Direito Constitucional

Processo Legislativo, Controle de Constitucionalidade e o Vício de Decoro Parlamentar

Milton Lázaro Santos Lino – Bacharel em Direito pela Universidade de Cuiabá (UNIC). Especialista em Ciência Política pela Universidade Estácio de Sá.

Resumo: De elementar conhecimento que o processo legislativo e o controle de constitucionalidade são essenciais para a manutenção do ordenamento jurídico brasileiro. Após breve aparato acerca de tais assuntos o presente trabalho se aprofunda na análise sobre a ideia de vício de constitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, conforme defendido por Pedro Lenza em sua obra. Ainda é excursionado sobre a existência de três ações diretas de inconstitucionalidade consubstanciadas na teoria lenzista e em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, bem como de sua utilização no controle incidental de constitucionalidade pelo juízo da 1ª Vara de Fazendas e Autarquias de Belo Horizonte/MG, podendo se observar, ao final, a possibilidade, ou não, de utilizar-se a teoria defendida por Lenza como parâmetro para o controle de constitucionalidade no Brasil, sobretudo em virtude da existência de divergência doutrinária a respeito do tema.

Palavras-chave: Processo legislativo. Controle de constitucionalidade.

 

Abstract: Notorious that the legislative process and the control of constitutionality are essential for the maintenance of the Brazilian legal system. After a brief apparatus on such subjects the present study is based on an analysis about the idea of unconstitutionality for breach of parliamentary decorum, defended by Pedro Lenza. In this vein, based on bibliographical and jurisprudencial analysis, it is seen that the Lenzist theory is a minority matter in the constitutionalist doctrine and presents weaknesses, as asserted by other authors, although timidly, deserving mention the teaching of Puccinelli Júnior. Moreover, it mentions a existence of three direct actions of unconstitutionality based on the Lenzist theory, in process in the Supreme Court, besides the use of the Lenzist theory in the incidental control of constitutionality, by the judgment of the 1st court of state and municipalities of Belo Horizonte, Minas Gerais. Finally, it is concluded that, is an innovation advocated by Lenza must be perpetuated as a parameter for the control of constitutionality in Brazil.

Keywords: Legislative process.  Judicial review.

 

Sumário: Introdução. 1. Material e métodos. 2. Resultados e discussão. 2.1 Do processo legislativo. 2.2 Controle de constitucionalidade. 2.3. Controle de constitucionalidade prévio. 3.4 Controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Legislativo. 2.5 Controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Executivo. 2.6 Controle de constitucionalidade repressivo. 2.7 Do controle de constitucionalidade jurisdicional pela via incidental. 2.8 Do controle de constitucionalidade jurisdicional pela via concentrada. 2.9 Do vício de constitucionalidade por quebra de decoro parlamentar. 2.10 A teoria lenzista. 2.11 Da controvérsia doutrinária. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

De elementar conhecimento que a inconstitucionalidade de atos normativos no sistema jurídico brasileiro é aferida a partir de vícios materiais e formais, seja de forma omissiva, ou comissiva.

A doutrina, há anos, limita-se a dividir as hipóteses de vício de constitucionalidade em dois grandes grupos: os vícios de ordem formal e, aqueles de ordem material. Em síntese, o vício formal decorre de irregularidades no processo legislativo, isto é, quando da elaboração do ato e todo o trâmite necessário para tal mister. Por seu turno, o vício material dar-se a partir da incompatibilidade do assunto legislado com algum preceito ou princípio insculpido na Constituição Federal da República.

Não obstante, nos idos de 2009, com a repercussão ínsita ao julgamento da ação penal nº 470 (popularmente conhecida como “mensalão”), emergiu na seara jurídica uma nova hipótese de vício de inconstitucionalidade, sustentada, sobretudo, no fato de que os parlamentares réus na supramencionada persecutio criminis agiram em desacordo com o decoro que lhes é exigido e, por tal razão, os atos legislativos nos quais atuaram estariam eivados de inconstitucionalidade.

Desta exegese, a doutrina denominou tal possibilidade de vício de constitucionalidade como “vício de decoro parlamentar”.

Ocorre que, transcorridos mais de cinco anos dessa inovação jurídico-constitucional, é salutar conferir se tal hipótese de vício de constitucionalidade firmou-se como parâmetro no sistema constitucional brasileiro, mormente pela jurisprudência, bem como pelo aprofundamento doutrinário neste sentido.

 

1 MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa ateve-se a excursionar acerca do processo legislativo e do controle de constitucionalidade, com vistas, sobretudo, a encontrar a resposta para a seguinte indagação: o vício por decoro parlamentar firmou-se como parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade de leis após transcorridos cinco anos da deflagração da ação penal nº 470?

Nesta linha de intelecção, passou-se a analisar se a prática do processo legislativo no Brasil, bem como o controle de constitucionalidade exercido sobre o mesmo, notadamente a fim de verificar se o vício por decoro parlamentar institucionalizou-se como forma hábil a declarar a sustação de atos legislativos.

E, ainda, abordou acerca do processo legislativo como criador de normas jurídicas e seu desenvolvimento segundo os preceitos estabelecidos pela Constituição Federal; teceu comentários sobre o controle de constitucionalidade exercido no Brasil, sob a égide da Carta Magna de 1988; excursionou quanto à emersão do vício por decoro parlamentar no cenário jurídico nacional; e, analisou se o vício por decoro parlamentar firmou-se como parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade de atos legislativos.

Para tanto, a presente pesquisa valeu-se do método lógico-dedutivo, assentando-se na formulação jurisprudencial, normativa e, principalmente, doutrinária.

Portanto, a pesquisa bibliográfica caracteriza o método específico do trabalho em comento, dando-se mediante a compulsão da doutrina, artigos, periódicos e revistas jurídicas, além da jurisprudência e da normativa, em si.

 

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

2.1 DO PROCESSO LEGISLATIVO

No direito brasileiro, a criação de leis e demais normas jurídicas, deve, estritamente, obedecer ao regramento previsto para tal mister, de modo que mantenham consonância com a redação da Lei Maior.

Trata-se, pois, do princípio da supremacia da Constituição, introduzido no ordenamento jurídico por Hans Kelsen[1], donde se extrai que diante de uma constituição rígida, tal qual a brasileira, as demais normas que a subsumem devem guardar escorreita similitude com seus mandamentos, sob pena de serem tidas como inválidas.

Em síntese, Jorge Bernardi (2010, p. 250), doutrina sobre o assunto:

“No Brasil, há uma hierarquia legal, sendo que a Constituição ocupa o topo da pirâmide e todas as demais devem-lhe obediência. A constituição possui supremacia sobre todas as outras leis emanadas de qualquer um dos quatros entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Toda norma que contrarie a Constituição pode ser declarada inconstitucional, portanto, sem validade.

As leis emanadas de qualquer um dos entes federados devem respeitar a Constituição. Desde sua elaboração na fase de projeto, nas Casas Legislativas, elas sofrem um processo inicial de controle através das comissões próprias de Constituição, Justiça e Legislação. Uma vez aprovado o projeto, o Poder Executivo pode também exercer esse controle da constitucionalidade por meio do veto. E, finalmente, já em vigor, o Judiciário pode declarar a inconstitucionalidade da lei”.

Desta exegese, em âmbito Federal, tais regras consubstanciam no art. 59, da Constituição Federal e, também, na Lei Complementar nº 95/1998, alterada pela Lei Complementar nº 107/2001, que regulamenta sobre as técnicas de elaboração, redação, alteração das leis, além de sua consolidação.

Inobstante, os Regimentos Internos, quer seja da Câmara dos Deputados, quer seja do Senado Federal, dedicam dispositivos para tratar de tal assunto, com vistas a obedecer ao texto constitucional e evitar eventuais vícios na confecção das normas.

Não se pode olvidar, ainda, que, a par dos incisos do art. 59, da CFRB/1988, o Presidente da República também poderá elaborar projetos de normas, desde que observando os parâmetros estabelecidos para tanto.

Jorge Bernardi (2010, p. 39), em sua obra, remonta ao fato de que:

“O Processo Legislativo contempla dois sentidos: o sociológico, que envolve os legisladores no trabalho de formação das leis, e o sentido jurídico, que compreende os procedimentos que devem ser seguidos para que a lei tenha validade. A formação das leis é um ato complexo e, assim, deve ser entendido, pois, antes da norma, existe o momento social que levou a elaboração dela”.

E ainda, acerca dos procedimentos a serem adotados para a confecção das normas, acrescenta que:

“Os procedimentos para a elaboração de projeto de lei a serem observados, pelo Método de Sorensen, são os seguintes: a) identificação (definição) do problema; b) identificação das alternativas; c) exame das consequências de cada uma das alternativas; d) escolha da melhor alternativa; e) comunicação da escolha; e, f) a execução da decisão”. (2010, p. 40)

Feitas tais considerações, vale assinalar, sem prejuízo, que existem estudiosos do Direito que expandem-se em seus próprios conceitos, ao excursionarem que o processo legislativo não limita-se apenas ao pilar jurídico propriamente dito, eis que também deve ser encarado sob o ponto de vista sociológico.

Isto porque, a elaboração da legislação impõe a observância do direcionamento urgido pela sociedade, atendo-se, portanto, a fatos reais e concretos.

Desta feita, fica cristalina a conceituação exarada por Alexandre de Moraes (2012, p.671):

“O termo processo legislativo pode ser compreendido num duplo sentido, jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção de leis e atos normativos que derivam diretamente da própria constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas.

Assim, juridicamente, a Constituição Federal define uma sequência de atos a serem realizados pelos órgãos legislativos, visando à formação das espécies normativas previstas no art. 59: Emendas Constitucionais, leis complementares e ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.

A primazia do processo legiferante foi constitucionalmente concedido ao Poder Legislativo, que, porém, não detém o monopólio da função normativa, em virtude da existência de outras fontes normativas primárias, tanto no Executivo (medidas provisórias, decretos autônomos), quanto no Judiciário (regimento interno dos Tribunais e poder normativo primário do Conselho Nacional de Justiça).

O respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas é um dogma corolário à observância do princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente, uma vez que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas de processo legislativo constitucional, determinando, desta forma, a Carta Magna, quais os órgãos e quais os procedimentos de criação das normas gerais, que determinam, como ressaltado por Kelsen […]”.

A fim de esgotar o tema, Gilmar Ferreira Mendes (2010, p. 1003) é contumaz e elucidativo ao dissertar sobre o mesmo, inclusive, dissecando acerca das peculiaridades afetas aos decretos legislativos e às resoluções, senão vejamos:

“A edição de atos normativos primários, que instituem direitos e criam obrigações é função típica do Poder Legislativo. O art. 59 da Constituição Federal lista os instrumentos normativos compreendidos na regulação que o constituinte desenvolve nos dispositivos seguintes. Cogita da Emenda à Constituição, das leis complementares, das leis ordinárias, das leis delegadas, das medidas provisórios, dos decretos legislativos e das resoluções.

O constituinte é parcimonioso ao dispor sobre o decreto legislativo e a resolução. Seguem ambos, salvo disposição em contrário, a norma geral da aprovação por maioria simples, ficando o seu procedimento a cargo dos regimentos internos do Legislativo. Esses instrumentos são utilizados para regular matérias da competência exclusiva do Congresso Nacional ou de suas Casas e não se submetem a sanção ou veto do Presidente da República.

Por meio do decreto legislativo, por exemplo, o Congresso resolve sobre tratados internacionais, susta atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar e disciplina as relações ocorridas durante a vigência de medida provisória não convertida em lei.

Por meio da resolução, o Congresso Nacional dá forma à delegação legislativa ao Presidente da República, e o Senado exerce as competências que o art. 155 da Constituição Federal lhe atribui em matéria de impostos estaduais. Vale a observação de que o art. 155, § 2º, IV, da Constituição, em se tratando de ICMS, cobra maioria absoluta para a resolução do Senado que fixa alíquotas aplicáveis às operações interestaduais e de exportação. Para o mesmo imposto, o art. 155, V, a, exige também maioria absoluta para a resolução que fixar alíquotas mínimas em operações internas, e, na letra b da norma, maioria de 2/3 para as alíquotas máximas em operações internas.

O conjunto de atos que uma proposição normativa deve cumprir para se tornar uma norma de direito forma o processo legislativo, que é objeto de regulação da Constituição e por atos internos no âmbito do Congresso Nacional”.

Como visto, o poder legiferante é de incumbência inicial do Legislativo, porém, consoante já ressaltado alhures, este não detém o monopólio de tal mister, visto que os demais Poderes também poderão exercer tal desiderato, ainda que atipicamente.

Fixadas essas premissas, é salutar destacar que o processo legislativo, tal como qualquer outra esteira do direito, aparta-se para fins didáticos, apesar de ser uno.

Com efeito, forte na doutrina de Puccinelli Júnior, diz-se que o processo legislativo poderá ser ordinário ou comum, sumário, e, também, especial. O primeiro, é assim nomeado porque agrega todas as fases instituídas pelo constituinte originário e, por tal razão, mostra-se como mais completo. O segundo, alude à norma ínsita ao art. 64, § 1º, da Constituição Federal, o qual dispõe acera da possibilidade do Presidente da República solicitar urgência na tramitação de determinados projetos normativos. O último está estritamente relacionado à confecção de outros tipos de espécies normativas e, em regra, distingue-se do procedimento comum por dispensar alguma etapa ou formalidade nele prevista, ou, por apresentar peculiaridades outras, tal como na deliberação de leis complementares ou delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções (2013, p. 444-459).

O processo legislativo sumário apresenta especificidades, as quais, por salutar importância, merecem respaldo, notadamente a partir da didática inerente à obra de André Puccinelli Júnior (2013, p. 459-460):

“O art. 64, § 1º, a CF/88 concede ao Presidente da República a prerrogativa de solicitar urgência na apreciação de sua iniciativa, seja privativa, seja concorrente, caso em que a Câmara dos Deputados realizará a deliberação inicial, e o Senado Federal, a deliberação revisional.

A duração máxima do procedimento sumário é de cem dias. Isso porque cada casa congressual tem o prazo improrrogável de quarenta e cinco dias para apreciar, sucessivamente, o projeto de lei encaminhado pelo Presidente da República, intervalo esse que só poderá ser estendido por mais dez dias para análise, pela Câmara dos Deputados, de eventuais emendas efetivadas no âmbito do Senado Federal.

Caso o Senado Federal ou a Câmara dos Deputados não se manifestem sobre a proposição, cada qual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, o projeto presidencial que tramita em regime de urgência será colocado na ordem do dia, sobrestando-se todas as demais deliberações até que ultime sua votação, ressalvada a apreciação das matérias com prazo constitucional determinado e que tenham preferência de pauta, a exemplo das medidas provisórias.

Além dos casos de urgência relacionados aos projetos de iniciativa presidencial, o texto constitucional ainda prevê, em seu art. 223, § 1º, que o trâmite dos atos de outorga ou renovação de concessão, permissão ou autorização para serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observará igualmente os prazos fixados no art. 64, da CF/88.

Outros casos de urgência, não previstos no texto constitucional, também são admitidos pelos regimentos internos da Câmara dos Deputados (art. 152) e do Senado Federal (art. 336).

Interessante notar que os trancamentos de pauta previstos tanto no caso do § 2º do art. 64 (urgência em projetos de iniciativa presidencial) quanto na situação descrita no § 6º do art. 62, ambos da CF/88, por ser referirem de forma expressa e textual ao sobrestamento das “deliberações legislativas”, não impedem a realização de sessões deliberativas no exercício do múnus fiscalizatório como, por exemplo, na hipótese de sessão instaurada para cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro, oitiva de ministros ou autoridades convocadas a dar explicações de interesse público ou, ainda, tomada de depoimentos em comissões parlamentares de inquérito.

Tal orientação foi fixada pelo STF no MS 25.441/DF, impetrado por um ex-deputado federal que sustentava a nulidade da cassação de seu mandato em sessão deliberativa convocada quando a pauta de votações da Câmara estava trancada pela pendência de diversas medidas provisórias.

Todavia, em sede acautelatória, o Min. Marco Aurélio indeferiu a liminar postulada para a reintegração no mandato parlamentar, por entender que o trancamento de pauta não obstaria a deliberação de tema alheio à discussão de projetos normativos […]”.

Por seu turno, o processo legislativo comum ou ordinário caracteriza-se por ser um conjunto de atos preordenados, que compreende a iniciativa legislativa; a proposição de emendas; a votação, em si; o momento de sanção ou veto; e a promulgação de publicação do ato (SILVA, 2012).

Neste sentido, por iniciativa, segundo José Afonso da Silva, (2012, p. 525-6) entende-se como:

“[…] a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo. Em rigor, não é ato de processo legislativo. É conferida concorrentemente a mais de uma pessoa ou órgão, mas em casos expressos, é outorgada com exclusividade a um deles apenas. Assim é a um terço dos membros da Câmara dos Deputados, a um terço dos membros do Senado, ao Presidente da República e a mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação (art. 60); a iniciativa de leis complementares e ordinárias compete a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República e aos cidadãos (art. 61). Esclareça-se que esse dispositivo inclui o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e o Procurador-Geral da República como detentores também do poder de iniciativa legislativa, não, contudo, de iniciativa concorrente, porquanto não podem eles iniciar qualquer lei, mas tão só as que lhes são indicadas com exclusividade, salvo o Procurador-Geral da República que concorre com o Presidente da República da lei orgânica do Ministério Público (arts. 61, § 1º, II, b e 128, § 5º)”.

Gilmar Mendes, em apertada síntese, consagra que a iniciativa legislativa deflagra o processo legislativo. Em outras palavras, seria dizer que ela caracteriza-se “quando alguém ou algum ente toma a iniciativa de apresentar uma proposta de criação de novo direito” (2010, p. 1003).

Acerca das fases seguintes (discussão e votação), o supracitado Ministro do Supremo Tribunal Federal, doutrina que:

“Depois de apresentado, o projeto é debatido nas comissões e nos plenários das Casas Legislativas. Podem ser formuladas emendas (proposições alternativas) aos projetos. A emenda cabe ao parlamentar e, em alguns casos, sofre restrições.

Não se admite a proposta que importe no aumento de despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República e nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público (CF, art. 63 e incisos). Assim, não se impede a emenda em casos de iniciativa reservada, mas a emenda estará vedada se importar incremento de dispêndio.

Nos casos de lei que cuidam de matéria orçamentária, é também possível a emenda parlamentar, mas com certas ressalvas. Nas leis de orçamento anula, as emendas devem ser compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Devem, ainda, indicar os recursos necessários para atendê-las, por meio de anulação de outras despesas previstas no projeto. Não podem ser anuladas despesas previstas para dotações para pessoal e seus encargos, serviço da dívida e transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal, nos termos do art. 166,§ 3º, da Constituição. O § 4º do mesmo dispositivo cobra a compatibilidade da emenda ao projeto de diretrizes orçamentárias com o plano plurianual.

O STF entende que, a par dessa limitação expressa ao direito de emendar projeto da iniciativa do Chefe do Executivo, outra mais deve ser observada, por consequência lógica do sistema – a emenda deve guardar pertinência com o projeto de iniciativa privativa, para prevenir a fraude a essa mesma reserva.

Se a matéria é da iniciativa do Chefe do Executivo, não se tem aceito que o Legislativo, mesmo invocando o postulado constitucional da isonomia, estenda a outros grupos de servidores vantagem que foi concebida para apenas determinada carreira. (2010, p. 1006-7)”

E segue:

“Findo o período de debates, segue-se a votação, que deverá seguir o quorum estabelecido especificamente para a proposição a ser debatida. Em não se exigindo quorum especial, a proposição será aprovada por maioria simples.

Não há aprovação de projeto sem votação, não se prevê hipótese de aprovação por decurso de prazo, mas o prazo para a votação pode ser acelerado, a requerimento do Presidente da República, nos projetos de sua iniciativa. A mensagem do Chefe do Executivo pode pedir rito de urgência de tramitação em cada Casa, para que seja incluído na ordem do dia. Não o sendo, fica sobrestada a deliberação sobre outros assuntos, exceto os que também tenham prazo constitucional determinado. Havendo emenda no Senado, a Câmara dispõe de dez dias para apreciá-la (CF, art. 64 e parágrafos). O regime de urgência que caracteriza esse procedimento sumário, não se aplica a projeto de código. (2010, p. 1007-8)”.

Após, findo os debates e votação, caso aprovado, o projeto segue para a fase de deliberação executiva. Trata-se, portanto, da salutar inserção do Chefe Executivo junto ao processo legislativo, conforme insculpido na Constituição Federal.

Alexandre de Moraes, atento à imprescindibilidade de tal intervenção executiva, esclarece sobre o assunto:

“A existência da participação do Poder Executivo, além dos casos de iniciativa, nesta fase da feitura das leis, justifica-se pela ideia de inter-relacionamento entre os Poderes do Estado, com a finalidade de controles recíprocos. Como salientado por Kildare Gonçalves Carvalho, o poder de veto equilibra na sistemática presidencial a falta de prerrogativa do Presidente para dissolver a Câmara, existente no sistema parlamentarista”.

A par do assunto doutrinado por Moraes, fácil é vislumbrar que a atuação do Poder Executivo junto ao processo legislativo dá-se da necessidade de fazer valer o sistema de freios e contrapesos[2], essencial para a manutenção escorreita do ordenamento jurídico pátrio e, para assegurar a credibilidade das instituições.

Não obstante, volvendo ao tema discutido, Moraes (2012, p. 687) excursiona sobre a sanção e veto:

“A. Sanção

É a aquiescência do Presidente da república aos termos de um projeto de lei devidamente aprovado pelo Congresso Nacional. Poderá ser expressa, nos casos em que o Presidente manifesta-se favoravelmente, no prazo de 15 dias úteis, ou tácita, quando silencia nesse mesmo prazo.

A sanção também poderá ser total ou parcial, conforme concorde ou não com a totalidade do projeto de lei já aprovado pelo Parlamento.

Havendo sanção, o projeto de lei segue para a fase complementar.

  1. Veto (CF, art. 66, caput, e §§ 1º, 2º, 4º, 5º e 6º)

É a manifestação de discordância do Presidente da República com o projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, iniciando-se sua contagem com o recebimento do projeto de lei por parte do Chefe do Executivo. O dia inicial não se conta, excluindo-se da contagem; inclui-se, porém, o dia do término.

A natureza jurídica do veto é outro dos muitos pontos que não encontram unanimidade na doutrina constitucional, existindo inúmeros juristas defensores da tese de tratar-se de um direito, outros os entendem como um poder; havendo ainda tese intermediária que consagra o veto como um poder-dever do Presidente da República.

O Presidente da República poderá discordar do projeto de lei, ou por entendê-lo inconstitucional (aspecto formal) ou contrário ao interesse público (aspecto material). No primeiro caso teremos o chamado veto jurídico, enquanto no segundo, o veto político. Note-se que poderá existir o veto jurídico-político.

O veto é irretratável, pois uma vez manifestado e comunicadas as razões ao Poder Legislativo, tornar-se-á insuscetível de alteração de opinião do Presidente da República”.

Por fim, tem-se a fase complementar, a qual consubstancia-se na promulgação e publicação do projeto de lei aprovado, que segundo Gilmar Mendes (2010, p. 1009), trata-se:

“Com a promulgação se atesta a existência da lei, que passou a existir com a sanção ou com a rejeição do veto, e se ordena a sua publicação. O Presidente da República promulga a lei, mas, no caso da sanção tácita ou da rejeição de veto, se não o fizer em quarenta e oito horas, cabe ao Presidente do Senado a incumbência. A publicação torna de conhecimento geral a existência do novo ato normativo, sendo relevante para fixar o momento da vigência da lei”.

Posto isto, fica clarividente a necessidade de ater-se ao processo legislativo. Nesta toada, vale assinalar o ensinamento de Pedro Lenza (2013), o qual elucida que a importância de estudar-se o processo legislativo advém da necessidade de se aferir se as normativas criadas obedeceram ao devido trâmite, bem como se não estão eivadas de vícios de constitucionalidade.

Desta feita, tem-se que corolário lógico do estudo do processo legislativo é o estudo do controle de constitucionalidade, mormente porque este é o mecanismo adequado para aferir se um texto normativo padece de vício forma ou material e, consequentemente, seja inconstitucional.

É o que passa a se fazer no capítulo seguinte.

 

2.2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Por primeiro, não há que falar-se acerca do controle de constitucionalidade sem, previamente, citar o caso Marbury vs. Madison, o qual introduziu tal mecanismo no sistema jurídico.

Trata-se, sinteticamente, de um caso ocorrido nos Estados Unidos da América, julgado em 1803, onde a Suprema Corte Constitucional norte-americana ponderou que havendo conflito entre uma lei e a Constituição Federal, deverá prevalecer a última.

Desta feita, firmou-se o entendimento que o controle de constitucionalidade é corolário da rigidez da Constituição Federal, onde esta assim o é, eis que tal legis figura como ápice na pirâmide do ordenamento jurídico.

A propósito, Paulo Bonavides (2007, p. 296-7), doutrinando sobre o tema, assevera que:

“O sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição mesma.

As constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez bem superior àquela que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede pois a supremacia incontrastável da lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num determinado ordenamento. Compõe-se assim uma hierarquia jurídica, que se estende da norma constitucional às normas inferiores (leis, decretos-leis, regulamentos etc.), e a que corresponde por igual uma hierarquia de órgãos.

A consequência dessa hierarquia é o reconhecimento da “superlegalidade constitucional”, que faz a Constituição a lei das leis, a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania.

O órgão legislativo, ao derivar da Constituição sua competência, não pode obviamente introduzir no sistema jurídico leis contrárias às disposições constitucionais: essas leis se reputariam nulas, inaplicáveis, sem validade, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida. Até aqui há entendimento pacífico. As dificuldades principiam porém quando se trata de alcançar os meios com que expungir do sistema normativo as leis inconstitucionais.

O ponto mais grave da questão reside em determinar que órgão deve exercer o chamado controle de constitucionalidade. Sem esse controle, a supremacia da norma constitucional seria vã, frustrando-se assim a máxima vantagem que a Constituição rígida e limitativa de poderes oferece ao correto, harmônico e equilibrado funcionamento dos órgãos do Estado e sobretudo à garantida dos direitos enumerados na lei fundamental.

Mas, por outra parte, o controle acarreta dificuldades consideráveis, em razão de conferir ao órgão incumbido de seu desempenho um lugar que muitos têm por privilegiado, um lugar de verdadeira preeminência ou supremacia, capaz de afetar o equilíbrio e a igualdade constitucional dos poderes.

O controle de constitucionalidade das leis ora se apresenta como controle formal, ora insere características de um controle material […]”.

Fixada tal premissa, veja-se acerca do controle de constitucionalidade prévio ou preventivo.

 

2.3 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PRÉVIO

De elementar conhecimento que o controle de constitucionalidade não é adstrito ao Poder Judiciário, pois conforme já explanado outrora, existe a forma de controle de constitucionalidade prévio ou preventivo.

Em âmbito Federal, pode-se dizer que o mesmo é exercido em sua amplitude pelo Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e pelo Executivo (Presidente da República).

Não obstante, vale assinalar que o Judiciário, ainda que remotamente, também pode atuar exercendo o controle de constitucionalidade prévio, notadamente nos casos em que há violação do processo legislativo e, por tal razão, usa-se de um remédio constitucional para sanar tal irregularidade.

Neste sentido, é a lição de Pedro Lenza (2013, p. 277), senão vejamos:

“[…] a único hipótese de controle preventivo a ser realizado pelo Judiciário sobre projeto de lei em trâmite na Casa Legislativa é para garantir ao parlamentar o devido processo legislativo, vedando a sua participação em procedimento desconforme com as regras da Constituição. Trata-se, como visto, de controle exercido, no caso concreto, pela via de exceção ou defesa, ou seja, de modo incidental”.

Feita tal consideração, atenha-se ao controle preventivo exercido pelo Legislativo Federal.

 

2.4 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE REALIZADO PELO PODER LEGISLATIVO

Neste particular, preambularmente, veja-se que, em síntese, tal controle é desempenhado pelas comissões permanentes existentes em cada Casa Legislativa: na Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC); no Senado Federal, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidade (CCJ).

As incumbências de cada uma das supracitadas Comissões vêm estabelecidas nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados (RICD, art. 32) e do Senado Federal (RISF, art. 101).

Ademais, em que pese tais previsões regimentais, o controle de constitucionalidade preventivo exercido pelo Legislativo também deverá ser observado pelo Parlamentar no momento da proposição do projeto.

Isto porque, enquanto representante, seja do povo (Deputado Federal), seja dos Estados-membros (Senador da República), o legislador ao apresentar o projeto de lei deverá se ater ao fato de que seu conteúdo não viole qualquer disposição constitucional, de modo a manter consonância com a Carta Magna.

Trata-se, aliás, de um dever parlamentar que, enquanto editor de normas e atos jurídicos, deve manter escorreito conhecimento acerca do regramento ínsito à Lei Maior da República e, por tal razão, evitar protelação dos trabalhados legislativos, apresentando proposições legislativas que, por certo, não prosperarão, dada sua incompatibilidade com o regramento da Constituição Federal.

Por fim, veja-se a lição de Alexandre de Moraes (2012, p. 742), que com seu costumeiro brilhantismo, aduz que:

“6 Controle preventivo

Como já afirmado anteriormente, o princípio da legalidade e o processo legislativo constitucional são corolários; dessa forma, para que qualquer espécie normativa ingresse no ordenamento jurídico, deverá submeter-se a todo o procedimento previsto constitucionalmente.

Dentro deste procedimento, podemos vislumbrar duas hipóteses de controle preventivo de constitucionalidade, que buscam evitar o ingresso no ordenamento jurídico de leis inconstitucionais: as comissões de constituição e justiça e o veto jurídico.

6.1 Comissões de constituição e justiça

A primeira hipótese de controle de constitucionalidade preventivo refere-se às comissões parlamentares de constituição e justiça cuja função precípua é analisar a compatibilidade do projeto de lei ou proposta de emenda constitucional apresentados com o texto da Constituição Federal.

O art. 58 da Constituição Federal prevê a criação de comissões constituídas na forma do respectivo regimento ou do ato de que resultar sua criação e com as atribuições neles previstas.

Esta hipótese de controle poderá ser realizada, também, pelo plenário da casa legislativa, quando houver rejeição do projeto de lei por inconstitucionalidade.

O art. 32, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados criou a comissão de constituição e justiça e de redação, estabelecendo seu campo temático e sua área de atividade em aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais e de técnicas legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas comissões, para efeito de admissibilidade e tramitação.

Por sua vez, o Regimento Interno do Senado Federal prevê, no art. 101, a existência da comissão de constituição, justiça e cidadania, com competência para opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentabilidade das matérias que lhe forem submetidas por deliberação do plenário, por despacho do Presidente, por consulta de qualquer comissão, ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o plenário”. (grifos no original)

Diante de tais considerações, resta clarividente a salutar importância do controle preventivo das leis.

 

2.5 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE REALIZADO PELO PODER EXECUTIVO

Por oportuno, fazendo-se um adendo, e, seguindo na lição do ilustre Alexandre de Moraes (2012, p. 742), vislumbra-se que:

“6.2 Veto jurídico

A segunda hipótese encontra-se na participação do chefe do Poder Executivo no processo legislativo. O Presidente da República poderá vetar o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional por entendê-lo inconstitucional (CF, art. 66, § 1º). É o chamado veto jurídico.

Assim, no Brasil o controle preventivo de constitucionalidade é realizado sempre dentro do processo legislativo, em duas hipóteses pelo Poder Legislativo (comissões de constituição e justiça) e em outra pelo Poder Executivo (veto jurídico)”. (grifos nos original)

Desta exegese, denota-se que a hipótese de controle de constitucionalidade exercido pelo Presidente da República decorre de previsão constitucional, nos termos do § 1º, do art. 66, da CFRB/1988.

Pedro Lenza (2013, p. 276), de forma elucidativa, ensina que:

“[…]

O veto dar-se-á quando o Chefe do Executivo considerar o projeto de lei inconstitucional ou contrário ao interesse público. O primeiro é o veto jurídico, sendo o segundo conhecido como veto político.

Assim, caso o Chefe do Executivo entenda ser o projeto de lei inconstitucional poderá vetá-lo, exercendo, desta feita, o controle de constitucionalidade prévio ou preventivo, antes do projeto de lei transformar-se em lei.

Referido veto, necessariamente, nos termos do art. 66, § 4º, da CF/88, será apreciado em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, dentro de 30 dias a contar de seu recebimento, podendo, pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto[3], ser rejeitado (afastado), produzindo, nesse caso, os mesmos efeitos que a sanção.

Sendo derrubado o veto, o projeto deverá ser enviado ao Presidente da República para promulgação da lei no prazo de 48 horas e, se este não o fizer, caberá ao Presidente do Senado Federal a promulgação, em igual prazo, sendo que, caso este não a promulgue, caberá ao Vice-Presidente do Senado Federal fazê-lo (art. 66, § 7º, CF/88).

Na hipótese de o veto ser mantido, o projeto será arquivado, aplicando-se a regra contida no art. 67, que consagra o princípio da irrepetibilidade.

Imaginando a hipótese de derrubada do veto e a consequente promulgação da lei, naturalmente, a correspondente lei, ato normativo, poderá ser objeto de controle de constitucionalidade, agora, porém, o chamado controle posterior ou repressivo”.

Logo, exsurge-se que o papel do Poder Executivo no controle de constitucionalidade concentra-se, sobretudo, no momento do veto do ato normativo, caso ocorra.

 

2.6 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE REPRESSIVO

Em suma, o controle constitucionalidade repressivo é aquele realizado quando o ato normativo já encontra-se vigorando. Isto é, ultrapassado todo o processo legislativo e, todas as formas de controle prévio (mediante as comissões parlamentares e o veto jurídico), a lei é promulgada e inserta no ordenamento jurídico.

Todavia, constatado algum vício de ordem formal ou material na mesma, essa ainda pode ser passível de sofrer controle de constitucionalidade, nesta fase, realizado pelo Poder Judiciário.

Desta feita, extrai-se que em âmbito jurisdicional, o controle de constitucionalidade poderá ser realizado de dois modos: pela via difusa e pela via concentrada.

Passa-se, pois, a tecer comentários sobre cada hipótese de forma individualizada.

 

2.7 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE JURISDICIONAL PELA VIA INCIDENTAL

O controle de constitucionalidade pela via difusa – ou incidental – dar-se-á em um caso concreto e realizado por um juiz singular ou tribunal, sem, contudo, modular os efeitos da decisão aos demais casos.

Caracteriza-se, pois, por declarar a inconstitucionalidade de determinado ato incidenter tantum, conforme doutrinado por Pedro Lenza (2013, p. 288):

“O controle difuso, repressivo, ou posterior, é também chamado de controle pela via de exceção ou defesa, ou controle aberto, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário. Quando dizemos qualquer juízo ou tribunal, devem ser observadas, é claro, as regras de competência processual, a serem estudadas no processo civil.

O controle difuso verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao exame do mérito.

Pede-se algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual.

Exemplo: na época do Presidente Collor, os interessados pediam o desbloqueio dos cruzados fundando-se no argumento de que o ato que motivou tal bloqueio era inconstitucional. O pedido principal não era a declaração de inconstitucionalidade mas sim o desbloqueio!”

Portanto, trata-se de hipótese de controle de constitucionalidade em que a decisão judicial não trará efeitos gerais, mas somente inter partes.

 

2.8 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE JURISDICIONAL PELA VIA CONCENTRADA

O controle concentrado, de modo diverso do incidental, visa a declaração da inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo com vista a expurgá-lo do ordenamento jurídico brasileiro.

Deste modo, tem-se que os efeitos de tal via de controle de constitucionalidade possui caráter erga omnes e, em regra, é realizado pelo Supremo Tribunal Federal.

Neste particular, recorre-se à lição de Alexandre de Moraes (2012, p. 759-761), in verbis:

“A Constituição austríaca de 1º-10-1920 consagrou, no dizer de Eisenmann, como forma de garantia suprema da Constituição, pela primeira vez, a existência de um tribunal – Tribunal Constitucional – com exclusividade para o exercício do controle judicial de constitucionalidade, em oposição ao consagrado judicial review norte-americano, distribuído por todos os juízes e tribunais.

Hans Kelsen, criador do controle concentrado de constitucionalidade, justificou a escolha de um único órgão para exercer o controle de constitucionalidade salientando que “se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado jurídico”, para, posteriormente, concluir que “se o controle de constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este poder deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito”.

Nessa mesma época, na Alemanha, apesar da Constituição de Weimar não prever regras sobre controle de constitucionalidade das leis imperiais, desde abril de 1921, o Tribunal do Estado passou a consagrar a revisão jurisdicional das leis federais, iniciando-se o que a doutrina alemã considera como o embrião do controle jurisdicional de constitucionalidade.

O controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade surgiu no Brasil por meio da Emenda Constitucional nº 16, de 6-12-1965, que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, apresentada pelo procurador-geral da República, apesar da existência da representação interventiva desde a Constituição de 1934.

Esse controle é exercido nos moldes preconizados por Hans Kelsen para o Tribunal Constitucional austríaco e adotados, posteriormente, pelo Tribunal Constitucional alemão, espanhol, italiano e português, competindo ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual.

Por meio desse controle, procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, visando-se à obtenção da invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais.

A declaração da inconstitucionalidade, portanto, é o objeto principal da ação, da mesma forma que ocorre nas Cortes Constitucionais europeias, diferentemente do ocorrido no controle difuso, característica básica do judicial review do sistema norte-americano.

São várias as espécies de controle concentrado contempladas pela Constituição Federal:

  1. ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a);
  2. ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III);
  3. ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º);
  4. ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine; EC nº 03/93);
  5. arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º)”.

 

Logo, em breves linhas, resta clarividente as especificidades afetas a cada hipótese de controle de constitucionalidade pela via incidental.

Assim, encerradas tais questões, chega o momento de excursionar acerca do vício de constitucionalidade por decoro parlamentar que, em suma, diz respeito à inovação jurídico-constitucional corolária dos desdobramentos da ação penal nº 470 (conhecida popularmente por “mensalão”).

 

2.9 DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR

De trivial sabença que a ideia de decoro parlamentar é extraída do art. 55, da Constituição da República Federativa do Brasil.

O ilustre constitucionalista José Afonso da Silva (2008, p. 424), ao comentar o referido dispositivo legal, preleciona que:

“[…] Controvérsias sempre ocorrem quando se instaura algum procedimento visando à cassação de mandato parlamentar. Questões como conceito de “decoro”, voto secreto ou aberto, renúncia ao mandato, possibilidade ou não de controle judicial sobre os atos do processo, se erguem, sempre muito contaminadas por posições políticas […].

A Constituição é clara ao prever a perda de mandato de deputado ou de senador “cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar” (art. 55, II). Nem é necessário rebuscar doutrinas na procura de conceito preciso de “decoro parlamentar”. Esse é um daqueles conceitos abertos. Por isso é que a própria norma constitucional subordina seu entendimento, sua determinação, a uma declaração de incompatibilidade. Nesses termos, incompatível com o decoro parlamentar é o comportamento assim reputado pela maioria absoluta dos membros da Casa (art. 55, § 2º). Certa ideia de “decoro” sempre se tem, porque é signo linguístico ligado a comportamento ético; e, se se trata de decoro parlamentar, a ideia-guia é a de que se cuida de comportamento ético no exercício da função. Sampaio Dória considerava o decoro como uma forma de dignidade específica, como o respeito do homem digno à posição que ocupa, às funções que exerce, ao meio onde se ache. Faltar com a verdade em questões atinentes ao exercício da função parlamentar é certamente uma conduta incompatível com o decoro parlamentar, porque o Parlamento é uma instituição de representação popular que reclama conduta irrepreensível de seus membros. A Constituição mesma indicou como incompatíveis com o decoro parlamentar o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional e a percepção de vantagens indevida”.

Conforme bem observado por Silva (2008), o conceito de decoro parlamentar é, deveras, aberto. Daí porque os Regimentos Internos das Casas Legislativas não se descuraram em, também, regulamentarem o assunto.

Com efeito, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados além de prever a existência do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, dedica capítulo para tratar do assunto (Capítulo V), consignando que:

“Art. 254. O deputado que praticar ato contrário ao decoro parlamentar ou que afete a dignidade do mandato estará sujeito às penalidades e ao processo disciplinar previstos no Código de Ética e Decoro Parlamentar, que definirá também as condutas puníveis”.

Por sua vez, o Código de Ética e Decoro Parlamentar da mencionada Casa Legislativa, elenca as hipóteses dos atos incompatíveis com o decoro parlamentar:

“Art. 4º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:

I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º);

II – perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, § 1º);

III – celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando-a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados;

IV – fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado da deliberação;

V – omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18”.

Ainda, o mencionado Diploma Ético traz um rol dos atos atentatórios ao decoro parlamentar, conforme disciplina contida no art. 5º.

Partindo de tais premissas é que Pedro Lenza introduziu na doutrina jurídico-constitucionalista a ideia de um vício de constitucionalidade em razão da ausência de decoro parlamentar.

 

2.10 A DOUTRINA LENZISTA

Em verdade, a ideia preconizada por Pedro Lenza é corolária da ação penal nº 470, conhecida popularmente por “Mensalão”, em que figuraram como réus inúmeros parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Sinteticamente, Lenza defende que os projetos de leis ou proposta de emendas constitucionais aprovadas com o voto dos deputados réus na ação do Mensalão deveriam ser considerados inconstitucionais, uma vez que os legisladores utilizaram-se do poder legiferante, sem, contudo, estarem investidos do decoro que lhes era exigido.

Neste sentido, leciona em sua obra (2013, p. 273):

“Como se sabe e se publicou em jornais, revistas etc., muito se falou em esquema de compra de votos, denominado “mensalão”, para votar de acordo com o governo ou em certo sentido.

As CPIs vêm investigando e a Justiça apurando, e, uma vez provados os fatos, os culpados deverão sofrer as sanções de ordem criminal, administrativa, civil etc.

O grande questionamento que faz, contudo, é se, uma vez comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais a ensejar o reconhecimento da sua inconstitucionalidade.

Entendemos que sim, e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § 1º, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

Dito isso, cabe lembrar que, no julgamento da AP 470 (conhecida como “mensalão”), ficou demonstrado o esquema de corrupção para compra de apoio político (matéria pendente).

Conforme noticiado, ‘“houve, efetivamente, a distribuição de milhões de reais a parlamentares que compuseram a base aliada do governo, distribuição essa executada mais direta e pessoalmente por Delúbio Soares, Marcos Valério e Simone Vasconcelos, como nós vimos nas últimas sessões de julgamento’, disse o ministro-relator. Ele afirmou que o responsável pela articulação da base aliada era José Dirceu, que se reunia frequentemente com líderes parlamentares que receberam emendas constitucionais. O dinheiro, afirma o ministro, foi distribuído em espécie na agência do Banco Rural, em Brasília, ‘onde Simone Vasconcelos dispunha de uma sala reservada para a entrega do numerário aos parlamentares e aos seus intermediários’” (Notícias STF de 03.10.2012).

Ainda, de acordo com as Notícias STF de 04.10.2012, para a ministra Rosa Weber, ‘“houve, sem dúvida, um conluio’ para a compra de apoio de deputados federais – não todos – para as votações a favor do governo na Câmara dos Deputados. O dinheiro, prossegue a ministra, veio de recursos, pelos menos em parte, públicos. Ela ressaltou que os parlamentares receberam dinheiro ilicitamente, ‘caso contrário o pagamento não teria ocorrido pela forma como foi feito, sempre às escondidas, mediante a utilização de terceiros e o recebimento de vultosos valores em espécie, inclusive malas em quartos de hotel’”.

E continua: ‘“aos meus olhos, ficou evidente que o Partido dos Trabalhadores costumava alcançar dinheiro a outros partidos, entregando-o a parlamentares ou membros da organização partidária’, considerou a Ministra. Tal prática, conforme ela, ocorria para a obtenção de apoio político no parlamento. ‘Disso, resulta a verossimilhança na descrição dos fatos pela denúncia. Foi criado um esquema para pagar deputados federais em troca de seus votos na Câmara Federal e os valores eram expressivos. Esses recursos tinham origem em peculato, em gestão fraudulenta do Banco Rural, em empréstimos simulados, foi o que se concluiu por este Plenário, ainda que por maioria’, completou a Min. Rosa Weber” (Notícias STF de 04.10.2012 – cf. Infs. 682 e 683/STF).

Pois bem, diante do julgamento da citada AP 470, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL (ADI 4.887), a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB (ADI 4.888) e o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL (ADI 4.889), ajuizaram ADIs no STF, objetivando a declaração da inconstitucionalidade da Reforma da Previdência (EC n. 41/2003), alegando aprovação mediante compra de votos de parlamentares, liderados por réus condenados no “mensalão”, qual seja, o por nós denominado vício de decoro parlamentar.

Vamos aguardar como o STF vai enfrentar essa importante questão. Em nosso entender, sem dúvida, trata-se de inconstitucionalidade, pois que maculada a essência do voto e o conceito de representatividade popular”.

Salutar destacar, ademais, os comentários de Fonseca (2012, online) acerca do pensamento defendido por Lenza desde os idos de 2005:

“Há algum tempo o Prof. Pedro Lenza vem levantando a discussão sobre a inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar. Este assunto já foi até objeto de questionamento em concurso público. O tema é polêmico, não havendo consenso doutrinário sobre ele. Agora o STF terá a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Tratam-se de ADIs que questionam a Reforma da Previdência (EC n° 41/2003), sob a alegação de que foi aprovada por meio de votos de parlamentares comprados por réus condenados no Mensalão (AP 470)”.

No âmbito judicial, a ideia ainda não ganhou guarida relevante. Ainda assim, impõe-se destacar um julgado da 1ª Vara de Fazendas e Autarquias de Belo Horizonte/MG, de autoria do juiz Geraldo de Claret Arantes, que em sede do controle incidental reconheceu a inconstitucionalidade da reforma da previdência realizada por meio da EC 41/03, tendo como fundamento o acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal na AP 470.

Em sua decisão, o magistrado acompanhou a tese de Pedro Lenza e destacou que a ausência de decoro parlamentar dos deputados e senadores condenados na ação do Mensalão, e que votaram para a aprovação da PEC, acabaram por culminar a emenda constitucional 41/03 de vício de constitucionalidade, de modo que seria inadmissível a repercussão de seus efeitos.

Não obstante, embora a presente decisão tenha gerado apenas efeitos inter partes, tem-se que pende de julgamento três ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face da emenda constitucional nº 41/03, as quais encontram-se em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, cuja relatoria de todas elas pertencem à Ministra Carmem Lucia.

As ADIs 4887, 4888 e 4889 de autoria da Associação de Delegados de Polícia do Brasil, da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), respectivamente, ainda não estão aptas a julgamento. Porém, a manifestação do STF acerca do tema é imprescindível para determinar sua consolidação como parâmetro do controle de constitucionalidade na sistemática jurídico-constitucional brasileira.

 

2.11 DA CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA

Não se pode olvidar que, malgrado o brilhantismo da ideia de Pedro Lenza, tal não fora seguida com veemência pela doutrina, ou, quiçá, pela jurisprudência. Ao contrário, o assunto ainda é pouco discutido, mesmo porque comporta muitas digressões.

Neste particular, em que pese a timidez dos autores ao pronunciarem sobre o assunto, o contemporâneo constitucionalista André Puccineli Junior (2013, p. 124-5) apresenta em sua obra os motivos porque se posiciona em dissonância com a teoria lenzista:

“Ao lado dos vícios de ordem formal e material, Lenza visualiza uma nova espécie de inconstitucionalidade oriunda da edição de normas por parlamentares que recebem vantagens financeiras escusas para aprová-las, em flagrante violação ao disposto no art. 55, § 1º, da CF/88:

[…]

Assim, embora o conteúdo da norma e sua tramitação legislativa estejam de acordo com a ordem jurídica, a contaminação dos votos computados em sua aprovação implicaria a chamada “inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar”.

Essa nova espécie de inconstitucionalidade, que, segundo o referido autor, seria justificada diante dos escândalos ocorridos no Congresso Nacional (“mensalão” e outros), encontra óbices aparentemente intransponíveis.

É preciso lembrar que as proposições normativas provêm de órgãos colegiados e integram a categoria dos atos complexos. De fato, a lei exterioriza-se como um todo uno e incindível, mas resulta da conjunção de vontade de órgãos distintos, ou seja, do Poder Legislativo, que delibera sobre distintas matérias, e do Poder Executivo, que sanciona ou veta os projetos que lhe são encaminhados.

A dificuldade inicial, portanto, advém da impossibilidade de cindir a participação individual de cada parlamentar no processo de elaboração legislativa, bem como de apurar se os votos viciados foram ou não decisivos para a aprovação da norma.

Assim, por exemplo, se a aprovação de uma ordinária benéfica aos interesses nacionais se deu com expressiva margem de votos, descobrindo-se logo após que alguns congressistas foram corrompidos, mas em número insuficiente para alterar o resultado da votação, não nos parece adequado declarar a inconstitucionalidade da norma em questão, mas sim responsabilizar penal, civil e administrativamente os parlamentares envolvidos.

Foi isso o que sucedeu com os parlamentares envolvidos no caso do “mensalão”, que acabaram por enfrentar ações de improbidade administrativa, julgamento perante os respectivos órgãos legislativos e ainda respondem a ação penal em trâmite no STF.

Outro problema refere-se à insegurança jurídica, especialmente quando a quebra de decoro for descoberta após longo período de vigência da norma. De fato, o possível quadro de instabilidade das relações jurídicas nascidas sob a égide da norma viciada poderia desaconselhar a declaração de inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar, ou, ao menos, sugerir a modulação de seus efeitos.

Some-se a isso o fato de que a norma jurídica, uma vez editada, adquire vida própria, destacando-se, pois, da vontade de seus emissores e de eventuais nódoas que a viciem.

Sobre o tema, aliás, André Ramos Tavares assinala que “a votação de projetos de lei ou propostas de emendas constitucionais mediante o pagamento (‘mensação’) jamais poderia viciar de inconstitucionalidade o ato normativo assim formado”. De fato, não é a norma que está maculada e sim a retidão da atividade parlamentar. A quebra de decoro é vício no qual apenas os parlamentares podem incorrer e não as normas jurídicas.

Daí por que, a nosso ver, não se legitima a concepção de uma nova espécie de inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar”.

Conforme se verifica, Puccinelli Junior possui uma visão mais cautelosa sobre o tema, em observância às regras constitucionais e, sobretudo, à segurança jurídica que, de fato, mostra-se sobremaneira fragilizada em face da teoria lenzista.

Não obstante, as ADIs que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal nos traz uma perspectiva de deliberação, em definitivo, acerca do tema. No entanto, até ulterior decisão da Excelsa Corte, o assunto comporta muitas digressões, de modo a servir de base para muitos debates.

 

Conclusão

É sabido que em tempos de um legislativo extremamente conservador, cuja representatividade parlamentar não reflete à realidade da sociedade brasileira, tratar do processo legislativo e, sobretudo, do controle de constitucionalidade exercido sobre esse, mostra-se medida imperiosa ante a possibilidade concreta de eventuais imbróglios legislativos em razão da falta de conhecimento técnico e teórico na elaboração dos comandos normativos pátrios.

Mais instigante, quiçá, mostrou-se estudar, a partir de tais premissas, a teoria acerca de um novo parâmetro para controle de constitucionalidade, lançada a partir do escândalo de corrupção do “Mensalão”, e, denominada de “vício de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar”.

Com efeito, este fora o objetivo dorsal deste trabalho.

A partir da análise do processo legislativo e controle de constitucionalidade, aferiu-se que Pedro Lenza, forte na previsão de decoro parlamentar insculpida na CRFB/88, introduziu no campo de estudos constitucionais a ideia acima mencionada – vício de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar.

No entanto, em que pese a perspicácia e avidez de Lenza, sua teoria não fora endossada pela doutrina constitucional, e, também pela jurisprudência, senão por decisão monocrática proferida em sede de controle incidental de constitucionalidade.

De outro norte, ainda que timidamente, parte da doutrina posicionou-se contra a teoria lenzista, merecendo destaque a obra de André Puccinelli Junior que, de forma cristalina, apontou as debilidades da ideia de Lenza.

De fato, como bem pontua Puccinelli Junior, malgrado o brilhantismo de Lenza, a quebra de decoro parlamentar não deve servir, unicamente, como parâmetro para o controle de constitucionalidade, mormente porque cria instabilidade jurídica e, até mesmo da própria Constituição Federal, lei maior da nação.

Não obstante, o assunto ainda encontra-se pendente de pronunciamento pelo STF, tendo em vista a tramitação de três (03) ações diretas de inconstitucionalidade que discutem a validade constitucional da EC 41/03, com fundamento na quebra de decoro parlamentar, consoante defendido por Pedro Lenza.

Enfim, em apertada síntese, vale dizer que a utilização da quebra de decoro parlamentar como parâmetro para o controle de constitucionalidade das normas ainda é assunto pendente de pacificação doutrinária e, também, de pronunciamento, com efeitos erga omnes, pelo Poder Judiciário, de maneira a comportar debates sobre o tema e, futuramente, estudos sobre sua perpetuação ou esquecimento ante os desdobramentos políticos e jurídicos no país.

 

Referências

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MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. – 28 ed. – São Paulo: Atlas, 2012.

 

PUCCINELLI JR., André. Curso de direito constitucional. – 2 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.

 

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6 ed. atual. – São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. – 35 ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

 

 

[1] Hans Kelsen foi um jurista e filósofo de origem austríaca, considerando um dos mais importantes estudiosos da Ciência Jurídica, notadamente por defender veementemente a democracia e pela introdução da Teoria Pura do Direito.

[2] O Sistema de freios e contrapesos (no inglês, check and balances), fora criado a partir da Teoria da Separação dos Poderes de autoria de Montesquieu, e consiste para que haja influência recíproca das funções dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a fim de manter o equilíbrio do Estado como um todo.

[3] Com a edição da Emenda Constitucional nº 76/2013, as votações afetas à perda de mandato de parlamentares e apreciação de vetos do Poder Executivo deixaram de serem secretas e passaram a serem abertas, passando, portanto, o art. 66, §4º, da CF/88 a ter a seguinte redação: “O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores”.

Âmbito Jurídico

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