Sumário: A Revolução Industrial modernizou a humanidade no século XIX, tendo o Império Britânico transformando a manufatura em produção em larga escala, criado o consumo de massa e, conseqüentemente, ampliando os riscos aos quais a humanidade estava adstrita. Uma simples contaminação por uma bactéria em um produto alimentício produzido em série poderia matar centenas de pessoas, ao passo que um acidente nuclear pode dizimar uma população inteira. A sociedade do risco na era industrial foi largamente estudado no século XX tendo como expoentes Giddens, Beck e Lash com a Modernidade Reflexiva. O tempo passou, hoje, em tempos de nanotecnologia e dos grandes conglomerados empresarias houve uma potencialização dos riscos. Hoje, temos o receio de ter nossos dados pessoais usurpados e utilizados indevidamente. No entanto, o Brasil ainda não possui um regulamento para a utilização da Internet, sendo que o país somente de 2009 para cá começou a efetivamente tomar medidas normativas para tanto. As formas de proteção dos dados dos consumidores são a tônica desse artigo.
Palavras-chave: Sociedade do Risco. Sociedade Pós Industrial. Dados Pessoais. Direito do Consumidor.
Abstract: The industrial revolution modernized humanity in the nineteenth century, with transforming the British Empire in the manufacture large-scale production, created mass consumption and, consequently, increasing the risks to which mankind was enrolled. A simple contamination by bacteria in food products produced in series could kill hundreds of people, while a nuclear accident can wipe out an entire population. The risk society in the industrial era has been widely studied in the twentieth century exponents having as Giddens, Beck and Lash . Time passed, now, in times of nanotechnology and the big conglomerates, there was a potentiation of enterprise risks. Today, we have the fears of having your personal data misused and usurped. However, Brazil does not have a regulation for the use of the Internet, and the country only began here in 2009 to take effective legislative measures to do so. The forms of protection of consumer data are the focus of this article.
Keywords: Risk Society. Post Industrial Society. Personal Data.
1. INTRODUÇÃO
A evolução humana foi pautada na capacidade do homem de se comunicar, locomover, educar a prole, cultivar e obter os próprios alimentos.
O presente trabalho se pauta no estudo da evolução da sociedade do risco e do controle deste feito pela humanidade através dos tempos.
A Revolução Industrial no século XIX transformou o mundo da agricultura, pecuária e manufatura na produção em larga escala o que gerou, conseqüentemente, o consumo de massa.
Dessa forma, os riscos que envolvem a produção em escala industrial são muito maiores do que na manufatura, tanto na confecção pelos trabalhadores quanto para os consumidores, dado a proporção que este alcançou. A contaminação de uma simples bactéria no processamento de um produto alimentício pode ocasionar em sérios danos à saúde e até em óbitos. Ao mesmo tempo, um curto circuito em uma fábrica pode ocasionar uma explosão, incêndio e levar a morte dos trabalhadores.
A evolução tecnológica e o advindo da sociedade pós industrial na segunda metade do século XX potencializou os riscos, pois a escala com que os produtos e as formas de preparo foram extremamente ampliados. Um forte exemplo disso é o acidente com a Usina Nuclear de Chernobyl na Ucrânia em 1986, o qual matou milhares de pessoas de forma direta e outros milhares de forma indireta através do câncer gerado em conseqüência do desastre.
Com o advento da Internet no final dos anos 60 e, principalmente com o seu uso comercial a partir dos anos 90, deu-se origem a maior revolução tecnológica da humanidade – a era digital. A ditadura geográfica foi quebrada, as barreiras tecnológicas se romperam, as fronteiras do mundo, de uma certa forma, ruíram e, conseqüentemente, a falta de conhecimento se transformou em excesso de informação.
Até o final do século XX, para se obter conhecimento de outras culturas ou de assuntos específicos o homem tinha que se locomover por grandes distâncias, pesquisar em um sem número de bibliotecas, obter milhares de fotocópias, para, então, ter em mãos o conteúdo para o seu trabalho.
Da mesma forma, a troca de correspondências era feita através de telex, cartas e telefonemas e, dado o alto custo e à baixa tecnologia, essa tarefa não se estendia por muito tempo.
Hoje em dia, a humanidade se comunica em tempo real, a baixo custo, seja qual for a distância entre os interlocutores. O conhecimento vem sendo digitalizado e disponibilizado em grande escala na Internet, formando, assim, a sociedade da informação.
A informação e o conhecimento, que antes eram um problema, hoje já não são mais. O grande desafio, agora, é filtrar a informação e obter aquela mais adequada para o estudo, pesquisa ou trabalho.
Desde o advento da Internet para fins comerciais no Brasil, ainda não se tem as regras específicas para este ambiente o que gera incertezas.
Percebe-se, assim, que são necessárias regras para regular esse acesso a internet, com objetivo de manutenção do Estado Democrático de Direito, visando a que a sociedade viva em harmonia, prevalecendo a ordem.
Uma vez que a velocidade de modificação dos usos e costumes, das relações humanas e comerciais é enorme na era digital, fica cada vez mais difícil para o Estado e a sociedade filtrarem as informações e regular os seus desdobramentos.
E qual é o caminho democrático para a instauração de tal controle? Será preciso um emaranhado de normas jurídicas? O controle poderá ser exercido estritamente pelo Poder Judiciário? Ou seria apenas necessário o controle social para resolvermos tal questão?
Ora, o mesmo Estado que detém o monopólio da força é o que protege os direitos e garantias fundamentais, dentre eles, senão o mais importante – a liberdade – sendo ela a de expressão, do exercício de qualquer trabalho ou função, ou ainda, a livre iniciativa.
No entanto, ainda não há uma regulação clara e precisa do uso da rede mundial de computadores no país, bem como não há uma entidade pública que controle a Internet.
A análise das regras para uso da Internet no Brasil, a proteção dos dados pessoais que trafegam na rede mundial de computadores, a vulnerabilidade dos consumidores na era digital, bem como as formas de controle eficazes para o setor são a tônica deste trabalho.
2. CONTEXTUALIZANDO A SOCIEDADE PÓS INDUSTRIAL
A sociedade industrial teve início com a Revolução Industrial no século XIX e perdurou até a segunda metade do século XX quando os meios de produção foram potencializados pelos avanços tecnológicos.
DE MASI indica as principais características essenciais da sociedade industrial:
“a) concentração de massas de trabalhadores assalariados nas fábricas e nas empresas financiadas e organizadas pelos capitalistas de acordo com o modo de produção industrial; b) predomínio de trabalhadores no setor secundário; c) aplicação das descobertas científicas ao processo produtivo na indústria; d) maior mobilidade geográfica e social; e) reforma dos espaços em função da produção e do consumo dos produtos industriais; f) aumento da produção em massa e do consumismo; g) fé em um progresso irreversível e em um bem-estar crescente; h) difusão da idéia de que o homem, em conflito com a natureza, deve conhecê-la e dominá-la; i) presença conflitual, nas fábricas, de partes distintas e contrapostas, os empregadores e os empregados; j) possibilidade de reconhecer uma dimensão nacional dos vários sistemas industriais; l) concessão do predomínio aos critérios de produtividade e de eficiência entendidos como único procedimento para a otimização dos recursos e dos fatores de produção; m) existência de uma rígida hierarquia entre os vários países, estabelecida com base no Produto Nacional Bruto, na propriedade das matérias-primas e dos meios de produção”. (DE MASI, 2003, p. 19)
A transição da sociedade industrial para a industrial se deu por três fenômenos; primeiro a convergência progressiva entre os países industriais – Estados Unidos e União Soviética – independentemente do regime político; segundo o crescimento da classe média no âmbito da sociedade e da tecno-estrutura no da empresa e, por fim com o amadurecimento do capitalismo com a constituição do consumo de massa e da sociedade de massa. (DE MASI,2003)
A sociedade pós industrial têm como marcos temporais a Segunda Guerra Mundial, com o desembarque na Normandia (1944), a descoberta da estrutura do DNA (1953), a concentração da mão-de-obra no setor terciário nos Estados Unidos da América (1956) e na crise pretolífera (1973).
Já para BAGNOLI:
“A sociedade pós-industrial, que se inicia nos Estados Unidos em 1956 e na Itália em 1982, também está em processo no Brasil, conforme se observa em diversas cidades nas quais os serviços superam a indústria. A economia pós-industrial se revela aquela na qual a indústria deixa de ser sujeito para se tornar objeto de mercado”. (BAGNOLI, 2009, p. 61)
A sociedade pós industrial trás consigo aspectos determinantes como:
“1) a passagem da produção de bens para a economia; 2) a preeminência da classe dos profissionais e dos técnicos; 3)o caráter central do saber teórico, gerador da inovação e da idéias diretivas nas quais a coletividade se inspira; 4) gestão do desenvolvimento técnico e o controle da tecnologia; 5) a criação de uma nova tecnologia intelectual”. (DE MASI, 2003, p. 35)
Percebe-se o predomínio do setor terciário, que não é mais marcante o conflito de classes (empregadores versus empregados), um grande aumento da sociedade de consumo, e também, o surgimento de uma nova problemática ambiental, que exige decisões em contextos de incerteza científica acerca da existência ou não de danos ambientais e de suas reais dimensões, com a necessidade de antecipação da decisão à ocorrência desses danos (ambientais) por sua freqüente irreversibilidade e efeitos globais.
Desse modo explica BAGNOLI:
“Atualmente, vive-se a realidade da sociedade pós-industrial, na qual o número de pessoas relacionadas à indústria é inferior àquele das pessoas relacionadas aos serviços. Mais ainda, trata-se da substituição do homem pela máquina dirigida por computadores, na determinação do que produzir, num momento em que o produto ganha novas faces, biocombustíveis, nanotecnologia, profusão das formas de comunicações, sobretudo impulsionada pela rede mundial de computadores e a redução dos custos de transmissão da informação, hoje são praticamente insignificantes, além de bens materiais, da sociedade das finanças, dos produtos financeiros”. (BAGNOLI, 2009, p. 60)
Ainda, há o aparecimento de grandes conglomerados econômicos através de empresas que atual em áreas de comunicação, tecnologia, mas que ao mesmo tempo realizam grandes operações financeiras e, conseqüentemente, ditam as regras e as tendências de mercado. Desse modo, fica latente a existência de determinantes e determinados na era pós industrial, como novamente ensina BAGNOLI:
“Já não é o mercado que dita as regras, mas a grande empresa, resultado da concentração do poder econômico, que manifesta seu poder impondo valores e promovendo a assimetria da informação, fazendo com que o consumidor adquira aquilo que ela queira produzir e vender, na quantidade também por ela definida. A economia, portanto passa a ser planejada pela grande empresa, independente da sua ideologia formal”. (BAGNOLI, 2009, p. 59)
Temos então que o fator preponderante para a transição da sociedade industrial para a pós industrial foram a evolução tecnológica e a transição da mão-de-obra pra o setor de serviços – saindo do chão da fábrica para a alimentação de sistemas de computador. Com a passagem do mundo dos átomos (sociedade industrial) para a dos bits (sociedade pós industrial), existe também a transição da era da informação para a da pós informação.
NEGROPONTE expõe o tema da seguinte forma:
“Na era da informação, os meios de comunicação de massa tornaram-se simultaneamente maiores e menores. Novas formas de transmissão televisiva como a CNN e a USA TODAY atingiram públicos maiores, ampliando ainda mais a difusão. Revistas especializadas, videocassetes e serviços por cabo deram-nos exemplos de narrowcasting, atendendo a grupos demográficos pequenos. Assim, os meios de comunicação se tornaram maiores e menores a um só tempo.
Na era da pós informação, o público que se tem é, com freqüência composto de uma só pessoa. Tudo é feito por encomenda, e a informação é extremamente personalizada. Uma teoria amplamente difundida afirma que a individualização é a extrapolação do narrowcasting – parte-se de um grupo grande para um grupo pequeno; depois, para m grupo menor ainda; por fim, chega-se ao indivíduo.” (NEGROPONTE, 1995, p. 154-155)
Com o excesso de individualismo advindo da sociedade pós industrial temos que a personalidade predominante nesta época seja a narcisista cujos caracteres peculiares se encontram tanto na condição fisiológica quanto na condição patológica. (DE MASI, 2003)
Isso, graças a massificação do consumo e a transposição de um mundo onde o importante não é mais o ser ou o ter – e sim o parecer ter. As pessoas tentam se endeusar por via de vestimentas, carros, objetos de valor monetário, como se o importante fosse o espelho ou como os outros a vejam, e não o seu interior. A pobreza de espírito emana em uma sociedade o pseudo-ser.
Lado outro, há uma convergência dos setores de comunicação, telecomunicações, com as instituições financeiras, transformando-se em verdadeiras indústrias do dever-ser ou parecer-ter para a grande massa dos consumidores.
Conforme adiante será demonstrado, os consumidores (determinados) são vulneráveis ao aparato tecnológico e facilmente influenciados pelos grandes conglomerados econômicos (determinantes).
Portanto, contextualiza-se a sociedade pós industrial com a crescente de trabalhadores no setor de serviços com a diminuição do número de pessoas que laboram no chão da fábrica, pelo alto desenvolvimento tecnológico, com a formação de grandes conglomerados econômicos por via de empresas que concentram o poder econômico e pela super valorização do indivíduo traduzida na era da pós informação, bem como pelo traço da personalidade narcisista.
As empresas que concentram o poder econômico são as determinantes ao passo que os funcionários, fornecedores e consumidores finais passam a serem os determinados. A necessidade de fazer novos produtos em época de nanotecnologia potencializa, de sobremaneira, os riscos para a sociedade a qual pode sofrer os impactos ou até mesmo ser dizimada do planeta. Esse é o conflito existente – o avanço da ciência versus o risco e os danos que ela pode causar.
Ainda, há a proliferação de dados pessoais que tramitam por meio da Internet, o que deixa os consumidores como reféns dos grandes conglomerados tecnológicos que surgiram no final do século XX. Assim, a incerteza está tanto no uso da rede mundial de computadores quanto na absorção e utilização desenfreada dos dados pessoais pelas grandes empresas de tecnologia.
3. A SOCIEDADE DE RISCO
“O adejar das asas de uma borboleta pode causar um furacão do outro lado do mundo”, eis a Teoria do Caos proclamada por Edward Lorenz. (PERCÍLIA, 2009)
O risco obviamente não é um elemento incorporado pela época industrial ou pós industrial, ou seja, pela fabricação de produtos em larga escala e consumo de massa.
Os romanos consideravam o risco sob o conceito de casus fortuitos, igualmente denominado vis maior (força maior). (BRAGA, 2001)
No contexto da globalização, das inovações tecnológicas e da complexização das sociedades, novos riscos são gerados e a gestão dos mesmos precisa ser discutida.
LUHMAN contextualiza o risco:
“Superando manifestações de cunho religioso, ou mesmo dotadas de certo viés de espiritualidade, a sociedade contemporânea incrementa formas de enfrentar as incertezas, destacando assim o risco e seus conceitos interligados, como a desordem, catástrofe, caos”. (LUHMANN apud PEREIRA, 2006)
BECK e outros descrevem essa nova sociedade, a qual denominam de “sociedade de risco”, como:
“(…) uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial” (BECK; GIDDENS; LASH, 1997, P. 15).
Vive-se um momento de tomada de consciência do paradoxo inerente ao conhecimento científico, que, ao gerar o progresso e se desenvolver para a produção de bens de consumo, gera riscos que não são dimensionados, ou previstos.
Nas palavras de Rodolfo Pereira:
“Por um lado, os avanços tecnológicos quotidianos corrobora a crença entusiasta na virtuosidade da ciência e do seu projeto de moldagem técnica da natureza e benefício da melhoria da qualidade da vida humana. As inovações no campo da medicina, das utilidades domésticas, da comunicação, do meio ambiente, entre tantos outros, representam uma espécie de “aquisição civilizacional”, cujo efeito é o incremento – ou ao menos a possibilidade real de incremento – das condições atuais do existir humano comparativamente aos modos de vida de épocas passadas”. (PEREIRA, 2008, p. 127)
O problema que aqui se coloca é o fato dos riscos não somente escaparem à percepção sensorial e excederem à nossa imaginação, mas também não poderem ser determinados pela ciência. (BECK; GIDDENS; LASH, 1997).
O risco, desta feita, ganha diversas conotações, dentre elas a invisibilidade, imprevisibilidade, supranacionalidade, atemporalidade e irreversibilidade de suas conseqüências. Todavia, esses riscos, a priori, só são percebidos em momentos posteriores ao que foram produzidos, inviabilizando a determinação das relações de causa e efeito e sua conseqüente responsabilização, além de poder vir a atingir as futuras gerações. (LEMOS, 2008)
O exemplo clássico é o acidente na Usina de Chernoby na Ucrânia em 1986 onde milhares de pessoas morreram no ato e outras milhares morrem devido ao câncer gerado pelo acidente.
“Mesmo diminuindo os números em relação ao Greenpeace, a OMS afirma que 9 mil mortes a mais por câncer ainda são demais. A organização quer monitoramento contínuo de saúde na região e também maior ênfase em fornecimento de informações confiáveis e precisas às pessoas afetadas”. (AMBIENTE BRASIL, 2006)
Essa nova categoria de risco se caracteriza primeiro, porque gera danos em larga escala que podem culminar na extinção total da vida; segundo, porque implica o reconhecimento pela ciência da sua incompetência para prever e dimensionar os danos e para administrá-los; por fim, porque o risco é resultado e o efeito de uma decisão consciente da imprevisibilidade e incerteza das suas conseqüências, o que o distancia das pretensões de controlabilidade e cognoscibilidade (PEREIRA, 2008).
Sobre o tema Leite e Ayala:
“(…) o ingresso na sociedade de risco começa exatamente onde os princípios de cálculo da sociedade industrial são encobertos e anulados, e no momento ‘(…) em que os perigos socialmente decididos e, portanto, produzidos, sobrepassam os limites da segurabilidade”. (AYALA, LEITE, 2004, p. 17)
A sociedade torna-se reflexiva, considerando esse termo em sua conotação mais restrita, uma vez que ela se converte em um tema e um problema para si mesma, configurando-se o “retorno da incerteza”. (BECK; GIDDENS; LASH, 1997).
A falibilidade do conhecimento científico e das formas clássicas e institucionalizadas de tomada de decisões deve ser controlada de uma forma inteligente para evitar decisões equivocadas dos magistrados e normas impossíveis de serem cumpridas.
Enfatiza-se que, por não haver limites espaciais em relação aos novos riscos, alertam que todos os que estão sob essa ameaça são, ao mesmo tempo, participantes e parte afetada, sendo co-responsáveis. Ainda que a modernização reflexiva representa o estágio em que o progresso pode transforma-se em auto destruição. (BECK; GIDDENS; LASH, 1997).
O consumidor se torna extremamente vulnerável e sujeito a riscos de toda sorte nesses tempos da massificação do consumo potencializado em larga escala pelo uso dos meios digitais, mormente no que tange a privacidade e o direito à intimidade.
4. O TRÁFEGO DE DADOS PESSOAIS NA INTERNET
A Internet, como grande parte das novidades tecnológicas, teve origem no serviço militar como uma forma de gerar comunicação de dados entre quartéis com uma forma rápida e eficiente e capaz de resistir aos ataques inimigos durante uma guerra, consoante atesta parte da doutrina sobre o tema.
Nas palavras de Costa Almeida sobre o tema:
“A INTERNET foi criada no final dos anos 60 nos EUA, como um projeto militar que buscava estabelecer um sistema de informações descentralizado e independente de Washington, para que a comunicação entre os cientistas e engenheiros militares resistisse a um eventual ataque à capital americana durante a Guerra Fria. Preliminarmente com a denominação de ARPANET, era uma rede fechada, à qual só tinham acesso os funcionários do Departamento de Defesa dos EUA, que, com o tempo, também passaram a utilizar a rede para enviar mensagens eletrônicas através de caixas de correio pessoais, o atual e-mail. (…) No Brasil, a Internet chegou em 1988, sendo inicialmente restrita a universidades e centros de pesquisa, até que a Portaria nº. 295, de 20.07.95, possibilitou às empresas denominadas ' provedores de acesso' comercializar o acesso à INTERNET”. (COSTA ALMEIDA, 1998, p. 52-53)
No entanto, existem doutrinadores que remontam o passado da Internet não só para fins exclusivamente militares, mas também científicos e elaborados pela Academia por via das universidades norteamericanas.
Assim explana Rohrmann:
“A Internet não teve origem exclusivamente na rede militar ARPANET, uma vez que, muito antes do surgimento desta, já se faziam pesquisas avançadas com redes de computadores packed switched na Universidade de Los Angeles e no Massachussets Institute of Tecnology.
Até o início da década de 1970, a rede ARPANET ainda utilizava como protocolo o Network Control Protocol – NCP – e contava com quatro pontos de presença localizados em Standford, Los Angeles (UCLA), Santa Barbara (UCSB) e Utah.
Segundo a cronologia estipulada por Kang (1999), a segunda fase aconteceu ao longo da década de 1970. Ocorreu o crescimento do número de computadores ligados à rede, fazendo surgir um problema técnico: o protocolo NCP não protegia a rede contra perda de pacotes. Assim, se uma mensagem fosse dividida em pacotes e um deles se perdesse durante a transmissão, a mensagem apresentaria perda no recebimento.
Havia necessidade de um protocolo mais eficiente, capaz de detectar e corrigir erros referentes às perdas de dados ao longo da rede.
Em outras palavras, era necessário que se adotasse um protocolo de comunicação eficiente para que a rede pudesse crescer da forma mais confiável possível. Dessa necessidade, surgiu o novo protocolo, o TCP/IP, que é até hoje, por exemplo, como um protocolo de comunicações.” (ROHRMANN, 2005, p. 05)
A Internet para fins comerciais no Brasil chegou em 1995 quando foi aprovada a sua utilização pelo Ministério das Comunicações juntamente com o Ministério da Ciência e Tecnologia.
Este meio de comunicação e informação modificou o mundo com sua capacidade inesgotável de armazenar e disponibilizar a informação, transformou drasticamente o modo das pessoas se comunicarem, socializando o conhecimento e aumentando o contato entre os humanos.
Fato é que a Internet é um meio de comunicação de massa à disposição de milhões de usuários no Brasil e no mundo e um funcionamento livre e anárquico chega a ser temerário, em face da proliferação dos riscos à ela inerentes, tais como a falta de proteção dos dados pessoais dos consumidores, crimes cibernéticos, má utilização do comércio eletrônico, dentre outros fatores.
Tão logo a rede mundial de computadores começou a operar em meados dos anos noventa, surgiu a corrente libertária publicando artigos contundentes sobre o a aplicação do direito no ambiente virtual.
John Perry Barlow publicou em 1996 o artigo intitulado “A declaração de Independência do espaço virtual”. No citado artigo o autor define a Internet como um mundo à parte, alheio e indiferente do direito tradicional.
No mesmo ano David Post e David R. Jonhson publicam na Standford Law Review o artigo intitulado “O direito e suas fronteiras”, onde afirmavam, em suma, que o direito é essencialmente territorial e que tal característica se oporia ao espaço virtual. (ROHRMANN, 2005)
Tal corrente sofreu fortes embates, principalmente pelo fato dos libertários terem uma crença na utopia da Internet como um mundo virtual no qual o direito seria desnecessário e, principalmente, por definir o ciberespaço como um lugar separado do mundo real. (ROHRMANN, 2005)
Como um serviço de mídia que atinge a um sem número de pessoas a Internet precisa de limites sob pena de ser um instrumento para influenciar de forma equivocada à população.
Canela explana sobre a necessidade de regulamentar a comunicação de massa:
“A diferença entre regular a mídia e regular outras indústrias reside, sobretudo, no conteúdo veiculado e nas suas implicações: a oferta de acesso às telecomunicações a uma região remota traz impactos para milhares de pessoas e para a economia local; a oferta de cobertura midiática equilibrada acerca das diferentes opções político-partidárias que se apresentam em uma eleição presidencial pode alterar os rumos do país e de sua democracia” (CANELA, 2008, p. 152-3).
Aranha, Pieranti e Wimmer assim abordam o assunto:
“(…) se a regulação é pensada como forma de proteger Estado e cidadãos, a não regulação pode implicar em prejuízos a direitos fundamentais. Sucintamente, o reconhecimento da liberdade de expressão como um dos pilares das sociedades modernas costuma ser identificado com a reflexão de John Stuart Mill no texto Da Liberdade, de 1859. Nesse escrito, Mill aponta a falibilidade humana, principalmente porque a verdade depende do contexto em que cada indivíduo está inserido. Daí advém uma necessária abertura ao permanente questionamento de manifestações individuais. (ARANHA, PIERANTI E WIMMER, 2009, p. 06)
O direito não pode fugir à realidade e tem que estar sempre a serviço dessa como instrumento de pacificação social.
Patricia Peck Pinheiro disserta sobre o tema:
“Historicamente, todos os veículos de comunicação que compõem a sociedade convergente passaram a ter relevância jurídica a partir do momento em que se tornaram instrumentos de comunicação de massa, pois a massificação do comportamento exige que a conduta passe a ser abordada pelo Direito, sob pena de criar insegurança do ordenamento jurídico e da sociedade. Foi assim com a imprensa, o telefone, o rádio, a televisão e o fax. Cada um deles trouxe para o mundo jurídico particularidades e desafios, as restrições à programação por ofensa a valores ou moral, as encomendas por fax, as compras pelo telefone, a licença do jocoso para não cair na calúnia e difamação, a proteção das fontes, nos contratos dos anunciantes, os seguros de transmissão, entre outros. Com a Internet não há diferença: não existe um Direito da Internet, assim como não há um direito televisivo ou um direito radiofônico. Há peculiaridades do veículo que devem ser contempladas pelas várias áreas do direito, mas não existe a necessidade da criação de um direito específico”. (PINHEIRO, 2007, p. 30)
O aspecto ontológico da rede mundial de computadores nos leva a pensar em um direito novo em um espaço novo. No entanto, tal premissa se quedou como inócua ao longo do tempo e o que passou a preponderar foi a corrente que se filia ao direito tradicional.
Sobre o tema, Carlos Alberto Rohrmann:
“A corrente tradicionalista não nega eventuais dificuldades que podem ser encontradas em casos específicos que envolvem o espaço virtual, especialmente no tocante a pontos como a produção de provas e o combate à fraude e à criminalidade. Todavia, deve-se lembrar que, em relação a este último ponto, á dificuldades muito grandes também nos grandes centros urbanos, a despeito de todo o aparelho policial disponível na mão do Estado”. (ROHRMANN, 2005, p. 34)
Certo é que a corrente tradicionalista a qual remota a aplicação do direito já existente ao ambiente virtual é a mais consolidada na doutrina mundial. Entretanto, as outras formas de comunicação de massa como o rádio e televisão são fiscalizados e regulados pela a Agência Nacional de Telecomunicações. Ainda, tem-se os problemas que são peculiares à Internet e que somente serão dirimidos com regras e princípios específicos.
A Internet se proliferou em um ambiente essencialmente privado sem a intervenção estatal para o seu funcionamento – o que ocasionou em um crescimento caótico em larga escala. A disseminação de crimes digitais e o uso desgovernado de novas tecnologias fizeram os governos reverem os seus conceitos e delimitarem regras e princípios para a sua utilização.
Existe a necessidade de se traçar os regulamentos institucionais para que sejam definidas as regras do jogo.
Assim nos ensina Ricardo Lorenzetti:
“O problema da regulação é complexo e para ele não existe uma solução clara na atualidade. Já sustentamos que apoiamos as regulações institucionais, vale dizer, aquelas que se referem às regras do jogo, e não aquelas que beneficiam um determinado setor.
Se existisse uma resposta afirmativa sobre a necessidade de regular institucionalmente o funcionamento da rede o funcionamento da rede, deveríamos enfrentar o problema da autoridade reguladora. A Internet cresce rapidamente, caoticamente, e não deixa de crescer em escala global, o que faz com que seja resistente às pretensões normatizantes dos sistemas jurídicos nacionais.” (LORENZETTI, 2004, p. 79).
Somente em junho de 2009 que o Comitê Gestor da Internet do Brasil editou os Princípios para Governança e Uso da Internet, ou seja, quatorze anos após a implementação da Internet para uso comercial no Brasil, quais sejam:
“1. Liberdade, privacidade e direitos humanos: o uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática.
2. Governança democrática e colaborativa: a governança da Internet deve ser exercida de forma transparente, multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação coletiva.
3. Universalidade: o acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.
4. Diversidade: a diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e sua expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças, costumes ou valores. 5. Inovação: a governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.
6. Neutralidade da rede: filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento. 7. Inimputabilidade da rede: o combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos.
8. Funcionalidade, segurança e estabilidade: a estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede devem ser preservadas de forma ativa através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das boas práticas.
9. Padronização e interoperabilidade: a Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento.
10. Ambiente legal e regulatório: o ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet como espaço de colaboração.” (COMITÊ GESTOR DA INTERNET)
Destaca-se entre os princípios acima transcritos o que dispõe sobre o ambiente legal e regulatório para preservar a dinâmica da Internet como espaço de regulação.
Nesta toada, recentemente, em outubro de 2009, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas encaminhou o Marco Civil para construção colaborativa para regular utilização da Internet no país.
Ressalte-se que o Marco Civil foi disponibilizado no sítio do Ministério da Justiça para colaboração de todos que estiverem interessados, inclusive via Twitter, em claro exemplo exercício da democracia pelos meios eletrônicos.
Os temas abordados no marco civil, incluem as regras de responsabilidade civil de provedores e usuários sobre o conteúdo postado na Internet e medidas para preservar e regulamentar direitos fundamentais do internauta, como a liberdade de expressão e a privacidade. Ainda, são abordados princípios e diretrizes que visem a garantir algumas das premissas de funcionamento e operacionalidade da rede, como a neutralidade da internet.
O marco civil não abrange de forma aprofundada temas que vêm sendo discutidos em outros foros ou que extrapolam a questão da internet, como direitos autorais, crimes virtuais, comunicação eletrônica de massa e regulamentação de telecomunicações, dentre outros.
A proposta de construção do marco regulatório busca inovar também no processo de sua formulação: o intuito é incentivar, através da própria internet, a participação ativa e direita dos inúmeros atores sociais envolvidos no tema. Para tanto, o processo foi conduzido, primordialmente, pela própria internet e agora foi encaminhado para apreciação do Congresso Nacional.
No entanto, o projeto a ser encaminhado para o Congresso Nacional não trata de um ponto crucial que é a questão da Autoridade Institucional pátria, uma vez que o Comitê Gestor é um órgão complexo em virtude de ter vários agentes sociais, como representantes do governo, da iniciativa privada, do terceiro setor, dentre outros; o que dificulta os encontros e as tomadas de decisões. Por sua vez a ANATEL não abarca a Internet, por ser considerada como um serviço de valor adicionado, com fulcro no artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações[1].
Tal premissa de se utilizar a Internet como exemplo de exercer a democracia já é objeto de debate como salienta Hélio Santiago Ramos Júnior e Aires José Rover:
“Discutem-se, na atualidade, diversos modelos de democracia eletrônica com a adaptação ou criação de novos institutos nos quais o cidadão aparece como um ator importante para o implemento do governo eletrônico, ou seja, caracteriza-se como um agente colaborador do Estado que poderá atuar mediante sua participação em consultas, fóruns e referendos eletrônicos dentre outras formas de participação”. (RAMOS JÚNIOR; ROVER, 2007, p. 292)
O marco civil é ponto preponderante de discussão, uma vez que se trata da materialização do princípio do controle constitucional, o qual utiliza de todos os cidadãos por via da democracia eletrônica, meios para relegitimar as normas emanadas pelo poder público.
Este princípio é bastante salutar no cenário constitucional em tempos de crise na democracia representativa.
Nas palavras de Rodolfo Viana Pereira:
“O controle funciona, nesse caso, como um mecanismo indireto de relegitimação do poder, já que, ao corrigir a sua situação de desconformidade, põe-no novamente em sintonia com os procedimentos e regras que lhe deram origem. (…)
Afirmar a democracia como princípio legitimado do sistema político-constitucional significa, na atualidade, trilhar um caminho seguro, próspero e, no limite, sem percalços. Após os processos de depuração das justificativas da origem do poder em que os fundamentos místico e messiânicos foram sendo paulatinamente erradicados por medidas de laicização, poucos são aqueles que contestam o fato de a legitimidade política assentar-se em um sistema regulatório cujo exercício do poder seja popularmente legitimado. A democracia situa-se, assim, no palco de um jogo sem adversários e sem alternativas justificáveis em face do resto de modernidade que exige fundamentos racionais para a questão da convivência política. O argumento do “consenso democrático” povoa, senão toda a extensão, ao menos a quase toda totalidade a geografia acadêmica, tornando-se o único a prover os critérios de racionalidade e consensualidade suficientes ao desígnio legitimador.” (PEREIRA, 2008, p. 36-7)
O princípio do controle constitucional, como salientado padece de uma ampla participação popular para que a norma seja legitimada pelo Poder Público e relegitimada pelos cidadãos. No marco civil, a população irá legitimar o projeto emanado pelo Ministério da Justiça para que o mesmo chegue ao Congresso Nacional já consagrado pela vontade popular.
A aplicação do princípio constitucional do controle é a crítica que se faz sobre a elaboração das normas que via de regra são feitas pelo Legislativo e Executivo. Durante o procedimento legislativo os parlamentares estão vulneráveis ao lobby das empresas que detém a concentração do poder econômico e, muitas vezes, acabam conseguindo ter normas editadas ao seu inteiro favor. Em democracias liberais a corrupção é um fator comum e não podemos nos olvidar disso.
Assim Giddens nos ensina:
“Há duas maneiras constratantes em que se pode tentar compreender a difusão das instituições democráticas. Uma delas é o que poderia ser chamado, ironicamente, de a teoria da democracia como uma flor delicada. Segundo esta maneira de ver, a democracia é uma plantinha frágil que precisa ser regularmente aguada para poder se manter viva. Também necessita de um solo rico: tem de ser alimentada durante um longo período durante o desenvolvimento a longo prazo de uma cultura cívica. (…)
Finalmente, agora, no suposto auge do seu sucesso, a democracia liberal, está, em quase toda parte, enfrentando dificuldades. A corrupção tornou-se uma questão pública em países bastantes afastados um do outro, como o Brasil, o Japão e a Itália. O domínio da política ortodoxa parece influenciar cada vez mais os principais problemas que atormentam a vida das pessoas. Os eleitores tornam-se descontentes e aumenta o número daqueles que desconfiam de todos os partidos políticos. As lutas da política partidária parecem a muitos um jogo, que apenas ocasionalmente afeta, de uma maneira efetiva, os problemas da vida real.” (BECK, GIDDENS, LASH, 1997, p. 227-228)
Dessa sorte, a descrença nos políticos e na elaboração das leis em tempos de concentração do capital traz um melindre para o processo de formação das leis por via da democracia representativa.
Mas, há quem prefira uma lei mal elaborada ao melhor juiz, para que a sociedade não fique a mercê do paternalismo pretoriano.
Tanto foi o sucesso da participação popular no que tange à regulação da Internet que o próprio Ministério da Justiça se prepara para propor uma lei para proteção dos dados pessoais no Brasil, nos mesmos moldes em que foi feito o marco civil, no final do mês de agosto de 2010. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA)
A sua falta de regulação da Internet no Brasil, e o escasso conhecimento técnico dos consumidores, eivam esses de perigos e incertezas, mormente no que tange ao tráfego de seus dados pessoais pelo ciberespaço.
Bruno Miragem disserta sobre o tema:
“No caso das relações estabelecidas por meio da Internet, reconhece-se, desde logo, uma espécie de vulnerabilidade técnica do consumidor em relação ao meio. A rigor, à exceção de especialistas de informática, todos os demais serão vulneráveis, porquanto não tenham domínio sobre uma séria de informações relativas (a) a aspectos técnico-informáticos (armazenamento de informações, segurança sobre os dados pessoais transmitidos pela rede, procedimentos de acesso a determinadas informações), (b) aspectos decorrentes do caráter imaterial da contratação, ou ainda (c) do fato de ser celebrada a distância, bem como aspectos relativos à defesa e efetividade de seus direitos, como é o caso de contratações celebradas entre consumidores e fornecedores de cidades, Estados ou países distintos, e os obstáculos a eventual demanda judicial ou extrajudicial visando assegurar o cumprimento dos termos da obrigação”. (MIRAGEM, 2009)
Ao discorrer sobre a regulação do comércio eletrônico e a necessidade de maior proteção dos vulneráveis nos sistemas de troca por intermédio da Internet, Cláudia Lima Marques aduz que: o mesmo possui uma unilateralidade visível e uma bilateralidade escondida, querendo indicar o desafio à correta compreensão do exercício da liberdade contratual nas transações estabelecidas pela Internet e o surgimento de uma nova vulnerabilidade eletrônica. (MARQUES, 2004)
Ora, não somente ao comércio eletrônico o consumidor está adstrito aos perigos da rede mundial de computadores. Como exemplo disso, temos que basta uma pessoa se cadastrar no gmail da Google para recebimento de correspondências eletrônicas, para receber um anúncio de publicidade, relativo ao teor da correspondência recebida. Ou seja, o grande conglomerado das comunicações e detentor do poder econômico, coloca em risco os dados pessoais do seu cliente (consumidor) ao permitir uma publicidade com conteúdo equivalente à correspondência enviada, a qual deveria ter, no mínimo, sigilo.
No entanto, não só as empresas privadas disponibilizam os dados pessoais no ciberespaço. Caso uma pessoa ingresse com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e, ao verificar o andamento processual no sítio da citada Corte, perceberá que ao lado do seu nome estará o número do seu Cadastro Pessoal de Pessoas Físicas – CPF. Ora, não era para tal dado ser sigiloso? Sim, mas o Tribunal utiliza desta via para diferenciar eventuais homônimos.
Mais, é corriqueira a venda de dados das declarações de renda nos grandes centros urbanos. Sim! Todo o sigilo fiscal e bancário dos contribuintes estão sendo facilmente vendidos para as pessoas que querem se apropriar desses dados para efetuar propagandas para determinado seguimento, crimes diversos e outras possibilidades ardilosas.
Têmis Limberger discorre sobre a dicotomia no que tange o direito à intimidade e o uso dos meios digitais, in verbis:
“A relação entre o direito à intimidade e a informática também apresenta duplo aspecto, o positivo e o negativo. O primeiro se configuraria cm relação ao resguardo geral dos dados e, em particular, dos dados sensíveis. E, ainda, pela informação, acesso e retificação. Já o segundo se caracteriza pelo direito ao esquecimento. Este último é cada vez mais difícil de ocorrer, devido ao armazenamento dos dados por longos períodos, por isso a necessidade de fixar na legislação um período pelo qual os dados podem ser mantidos.
Evolui-se da autodeterminação informativa em prol do direito à proteção dos dados pessoais. Naquela, conferia-se ao cidadão a possibilidade de se sentir ou não lesado, bem como a proporção em que isto ocorria. A autodeterminação era considerada um (novo) aspecto da intimidade com relação à informática, sem se configurar como um direito autônomo, ou seja, destituído de autonomia.” (LIMBERGER, 2008)
No que tange ao comércio eletrônico, o sigilo dos dados pessoais deve ser informado na fase pré-contratual: onde é estabelecida uma relação de confiança entre os contraentes. Quando alguém vende uma coisa pela Internet, ele deve informar o comprador, já na fase pré-contratual, sobre os riscos ou perigos desta coisa, para proteger os valores e dados do comprador. (FABIAN, 2002)
Os deveres anexos de informar na fase pré contratual muitas vezes têm o mesmo conteúdo como dever de informar do pressuposto no art. 147 do Código Civil. [2]
Ora, uma parte não pode se aproveitar da ignorância da outra, como já salientada a vulnerabilidade do consumidor nos negócios jurídicos realizados pelo comércio eletrônico e, também, pela simples utilização do meio de comunicação de massa que é a Internet, que deixa a mercê os dados pessoais para possíveis violações ao direito da intimidade dos cidadãos.
As diretivas européias sobre a regulamentação da internet se iniciaram em 1997. A comunidade européia já firmou um acordo com os Estados Unidos acerca da proteção dos dados pessoais, o Safe Harbor Agreement, em 1999.
Por sua vez, o Brasil apenas engatinha no que tange à regulação da Internet e da proteção dos dados pessoais em ambiente eletrônico. A ampla participação popular para o estabelecimento de regras específicas acerca destes temas, em aplicação direta do princípio do controle constitucional, poderá ser um grande diferencial para que a norma que será editada tenha, de fato, validade e eficácia.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na sociedade atual, inegável o impacto da sociedade pós industrial em praticamente todos os aspectos de nossa vida. A rotina diária encontra-se permeada de aparatos tecnológicos e, por meio destes, incontáveis informações trafegam, revelando aspectos de caráter privado das pessoas.
Os consumidores são naturalmente vulneráveis à utilização da Internet, por não serem, em sua grande maioria, experts em informática ou tecnologia da informação. Em suma, são naturalmente hiposuficientes e estão totalmente a mercê de toda sorte de riscos, uma vez que a sociedade pós industrial maximiza os ricos.
O Brasil, até os dias de hoje, ainda não conseguiu ter uma entidade pública que pudesse exercer o controle das atividades exercidas no ambiente virtual, seja pela complexidade da formação do Comitê Gestor que o torna um órgão pouco eficaz ou pela falta de competência legal da ANATEL em conjunto com a Lei Geral de Telecomunicações que enquadra a Internet como serviço de valor adicionado, não sendo, portanto, abarcada pela aludida norma.
Sendo assim, somente em 2009 o CGI definiu os Princípios para Governança e Uso da Internet e neste mesmo ano foi proposto para elaboração colaborativa o marco civil, no intuito de se ter, enfim, a Internet regulada.
O interessante no regulamento proposto pátrio é a possibilidade da participação popular por via dos meios digitais, o que relegitima a norma a ser editada, em uma clara materialização do princípio constitucional do controle, nesses tempos de crise da democracia representativa.
A inovação pátria no modo de regular a utilização da Internet foi de tamanho sucesso que o próprio Ministério da Justiça já está preparando o mesmo procedimento para a edição de regras, válidas e eficazes, para a proteção dos dados pessoais que trafegam na rede mundial de computadores.
Em razão do elevado nível de desenvolvimento tecnológico e do fácil acesso de utilização em massa da Internet, verdadeiro símbolo da “Sociedade de Informação”,a União Européia e os Estados Unidos, em especial, enfrentaram antecipadamente as questões relativas à privacidade no ambiente virtual. O bloco europeu saiu a frente e, primordialmente, por meio de diretivas estabeleceu regras que limitam o fluxo transfronteiriço de dados pessoais no mundo on line. Perante a incompatibilidade legislativa no que concerne a proteção de dados pessoais entre tais blocos, foi feito um acordo, denominado Safe Harbor ou Porto Seguro onde foram buscadas condições semelhantes de regulamentação dada a tradição legislativa historicamente distinta de ambos os pólos, quais sejam o europeu e o norte-americano.
Espera-se que a versão nacional para as definições das regras para Internet e da proteção dos dados pessoais, com ampla participação popular e em atendimento ao princípio do controle constitucional, sejam, de fato, válidas e eficazes.
Mestrando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos, Pós Graduado em Direito Constitucional pela PUC MINAS.
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