CF/88) como a infraconstitucional (Decreto no. 70235/72 e Lei no. 9784/99), eis que tais dispositivos têm se reportado tão somente a “processo administrativo” para designar o fenômeno.
Adotaremos tal conduta neste trabalho também, ou seja, usaremos a expressão “processo administrativo”[15], em ambas as fases distinguidas pela doutrina. Ressaltando que a partir do momento em que se considera existente um verdadeiro processo, também no âmbito administrativo, impõe-se a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório inerentes ao devido processo legal, como de fato é o tem ocorrido na prática, vez serem garantias constitucionais.
2.2. Normas de regência e Princípios informadores do Processo Administrativo Fiscal
O Processo Administrativo Fiscal, no âmbito federal, é regido pelo Decreto nº 70.235/72 (algumas de suas disposições foram alteradas (incluídas) pelas Leis nº 8.748, de 1993; nº 9.532, de 1997, nº 9.784 de 1999 e nº 11.196, de 2005), o qual trata, dentre outras questões, da determinação e exigência dos créditos tributários da União, onde encontram-se delineados os trâmites de todas as fases processuais administrativas, desde a oferta da impugnação à Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento, aos recursos cabíveis ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF[16] e pela Lei nº 9.784/1999, promulgada após a CF/88.
Foi com a promulgação, em 1998, da Magna Carta, é que o processo administrativo, se tornou instrumento ainda mais útil para solução de conflitos entre os cidadãos e o Estado (lato sensu), tomando grande relevância, posto que encartado dentre os direitos fundamentais[17]. A bem da verdade, nos dizeres Eduardo Domingo Botallo[18], a Lei Maior não inovou, mas apenas valeu-se de expediente que veio explicitar o que, antes, já era perfeitamente dedutível do sistema por obra de interpretação.
Mas de fato, foi com a Constituição de 1988 que houve a inclusão do processo administrativo dentre os direitos e garantias individuais ao estabelecer em seu art. 5º, inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”[19].
Esmiuçando mencionada norma, tem-se que o princípio da ampla defesa é “o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade”[20]. Já por contraditório, diz Nelson Nery Júnior “deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis”[21]. O contraditório está inserido dentro da ampla defesa, e, de acordo com Celso Ribeiro Bastos[22] “quase que com ela se confunde integralmente na medida em que uma defesa hoje em dia não pode ser senão contraditória.
O contraditório é, pois, a exteriorização da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo citado autor[23]”. Pode-se concluir que a combinação da ampla defesa e do contraditório, são fundamentos que asseguram o processo administrativo fiscal como instrumento de acertamento da relação tributária.
Outrossim, além dos princípios do contraditório e da ampla defesa, o art. 2º da Lei 9.784, de 29/01/1999 estabelece, também, que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, impessoalidade, segurança jurídica, interesse público, eficiência, publicidade, informalismo, oficialidade, gratuidade.
O princípio da legalidade objetiva exige que o processo administrativo seja instaurado com base e para preservação da lei e que atenda a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei (finalidade), mediante a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão administrativa (motivação). Pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entende-se a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, sempre atuando segundo padrões éticos de probidade, de decoro e boa-fé (moralidade).
Também no processo administrativo é vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades (impessoalidade), devendo-se buscar a eficiência (objetividade no atendimento do interesse público), bem como resguardar a segurança jurídica (vedada aplicação retroativa de nova interpretação de norma administrativa sobre situações já consumadas sob a égide da interpretação anterior) e o interesse público (interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige. Outrossim, o princípio do informalismo dispensa formas rígidas para o processo administrativo, principalmente para os atos a cargo do particular, contudo, todos os atos devem ter a correta publicidade, necessária à obtenção da certeza jurídica e à segurança procedimental.
Por fim, o princípio da oficialidade atribui sempre a movimentação do processo administrativo à Administração, ainda que instaurado por provocação do particular: uma vez iniciado passa a pertencer ao Poder Público, a quem compete o seu impulsionamento até a decisão final, sendo proibida a cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; não causar ônus econômico, só obrigatório nos procedimentos restritivos (ex: cassação de licença – caráter sancionador).
2.3. Escopo do Processo Administrativo Fiscal
É coerente afirmar que o escopo do processo administrativo tributário que existe em nosso ordenamento jurídico é o autocontrole, a fiscalização dos próprios atos administrativos para o fim de evitar ilegalidades. Sua função, nessa busca de respeito à legalidade, é tanto de proteger o Estado como o contribuinte.
Por outro ângulo, pode-se dizer que o processo administrativo fiscal visa assegurar ao contribuinte a garantia de que o mesmo só terá o seu patrimônio afetado pelos atos administrativos fiscais, após a sua revisão, hipótese que destaca a função subjetiva do processo administrativo. Ou seja, o processo administrativo se transforma num instrumento para evitar atuações ilegais da Administração, controlando a legalidade dos atos administrativos no âmbito da própria Administração Pública, o que é, por muitos, denominado de autocontrole administrativo[24].
Com efeito, se um lançamento abusivo, ou com erros e defeitos, só pudesse ser objeto de impugnação na esfera judicial, isso significaria maiores ônus econômicos para as partes. Para o contribuinte, porque este deveria contratar advogado para defender seu direito; para o Estado, porque teria que arcar com as verbas de sucumbência e, indiretamente, com os custos de funcionamento da máquina judiciária[25].
A segurança de direitos individuais é um valor a ser perseguido pela Administração e o contribuinte deve ser tratado de forma especial em homenagem ao princípio da proteção da boa-fé. Assim, o duplo grau de jurisdição é garantido tão-somente ao particular, que tem direito de provocar uma segunda opinião sobre o litígio.
Por jurisdição deve-se entender o poder conferido à autoridade administrativa para aplicar o direito, bem como para decidir controvérsia sujeita à sua apreciação. A organização do contencioso administrativo orienta-se pelo princípio do duplo grau de jurisdição, em obediência ao mandamento constitucional inserido no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, que garante aos litigantes, em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa, conforme dito alhures, com os meios e recursos a ela inerentes. A possibilidade de falha humana do julgador sempre recomenda permitir ao vencido uma oportunidade de reexame da decisão com a qual não se conformou.
Portanto, há vinculação entre o duplo grau de jurisdição e a defesa de direitos subjetivos, eis que o Estado por força de critérios de ordem pública deseja eliminar as situações de tensão. Porém, essa pacificação deve ficar apenas ao talante do interessado, porque a inércia do julgador é característica da jurisdição.
Assim, o recurso é o instrumento processual pelo qual se faculta ao interessado submeter o litígio à apreciação de outra instância de julgamento caso não concorde com a decisão proferida. Logo, fica evidente que, pelo fato de o processo administrativo guardar estreita correspondência com o ideal de revisibilidade (em diversas instâncias) dos atos administrativos; na verdade, trata-se do instrumento por excelência para se atingir esse propósito.
Ante a acentuada importância do Processo Administrativo Fiscal ou Tributário, surge o interesse em refletir sobre algumas questões extremamente relevantes para a persecução e alcance do pleno direito dos contribuintes e também do Fisco, acerca do mencionado processo, as quais serão expostas no decorrer deste trabalho.
2.4. Fases do Processo Administrativo Fiscal.
Conforme já delimitado, por processo entende-se a sequência de atos praticados, coordenados de forma para a consecução de uma finalidade previamente determinada. É o método de compor a lide por meio de uma relação jurídica vinculativa de direito público. Já procedimento é a forma de realizar os atos processuais; são os ritos processuais, ou seja, é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto.
Destarte, Íris Vânia Santos Rosa[26] leciona que as fases comuns ao processo administrativo são cinco e se desenvolvem nesta ordem: instauração, instrução, defesa, relatório e julgamento. Vale a transcrição de seu ensinamento:
– “INSTAURAÇÃO: A instauração é a apresentação escrita dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo. Quando provém da Administração deve consubstanciar-se em portaria, auto de infração, representação ou despacho inicial da autoridade competente; quando provocada pelo administrado ou pelo servidor deve formalizar-se por requerimento ou petição.
– INSTRUÇÃO: A instrução é a fase de elucidação dos fatos, com a produção de provas que vão desde o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as perícias técnicas, até a juntada de documentos pertinentes.
– RELATÓRIO: O relatório é a síntese do apurado no processo feita por quem o presidiu individualmente, ou pela comissão processante, com apreciação das provas, dos fatos apurados, do direito debatido, e proposta conclusiva para decisão da autoridade julgadora competente. É peça informativa e opinativa, sem efeito vinculante para a Administração ou para os interessados no processo.
– JULGAMENTO: O julgamento é a decisão proferida pela autoridade ou órgão competente sobre o objeto do processo. O essencial é que a decisão seja motivada com base na acusação, na defesa e na prova, não sendo lícito à autoridade julgadora argumentar com fatos estranhos ao processo ou silenciar sobre as razões do acusado”
Por outro lado, no tocante à fase litigiosa do Processo Administrativo Fiscal[27], a mesma autora[28] também nos alerta que as formas autorizadas pela legislação federal para que o contribuinte diretamente se oponha aos lançamentos tributários, são as seguintes:
1. “Impugnação, dirigida às Delegacias da Receita Federal de Julgamento – DRJ e interposta pelo sujeito passivo, no prazo de 30 dias, contra auto de infração ou notificação de lançamento[29];
2 Manifestação de Inconformidade, dirigida às DRJ e interposta pelo sujeito passivo, no prazo de 30 dias, contra despacho decisório das Delegacias da Receita Federal – DRF ou das Inspetorias da Receita Federal – IRF que denegou pedido de compensação, restituição ou ressarcimento de crédito tributário, ou que não reconheceu direito à imunidade, à suspensão, à isenção e à redução de tributos e contribuições[30];
3. Recurso Voluntário dirigido ao Conselho Recursal – CARF e interposto pelo sujeito passivo, no prazo de 30 dias, contra decisão das DRJ que tenha declarado procedente, parcial ou totalmente, o lançamento formalizado por via de auto de infração ou notificação de lançamento (neste caso é proposto contra o não acatamento, parcial ou total, da impugnação), ou que tenha indeferido a solicitação nos casos de pedido de compensação, restituição ou ressarcimento de crédito tributário, ou de reconhecimento de direito à imunidade, à suspensão, à isenção e à redução de tributos e contribuições (nesta hipótese é proposto contra o não acolhimento, total ou parcial, da manifestação de inconformidade)[31];
4. Recurso de Ofício, dirigido ao CARF e interposto pelas DRJ contra decisões suas (prolatadas em face da apreciação de impugnação de lançamento de ofício), total ou parcialmente favoráveis ao sujeito passivo, que exonerarem este do pagamento de tributo e multa em valor total (lançamento principal e decorrente) superior a R$ 500.000,00[32];
5. Recurso Voluntário dirigido à Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF e interposto pelo sujeito passivo, no prazo de 30 dias, contra decisão do CARF que tenha dado provimento a recurso de ofício promovido pelas DRJ[33];
6. Recurso Especial, dirigido à CSRF e interposto, no prazo de 15 dias, contra decisão não unânime de Câmara do CARF quando for contrária à lei ou à evidência da prova (recurso privativo do Procurador da Fazenda nacional), ou contra decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara do CARF ou a própria CSRF (recurso manejável tanto pelo Procurador da Fazenda Nacional quanto pelo sujeito passivo)[34];
7. Embargo de Declaração, dirigido ao CARF ou à CSRF, e apresentado, no prazo de 5 dias, por Conselheiro da Câmara, pelo Procurador da Fazenda Nacional, pelo sujeito passivo, pela autoridade julgadora de primeira instância ou pela autoridade encarregada da execução do acórdão, quando existir no acórdão prolatado obscuridade, dúvida ou contradição entre decisão e fundamentos, ou ainda quando for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se a Turma (CSRF) ou a Câmara (CARF)[35];
8. Agravo, dirigido aos CARF (Presidente da Câmara recorrida) e interposto, no prazo de 5 dias, pelo Procurador da Fazenda Nacional ou pelo sujeito passivo, contra despacho que negar seguimento a recurso especial[36];
9. Pedido de Retificação, dirigido às DRJ, ao CARF ou à CSRF e proposto, conforme o caso, pela autoridade incumbida da execução do acórdão, pela autoridade julgadora de primeira instância, pelo Procurador da Fazenda Nacional, por Conselheiro ou pelo sujeito passivo, com o fim de sanear as inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculo existentes na decisão[37];
10. Outros Recursos: a título ilustrativo, cabe ressaltar que além dos recursos acima listados (vinculados ao processo de determinação e exigência de créditos tributários), outros há, dispersos pela legislação tributária, que se destinam à contestação de atos administrativos específicos, como tais a “Solicitação de Revisão da Vedação/Exclusão à Opção pelo Simples – SRS” (dirigida à autoridade administrativa que excluiu o sujeito passivo do Simples, como previsto no item 2.3 da Norma de Execução Cotec/Cosit/Cosar/Cofis/Coana n.º 001, de 03/09/1998), o recurso interposto contra o ato de exclusão do sujeito passivo do “Refis” (parágrafo 2.º do artigo 5.º da Resolução CG/Refis n.º 09, de 12/01/2001, com a redação dada pelo artigo 1.º da Resolução CG/Refis n.º 20, de 27/09/2001).
11. Recurso Hierárquico, dirigido, no prazo de 10 dias, às autoridades hierarquicamente superiores àquelas que praticaram os atos contestados, nos casos em que contra tais atos não estejam previstos os recursos constantes do processo administrativo fiscal (artigos 56 a 65 da Lei n.º 9.784, de 29/01/1999)”.
III. Verdade Material e Formal no Processo Administrativo Fiscal X Verdade Lógica.
Grande parte dos doutrinadores está acostumada a fazer distinção entre verdade material e verdade formal, definindo a primeira como “a efetiva correspondência entre proposição e acontecimento, ao passo que a segunda seria uma verdade verificada no interior de determinado jogo, mas suscetível de destoar da ocorrência concreta, ou seja, da verdade real”[38]. Vale ressaltar, que corriqueira é a afirmação de que o princípio da verdade material rege o processo administrativo, o qual prima sempre pela busca da verdade real, em contraste com a verdade formal, esta predominante no processo judicial.
Segundo Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas[39], contrariamente ao que acontece no processo judicial, em que prevalece o princípio da verdade formal, consoante dito antes, no processo administrativo tributário é dever da autoridade administrativa levar em conta todas as provas e fatos de que tenha conhecimento, predominando assim, a verdade material.
Adotam tal posicionamento, grandes nomes do Direito Tributário, dentre eles, Alberto Xavier[40], Paulo Celso Bonilha[41] e James Marins[42], defendendo, assim, a informalidade no âmbito administrativo, em favor da produção de prova, visando alcançar a dita verdade material. Tal conclusão, porém, com a devida permissão, é de total improcedência, tornando-se uma disputa sem sentido mencionada distinção em verdade material e formal. Senão veja-se.
Tárek Moysés Moussalém[43], em estudo revolucionário, apregoa a irrelevância desta classificação (verdade material e formal), pois, considerando o caráter auto-suficiente da linguagem, toda a verdade passaria a ser formal, quer dizer; verdade dentro de um sistema lingüístico. Seguindo essa linha de raciocínio, Fabiana Del Padre Tomé[44], quebrando as barreiras da tradição terminológica, afirma que a verdade jurídica não é material nem formal, mas verdade lógica.
Logo, consoante a douta professora, a verdade que se busca em qualquer processo, seja administrativo ou judicial, é a verdade lógica, ou seja, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica.
Daí o motivo pelo qual leciona Paulo de Barros Carvalho[45] que, “para o alcance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico para constituição do fato jurídico”. Assim, nos falares da mencionada jurista o que se requer no processo administrativo e no processo judicial é a verdade lógica que, consoante seu entendimento e com o qual comungo, é a verdade obtida pelas provas e afirmações feitas pelas partes dentro das regras do sistema, a despeito da dispensa de certas formalidades. Entretanto, não obstante esta dispensa, é imprescindível que se obedeça as prescrições oferecidas pelo ordenamento.
Complementando, para Maria Rita Ferragut[46], a verdade lógica será atingida mediante a linguagem das provas, pois para que o fato jurídico tributário seja considerado verdadeiro para o direito, não se requer a certeza de que o relato corresponda fielmente ao evento, mas a certeza de que o enunciado descritivo da norma individual e concreta foi elaborado de acordo com as regras do sistema.
Somente com a admissão de validade da verdade lógica, isto é, alcançada pela produção de provas e de alegações segundo as regras do sistema, é que se torna possível admitir a proibição de análise, pela autoridade julgadora, de provas ilícitas ou de recursos interpostos intempestivamente, pois do contrário estaria instalada a balbúrdia, com afirmações feitas à destempo, provas produzidas, porém, não admitidas pelo direito, entre outros. Logo, é com a validação da verdade lógica que se perfaz o princípio do devido processo legal.
Destaco que por muito tempo, nossa posição sempre foi no sentido de acatar a distinção entre verdade material e formal e que de fato o processo administrativo tributário estaria adstrito ao princípio da verdade material. Todavia, revendo meu posicionamento, me rendo à irrelevância de tal distinção, considerando que toda verdade é construída dentro de um sistema e, portanto, segundo as regras daquele sistema, sendo que o termo mais correto ser utilizado, depois do estudo feito, é de fato “verdade lógica”, quer seja no processo administrativo, quer no judicial.
IV. Ônus da Prova no Processo Administrativo Fiscal e momento para apresentação de prova documental
Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas explica que, no processo, do ônus da prova está ligado ao modo como se distribui a carga da prova entre as partes interessadas na proteção de seus direitos. A palavra “ônus” vem do Latim e quer dizer carga, fardo, peso, gravame. A produção probatória, no tempo e na forma prescritos em lei, é ônus da condição de parte. Ônus é o instrumento através do qual o ordenamento jurídico impõe ao sujeito um determinado comportamento, que poderá ser adotado se não pretender arcar com conseqüências que serão prejudiciais[47].
Os atos administrativos gozam da prerrogativa da presunção de legitimidade, o que para alguns autores, reverte referido o ônus da prova ao acusado. Ainda que se admita tal presunção, pelo menos, a autoridade administrativa deve agir de forma imparcial, sem estar envolvida por interesses particulares para exceder-se nas exações tributárias, porque isto em nada lhe beneficia, pelo contrário, deporá contra a sua conduta, e além do mais, sabe o agente administrativo de que seu ato será revisto.
Contudo, a presunção de legitimidade dos atos administrativos não é absoluta. Esta certeza da revisão dos atos administrativos é fator inibidor de qualquer conduta que se exceda a sua obrigação. À autoridade administrativa não deve interessar cobrar nada mais do que a lei exige. Esta é, a meu ver, a verdadeira fundamentação da chamada presunção da legitimidade.
Por isso, um documento público elaborado por uma autoridade administrativa, assinado por ele e pelo preposto do contribuinte, tem valor probante, pelo ao menos de eficácia relativa, prevalecendo como verdade até que prova melhor refute a versão do documento. Como o contribuinte não provou a sua versão com relação ao local da ação fiscal, deve prevalecer a declaração da autoridade pública.
Das linhas traçadas, com a sabedoria rotineira, por José Eduardo Soares de Melo[48], infere-se que “o encargo probatório deve ser considerado de forma eqüitativa para as partes litigantes. Pondera-se que a presunção de legitimidade dos atos administrativos – aplicável ao lançamento tributário – não significa a concessão de liberdade total ao fiscal, uma vez que tem a obrigação de provar (documentalmente) a veracidade da infração cometida, porque a exigência tributária tem que estar positivada, a fim de não constranger o patrimônio dos particulares sem que haja segurança (liquidez e certeza) do crédito tributário”.
Nesta seara, concordamos, ainda, plenamente com as colocações do doutrinador Paulo Celso B.Bonilha[49], que assim ponderou:
“Não se pode pretender que a carga probatória venha a ser atribuída em função da posição processual de quem está na contingência de agir. O que importa é perquirir sobre os fatos relacionados com a situação material a que se refere a relação processual e deduzir a quem cabe o ônus da prova.Sob essa perspectiva, a pretensão da Fazenda funda-se na ocorrência do fato gerador, cujos elementos configuradores supõem-se presentes e comprovados, atestando a identidade de sua matéria fáctica com o tipo legal. Se um desses elementos se ressentir de certeza, ante o contraste da impugnação, incumbe à Fazenda o ônus de comprovar a sua existência”.
O certo é que se o Fisco não fornecer ao contribuinte concomitantemente à notificação do ato de lançamento, quais as razões por ele adotadas no tocante à imputação firmada em desfavor do sujeito passivo, este pode exigir sua cientificação com o fito de impugnar tais razões de fato e de direito, fulcrando-se na presunção de legitimidade do lançamento tributário, para inverter o ônus da prova.
Afinal, o crédito tributário poderá até ser anulado, por caracterizar cerceamento do direito caso o sujeito passivo desconheça os motivos do lançamento tributário, ainda que aja a presunção de legitimidade dos atos administrativos. Acerca do tema em berlinda, Fabiana Del Padre[50] com propriedade assevera:
“os atos administrativos apresentam características que objetivam, simultaneamente, conferir garantia aos administrados e prerrogativas à Administração. Dentre elas, releva destacar a presunção de legitimidade, caracterizando presunção juris tantum de validade, da qual decorrer que o ato seja considerado regularmente praticado até que outra linguagem jurídico- prescritiva determine o contrário, invalidando-o. Essa presunção, entretanto, não exime a Administração do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como das circunstâncias em que este se verificou. Dentre outros, pelos princípios da estrita legalidade e da tipicidade, tais expedientes dependem, necessariamente, da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram. (…) A motivação deve ser, portanto, respaldada em provas.” (Grifou-se)
Em tempo, o prof. Paulo de Barros Carvalho[51], assim conclui:
“Na própria configuração oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo seja devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer prova concludente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da hipótese normativa”.
Por outro lado, em relação ao momento em que o contribuinte pode juntar aos autos provas documentais, uma coisa é certa, o processo administrativo fiscal assegura ao contribuinte, quando repute ilegal o lançamento, o direito constitucional do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e sem restrições quanto à produção de provas.
Não obstante, em que pese o direito constitucional do contraditório e da ampla defesa, conforme o disposto no art.16, § 4º do Decreto nº 70.235/72, com redação dada pela Lei nº 9.532/97, considera-se precluso o direito de juntar documentos quando o sujeito passivo não requerer em primeira instância a juntada posterior e nem apresentar uma das justificativas legais para tanto.
Nestes termos, a defesa do contribuinte também deve trazer os documentos comprovadores de seus argumentos, sendo “vedado”, num primeiro momento, fazê-lo posteriormente. Exceção a essa regra decorrer das situações em que a prova documental deixou de ser juntada, tempestivamente, em razão de força maior, ou seja, necessária em virtude de fatos ou argumentos supervenientes.
Nesse caso, a apresentação da prova deve ser acompanhada de justificativa que demonstre a ocorrência de uma das condições excepcionais, sendo o deferimento da juntada intempestiva sujeita á apreciação da autoridade julgadora. Acolhido o pedido do contribuinte, as novas provas passarão a integrar os autos, devendo ser valoradas e avaliadas por ocasião do julgamento. Se preenchidos os requisitos legais, as novas provas são admitidas mesmo se já houver sido proferida decisão de primeira instância, podendo ser examinadas na fase recursal.
Assim é que o direito à prova, assegurado constitucionalmente pela previsão do devido processo legal e da ampla defesa, não se apresenta irrestrito ou infinito. Aliás, inexiste direito com tais características. A própria Constituição estabelece os contornos da liberdade de produção probatória, a principiar pelo veto às provas obtidas por meio ilícito. Falar em direito à prova, portanto, é falar em direito à prova legítima, a ser exercido segundo os procedimentos regulamentados pela lei.
Instaurado o contencioso administrativo tributário mediante impugnação do sujeito passivo, é assegurada a complementação instrutória mediante a realização de provas periciais, testemunhais e outras diligências que se façam necessárias, conforme o caso concreto, desde que tempestivamente solicitadas e devidamente especificadas e justificadas pelo contribuinte. Isso sem falar na possibilidade de a autoridade julgadora de primeira instância determinar, de ofício, em nome do princípio inquisitório, a realização de diligências consideradas úteis, conforme bem assinalou a Profª. Fabiana Del Padre[52].
Porém, em que pese o contido no art.16, § 4º do Decreto nº 70.235/72, importante se faz esclarecer que continua em vigor o dispositivo do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que permite a apresentação de documentos e esclarecimentos, enquanto o processo estiver com o relator. Outrossim, a jurisprudência tem se firmado no sentido dilatar de prazo para oferta de documentos, desde que a análise das provas acostadas aos autos, mesmo após o momento da impugnação, seja imprescindível para desfecho da controvérsia, como bem decidiu a Sexta Câmara do Antigo Primeiro Conselho de Contribuintes:
(…) A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, exceto se comprovado a ocorrência de uma das hipóteses do art. 16, § 4º, do Decreto nº 70.235/72. Essa é a regra geral insculpida no Processo Administrativo Fiscal Federal. Entretanto, os Regimentos dos Conselhos de Contribuinte e da Câmara Superior de Recursos Fiscais sempre permitiram que as partes pudessem acostar memoriais e documentos que reputassem imprescindíveis à escorreita solução da lide.(…) pode o relator, após análise perfunctória da documentação extemporaneamente juntada, e considerando a relevância da matéria, integrá-la aos autos, analisando-a, ou convertendo o feito em diligência.(Acórdão 106-16716, Data da Sessão: 22/01/2008)
Portanto, claro está que o encargo probatório deve ser considerado deve ser atribuído de forma igualitária entre Fisco e contribuinte, mesmo com a presunção de legitimidade dos atos administrativos. Por isso, mesmo quanto existam presunções legais, compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato a partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo. E que, mesmo ante a juntada extemporânea de documentos, estes devem ser apreciados se considerados fundamentais para o correto desfecho da lide, considerando a relevância da matéria.
V. Da aplicação de norma considerada inconstitucional pelos Tribunais Administrativos de Julgamento
A possibilidade de os tribunais administrativos deixarem de aplicar uma lei por entendê-la inconstitucional, é matéria bastante controvertida, tanto no seio doutrinário, quanto no jurisprudencial. Posicionamentos a favor e contrários a tal procedimento recheiam nosso ordenamento.
Para muitos, como por exemplo, para o professor Djalma Bittar[53], é evidente que os tribunais administrativos podem afastar a aplicação de lei incompatível com a Constituição, tendo em vista que, na consolidação do crédito tributário ao juiz do Poder Executivo cabe a apreciação dos motivos que irão tornar o título extrajudicial possível de cumprir o seu desiderato.
Os que seguem mencionada corrente asseveram também que, nos exatos termos do art. 1º do Decreto nº 2.346/97, os órgãos da Administração Federal devem observar as decisões do STF que, de forma inequívoca e definitiva, fixem a interpretação ou considerem inconstitucional determinada norma. Todavia, deve-se esclarecer que as decisões mencionadas no Decreto nº 2.346/97, são aquelas com efeito “erga omnes” e não as proferidas em sede de controle difuso.
Em nosso pensar, a declaração de inconstitucionalidade de normas vigentes, é procedimento de competência exclusiva do Poder Judiciário. “Os Conselhos de Contribuintes ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, ainda que sejam órgãos de julgamento estão subordinados ao controle de legalidade exercido pelo Ministro da Fazenda; portanto, não gozam de autonomia”[54].
Além do que, toda norma, ao ser introduzida no ordenamento jurídico, passa por testes de constitucionalidade preventivo no processo legislativo. Quer dizer que, antes de entrar no ordenamento, a lei passa por 07 (sete) provas de constitucionalidade: Comissão de Constituição e Justiça da Casa Legislativa, Câmara Temática, Plenário, caso aprovado, o projeto vai para exame da Casa Legislativa revisora, que percorrerá pela Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, pela Câmara Temática e pelo plenário.
Depois, conseguida a maioria simples ou absoluta, dependendo da natureza ordinária ou complementar da futura legislação, o projeto vai à apreciação do Presidente da República que, consoante os termos do artigo 66, §1º, da Constituição Federal, poderá vetá-lo por contrariedade ao interesse público ou por inconstitucionalidade. E, se sancionado, carrega consigo a presunção de constitucionalidade.
Ora, se a presunção é outorgada pela sanção do Chefe do Poder Executivo, não poderá um tribunal administrativo, que é um órgão do Poder Executivo, afastá-la ou mitigá-la. Afinal, a declaração de inconstitucionalidade de lei é atribuição exclusiva do Poder Judiciário, conforme previsto nos artigos 97 e 102, I, "a" e III, "b" da Constituição Federal, logo, no âmbito administrativo fica vedado aos órgãos julgadores afastar a aplicação, em virtude de inconstitucionalidade, de lei em vigor. Há exceção somente quando determinada lei for declarada inconstitucional por controle direto de constitucionalidade, quando então irão viger os efeitos vinculantes da decisão proferida.
Assim sendo, entendo ser correto o posicionamento adotado pelos tribunais administrativos, no sentido de não apreciarem declarações de inconstitucionalidades de leis, salvo no caso de decisão de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em virtude dos efeitos vinculantes gerados.
Repise-se: os próprios tribunais administrativos se prontificaram a afirmar que não têm competência para fazê-lo, ou só podem fazê-lo depois de determinada norma ser declarada inconstitucional (controle concentrado) pelo STF. Senão veja-se:
“IRPF – GANHO DE CAPITAL – CUSTO DE AQUISIÇÃO – Para fins de apuração de ganho de capital considera-se como custo de aquisição de bens o valor em UFIR do bem adquirido. Não se aplica o disposto no art. 96 da Lei nº 8.383/91 ao contribuinte que não observou o cumprimento de suas obrigações acessórias. JUROS DE MORA – TAXA SELIC – INCONSTITUCIONALIDADE – A análise da constitucionalidade ou ilegalidade de atos normativos, e em especial da taxa SELIC, configura-se como iniciativa fora dos limites de competência dos tribunais administrativos. Recurso negado. Por unanimidade de votos, NEGAR provimento ao recurso”. (1º CC – Proc. 10983.005680/97-46 – Rec. 15.704 – (Ac. 106-11.917) – 6ª C. – Rel. Romeu Bueno de Camargo – DOU 17.01.2002 – p. 31)
“IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA – Janeiro a abril de 1996 – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – Tributação reflexa. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Somente será apreciada nos Tribunais administrativos quando uniformizada e pacificada na esfera judicial pelo Supremo Tribunal Federal. PAGAMENTO MENSAL POR ESTIMATIVA – O levantamento de "Balancete de Suspensão ou Redução" do pagamento do IRPJ e CSSL, juntamente com as Guias de Recolhimento Mensal apresentadas com o Código de Lucro estimado, além da declaração expressa da empresa afirmando que faz recolhimentos mensais com base na Receita Bruta, tornam inequívoca essa opção. Recurso negado”. (1º CC – Ac. 105-12.563 – 5ª C. – Rel. Charles Pereira Nunes – DOU 22.02.1999 – p. 19)
Ademais, de acordo com o artigo 34 do Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais, com redação dada pela Portaria MF nº 147/2007, não resta mais dúvida de que os tribunais administrativos não possuem competência para apreciar e declarar a inconstitucionalidade de lei. Importante conferir a redação do mencionado dispositivo legal:
“Art. 34. Fica vedado à Câmara Superior de Recursos Fiscais afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob o fundamento de inconstitucionalidade.”
Deste modo, em minha opinião, ainda que um tanto conservadora, a autoridade administrativa ou os tribunais administrativos, atuando como julgadores do no processo administrativo fiscal não podem deixar de aplicar norma por considerá-la inconstitucional,
VI. Da impossibilidade de revisão pelo Poder Judiciário de decisão administrativa final favorável ao contribuinte.
Em apertada síntese, ocorre a coisa julgada quando a decisão não estiver mais suscetível de recursos/revisão, consoante disposição constante do art. 467, do Código de Processo Civil. Mas existe coisa julgada administrativa? Nesse contexto, como destaca Alberto Xavier[55], face ao princípio da universalidade da jurisdição, as decisões definitivas proferidas em processo administrativo não têm força de coisa julgada, dada a sua suscetibilidade de revisão pelo Poder Judiciário.
Todavia, conquanto não tenham força de caso julgado material, afirma o nobre doutrinador, “tais decisões têm forma similar à de ‘coisa julgada formal’[56], uma vez que são vinculantes e imutáveis para a própria Administração ativa, privada de meios jurídicos para reabrir o debate face ao Poder Judiciário, em caso de decisão desfavorável proferida pelos órgãos de Administração judicante, no exercício de funções de autocontrole”.
Ademais, a decisão proferida em processo administrativo, com caráter definitivo, vincula a Administração, até porque é decisão da própria Administração. Não vincula o contribuinte, que não perde a garantia de acesso ao Poder Judiciário, uma vez que cabe ao Judiciário o controle último da legalidade, inclusive dos atos administrativos. Assim, nesse sentido pode-se dizer com convicção que a decisão (norma individual e concreta) definitiva do processo administrativo faz coisa julgada sim.
Releva ressaltar a existência de entendimentos divergentes sobre o tema. Como o direito do contribuinte é inquestionável, a polêmica surge apenas com relação ao direito do Fisco. Sendo assim, conforme primoroso artigo de Ana Paula Peres Falcão Alves[57], “para alguns estudiosos do direito a coisa julgada não estaria presente no processo administrativo em atendimento ao que preceitua o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5°, XXXV), da ampla defesa (art. 5°, LV) e da isonomia (art. 150, II)”. Edvaldo Brito[58] trilha mesmo entendimento, senão veja-se:
"… o acesso ao Judiciário, como direito público subjetivo de ação, também, não poderia ser impedido à administração, apesar de ser tentadora a interpretação no sentido de que o disposto no inciso XXXV do art. 5° da Constituição seria um direito fundamental do administrado e não da administração. Contudo, se prevalecesse essa interpretação, ela estaria em desacordo com o próprio sistema constitucional implantado entre nós que privilegia um princípio, o da isonomia, que se põe acima de todos os outros ".
Em contrapartida, grande parcela dos doutrinadores defende posição contrária, onde me incluo, segundo a qual não existe a possibilidade de revisão judicial de decisão (norma individual e concreta) definitiva, no âmbito administrativo, beneficiando o contribuinte. À exemplo, cita-se Schubert de Farias Machado[59], o qual discorda da fundamentação antes mencionada pelas seguintes razões:
“- O inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, interpretado em consonância com os demais ditames constitucionais, confere garantia de jurisdição ao particular e não ao Estado, até porque o Estado prescinde dessa garantia.
– Não cabe ao Juiz lançar, mas apenas controlar a legalidade do lançamento efetuado pela autoridade administrativa, e, se for o caso, anulá-lo no todo ou em parte. Isso impossibilita a Fazenda Pública de pedir em Juízo a anulação da decisão do Conselho de Contribuintes[60], pois a sentença que viesse a dar provimento à pretensão da Fazenda, anulando a decisão de não lançar e positivando a exigência do tributo, consistiria em verdadeiro lançamento ao arrepio do art.142 do CTN.
– A decisão do Conselho de Contribuintes implica a manifestação do juízo de legalidade da administração, que, no exercício do seu direito potestativo de lançar, decidiu não lançar.
– Admitir que a Fazenda pode pedir a anulação da decisão do Conselho de Contribuinte é tornar esse órgão verdadeiramente inútil, uma vez que lhe retira a razão de existir, que é dizer a palavra final da Administração acerca da validade do lançamento tributário. Sobretudo se considerarmos que a Fazenda estaria obrigada a submeter ao crivo do Judiciário todas as decisões do Conselho de Contribuintes que implicassem a redução do valor do tributo originalmente exigido, pois não poderia ficar a depender da conveniência administrativa a escolha dos casos que seriam postos em Juízo.
– O questionamento judicial dessa decisão pela Fazenda implica à Administração voltar atrás numa decisão formalmente perfeita e dada como definitiva ao contribuinte, contrariando o princípio da boa-fé que preside os atos administrativos.”
Concordamos plenamente com tais argumentos. Em verdade, não faria qualquer sentido que a Administração pública, que já é dotada do privilégio de praticar atos imediatamente executórios e que é, além disso, está obrigada constitucionalmente a exercer imparcialmente funções de autocontrole da legalidade dos seus atos mediante processo administrativo (baseado nos princípios de ampla defesa e do contraditório), pudesse rebelar-se contra decisões definitivas dos seus próprios órgãos judicantes.
Ora, é precisamente a definitividade e imutabilidade dessas decisões que conduziu o Código Tributário Nacional, no seu artigo 156, inciso IX, a declarar como causa de extinção do crédito tributário “a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva, na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”. Ademais, o princípio do efeito vinculante das decisões definitivas da Administração é claro corolário do princípio da jurisdicionalização do processo administrativo tributário, pois atribui a essas decisões, como às decisões dos tribunais, um efeito similar à da coisa julgada formal.
Portanto, entendemos não ser facultado à Fazenda Pública ingressar em juízo pleiteando a revisão das normas individuais e concretas dos Tribunais Administrativos que são finais quando lhes sejam desfavoráveis. Ora, admitindo-se que tais possam ser atacadas mediante ação judicial promovida pela Fazenda Pública, ter-se-á decretado a absoluta inutilidade dos citados órgãos da Administração Pública, conforme dito algures.
Realmente, os Tribunais Administrativos, em tal situação, passariam a ser apenas mais uma instância, inteiramente desprezível porque suas decisões nada significariam que o contribuinte que, ao pedir sua proteção estaria apenas fazendo maior a demora no desfecho do litígio com a Fazenda.
A decisão terminativa do processo administrativo tributário é definitiva para o ente tributante, pois consiste no ato final do controle de legalidade do lançamento, pelo qual a Administração, exercendo competência privativa legalmente fixada, examina a validade daquele ato, decidindo mantê-lo ou não. Por isso a decisão administrativa favorável ao contribuinte, que reconhece a inexistência do débito tributário, não consiste em mera reforma do lançamento, mas em verdadeiro cancelamento da norma individual e concreta introduzida no ordenamento por aquele ato. Com essa espécie de decisão, o lançamento extingue-se, deixa de existir.
Neste mesmo sentido, com toda sabedoria que lhe própria, Paulo de Barros Carvalho[61], em sua mais recente obra Derivação e Positivação no Direito Tributário”, entende que, quando um órgão administrativo decide conflito entre o particular e a Administração Pública, é o próprio Estado que está manifestando sua vontade.
Essa decisão tem efeito vinculante para a administração, acarretando duas conseqüências: “a insuscetibilidade da revisão judicial desses atos por iniciativa da própria Administração e o dever de execução daquelas decisões”. Conquanto não tenham força de “coisa julgada material”, tais decisões têm uma força similar à de “coisa julgada formal”, uma vez que são vinculantes e imutáveis para a própria Administração.
Isso, por si só, segundo o mestre[62] “já configura uma das razões pelas quais o Judiciário não pode reformar a decisão administrativa extintiva do crédito tributário: não compete ao Judiciário “lançar” tributos. O “não lançamento” pela Administração não pode ser substituído pelo “lançamento” do Judiciário.
Ademais, não haveria qualquer sentido em permitir que a Administração Pública pudesse rebelar-se contra decisões definitivas de seus próprios órgãos judicantes, ou seja, venire contra factum proprium. Se o ordenamento jurídico atribui a determinados órgãos o poder de julgar conflitos entre a Administração e o contribuinte, cabe a esses órgãos manifestarem a vontade da própria Administração, naquilo que julgam. É incongruente, portanto, admitir que essa mesma Administração, representada por outro órgão seu, peça ao Judiciário para desconstituir seus atos.
No que diz respeito ao processo administrativo federal, há disposição expressa nesse sentido. Nos termos do artigo 42, do Decreto n. 70235/72, a decisão contrária à Fazenda Nacional e, portanto, favorável ao sujeito passivo, é definitiva, adquirindo a qualidade de verdadeira “coisa julgada formal”. Desse modo, não poderá a Administração, inconformada com o julgamento de seus próprios órgãos de autocontrole, ir em busca de socorro judicial, no intuito de anular sua decisão.
Em tais hipóteses, inexiste interesse de agir para o Ente Tributante. Não se pode conceber legitimação ativa da pessoa jurídica de direito público contra si mesma. Há impossibilidade lógica de demandar contra ato próprio, diante da necessária bilateralidade e da irreflexividade das relações jurídicas”.
Em tempo, ainda segundo Barros Carvalho[63], “quando o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais cancela um lançamento por reconhecer a inexistência do fato jurídico e da obrigação tributária, sendo este um órgão julgador administrativo da esfera federal, sua manifestação implica afirmação do próprio credor acerca da inexigibilidade de valores a título de tributo. Por via de conseqüência, uma vez anulado o lançamento pelos órgãos responsáveis por seu controle de legalidade, desconstitui-se o crédito tributário, ficando a Fazenda desprovida de motivo para expedir título executivo, bem como de interesse para pleitear no Judiciário provimento substitutivo do referido ato. Vale dizer, a Administração não tem interesse subjetivo, nem vontade própria que não aquela que decorre da lei (grifo nosso).
E o professor, conclui dizendo:
“Se a lei não dá respaldo à constituição do crédito, conforme a própria, Administração certificou, ela não poderá ir a Juízo contra si mesma, ou contra o contribuinte. Atentaria até mesmo contra o princípio da moralidade administrativa o fato de a Administração não querer se sujeitar à decisão por ela mesma proferida, no exercício regular de suas atribuições. Equivaleria a autodestruir o poder legalmente exercitado pela Administração, tornando o procedimento administrativo algo inútil, desnecessário, com desperdício de tempo e de dinheiro.”
Tal conclusão não decorre somente de uma construção doutrinária. Ao disciplinar o processo administrativo, o próprio Decreto nº 70.235/72 atribui à decisão proferida em âmbito administrativo o caráter de definitividade para a Administração, vinculando-a e impossibilitando o recurso ao Judiciário. É o que se depreende de seu artigo 45, in verbis:
“ARTIGO 45 – No caso de decisão definitiva favorável ao sujeito passivo, cumpre à autoridade preparadora exonerá-lo, de ofício, dos gravames decorrentes do litígio.”
Ora, se a lei elegeu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais como órgão competente para dirimir conflitos de ordem fiscal no âmbito federal, e se atuação deste órgão dá-se no exercício de função julgadora, passível de conferir direitos aos administrados, na medida em que a Administração reconhece infundada sua atuação, é, no mínimo ilógico, que a própria Administração leve a questão ao judiciário pleiteando manifestação em contrário daquilo que já restou pacificado em seu próprio âmbito.
Em suma, pelos fundamentos já expostos entendo ser inadmissível a propositura de ação pela Fazenda Pública objetivando anular decisões de seus órgãos. Por conseguinte, as decisões prolatadas pelos órgãos colegiados em última instância recursal (normas individuais e concretas) devem ser observadas pelas Administrações fazendárias, a fim de prestigiar a postura jurídica, prudente e equilibrada que naturalmente decorre de órgãos de composição paritária, após diversos debates sob todos os seus ângulos, mantendo-se a perfeita integração entre Fisco e contribuinte.
VII. Recurso Administrativo Intempestivo e a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário
As impugnações e os recursos passíveis de utilização na esfera administrativa estão previstos tanto no Decreto nº 70.235/1972, como nos Regimentos Internos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (Anexos I e II da Portaria MF nº 55, de 16/03/1998) e na Lei nº 9.784, de 29/01/1999. Logo, existem prazos e formas definidos em lei no tocante à interposição de impugnações e recursos. E tais prazos devem ser observados.
Contudo, o art. 35 do Decreto 70.235/72, que rege o Procedimento Administrativo Fiscal, dispõe que o recurso, mesmo perempto, será encaminhado ao órgão de segunda instância, in verbis:
Art. 35. O recurso, mesmo perempto, será encaminhado ao órgão de segunda instância, que julgará a perempção.
Mas o que vem a ser perempção na esfera administrativa? De acordo com o Vocabulário Jurídico[64], o vocábulo perempção é derivado do latim peremptio, de perimere (destroçar, aniquilar, prescrever, extinguir), que no sentido literal significaria o mesmo que perecimento. Mas, no sentido técnico do Direito, a perempção ocorre sempre dentro de um processo, quando no prazo assinado não se praticou o ato, ou, dentro de um certo prazo, não se fez o que para fazer. Em suma, perempção configura-se pela comprovação da perda do prazo para apresentação do recurso.
O fato é que, nos termos do art. 35 do Decreto 70.235/72, o recurso independentemente de ter atendido a um dos elementos essenciais e formalização, como a tempestividade, por exemplo, deverá ser recebido pela repartição (autoridade preparadora ou servidor do órgão) e encaminhado para o órgão competente para julgamento.
Assim, consoante artigo 35 do Decreto nº 70.235/72, visto que, MESMO PEREMPTO determina que o recurso seja “encaminhado ao órgão de segunda instância, que julgará a perempção”. Enquanto não analisada a perempção, mantém-se suspensa a exigibilidade do crédito tributário ali discutido.
Outro não é entendimento de Íris Vânia Santos Rosa, em recente artigo publicado a respeito:
“Enquanto o não oferecimento de defesa, desde que haja notificação pessoal, autoriza o prosseguimento dos procedimentos objetivando a satisfação do crédito tributário, o oferecimento de defesa intempestiva implica na demonstração de inconformismo em relação a exigência, apesar de ser trazido à análise fora do prazo[65]. E, assim sendo, a exigibilidade do crédito permanecerá suspensa até que se opere a definitividade do crédito tributário com a decisão administrativa.
(…) Não há a menor dúvida que, os prazos processuais administrativos devem ser cumpridos e que não se pode pregar a possibilidade de defesa sem qualquer limitação temporal, desde que isso não implique na violação dos princípios caros ao Processo Administrativo.”[66]
Portanto, não é permitido à repartição que receber o recurso obstar o seu andamento. Embora possa manifestar-se quanto a sua tempestividade, especialmente nas contagens atípicas de prazo (feriados, funcionamento em dia não normal de expediente etc), assim sendo, mesmo que o recurso esteja perempto, até que haja o julgamento do mesmo, a exigibilidade do crédito tributário, neste interstício encontrar-se à suspensa.
Deste modo que fique claro, ainda que perempto, o recurso deverá ser encaminhado ao órgão de segunda instância que julgará a suposta intempestividade e nesse ínterim, é claro que ocorre a suspensão da exigibilidade do crédito, posto que o artigo 151, III do Código Tributário Nacional, determina a suspensão da exigibilidade do crédito tributário objeto de recurso administrativo.
Destarte, existe um lapso de tempo, um liame, entre a interposição do recurso e o juízo de admissibilidade no âmbito administrativo por parte do órgão de Segunda Instância, que permite concluir pela suspensão da exigibilidade do credito tributário até que este último órgão se pronuncie acerca da possível perempção oriunda de recurso intempestivo. Relembrando que caso o órgão julgue pela intempestividade o recurso, ainda cabe outro recurso, que o Agravo.
Todavia, existem opiniões divergentes são expressadas (com as quais, com todo respeito, discordamos), à exemplo, pelos ilustres juristas Marcos Vinícius Neder e Maria Tereza Martinez Lopes[67]. Para eles, "a eventual petição apresentada fora de prazo não caracteriza impugnação; não instaura a fase litigiosa do procedimento; não suspende a exigibilidade do crédito tributário e nem comporta julgamento de primeira instância, salvo se caracterizada ou suscitada a tempestividade como preliminar".
Ora, não está totalmente correta a afirmação anterior de que o recurso interposto fora do prazo não cria o litígio. Até, o recurso passar pelo juízo de admissibilidade, o crédito não pode ser exigido e é claro que já está instaurada a fase litigiosa, para que se aprecie a preliminar de tempestividade da peça recursal.
Logo, discordamos do posicionamento antes explicitado e abraçamos a tese de que o recurso administrativo, ainda que intempestivo, tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário até que o órgão de segunda instância julgue ser o mesmo extemporâneo, o ocasionaria o perecimento do direito do contribuinte/recorrente à mencionada suspensão.
CONCLUSÕES FINAIS
Por todo o exposto, procurando sempre manter a coerência entre as premissas firmadas e nossa argumentação pessoal, concluímos a presente pesquisa com a plena convicção de termos alcançado os objetivos inicialmente traçados, que se traduzem justamente na produção de um texto conciso, objetivo e que nos leva às seguintes conclusões:
1. O Decreto nº 70.235/72 rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União. Entretanto, somente com a promulgação, em 1988, da Magna Carta, é que o processo administrativo, tornou instrumento ainda mais útil para solução de conflitos entre os cidadãos e o Estado (lato sensu), tomou grande relevância, posto que foram incluídos dentre os direitos fundamentais.
2. O processo administrativo fiscal, ou também chamado de processo administrativo tributário, tem início com a impugnação do lançamento, vez que antes dele, tinha-se procedimento fiscal. Contudo, entendemos ser desnecessária e ultrapassada tal diferenciação após a CF/88, devendo-se falar tão somente em processo administrativo.
3. O Processo Administrativo Fiscal, no âmbito federal, é regido pelo Decreto nº 70.235/72 (algumas de suas disposições foram alteradas (incluídas) pelas Leis nº 8.748, de 1993; nº 9.532, de 1997, nº 9.784 de 1999 e nº 11.196, de 2005), o qual trata, dentre outras questões, da determinação e exigência dos créditos tributários da União, onde encontram-se delineados os trâmites de todas as fases processuais administrativas, desde a oferta da impugnação à Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento, aos recursos cabíveis ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF[68] e pela Lei nº 9.784/1999[69], promulgada após a CF/88.
4. Além dos princípios do contraditório e da ampla defesa, o art. 2º da Lei 9.784 de 29/01/1999 estabelece, também, que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, impessoalidade, segurança jurídica, interesse público, eficiência, publicidade, informalismo, oficialidade, gratuidade.
5. O escopo do processo administrativo fiscal é o autocontrole, a fiscalização dos próprios atos administrativos para o fim de evitar ilegalidades. Sua função, nessa busca de respeito à legalidade, é tanto de proteger o Estado como o contribuinte e seu patrimônio. Já as fases comuns ao processo administrativo são cinco e se desenvolvem nesta ordem: instauração, instrução, defesa, relatório e julgamento. Destacando-se, em tempo, a fase litigiosa do processo administrativo em voga, onde se encontram, ainda, as formas autorizadas pela legislação federal para que o contribuinte diretamente se oponha aos lançamentos tributários.
6. É irrelevante a distinção entre verdade material e formal, vez que a verdade que se busca em qualquer processo, seja administrativo ou judicial, é a verdade lógica. Somente com a admissão de validade da verdade lógica, isto é, alcançada pela produção de provas e de alegações segundo as regras do sistema, é que se torna possível admitir a proibição de análise pela autoridade julgadora, de provas ilícitas ou de recursos interpostos intempestivamente, Logo, é com a validação da verdade lógica que se perfaz o princípio do devido processo legal, quer no âmbito administrativo ou judicial.
7. O encargo probatório, no âmbito do processo administrativo tributário, deve ser atribuído de forma igualitária entre Fisco e contribuinte, mesmo com a presunção de legitimidade dos atos administrativos. Por isso, mesmo quanto existam presunções legais, compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato a partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo. Ademais, ainda que determinado documento (prova) seja juntado aos autos em momento diverso da oferta da impugnação, caso a análise de tal documento seja relevante para a correta solução do processo administrativo, o mesmo deve ser apreciado.
8. Em nosso pensar, não é dado aos tribunais administrativos deixar de aplicar norma vigente sob a alegação de sua inconstitucionalidade, caso o Supremo Tribunal Federal não se tenha se manifestado a respeito em sede de controle concentrado. Por tal razão é de bom alvitre que os argumentos a serem dependidos administrativamente, sejam restritos às normas infraconstitucionais, deixando-se as alegações de inconstitucionalidade à jurisdição judicial.
9. As decisões prolatadas pelos órgãos colegiados (normas individuais e concretas) em última instância recursal devem ser observadas pelas Administrações fazendárias, a fim de prestigiar a postura jurídica, prudente e equilibrada que naturalmente decorre de órgãos de composição paritária, após diversos debates sob todos os seus ângulos, mantendo-se a perfeita integração entre Fisco e contribuinte. Destarte, entendemos não ser facultado à Fazenda Pública ingressar em juízo pleiteando a revisão das decisões dos Tribunais Administrativos que são finais quando lhes sejam desfavoráveis, sob pena ter-se-á decretado a absoluta inutilidade dos Tribunais Administrativos.
10. O recurso administrativo, ainda que intempestivo, tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário até que o órgão de segunda instância julgue ser o mesmo extemporâneo, o ocasionaria o perecimento do direito do contribuinte/recorrente à mencionada suspensão.
Mestranda em Direito Tributário pela PUC-SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Professora do IBET- Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e Advogada em Florianópolis/SC
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