Resumo: O artigo examina o sistema de proteção à relação de emprego vigente no Brasil, previsto na Constituição federal de 1988, mas sem efetividade até os dias de hoje por falta de previsão infraconstitucional, como determinado pela própria Carta. É abordada, também, a questão do emprego e da sua proteção neste período de crise internacional surgido ao final de 2008.
Palavras-chave: despedida arbitrária e proteção à relação de emprego.
Abstract: This paper analyses the labor relation protection system in force in Brazil, foreseen in the 1988 Federal Constitution Bill, but still without effectiveness on account of the absence of infra-constitutional legislation already determined by the Bill. It also contains an approach of the labor relation and its legal protection in the period of the world crisis arisen by the end of 2008.
Key words: arbitrary dismissal and the labor relation protection.
Resumen: El artículo examina el sistema de protección a la relación del empleo vigente em el Brazil, previsto em la Constitución Federal del 1988, pero sin efectividad hasta los dias de hoy, por falta de previsión infraconstitucional como determinado por la propia Carta. Es abordada también la questión del empleo y su protección em este periodo de crisis internacional surgido as final de 2008.
Palabras clave: despido arbitrario y protección a relación del empleo.
Sumário: I – Introdução; II – Dispensa Arbitrária e sem justa causa; III – Indenização e proteção contra a despedida arbitrária; IV – Convenção 158 da OIT e o ordenamento jurídico interno; V – Emenda Constitucional nº 45/2004; VI – Crise, desemprego e manutenção do emprego; VII – Conclusão; VIII – Referências.
Sumary: – I – Introduction; II- Arbitrary dismissal and causeless; III- Indemnification and protection against arbitrary dismissal; IV – The Convention 158 ILO and the domestic law; V – Constitutional Amendment 45/2004; VI – Crisis, unemployment and the employment maintenance; VII-Conclusions; VIII-Bibliography.
Sumario: I – Introducción; II – Despido Arbitrario y sin ninguna causa; III – Indenización y protección contra despido arbitrario; IV – Convención 158 de la OIT y el ordenamiento juridico interno; V – Enmienda Constitucional nro. 45/2004; VI – Crisis, desempleo y manutención al empleo; VII – Conclusión; VIII – Referencias.
I – Introdução
Desde o início do primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem-se discutido os temas “Reforma Trabalhista” e “Reforma Sindical”. Inicialmente há que se dizer que este autor entende esta classificação de forma distinta: “Reforma Trabalhista”, tratada como reforma das relações individuais de trabalho é gênero, das quais são espécies a “reforma das relações individuais de trabalho” e a “reforma sindical”.
É preciso deixar claras as diferenças e, ainda que o tema esteja constantemente na pauta desde o início de 2003, até hoje pouco ou nada foi feito. De qualquer forma, do ponto de vista eminentemente técnico, a reforma das relações individuais de trabalho deve ser discutida depois da efetiva reforma sindical. É que, alteradas as relações coletivas de trabalho, haverá espaço para discussão das relações individuais de forma distinta, ou seja, deverá ser possível examinar necessidades específicas das diferentes categorias[1] de empregados[2].
De qualquer forma, um tema específico das relações individuais de trabalho, as despedidas arbitrária e sem justa causa, tem previsão constitucional como garantia fundamental desde que a atual Constituição Federal foi promulgada, em 05 de outubro de 1988[3].
Desde então, o tema seguidamente volta ao debate. Foi assim no Governo Fernando Henrique Cardoso e voltou no ano de 2008, quando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva relançou a discussão acerca da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.
É que, reitera-se, a proteção contra a despedida arbitrária é direito fundamental, em tese, de aplicabilidade imediata.
Entende-se, todavia, que, ainda que a proteção contra a despedida arbitrária, inserida no artigo sétimo da Constituição Federal, faça parte dos direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal de 1988, a sua aplicabilidade não é imediata, já que a própria Constituição determinou que a regulamentação da matéria se dê por lei complementar.
O que cabe à sociedade exigir, isto sim, é a regulamentação do inciso primeiro do artigo sétimo da Constituição Federal (dentre outros) que, por absoluta falta de vontade política, passados quase vinte e um anos da promulgação da Carta ainda não se tornou efetivo.
Não se pode atropelar o bom senso e o processo legislativo sob pena de, mais uma vez, tornar letra morta a já abalroada Constituição.
A idéia aqui é, portanto, tentar demonstrar do ponto de vista estritamente jurídico, que a única proteção hoje existente contra a despedida arbitrária é a indenização prevista no artigo dez, inciso primeiro, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Não há previsão legal de outra hipótese e, definitivamente, não se aplica no ordenamento interno, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, ainda que se discuta a circunstância desta ser um Tratado internacional de direitos humanos.
Importante referir, ainda, que no final do ano de 2008, com a crise mundial decorrente das quebras de bolsas de valores e instituições financeiras, voltaram à pauta os temas do emprego, a sua estabilidade e a tentativa de evitar o desemprego.
Por esta razão, o presente artigo trata dos conceitos jurídicos de dispensa arbitrária e dispensa sem justa causa, da indenização no caso da ruptura do pacto laboral, examina a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho e o artigo quinto, parágrafo terceiro da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e, por fim, a crise mundial do final de 2008 e seus reflexos no emprego e na manutenção do emprego.
II-Dispensa Arbitrária e sem justa causa
Em 1923, o Deputado Federal Elói Chaves, oriundo da categoria dos trabalhadores em estradas de ferro, apresentou e conseguiu aprovação no Congresso Nacional, lei que ficou conhecida com o seu nome: Lei Elói Chaves. A lei dispunha que os trabalhadores em estradas de ferro que completassem dez anos de efetivo serviço no mesmo emprego, tornar-se-iam estáveis, somente podendo ser despedidos por justa causa ou força maior.
Em 1935 o direito se estendeu a outros trabalhadores e, em 1943, através do Decreto-Lei número 5.452, de 1º de maio, ingressou na Consolidação das Leis do Trabalho[4]. Foi também a então nova CLT que dispôs que os trabalhadores que não tinham dez anos de serviço e fossem despedidos imotivadamente, receberiam uma indenização de 1 (um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6 (seis) meses[5].
Em 13 de setembro de 1966, foi promulgada a Lei 5.107, que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Referida lei, que com a vacatio legis entrou em vigor em 01 de janeiro de 1967, apresentou a alternativa denominada coexistência de sistemas, ou seja: os trabalhadores poderiam se manter no sistema anterior (indenização/estabilidade), ou optar pelo novo sistema denominado Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, onde abririam mão da estabilidade decenal e, uma vez despedidos, receberiam a título de indenização, a liberação dos depósitos efetuados mensalmente pelos empregadores no curso do contrato de emprego (oito por cento sobre a remuneração paga ou devida), mais uma multa de dez por cento sobre os referidos depósitos corrigidos e com a incidência de juros.
A coexistência de sistemas durou quase vinte e dois anos. Em 05 de outubro de 1988, promulgada a Constituição Federal que, entre outras modificações, dispôs que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço passaria a ser direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais[6], ou seja, a nova Carta não recepcionou os artigos 478 (indenização) e 492 (estabilidade) da CLT.
A idéia dos constituintes era definir todas as regras decorrentes da extinção e da proteção do emprego através da lei complementar a que se refere o inciso primeiro do artigo sétimo da Constituição Federal, que dispõe: “relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Ensina Süssekind[7], que a proteção de que cogita a Carta Magna corresponde a um conjunto de normas aplicáveis à despedida arbitrária ou sem justa causa: indenização compensatória (inciso I), seguro-desemprego (inciso II), levantamento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (inciso III) e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (inciso XXI). De qualquer forma, tais direitos (com exceção da proporcionalidade do aviso prévio) são efetivos desde a promulgação da Constituição.
Ocorre, todavia, que a proteção e a indenização pretendidas pelo inciso primeiro do artigo sétimo, dependem de lei complementar, inexistente até hoje.
Vejamos o dispositivo dividido:
a) proteção da relação de emprego contra as despedidas arbitrária ou sem justa causa…;
b) …nos termos de lei complementar…;
c) …que preverá indenização compensatória…;
d) …dentre outros direitos.”
Ante a lacuna existente pela ausência de lei complementar, cabe, através da analogia, inicialmente conceituar “despedida arbitrária” e “despedida sem justa causa”. É certo que o constituinte de 1988, ao separar as duas hipóteses, pretendeu emprestar maior proteção à forma arbitrária, o que deve (ria) ocorrer a partir da promulgação da lei complementar até hoje inexistente.
Determina a Lei de Introdução ao Código Civil[8] que, quando a lei for omissa[9], a analogia será uma das formas do juiz e o intérprete do direito resolver as questões de lacunas[10].
Na falta de leis específicas a conceituarem as duas espécies de despedida, por analogia tem-se utilizado o artigo 165 da CLT[11] que, ao tratar da proteção do emprego dos dirigentes das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), dividiu e clareou as definições: “Os titulares da representação dos empregados nas CIPAs não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.”
Assim, tem-se que a despedida arbitrária é aquela absolutamente imotivada, ou seja, a chamada “denúncia vazia” do contrato. As outras hipóteses dividem-se em disciplinar – que trata das hipóteses de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador[12] – e aquelas que têm motivo técnico, econômico ou financeiro e que, embora não estejam enquadradas nas chamadas hipóteses de justa causa, constituem motivo não arbitrário para despedida.
Ainda que parte respeitável da doutrina desconsidere a diferença entre as duas hipóteses, entende-se bem clara a distinção hoje existente. O que não tem distinção, ante a ausência de lei complementar[13], é a atual forma de indenização nas hipóteses de despedida arbitrária ou sem justa causa, a ser tratada no seguinte tópico.
III-Indenização e proteção contra a despedida arbitrária
Não há no ordenamento jurídico brasileiro, reitera-se, outra espécie de indenização ou de proteção contra a despedida arbitrária, que não a inicialmente prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e, posteriormente, na Lei 8.036, de 11 de maio de 1990 (atual lei do FGTS).
Como já referido, a proteção pretendida pela Constituição Federal depende de lei complementar, ainda inexistente. Todavia, já são efetivos os direitos à indenização, ao seguro-desemprego, à liberação dos depósitos do fundo de garantia do tempo de serviço e ao aviso prévio.
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no seu artigo 10, assim dispõe: “Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, inciso I, da Constituição: I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput, e parágrafo primeiro, da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966. Como visto anteriormente, a Lei 5.107/66, que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, previa, para os então optantes pelo sistema, multa de dez por cento sobre os depósitos da contratualidade em caso de despedida imotivada. O ADCT passou a referida indenização em quarenta por cento, mantida posteriormente pela Lei 8.036/90[14][15] (atual Lei do FGTS).
É certo que o constituinte de 1988 pretendeu proteger a relação de emprego contra a despedida arbitrária. Mas é certo, também, que esta proteção foi remetida à reserva de lei complementar, até hoje inexistente.
Resta, portanto, a indenização. Atualmente, no Direito do Trabalho brasileiro, a despedida arbitrária ou sem justa causa (de qualquer forma hipóteses de despedidas motivadas por ato do empregador), geram ao empregado a título de indenização, a multa incidente sobre os depósitos do FGTS durante a contratualidade. Compõem, ainda, a indenização, a liberação dos depósitos do fundo de garantia, o aviso prévio, se não trabalhado[16] (se trabalhado é salário) e, por parte do poder público, o seguro-desemprego.
IV-Convenção 158 da OIT e o ordenamento jurídico interno
Em 23 de novembro de 1985, a sexagésima oitava reunião da Conferência Internacional do Trabalho da OIT (Organização Internacional do Trabalho), aprovou a Convenção número 158, que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
Entre outras disposições, a Convenção 158 determinou que “não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço (art. 4). A Convenção 158 procurou, portanto, proteger os trabalhadores contra a despedida arbitrária (sem motivo). Os motivos de ordem técnica, econômica ou financeira ficaram afastados da previsão convencional.
A Convenção 158 foi aprovada pelo Congresso Nacional em 17 de setembro de 1992 (Decreto Legislativo n. 68), sendo ratificada pelo Governo brasileiro em 04 de janeiro de 1995, para vigorar doze meses depois. Entretanto, a pretendida eficácia jurídica no território nacional só pode ser verificada a partir do Decreto número 1.855, de 10 de abril de 1996, quando o Governo Federal publicou o texto oficial no idioma pátrio, promulgando a sua ratificação.
Havia, contudo, um vício formal. Os tratados e convenções internacionais estão no patamar de lei ordinária. “Assim entendeu o Supremo Tribunal Federal, em sede de medida liminar, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) número 1.480/DF, acatando alinha argumentativa esposada pelos adeptos da inaplicabilidade da Convenção 158 da OIT. Chegou-se à conclusão de que seria inadmissível uma convenção internacional suprir a ausência de lei complementar, prevista, in verbis, no Texto Maior (art. 7º, I). Com efeito, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, decidiram, por maioria de votos, ‘deferir, parcialmente, sem redução do texto, o pedido de medida cautelar, para, em interpretação conforme a Constituição, e até o final do julgamento da ação direta, afastar qualquer exegese, que, divorciando-se dos fundamentos jurídicos do voto do Relator (Ministro Celso de Mello), e desconsiderando o caráter meramente programático das normas da Convenção 158 da OIT, venha a tê-las como auto-aplicáveis, desrespeitando desse modo, as regras constitucionais e infraconstitucionais que especialmente disciplinam, no vigente sistema normativo brasileiro, a despedida arbitrária ou sem justa causa dos trabalhadores’ (STF, ADIn, 1.480/DF, medida liminar, rel. Min. Celso de Mello, decisão 04/09/1997).”[17]
Anteriormente à decisão do STF, o Governo Brasileiro denunciou a ratificação da Convenção 158 mediante nota enviada ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, assinada pelo Embaixador Chefe da Delegação Permanente do Brasil em Genebra (Ofício número 397, de 20 de novembro de 1996). Com o Decreto número 2.100, de 20 de dezembro de 1996, o Presidente da República promulgou a denúncia, anunciando que a mencionada convenção deixaria de vigorar no Brasil a partir de 20 de novembro de 1997.
De qualquer forma, no curto período de “vigência” da Convenção 158 no Brasil, as discussões acerca da inconstitucionalidade da mesma foram inúmeras, o que, na prática, fez com que a convenção não produzisse efeitos.
A discussão já não é sobre a constitucionalidade ou não da vigência da Convenção 158 no Brasil, uma vez que ela deixou de fazer parte do ordenamento jurídico interno. Discute-se, sim, a eficácia do inciso primeiro do artigo sétimo da Constituição Federal. Pretendida a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária, há reserva de lei complementar (quorum qualificado de votação no Congresso Nacional). Enquanto não houver a referida lei complementar, o que efetivamente depende de vontade política, não há falar em proteção, mas tão somente em indenização, eis que prevista pelo ADCT.
O retorno da matéria à pauta por iniciativa do Presidente da República no ano passado, continuará encontrando óbices do ponto de vista jurídico. Muito mais fácil, seria regulamentar o inciso primeiro do artigo sétimo da Constituição Federal através da lei complementar nele prevista.
V – Emenda Constitucional nº 45/2004[18]
A Emenda Constitucional número 45, de 08 de dezembro de 2004, entre outras alterações, acrescentou o parágrafo terceiro ao artigo quinto, com a seguinte redação:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
A Convenção 158 da OIT, que trata de proteção contra a despedida arbitrária, se enquadra na nova regra, acima referida. A manutenção e a proteção do emprego se enquadram do feixe dos direitos humanos.
Neste sentido, a lição de SARLET[19]:
“Neste sentido, assume atualmente especial relevância a clarificação da distinção entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, inobstante tenha também ocorrido uma confusão entre os dois termos. Neste particular, não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, ainda que representado por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estado). Fosse apenas por este motivo, impor-se-ia a utilização uniforme do termo “direitos humanos” ou expressão similar, de tal sorte que não é nesta circunstância que encontraremos argumentos idôneos a justificar a distinção.
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).”
Sendo, portanto, o direito ao emprego um direito fundamental, tratando a Convenção 158 da OIT de sua proteção contra a despedida arbitrária e, sendo, ainda, a referida convenção um documento internacional, efetivamente trata de direitos humanos.
É de PEREZ LUÑO[20] o conceito que dá amplitude à expressão “direitos humanos”:
“Um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional[21].” (tradução livre do autor)
Não há dúvida de que, nos pontos nucleares propostos por PEREZ LUÑO – dignidade, liberdade e igualdade, – indiscutivelmente está presente a proteção ao trabalho e ao emprego. Portanto, a Convenção 158 da OIT é um tratado de Direitos Humanos.
Importante referir, contudo, que o texto constitucional faz referência expressa à questão formal. Assim, não basta a simples aprovação da Convenção pelo Congresso Nacional, ou ainda por Decreto Legislativo e posterior Decreto Presidencial. Como determina a Carta Maior, há necessidade de aprovação nas duas Casas do Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados), em dois turnos em cada uma, por três quintos dos membros, para que o texto tenhas status de Emenda Constitucional e, portanto, possa produzir efeitos jurídicos no ordenamento interno.
VI – Crise, desemprego e manutenção do emprego
Como já referido na introdução, no final do ano passado, mais uma vez discutiram-se reformas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e nas relações trabalhistas em geral. O tema não é novo. Pelo contrário. As discussões são antigas e o governo tem “empurrado o problema com a barriga” para evitar descontentamento dos dois lados da chamada relação capital e trabalho: por um lado, os sindicalistas não querem discutir redução de direitos por eles entendidos como adquiridos; de outro lado, a classe empresarial advoga a tese de que os encargos são demasiados e, por esta razão, entre outras, os produtos brasileiros perdem competitividade.
Desta vez, contudo, o motivo da retomada do debate, foi a crise internacional. O empresariado prevê onda de dispensas se não houver desoneração trabalhista a curto prazo.
A imprensa vem noticiando, entre outras, a discussão denominada “queda de braço” entre empresários e sindicalistas. A categoria econômica[22] propõe redução da duração do trabalho com a conseqüente redução dos salários, entre outras hipóteses. A categoria profissional[23], liderada pelas centrais sindicais, concorda com a redução da duração do trabalho, mas não com a redução dos salários. Casos recentes, contrariando a tendência, aceitaram negociar aplicando-se a regra contida no artigo 7º, incisos VI e XXVI, da Consituição Federal de 1988, reduzindo duração do trabalho e salários, para evitar o desemprego[24].
É importante destacar que, em relação ao binômio “horário/salário”, é desnecessária qualquer interferência do poder público, seja o executivo, seja o legislativo. Mais. A discussão desta matéria não precisa ser geral ou nacional, podendo ser restrita a cada categoria de empregadores e empregados no seu âmbito interno e de acordo com as suas reais necessidades. É que a Constituição Federal que completou vinte anos em 2008, prevê desde a sua promulgação que pode haver redução salarial por negociação coletiva de trabalho (art. 7º, inciso VI) e que a negociação coletiva de trabalho (acordos coletivos de trabalho entre empresas e sindicatos de empregados ou convenções coletivas de trabalho entre sindicatos de empregadores e sindicatos de empregados) é reconhecida como direito dos trabalhadores (art. 7º, inciso XXVI). Desta forma, os ajustes em cada setor podem e devem ser feitos entre os interessados.
A verdade é que, com crise ou sem crise, ao final da primeira década do século XXI, o mais importante é lembrar que a tese de que capital e trabalho são inconciliáveis está fora de moda e de contexto no mundo globalizado. O moderno Direito do Trabalho é aquele que necessária e obrigatoriamente une o social e o econômico. As soluções já existem e dispensam a presença do “pai Estado”.
Neste contexto, a regulamentação da proteção da relação de emprego prevista no inciso I, do artigo 7º da Constituição Federal, seja por lei complementar, seja por emenda constitucional, pode incluir a negociação coletiva de trabalho, com o objetivo de dar tratamento distinto a casos distintos.
É importante diferenciar “reforma trabalhista” de “reforma sindical”. A primeira é gênero da qual a segunda, juntamente com o a reforma do Direito Individual do Trabalho, é espécie.
A Constituição Federal de 1988 pretendeu proteger a relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, remetendo a situação à lei complementar.
Inexistente a lei complementar a que se refere o inciso I, do artigo sétimo da Constituição Federal, por analogia ao artigo 165 da CLT, entende-se arbitrária aquela despedida imotivada e, sem justa causa, as que tenham motivo técnico, econômico ou financeiro, diferentes da despedida por justa causa, que decorre de motivo disciplinar.
A indenização compensatória, também prevista na Constituição Federal, foi remetida ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que, no seu art. 10, inciso I, dispôs que a multa incidente sobre os depósitos do FGTS da contratualidade, inicialmente de 10% (dez por cento), passaria a 40% (quarenta por cento). A multa foi confirmada pela Lei n. 8.036/90 (atual lei do FGTS).
Compõe a indenização, além da multa e da liberação dos depósitos do FGTS, o aviso prévio quando não trabalhado e o seguro-desemprego;
A pretendida proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária inexiste no ordenamento jurídico pátrio, eis que dependente de lei complementar até hoje não promulgada;
A tentativa de regulamentação da proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária pela Convenção 158 da OIT, que chegou a ser ratificada pelo Brasil, restou frustrada, já que, segundo interpretação do Supremo Tribunal Federal, tratados e convenções internacionais têm status de lei ordinária e a proteção da relação de emprego demanda lei complementar (art. 7, I, da Constituição Federal de 1988);
Não bastasse a discussão acerca da constitucionalidade ou não da Convenção 158 da OIT no Brasil, a mesma acabou denunciada em 1996, encerrando qualquer possibilidade de aplicação no Brasil.
A Emenda Constitucional nº 45/2004, ao acrescentar o parágrafo 3º ao artigo 5º, referindo que os tratados de direitos humanos que forem aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado da República em dois turnos por três quintos dos membros, terão status de Emenda Constitucional, abriu uma possibilidade de regulamentação da proteção contra a despedida arbitrária.
É que a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho efetivamente é um tratado de direitos humanos por cuidar do emprego e da sua proteção contra dispensas arbitrárias. A questão é a forma de ingresso da Convenção no nosso ordenamento jurídico. Não basta simples decreto legislativo, decreto presidencial ou lei comum, todas com quorum simples. Há necessidade de quorum qualificado nas duas casas em dois turnos, o que dificulta a pretensão.
Por fim, importante tratar do contexto de crise internacional surgida no final de 2008 e seus reflexos no trabalho, no emprego e na proteção de ambos. Discutem-se estes temas muito antes desta ou de outras crises. O fato é que a preocupação com o trabalho em geral aumentou e a sociedade procura respostas e saídas. Entende-se que o melhor caminho de implantação da proteção contra a despedida arbitrária no sistema jurídico brasileiro, para além das hipóteses de lei complementar (art. 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988) ou emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988), é a negociação coletiva (art. 7º, incisos VI e XXVI, da Constituição Federal de 1988), tratando situações diferentes de formas diferentes.
Advogado, Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da Faculdade de Direito da PUCRS – Graduação e Pós-Graduação, Coordenador do Curso de Pós-Graduação – Especialização em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Faculdade de Direito da PUCRS; Mestre em Direito pela PUCRS, Doutor em Direito do Trabalho pela UFSC.
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