Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar a vulnerabilidade da pessoa idosa como sendo um risco social gerador de necessidade protetiva do Estado. A vulnerabilidade se apresenta quando necessária para compensar uma desigualdade natural ou social, podendo estar associada a diversos fatores. Considerando que a população idosa está crescendo em um ritmo intenso, alterando a pirâmide etária, em um futuro próximo, e já é realidade em muitos países, é possível que se tenha uma parcela significativa da população de terceira idade necessitando de cuidados especiais. Para verificar se a pessoa idosa encontra-se na situação de vulnerabilidade, fragilidade e risco social, o trabalho se utiliza de fonte bibliográfica acerca da temática. O trabalho trata dos termos vulnerabilidade e fragilidade e apresenta fatores relevantes para a concessão de direitos relacionados à pessoa idosa. Como conclusão, o trabalho verifica uma sociedade carente de legislação e de uma maior proteção estatal em favor das pessoas idosas.
Palavras-chave: Dignidade. Terceira Idade. Proteção Estatal.
Sumário: Introdução. 1. Vulnerabilidade e Fragilidade. 1.2. vulnerabilidade e fragilidade – fatores relevantes para a concessão de direitos. 2. Vulnerabilidade e fragilidade da pessoa idosa. Conclusão. Referências.
Introdução
Os direitos da pessoa idosa estão consagrados na Constituição Federal e no Estatuto da Pessoa Idosa, existente em muitos países,[1] além de estar mencionado direta ou indiretamente nos princípios jurídicos. Para a garantia dos direitos da pessoa idosa e para garantir o seu envelhecimento em condições dignas de vida e saúde, é preciso que seus direitos sejam respeitados por parte da sociedade e dos poderes públicos. Os direitos da pessoa idosa são consagrados pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, possuindo o direito de envelhecer com dignidade.[2]
A dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e que distingue cada ser humano, fazendo-o merecedor do mesmo respeito e consideração tanto por parte do Estado como por parte da comunidade. A dignidade da pessoa humana confere à pessoa um complexo de direitos e deveres fundamentais que a protegem contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, garantindo condições existenciais mínimas para uma vida digna (SARLET, 2001). A dignidade da pessoa humana garante ao homem viver e envelhecer com dignidade (BARLETTA, 2008).
Uma das legislações mais avançadas em termos de proteção à pessoa idosa é a brasileira, que reconhece a partir da Constituição Federal de 1988, a velhice como uma fase da vida que merece especial proteção em razão da vulnerabilidade. No mesmo sentido o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) o qual determina que é obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, ao que devem ser efetivadas políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignas (art. 9º) (BARLETTA, 2008).
A respeito da saúde, a medicina e a tecnologia têm avançado em prol do bem-estar do ser humano, permitindo a este gozar de saúde. Diante deste avanço, cabe ao Estado garantir que os direitos das pessoas sejam assegurados, pois, caso contrário, haveria um atentado a dignidade humana (BARLETTA, 2008). Garantir os direitos dos cidadãos é custoso para o Estado, entretanto, os tributos são pagos com a finalidade de que o Poder Público gerencie os recursos em benefício da coletividade (BARLETTA, 2008). Em sendo a vulnerabilidade um fator garantidor de direitos a um atuar positivo do Estado, limitado pela reserva do possível.
Todavia, importante discutir se a idade avançada é ou não um fator de vulnerabilidade humana. Em sendo, também é importante saber da existência ou não de marco etário cronológico, a partir do qual a pessoa com idade avançada pode ser considerada sujeito passível de vulnerabilidade. Em sendo impossível a determinação de marco etário cronológico de vulnerabilidade, resta estudar a serventia de uma análise subjetiva do sujeito e do meio ambiente no qual está inserido, para fins de determinar existente ou não a vulnerabilidade. O Estado, muitas vezes, atua como promotor da vulnerabilidade, entretanto o Estado deve atuar no sentido de mitigar as vulnerabilidades ambientais e sociais. Para tanto, foi criada a Seguridade Social ou a segurança social, promotora da proteção estatal contra os efeitos dos riscos sociais.[3]
No âmbito do direito da assistência e das ações sociais faz-se alusão à vulnerabilidade, o que o faz mediante a observância de critérios considerados objetivos, como por exemplo, o critério da idade (FAVIER, 2012). Resta saber se a vulnerabilidade como risco social da pessoa idosa conferem a esta direitos de proteção, independente de contribuição e de se encaixar na atual faixa considerada miserável. Em caso positivo, ao Estado compete proteger a pessoa idosa em todas as circunstâncias de vida e saúde, garantindo seu envelhecimento saudável, concretizando a teoria da proteção integral.
Para tanto, inicialmente, o trabalho procura a conceituação dos termos vulnerabilidade e fragilidade, trazendo conceitos iniciais acerca desses dois institutos e demonstrando ser eles fatores relevantes para a concessão de direitos de um modo geral. O trabalho prossegue com a pesquisa sobre vulnerabilidade e fragilidade especificamente relacionados à pessoa idosa, tratando sobre os riscos sociais existentes na terceira idade, tais como o abandono, o desemprego, as doenças e demais fatores que contribuem para a vulnerabilidade desta.
O artigo em apreço possui relevância social em razão do papel informativo sobre a vulnerabilidade e risco social da pessoa idosa e os direitos que esta possui, condensando o entendimento dos investigadores no assunto e impulsionando novas pesquisas sobre a temática.
1 Vulnerabilidade e Fragilidade
A vulnerabilidade é um conceito utilizado para diversas situações em condições diferentes, sem uma justificativa consistente, mas que permite definir aquela condição como de risco social. Existem dois tipos de vulnerabilidade, a relativa, em que a pessoa possui uma certa autonomia, e a absoluta em que a pessoa carece um amparo total para reger sua vida, sendo uma questão de interpretação (BITENCOURT).
A vulnerabilidade absoluta e a vulnerabilidade relativa não devem ser confundidas com presunção absoluta e relativa de vulnerabilidade. Existem dois juízos de cognição, em que primeiro se avalia a presunção absoluta e relativa de vulnerabilidade, que é a natureza da presunção legal (explícita ou implícita), em que na presunção absoluta de vulnerabilidade presume-se que a pessoa é, sem discussão, vulnerável, sem que haja nenhum questionamento sobre tal fato, pois trata-se de uma presunção que não admite prova em sentido contrário, enquanto que na presunção relativa de vulnerabilidade, a pessoa pode ou não ser vulnerável, ao que o caso concreto deve ser analisado, admitindo prova em sentido contrário (BITENCOURT).
Com relação à vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa, por sua vez, esta se trata de um segundo juízo de cognição, em que o questionamento que se faz, partindo do pressuposto que a vulnerabilidade existe, seja relativa ou absoluta, tem-se que valorar o grau de vulnerabilidade da pessoa. Para tanto, o legislador elenca algumas situações, como o fator idade, para caracterizar a pessoa vulnerável e a necessidade de proteção estatal sobre ela, o que será verificado de acordo com o caso concreto. A vulnerabilidade é uma expressão genérica e por isso não se aplica ao Direito diretamente, pois este requer noções precisas, instituídas e estatutárias (FAVIER, 2012).
As expressões vulnerabilidade e fragilidade são empregadas nos dispositivos normativos que conferem proteção judicial as pessoas, sejam para a concessão de um benefício social ou mesmo em situações criminais. Todavia, esses conceitos não são suficientemente claros e precisos para a garantia dos direitos fundamentais. A vulnerabilidade e fragilidade são úteis, pois expressam uma necessária adaptação do direito ao mundo dos fatos (FAVIER, 2012).
Não há uma definição precisa das noções de vulnerabilidade e de fragilidade, o que resulta em uma dificuldade de qualificar esses termos e especificar a categoria de cada um, impossibilitando uma abordagem jurídica profunda. No Direito Privado, a noção de vulnerabilidade não é propriamente jurídica. No Direito francês, o conceito de fragilidade assim como de vulnerabilidade, são desconhecidos, a exceção do Direito Penal. Todavia essas noções são empregadas em diversos dispositivos processuais, mas com relação aos direitos fundamentais, eles são utilizados de forma insuficiente. O Direito francês não reconhece a noção de fragilidade aplicada à pessoa idosa, pois entende que sendo a velhice um processo natural, não pertence a uma categoria jurídica (FAVIER, 2012).
A ausência de definição clara acerca das noções de vulnerabilidade e de fragilidade acarreta a dificuldade de definir juridicamente a questão do envelhecimento, impedindo a definição da natureza jurídica dessas expressões, o que permitiria ao legislador criar leis em prol das pessoas idosas, bem como garantiria ao Poder Judiciário cobrar a efetividade dessas normas. Entretanto, a ideia de vulnerabilidade e de fragilidade é relevante para a concessão de direitos.[4]
1.1 vulnerabilidade e fragilidade – fatores relevantes para a concessão de direitos
Os direitos das pessoas são provenientes, inicialmente, da qualidade distintiva que elas possuem diante dos demais seres, a dignidade humana. Na atualidade, as Declarações de Direitos existentes no plano internacional e as Constituições dos países livres trazem em suas disposições um capítulo ou artigo referente aos direitos e garantias fundamentais do homem, como sendo uma condição essencial da manutenção da vida. Desta forma, reconhecem o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamental para a existência de vida com dignidade e, para tanto, o inserem em suas legislações na busca de uma maior proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade e fragilidade social (GUERRA; EMERIQUE, 2006).
A vulnerabilidade e fragilidade antes de possuírem uma relação com uma característica pessoal do sujeito possuem uma relação social (FAVIER, 2012). A vulnerabilidade e fragilidade relacionam-se com a dignidade da pessoa humana e com os direitos individuais e sociais que são concedidos por meio das legislações, conforme se verifica das Constituições Substanciais e/ou Formais dos países livres. Como exemplo tem-se que a Constituição da Itália proclama que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e igualdade perante a lei, ao que a República deve remover os obstáculos de ordem social e econômica que limitem os direitos e liberdades dos cidadãos, impedindo o pleno desenvolvimento da pessoa humana (art. 3º).[5]
A Constituição da República Portuguesa, no mesmo sentido, proclama estar baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1º). Na Constituição da França diz que a lei é a expressão da vontade geral deve ser a mesma para todos, uma vez que os cidadãos são iguais perante o Estado sendo igualmente admissíveis todas as dignidades. O povo francês proclama de forma solene o seu compromisso com os direitos humanos.[6] Na Constituição do Brasil, por sua vez, a dignidade da pessoa humana está consagrada como sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III), ao que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inciso II).
Das legislações que colocam a dignidade da pessoa humana como um dos fatores relevantes para a concessão de direitos, é preciso a partir disso, empreender uma tentativa de definição dos direitos sociais, bem como da vulnerabilidade e fragilidade que junto aos Direitos Humanos, faz a sociedade civil aceitar a vontade expressamente enunciada do Constituinte. O traço distintivo das pessoas em relação aos demais seres e em especial, o que as distingue de outras pessoas por seu qualificativo social permite ao Estado a implementação e garantia da segurança social, criando leis e tipificando condutas como instrumento de compensação de desigualdades fáticas. Em vista disso, os direitos sociais têm sido cada vez mais assegurados, para garantir às pessoas em situação de vulnerabilidade e fragilidade um mínimo de condições para uma vida com dignidade (SARLET; FIGUEIREDO, 2008).
Considerando o elo existente entre direitos fundamentais sociais e a dignidade da pessoa humana tem-se o chamado mínimo existencial e sua relação com os direitos sociais. A garantia do mínimo existencial deve ser efetivada independente de expressa previsão constitucional, pois decorre da proteção da vida e dignidade da pessoa humana. Assim, a pessoa que se enquadra nessa situação de vulnerabilidade e risco social deve ter o amparo Estatal, razão pela qual determinadas pessoas possuem proteção constitucional e legislativa (SARLET; FIGUEIREDO, 2008).
Dentre as pessoas vulneráveis protegidas pelo Estado tem-se o idoso, o qual é sujeito de direitos e deveres no ordenamento jurídico, encontrando-se em situação peculiar.
2 Vulnerabilidade e fragilidade da pessoa idosa
O envelhecimento está associado à vulnerabilidade ou à fragilidade, ou a ambos, mesmo sem existir uma definição precisa e consolidada que segregue esses conceitos. No Direito francês, frequentemente, os termos vulnerabilidade e fragilidade estão relacionados com a pessoa idosa, mesmo que não se saiba com precisão o que estes termos significam e que direitos deles são decorrentes. Esses conceitos estão voltados para um sentido de cunho social com implicações no Direito (FAVIER, 2012).
A vulnerabilidade jurídica da pessoa idosa justifica vários direitos consagrados na constituição e nas leis infraconstitucionais, as quais atribuem a esta garantias de modo prioritário (BARLETTA). É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso que seus direitos sejam efetivados com absoluta prioridade.[7]
O Direito francês prefere insistir na necessidade de proteção do que nominar e distinguir as pessoas por seu estado de frágil, idoso, e vulnerável, embora não ignore a vulnerabilidade ou a fragilidade decorrentes da idade (FAVIER, 2012). Já no Direito Português não existe a previsão da vulnerabilidade e fragilidade da pessoa idosa por meio de um estatuto jurídico específico, o que reflete negativamente na concessão e garantia de direitos às pessoas idosas. Em diversos países como Alemanha, Bélgica, Grécia, Portugal, Espanha e Itália, a expectativa de vida da população aumentou colocando em debate a questão dos direitos da pessoa idosa, geralmente a partir dos 65 (sessenta e cinco) anos de idade (MARQUES, 2007). No Brasil, essa proteção à pessoa idosa dá-se a partir dos 60 (sessenta) anos de idade (art. 1º),[8] embora alguns direitos sejam concedidos apenas aos 65.
O art. 72 da Constituição da República de Portugal, diz que as pessoas possuem direito à segurança econômica e condições de moradia, convivência com a família e comunidade respeitando a autonomia pessoal e que evitem e superem o isolamento social e a marginalização. Embora Portugal não possua um estatuto jurídico de proteção às pessoas idosas, trata em sua Constituição da política da terceira idade, a qual engloba medidas de caráter econômico, social e cultural que proporcionem as pessoas idosas oportunidade de inclusão na sociedade através de uma participação ativa na comunidade.[9]
A vulnerabilidade da pessoa idosa é tanto natural por questões de fragilidade física, como social, que revela uma forma de violência socialmente produzida, devendo ser avaliados os riscos existentes na terceira idade no afã de proteger essas pessoas (SCHUMACHER; PUTTINI; NOJIMOTO).
A fragilidade, por sua vez, faz parte do vocabulário relacionado à pessoa idosa em virtude de que esta apresenta um maior risco social de mortalidade e uma debilitação física e mental mais presente em razão da idade avançada. Sendo o processo de envelhecimento uma consequência natural a idade, a velhice não faz parte de uma categoria jurídica, entretanto, as pessoas idosas possuem proteção estatal em razão de sua fragilidade para a proteção de sua integridade física e moral, embora não haja, por exemplo, na França, um estatuto próprio para a pessoa idosa, assim como acontece no Brasil. A fragilidade diz respeito a um fator de risco associado ou não a um sintoma que desencadeará de forma isolada a necessidade de proteção jurídica e social (FAVIER, 2012). Muitos profissionais de saúde consideram a fragilidade como sendo condição inerente ao envelhecimento (DUARTE apud SALMAZO SILVA, 2012).
O processo do envelhecimento é um fenômeno ligado de modo íntimo a todo ser humano e nesta fase da vida é que se desenvolvem modificações biopsicossociais, surgindo as fragilidades próprias da idade. O próprio sistema vital se modifica, havendo a diminuição da capacidade funcional de órgãos e tecidos e por consequência desacelera-se o metabolismo, expondo a pessoa idosa a riscos (SANTIN; BOROWSKI, 2008). São esses riscos ambientais e sociais que contribuem, aliado a outros fatores, para a vulnerabilidade do idoso.
2.1 RISCOS SOCIAIS NA TERCEIRA IDADE – FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A VULNERABILIDADE DA PESSOA IDOSA
Muitos são os riscos sociais enfrentados pelas pessoas que se encontram na terceira idade. Na sociedade dos riscos em que vivemos os sujeitos com idade avançada são mais susceptíveis devido a vulnerabilidade e fragilidade inerente a idade. Mesmo diante da preocupação significativa com os direitos fundamentais do homem e a dignidade da pessoa humana, incluindo nesse rol as pessoas idosas, observa-se a violação contínua desses preceitos. (GUERRA; EMERIQUE, 2006). Durante a velhice é possível observar que eventos sociais, históricos, culturais, normativos e inesperados, interajam com recursos internos do ser humano, tais como psicológicos e biológicos. Tais eventos interagem também com fatores externos, como os ambientais, políticos e sociais, tornando as pessoas idosas mais ou menos vulneráveis frente aos eventos da vida. As pessoas estão vivendo mais e a cada dia um maior numero entra na terceira idade. Esse grupo é o que apresenta maior incidência de incapacidade e necessidade de apoio instrumental e social (SALMAZO SILVA, et al., 2012).
Visando mitigar a vulnerabilidade da pessoa humana, inicialmente materializada na incapacidade laborativa e depois ampliada para a idade avançada, é que foi criada a Seguridade Social ou segurança social. Nela está inserida, no caso brasileiro, a Previdência Social e assistência social, que é uma política pública que oferece um benefício monetário às pessoas em situação de vulnerabilidade, todavia o faz mediante contribuição financeira, mensal, dos seus beneficiários e do Estado. A Previdência Social cobre riscos genéricos ou específicos, substituindo a renda do trabalhador quando ele não pode auferir com sua força de trabalho (PÁDUA; COSTA, 2007).
Alguns riscos sociais acometem as pessoas da terceira idade, razão da necessidade de proteção estatal a estas. O envelhecimento populacional onera cada vez mais os orçamentos do Estado e leva a questionamentos quanto às possibilidades de renda e de cuidados para com os idosos vulneráveis.[10] Nesse sentido os riscos sociais na terceira idade carecem de serem estudados com vistas a buscar meios para uma melhor qualidade de vida e bem-estar as pessoas idosas.
2.1.1 ABANDONO
Um dos grandes problemas enfrentados pela pessoa idosa é o abandono.[11] Esse abandono decorre da falta de solidariedade familiar, a qual deveria desempenhar um papel assistencial, o qual não está apartado da solidariedade do Estado (MARQUES, 2007).[12] A família é a base da sociedade. Assim, a presença da família como núcleo de convivência do idoso é importante apoio para este. A família representa forte instituição de amparo aos mais velhos, provendo boa parte de suas necessidades, garantindo dignidade humana à pessoa idosa (ARGOLO; FURTADO, 2013).
O abandono da pessoa idosa priva-a de seus direitos fundamentais contidos nos Princípios das Nações Unidas para as pessoas idosas como, por exemplo, o direito a alimentação, água, alojamento, vestuário e cuidados de saúde adequados, através da garantia de rendimentos, do apoio familiar e comunitário e da autoajuda (princípio da independência). Segundo esses princípios, os idosos devem estar em companhia de seus familiares, ao que o abandono destes, os priva dos cuidados e da proteção da família (princípio da assistência).[13]
2.1.2 DESEMPREGO
A pessoa idosa, além de enfrentar problemas como o abandono, passa por uma situação delicada, o desemprego. Dentre os direitos básicos da pessoa idosa, a oportunidade de trabalho remunerado e o acesso à educação e à formação também é um direito preceituado pelos Princípios das Nações Unidas para as pessoas idosas.[14]
Àqueles que contribuíram com a previdência social ao longo de sua juventude receberão em contrapartida sua aposentadoria, entretanto, nem todas as pessoas reúnem as condições necessárias para se aposentar. Assim, a pessoa idosa passa pelo risco social do desemprego, uma vez que na terceira idade é difícil encontrar emprego, gerando escassez de recursos financeiros para essa pessoa que, certamente, não terá as condições necessárias para a manutenção de uma vida digna, podendo vir a padecer. Mesmo aqueles que recebem o benefício previdenciário da aposentadoria, passam por privações econômicas em razão da perda de parte de seus rendimentos de quando estava em atividade profissional, o que leva muitos idosos a buscar uma fonte alternativa de renda, dificultada pelo preconceito social que leva ao desemprego e interfere na autossubsistência (MARQUES, 2007).
O desemprego na terceira idade acontece porque a inserção do idoso na sociedade é carregada de estigmas. A pessoa idosa é aceita apenas quando em condições ativas, gozando de boa saúde e bem-estar. No estereótipo da sociedade, a pessoa idosa é aceita quando está contribuindo, seja econômica ou socialmente, com a mesma. Em contrapartida, aquela pessoa da terceira idade que se encontra em situação de intensa fragilidade, com dificuldades de locomoção, de memória, acometida por doenças, passa a ser discriminada na sociedade. Essa discriminação para com a pessoa idosa é um fator que a coloca em condição de vulnerabilidade social (SANTIN; BOROWSKI, 2008).
Há ainda o problema daquelas pessoas que dedicaram-se ao lar e a família, e passam a receber, em caso de falecimento do cônjuge ou companheiro uma pensão por morte, cujo montante é menor do que aquela que lhe caberia no âmbito dos regimes contributivos. Dessa forma, a falta de qualificação dessa pessoa idosa, aliada ao fator idade, dificulta sua inserção no mercado de trabalho. Em vista disso, é preciso que a solidariedade pública e a seguridade social desempenhem seu papel de proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, como é o caso das pessoas idosas (MARQUES, 2007).
O trabalho é imprescindível na vida da pessoa idosa para que ela possa reconstruir sua dignidade e envelhecer com saúde, (SANTIN; BOROWSKI, 2008) sendo obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito ao trabalho[15] (art. 3º do Estatuto do Idoso).
2.1.3 DOENÇAS
A proteção à saúde da pessoa idosa se dá em razão de, em todos os países, as pessoas estarem atingindo, cada vez mais, a terceira idade. De acordo com o princípio da assistência, as pessoas idosas devem ter acesso a cuidados de saúde tanto física, quanto mental e emocional e que previnam ou atrasem o surgimento de doenças, as ajudando a manter ou a readquirir um nível ótimo de bem-estar.[16] A ausência de um estatuto da pessoa idosa em um país reflete diretamente na ausência de suprimento da incapacidade de fato das pessoas da terceira idade, como no caso as doenças que afetam frequentemente os idosos.[17]
É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa que sua saúde seja protegida. Para tanto, o mecanismo utilizado é a efetivação de políticas sociais públicas. Tais políticas permitem que as pessoas tenham um envelhecimento saudável e digno. Na legislação brasileira, inclusive, deixar de prestar assistência a pessoa idosa pode ser considerado crime com pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa, a qual pode ser aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte (BRASIL, 2004). A maior parte das leis internacionais de direitos humanos tem colocado o direito a saúde como um direito social subjetivo das pessoas (ETALA, 2008).
2.1.4 DEMAIS FATORES QUE INFLUENCIAM A VULNERABILIDADE DA PESSOA IDOSA
A terceira idade de uma população varia de país para país e depende não exclusivamente de fatores biológicos, mas de outros fatores, tais como econômicos, ambientais, científicos e culturais (CARVALHO; GARCIA, 2003). Esses fatores influenciam na vulnerabilidade da pessoa idosa. O que se verifica é que a idade avançada como sinônimo de velhice adota o critério da idade como sendo o marco cronológico a partir do qual a pessoa passa a ser vulnerável, obtendo a proteção estatal.
Cada sociedade estipula a idade para se chegar à velhice. A idade considerada idosa pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é estabelecida de acordo com o nível sócio-econômico de cada país. Nos países em desenvolvimento, considera-se idosa a pessoa com 60 (sessenta) anos de idade ou mais. No caso do Brasil, por exemplo, o Estatuto do Idoso caracteriza a pessoa idosa a partir dos 60 anos.[18] Essa população idosa que tem aumentado de forma progressiva, sendo que a estimativa para 2020 prevê que esta poderá exceder 30 milhões.[19]
Nos países desenvolvidos, a idade se estende para 65 anos, em razão da maior expectativa de vida. Com relação a concessão de aposentadoria por idade, por sua vez, na Argentina adota-se a idade de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres, conforme art. 19 da Lei nº 24.241/93 (ETALA, 2008), e no Brasil, também é nessa mesma faixa etária (art. 48).[20]
Mais que determinar os fatores que fazem com que a pessoa idosa seja considerada vulnerável é preciso verificar que tipo de intervenção o Estado pode fazer para prevenir, minimizar e ou mitigar o efeito dos fatores que implicam em maior vulnerabilidade na terceira idade (SALMAZO SILVA. et al., 2012). Para tanto, a tutela jurídica em favor da pessoa idosa é o primeiro passo para concretizar os direitos desta.
No âmbito do Estado do Bem-Estar, a dimensão do risco é a da necessidade diante de uma situação de vulnerabilidade. Dessa forma, existindo previsão legal de proteção contra os riscos sociais, políticas públicas devem ser criadas com o objetivo de proporcionar ao beneficiário um mínimo de dignidade humana. Assim, necessário se faz que a vulnerabilidade e risco social da pessoa idosa garantam a esta a tutela jurídica necessária para o respeito aos seus direitos humanos fundamentais (PÁDUA; COSTA, 2007).
CONCLUSÃO
Os direitos das pessoas idosas estão alicerçados, em um primeiro momento, na dignidade da pessoa humana que garante o mínimo existencial. Todavia, a Constituição dos países democráticos prevê em seus dispositivos que às pessoas idosas devem ser concedidos direitos especiais em razão de sua condição peculiar, necessária para compensar a desigualdade natural e/ou social. Em razão dos avanços médicos e tecnológicos, a população está vivendo mais e é preciso que o Estado crie mecanismos para garantir um envelhecimento com dignidade.[21]
A distinção entre vulnerabilidade e fragilidade não está pacificada e definida pela doutrina, não possuindo conceituação jurídica densa que possa ser respaldada legalmente. Entretanto é de conhecimento que a vulnerabilidade e a fragilidade são fatores de desigualdade que servem de fundamento para que o legislador elabore novos direitos para as pessoas idosas e exija da sociedade o seu cumprimento, dando efetividade ao princípio da igualdade material e da diferença, que constituem noção moderna de justiça.
Existe proteção jurídica para as pessoas idosas em muitos países do mundo, entretanto, nem todos possuem legislação infraconstitucional específica voltada para este público. O Brasil é um país avançado em termos de legislação, possuindo o Estatuto do Idoso que confere direitos às pessoas maiores de 60 anos de idade em conformidade com a Constituição Federal (art. 203) que estabelece que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas.
Países que não possuem legislação específica de proteção aos idosos têm dificuldade em garantir a efetividade do respeito à situação de vulnerabilidade destes por meio de políticas sociais públicas. Mesmo assim, é preciso garantir à pessoa idosa o mínimo necessário para uma existência condigna.[22]
Saber se a vulnerabilidade e a fragilidade são requisitos suficientes para garantir que o Estado proteja a pessoa idosa por meio de tratamento diferenciado é uma resposta ainda não consolidada, mesmo diante de toda a produção legislativa e doutrinária. Todavia, é possível, pois, constatar que a vulnerabilidade e a fragilidade que acometem a pessoa idosa são fatores que justificam a criação e implantação de políticas públicas em favor desta, por meio de lei que possui legitimidade no princípio da diferença. A segurança social leva em consideração a salvaguarda de políticas com objetivo de solidariedade social.[23]
O presente relatório não tem a pretensão de esgotar a temática, mas sim instigar pesquisadores a realizar estudos sobre o assunto. Percebe-se, pois, a necessidade de mais pesquisas sobre o significado e o processo do envelhecer em diversos âmbitos, com a finalidade de desvendar qual o papel estatal em favor dos direitos das pessoas de terceira idade. Com isto, será possível proporcionar que os direitos previstos em lei sejam efetivados e que novos direitos sejam consagrados em favor das pessoas idosas as quais tem o direito ao envelhecimento digno.
Advogado. Professor efetivo do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Mestrando em Direito – área de concentração Constituição e Garantia de direitos, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Curso de Mestrado Interinstitucional (Minter/Direito). Especialista em Direito Ambiental. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
Advogada. Professora do Curso de Direito. Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Ambiente, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA. Especialista em Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN
Assistente Social. Pesquisadora. Mestranda em Cognição, Tecnologias e Instituições pela Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA
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