Resumo: O tema provas ilícitas é amplamente discutido pela doutrina, e tem nas decisões muitas controversas. Ainda que partamos da regra expressamente estabelecida pela Constituição Federal, muitas são as decisões que andam na contramão da regra, talvez por isso estejamos a ouvir constantemente a frase no Brasil as exceções são as regras. É fato que em se tradando de provas ilícitas colocamos princípios constitucionais em ‘cheque’, pois de um lado temos o respeito ao devido processo legal, juntamente com a busca pela verdade real e de outro temos os direitos do indivíduo sendo resguardados pela ampla defesa e pelo próprio devido processo legal. E para tentar garantir a aplicação correta de nossas leis e princípios constitucionais, sem, contudo, causar dano a qualquer das partes, precisaremos nos valer do princípio da proporcionalidade.
Palavras chaves: Provas ilícitas. Liberdade da prova. Processo penal. Verdade real.
Abstract: The theme of illegal evidence is widely discussed by the doctrine, and has many controversial decisions. Although we leave the rule expressly established by the Constitution, there are many decisions that go against the grain of the rule, so maybe we are constantly hearing the phrase in Brazil exceptions are the rules. It is in fact evidence of illicit tradando constitutional principles put in ‘check’, because on the one hand we have respect for due process, along with the quest for real truth and other individual rights have been protected by the legal defense and by the due process of law. And to try to ensure the correct application of our laws and constitutional principles, but without damaging any of the parties, we must avail ourselves of the principle of proportionality.
Keywords: Evidence illicit freedom of proof; criminal proceedings; real truth.
Sumário: 1. Introdução. 2. Teoria da Prova – conceito, objeto, finalidade, natureza jurídica e ônus de provar. 3. O Princípio da Verdade Real – possibilidade(?). 4. Provas ilícitas e ilegítimas. 4.1. Meios de provas. 4.2. Liberdade das provas. 4.3. As provas ilícitas – conceito. 4.4. Teoria da árvore dos frutos envenenados – fruit of the poisonous tree. 4.5. Desentranhamento da prova ilícita. 4.6. Ministério Público – produção direta da prova durante a investigação. 4.7. O veto do §4º, art. 157 do Código de Processo Penal. 4.8. Princípio da proporcionalidade nas provas ilícitas. Conclusão. Bibliografia.
1. Introdução
Com este trabalho tentaremos adentrar o âmago das provas ilícitas no processo penal e suas consequências. O fato é que a busca pela verdade real não pode autorizar o uso de provas contaminadas pela ilicitude ou ilegitimidade, seja na sua produção, seja na sua consequência dentro do processo, pois ainda que busquemos pela aplicação e reconhecimento da tão sonhada justiça, precisamos respeitar, em primeiro lugar, nossa Constituição Federal, que proibi o uso de provas desta natureza no art. 5º, LVI, e simultaneamente as Leis infraconstitucionais que caminham na mesma vertente, a começar pelo Código de Processo Penal, que trata do tema no art. 157.
De outra banda, quando falamos de justiça dentro da nova ordem constitucional, nos deparamos, além das análises jurídicas, com a população que não compreendendo a forma de processamento de delitos, clama por justiça, na expectativa de aplicação de penas privativas de liberdades duras e duradouras. Nesse sentido falar que um acusado não será punido porque houve produção ou uso de prova ilícita, soa simplesmente como mais uma impunidade para ‘coleção’ do país, que há tempos anda desacreditando também no Judiciário.
Essa análise nos parece pertinente visto que, nos casos em que o juiz se ‘encontra’ com a prova ilícita ou ilegítima durante o processo, tem na maioria das vezes a certeza das alegações trazidas pela acusação, mas não pode se deixar levar por ela, já que não está apta a cumprir seu papel corretamente durante o processo. Mas ainda que retirada dos autos, fica ao julgador a sensação de que aquele acusado era culpado, mas sem a prova ilícita ou ilegítima não haverá outras provas para autorizar a condenação, em respeito ao princípio do in dubio pro reo.
Falamos no sentido, evidentemente, em situações de provas ilícitas ou ilegítimas utilizadas pela acusação, pois sabemos que em proveito do réu, ou seja, para absolvição do réu, as provas ilícitas ou ilegítimas são autorizadas pela doutrina e jurisprudência, e são assuntos pacificados até então.
Em continuidade com o tema, numa visão geral do que se pretende discorrer ao longo deste artigo, nos obrigamos a pensar quantos acusados deixaram de ser punidos porque tiveram contaminadas as provas acusatórias durante a instrução criminal (??). E se estamos nos preocupando com a verdade dos fatos e a busca pela justiça, até onde não autorizar o uso de provas ilícitas ou ilegítimas caminha de encontro com a aplicação correta de nossos princípios e leis?
Não podemos deixar escorregar a ideia que no confronto entre princípios constitucionais e direitos individuais do acusado – principalmente o risco da perda da liberdade com a condenação –, nossa Constituição protege a liberdade em detrimento da pena privativa de liberdade. E com toda certeza isso se dá pelo fato de que nossa regra, quando falamos de aplicação de pena com a condenação do réu devemos respeito ao princípio do estado de inocência, bem como ao devido processo legal juntamente com seus corolários, a ampla defesa, o contraditório e a produção de provas.
Para nós interessa tratar e discutir da produção da prova no processo penal, mais especificamente sobre a ilegalidade de provas durante a persecução penal. Assunto controvertido e vem nos levando, em determinadas ocasiões, rever as regras e as exceções dentro deste tema tão amplo e significativo para a elucidação dos fatos e a final e derradeira comprovação da culpa ou da inocência do acusado pelo delito.
Assim, nos valeremos de algumas doutrinas e julgados para tentar decifrar o que e como as provas ilícitas e ilegítimas estão sendo analisadas, na expectativa de agregar conhecimento sobre o tema e aumentar as dúvidas que pairam sobre nós quando o assunto é condenar ou não condenar alguém, caso tenhamos provas ilícitas ou ilegítimas no transcorrer da persecução penal.
Faremos um panorama rápido sobre a teoria da prova e suas análises mais importantes, bem como dos princípios que norteiam o tema, para então adentrarmos no estudo das provas ilícitas e ilegítimas no estudo do processo penal especificamente.
2. Teoria da Prova – conceito, objeto, finalidade, natureza jurídica e ônus de provar
De acordo com o dicionário da nossa língua, prova é aquilo que serve para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração, ou ainda aquilo que mostra ou confirma a verdade de um fato.
Mas na discussão que aqui propomos, estamos falando, sem desconsiderar o conceito acima descrito, sobre a prova utilizada durante a persecução penal. E em se tratando de persecução penal, adiantamos que o foco principal sobre prova será na fase processual, ainda que saibamos que durante o inquérito policial haja produção de provas ilícitas. É evidente que nos momentos oportunos trataremos do tema na fase inquisitorial.
Seguindo, arrolamos alguns conceitos sobre prova no direito processual, alertando que muitos são os que definem o que é prova. Começamos então pelo professor Rangel que assim conceitua prova, “(…) como sendo o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa. A prova, assim, é a verificação do thema probandum e tem como principal finalidade (ou objetivo) o convencimento do juiz. Tornar os fatos, alegados pelas partes, conhecidos do juiz, convencendo-o de sua veracidade”. (2009, p. 419)
Já o professor Greco Filho, tratando de conceituar prova, escreve em sua obra que, “A prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém. O direito processual regula os meios de prova, que são instrumentos que trazem os elementos de prova aos autos. No processo, a prova é todo meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato. A palavra “prova” é originaria do latim probatio, que por sua vez emana do verbo probare, com o significado de examinar, persuadir, demonstrar”. (2010, p. 185/186)
Seguindo ainda na conceituação de prova, temos o professor Carvalho, que assim descreve, ao citar o professor Fernando da Costa Tourinho Filho, “No sentido estrito, a palavra prova significa os elementos produzidos pelos órgãos da persecução penal, pelas partes e pelo juiz, visando a estabelecer, dentro do processo, a verdade sobre certos fatos. Não obstante, a expressão possui, ainda, tríplice significado: a) prova como atividade probatória: ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção do Juiz sobre a existência ou inexistência de determinada situação factual; b) prova como resultado: a convicção do Juiz formada no processo sobre a existência ou não de uma dada situação de fato; e c) prova como meio: o instrumento probatório para formar aquela convicção”. (2009, p. 329)
Como podemos ver nas conceituações transcritas, a prova está para a persecução penal como importante, ou melhor, indispensável, para demonstração dos verdadeiros fatos ocorridos à época do delito em julgamento. Sem ela, efetivamente, restaria extremamente difícil a comprovação, seja da culpa, seja da inocência daquele que está sendo processado. Por isso compreender sua base, ou seja, entender seu conceito autoriza-nos a continuar seu estudo, já que sabemos que prova são todos os elementos encontrados e produzidos pelas partes em busca da verdade real.
Mas não paramos por aí, a doutrina ainda estabelece separadamente o objeto da prova, e começamos pelos dizeres do professor Pacelli, que diz, “A prova judiciária tem um objeto claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade”. (2011, p. 326)
E continua o professor Pacelli dizendo sobre o tema prova e a sua construção jurídica, “Ao longo de toda a sua história, o Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade, experimentando diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, desde as ordálias e juízos de deus (ou de deuses), na Idade Média, em que o acusado submetia-se a determinada provação física (ou suplício), de cuja superação, quando vitorioso, se lhe reconhecia a veracidade de sua pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios de prova”. (2011, p. 327)
Sobre o objeto da prova, ainda podemos citar o entendimento do professor Rangel que escreve, “O objeto da prova é a coisa, o fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que possa emitir um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa o caso penal. Ou seja, é o thema probandum que serve de base à imputação penal feita pelo Ministério Público. É a verdade dos fatos imputados ao réu com todas as suas cincunstâncias”. (2009, p. 419/420)
Colocamos a baila, a respeito do objeto da prova, os dizeres do professor Greco Filho, e este assim se posiciona, “O objeto da prova são os fatos. Nem todos os fatos, porém, devem ser submetidos à atividade probatória. Em primeiro lugar, apenas os fatos pertinentes ao processo é que suscitam o interesse da parte em demonstrá-lo; os fatos impertinentes, isto é, não relacionados com a causa, devem ter sua prova recusada pelo juiz, sob pena de se desenvolver atividade inútil”. (2010, p. 187)
Vejamos então que, quando se trata de objeto da prova, assunto sem largas controvérsias, ficamos diante da necessidade de reconstrução dos fatos, ou seja, todos os fatos narrados e trazidos, tanto para o inquérito policial quanto para a ação penal, precisam demonstrar sua veracidade, até mesmo os fatos notórios precisam de comprovação probatória em casos que houver tal exigência.
Importante lembrarmos no que diz respeito ao objeto da prova, que a lei também deverá ser provada nos casos de alegação de leis municipais e estaduais, visto que o juiz tem obrigação de conhecer as leis federais, o direito federal, mas não tem a mesma obrigação nos demais casos. Assim, também, no que se referem provas buscadas nas regras estrangeiras, (direito estrangeiro), estas também carecem de comprovação, para atingir seu objetivo e sua veracidade.
Diversamente do professor Greco Filho, Carvalho atesta que alguns fatos não necessitam de comprovação, como os fatos notórios – aqueles que são de conhecimento mutuo e amplo por todas as pessoas –, fatos axiomáticos ou intuitivos – são aqueles evidentes em si mesmos –, fatos inúteis – os considerados não pertencentes ao litígio em questão, dentre outros citados em sua obra. (2010, p. 187)
Referência ao objeto da prova, devemos citar também, sua divisão doutrinária. Que assim é feita, de acordo com o professor Greco Filho, “(…) quanto ao objeto, às provas podem ser diretas ou indiretas. As primeiras são as destinadas a demonstrar o próprio fato principal da demanda, ou seja, aquele cuja existência, se comprovada, determina a conseqência jurídica pretendida; as provas indiretas são as destinadas à demonstração de fatos secundários ou circunstanciais, dos quais se pode extrair a convicção da existência do fato principal. A prova indireta é a prova de indícios”. (2010, p. 186)
Noutras palavras, a prova direta seria aquela que demonstra o fato em si, o fato a ser provado. Já a prova indireta, podemos vê-la como aquela que está ligada aos indícios e as presunções dos fatos alegados quando da persecução penal.
Em se tratando de finalidade da prova, nem todos os doutrinadores a separam da conceituação e/ou do objeto da mesma, mas passamos a ler os ensinamentos do professor Carvalho ao dizer que a, “finalidade precípua da prova é restaurar os fatos investigados no processo. Serve, ainda, para convencer a parte contrária, que é a destinatária indireta da prova (finalidade secundária)”. (2009, p. 329)
Por conseguinte, o professor Mougenot, escreve sobre finalidade da prova dizendo, “Como se sabe, a aplicação das normas jurídicas tem por pressuposto a ocorrência de fatos que, sob a incidência dessas normas, resultem na produção de efeitos jurídicos. Toda atividade de determinar o direito aplicável em cada caso concreto, portanto, depende de que o julgador conheça o conjunto de fatos sobre os quais a norma jurídica deverá incidir. Pode-se dizer, assim, que a prova tem como finalidade permitir que o julgador conheça os fatos sobre os quais fará incidir o direito”. (2010, p. 336)
Percebamos que, mesmo que haja proximidade quando definimos objeto e finalidade da prova, o importante é deixar ver que a prova é fundamental e imprescindível à elucidação dos fatos. A perseguição pela verdade real não se faz senão por intermédio das provas produzidas durante a persecução penal. Portanto, sem provas ficamos largamente distantes da verdade dos fatos, da reconstituição do momento delituoso a ser analisado e julgado durante a ação penal.
Adentramos, agora, no estudo sobre a natureza jurídica da prova e dentre as inúmeras definições temos a do professor Rangel, “A sociedade, através do Ministério Público, exerce a pretensão acusatória e o acusado exerce o direito de defesa. (…) Neste caso, a prova passa a ser um direito inerente ao direito de ação e de defesa. Ou seja, um desdobramento, um aspecto do direito de ação e de defesa. Portanto, podemos dizer que sua natureza jurídica é de um direito subjetivo de índole constitucional de estabelecer a verdade dos fatos que não pode ser confundido com o ônus da prova (…)”. (2009, p. 424)
Partindo da análise acima feita, notamos que fazer e produzir provas durante persecução penal está dentre os direitos garantidos pela própria Constituição Federal, ao tratar dos direitos das partes durante o processo, bem como da busca pela tão esperada verdade real dos fatos alegados. Levando em conta que, a grande maioria dos processos discutem questões e/ou matérias fáticas e não exclusivamente matéria de direito, as provas se mostram indispensáveis ao deslinde do litígio.
Diz-se por isso, que a prova é direito fundamental, mesmo não estando explicitamente disposta na Constituição Federal de 1988, apesar de indiretamente verificada noutros princípios acima mencionados, concentra-se no princípio do contraditório e da ampla defesa. Isso se dá pelo fato de que ambos os princípios, aqui citados, estabelecem a igualdade entre as partes (Ministério Público e réu) na atuação no processo criminal, ou seja, às partes possuem igualmente condições de produção das provas que apontem para culpa (acusação) ou para inocência (réu). Lembrando ainda a possibilidade de utilização de provas ilícitas para comprovação da inocência do réu, assunto a ser estudado a seguir.
Dentro da teoria geral da prova, falamos rapidamente sobre o ônus de provar, e para isso não há como fugirmos de algumas indagações pertinentes ao tema. Dentre elas: quem deve provar? Qual a conseqüência para aquele que deveria provar, mas não o fez? Aproveitando tais indagações discutimos sobre o ônus da prova.
Aproveitando as palavras do professor Rangel no que diz respeito ao ônus de provar, ele menciona da seguinte forma, “A palavra ônus vem do latim onus, oneris, que significa carga, peso, fardo, encargo, aquilo que sobrecarrega. Sob o ponto de vista jurídico processual, podemos dizer que ônus é o encargo que as partes têm de provar as alegações que fizerem em suas postulações. Trata-se de uma obrigação para consigo mesmo que, se não for cumprida, ninguém, a não ser o encarregado, sairá prejudicado. Diferente do dever, que é sempre para com outrem e faz nascer o direito subjetivo. O ônus não, pois não corresponde a nenhum direito subjetivo e, se encarregado de realizar o ato não o faz, nada sofrerá com sua inércia ou ineficiência”. (2009, p. 455/456)
Ao citar Chiovenda, o professor Greco Filho, fala de teorias modernas sobre o ônus da prova, e assim escreve, “(…) depois de reconhecer as dificuldades de formulação de regras rígidas sobre a repartição do ônus da prova, lembra que o problema está ligado ao princípio dispositivo ou de iniciativa de parte, porque, se ao juiz incumbisse a investigação plena da prova, a questão não existiria. (…) Em resumo, Chiovenda resolve o problema pelo interesse de cada parte tem em provar determinado fato, porque deseja que seja considerado pelo juiz como verdadeiro. Os critérios, portanto, seriam de mera oportunidade”. (2010, p. 193)
Contrário a ideia de Chiovenda, Carnelutti, citado pelo professor Greco Filho dizendo que, “Carnelutti objetivou o critério do interesse como equívoco, porque, alegado um fato, as partes têm interesse em direção oposta. O interesse na afirmação de certo fato é unilateral, só de quem serve de base para o pedido, mas o interesse na prova é bilateral: um quer fazer prova, e outro contraprova. A distribuição do ônus da prova, portanto, não pode fundar-se no interesse de provar, mas no interesse em afirmar certo fato: ao autor interessa afirmar fatos constitutivos de seu direito e, portanto, compete prová-los, e ao réu interessa afirmar fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, daí, também, o ônus de a estes provar”. (2010, p. 193/194)
Numa outra análise do ônus de provar, aproveitamos os ensinamentos do professor Pacelli, e este assevera no sentido que, “Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como a sua autoria”. (2011, p. 334)
Analisando no sentido acima mencionado, podemos concluir que tal posição se coloca contrária aos poderes instrutórios do juiz no que compete àquele que acusa, ou seja, caso o Ministério Público ou o Querelante deixe de requerer provas para comprovação da materialidade delitiva e da autoria, não poderá o juiz mandar produzi-la de ofício baseando-se na busca da verdade real fática, bem como na disposição do art. 156, do Código de Processo Penal. Mas noutra banda, se a falta de requerimento da prova for pela parte ré, caberá ao juiz determinar sua produção (poder instrutório do juiz), visto que nossa ordem jurídica está intimamente ligada à proteção do réu e na manutenção de sua liberdade/inocência, restando à condenação para os casos em que a prova efetivamente se mostre contrária as provas produzidas pelo réu.
Mas ao contrário deste entendimento, o Código de Processo Penal estabelece no art. 156 que: “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I- ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II- determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, a realização de diligencias para diminuir dúvida sobre ponto relevante”.
A questão discutida sobre o art. 156, CPP, seria a inconstitucionalidade de seu inciso I, com a alegação de que o juiz não pode ‘atuar’ durante a investigação criminal, pois estaria neste caso ferindo sua imparcialidade, como também contaminando-a de vícios (ilicitude). Neste sentido caminham os professores Paulo Rangel e Eugênio Pacelli de Oliveira, e contrário a eles, o professor Mougenot, que diz, “(…) o dispositivo harmoniza-se com a Constituição Federal, na medida em que sua criação, atendendo ao princípio do devido processo legal, obedeceu já em sua origem, vale dizer, geneticamente, ao próprio princípio da proporcionalidade, que é um “superprincípio” ou “princípios dos princípios”, considerando o legislador imprescindível a criação da medida, para a produção antecipada de provas “consideradas urgentes e relevantes”, para o que fez a ressalva de obediência aos requisitos do princípio da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito)”. (2010, p. 361)
Corroborando com o acima mencionado, o professor Mougenot se coloca favorável aos poderes instrutórios do juiz, desde que realizados na medida que a lei autoriza, evitando com isso que a prova acabe se mostrando ilícita e, portanto, inaproveitável, devendo ser desentranhada do processo imediatamente. Segundo ele, por mais que não possamos admitir que ao juiz competirá a produção de provas, fundado na busca da verdade dos fatos, também não poderá ele se mostrar estático diante da injustiça que se firmará quando, no limites da lei, agir como produtor de provas, pois caso contrário, o próprio processo penal restará ineficiente.
Concordamos em parte com as posições dos autores acima citados. É fato que a parte ré atua, na prática, muito pouco durante a fase inquisitiva, o que se mostra logo de início, prejudicial à própria defesa, seja pessoal, seja técnica. É óbvio que ao discutir sobre a produção de provas, pelo magistrado, no tocante ao réu, vimos que se ‘alarga’ os poderes instrutórios do juiz, pois vivemos num ordenamento jurídico que protege, em primeiro lugar, a liberdade e a inocência daquele ao qual se está imputando um delito. De outra banda, quando se fala em poder instrutório do juiz para produção de provas de interesse da acusação, a discussão muda de cor.
Isto porque, creditar ao juiz o poder de produzir provas que levem a culpa do réu, seria o mesmo que vê-lo como pertencente ao órgão acusador (Pacelli). E por isso, se mostra a impossibilidade do magistrado ordenar a produção de qualquer prova durante o inquérito policial, caso a acusação tenha deixado de fazê-lo. Mas, ainda que a Constituição de 1988 seja clara ao proteger os direitos do réu e determinar ao acusador o ônus de comprovara culpa, não nos parece tão absurda a possibilidade de ver o magistrado determinando a produção da prova, seja na fase inquisitória, seja na fase instrutória.
Assim, se nossa Carta Maior está ampla e intimamente se mostrando interessada na concepção de justiça, ficar fincado na rigidez das leis, não nos levará muito adiante quando se fala em verdade real dos fatos ou em reconstrução da realidade fática à época do delito, via produção de provas. Por isso, reconhecemos que, dar ao juiz amplos poderes probatórios pode macular a participação das partes (acusação e réu), visto que nem precisariam produzir provas de suas afirmações, já que bastaria ao juiz ordenar a produção de todas elas. Mas, por outro lado, se ao magistrado foi dado à obrigação de decidir, fundamentadamente, não há que se retirar todo seu poder de produção de prova.
Talvez a ideia do legislador ao dar possibilidade ao juiz de ordenar a produção de prova, esteja apenas e estreitamente ligada a formação da sua convicção sobre os fatos narrados pelas partes. Até porque, o próprio art. 156, CPP, deixa claro que o magistrado só fará uso de tal ferramenta quando se mostrar oportuno, o que nos parece ser apenas nos casos em que as provas produzidas pela acusação se mostrem frágeis e insuficientes, diante de caso concreto que apontem para culpabilidade do acusado. E isso não se mostraria como favorável à acusação, mas sim, favorável e preocupado com verdade e com a efetivação da justiça. Soa mais aceitável, que se produza prova lícita da culpa e condene o acusado, de acordo com ditames da lei, do que permitir que mais uma injustiça se instale deixando a mercê de a sociedade e principalmente a vítima com a absolvição indevida do réu.
O professor Greco Filho, assim, escreve no sentido de que “os poderes inquisitivos do juiz têm um limite, que é a sua imparcialidade, o contraditório e equidistância em relação às partes”. (2010, p. 206)
Ilustrando o tema poder instrutório do juiz, colamos aqui uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que não trata especificamente sobre o art. 156, Código de Processo Penal, mas parece caminhar para o entendimento da sua possibilidade
“HC 103070 / SP – SÃO PAULO
Relator(a): Min. LUIZ FUX
Julgamento: 14/06/2011 – Órgão Julgador: Primeira Turma
Parte(s)
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
PACTE.(S): CLAUDEMIR DA CRUZ HENRIQUE
IMPTE.(S): MAURICIO DUARTE FACUNDO DA SILVA
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO, ROUBO QUALIFICADO E TENTATIVA DE ROUBO SIMPLES. PROGRESSÃO DE REGIME. ALEGAÇÕES DE INAPLICABILIDADE DO ART. 2º DA LEI N. 11.464/07 E DE VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NÃO SUBMETIDAS À APRECIAÇÃO DO STJ. CONHECIMENTO DA MATÉRIA POR ESTA CORTE. IMPOSSIBILIDADE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXAME CRIMINOLÓGICO. REALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. ORDEM INDEFERIDA. 1. O habeas corpus não pode veicular matérias não suscitadas no Tribunal a quo, sob pena de supressão de instância. 2. In casu, as alegações referentes à inaplicabilidade do artigo 2º da Lei n. 11.464/07 à hipótese dos autos e à violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa não foram submetidas à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, o que impede sejam conhecidas por esta Corte, sob pena de supressão de instância (Precedentes: HC n. 104.391/MG, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ de 06.05.11; HC n. 102.981/SP, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ de 24.03.11; HC n. 98.616/SP, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ de 22.02.11). 3. O cumprimento inicial da pena privativa de liberdade no regime fixado na sentença viabiliza ao condenado, em razão do sistema progressivo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, ser transferido para outro regime menos rigoroso, desde que preencha os requisitos do artigo 112 da Lei de Execuções Penais, que, em sua redação original, determinava que: “a decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.” 4. A Lei n. 10.792/03 alterou a redação do dispositivo supratranscrito, suprimindo a exigência daquele exame, verbis: “Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”. 5. A Lei n. 10.792/03, não obstante tenha silenciado a respeito da obrigatoriedade do exame criminológico, é lícito ao juízo da execução, fundamentadamente, determinar sua realização (Precedentes: HC n. 105.234/RS, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ de 21.3.11; HC n. 106.477/RS, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ de 19.4.11; HC n. 102.859/SP, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ de 1º.02.10). 6. O requisito subjetivo da progressão não está restrito ao “bom comportamento carcerário”, como faz parecer a literalidade da lei, mas, antes requer analisar as características psicológicas, a probabilidade da adaptação do condenado ao regime menos rigoroso e a progressiva capacidade de reinserção social, entre outros fatores. 7. O exame criminológico funda-se também no poder instrutório do juiz da novel concepção de atividade judicial. 8. In casu, a decisão do que determinou a realização do exame está fundamentada na ausência de elementos que demonstrem que o paciente preenche o requisito subjetivo para obtenção do benefício. Ordem indeferida.
Decisão: A Turma denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 14.6.2011.” (grifos nossos).
Indagando sobre as consequências para aquele que deixou de produzir a prova que lhe pertencia o interesse, o professor Greco Filho assevera, no caso do réu que, “O descumprimento do ônus, contudo, por parte do réu, não acarreta necessariamente a procedência da imputação, por o ônus da prova para a defesa é um ônus imperfeito, ou diminuído, em virtude do princípio do indubio pro reo, que leva à absolvição, no caso de dúvida quanto à procedência da imputação”. (2010, p. 195)
Por conclusão sobre o ônus de provar, fica-nos claro que a regra de produção de provar compete às partes (acusação e réu), e ao magistrado, será dado excepcionalmente quando a lei autorizar, a oportunidade de ordenar a produção de provas para formação da sua convicção sobre a verdade fática (assunto controvertido). Consequentemente, às partes não sofrerão qualquer sanção quando não produzirem a prova que lhe interessava, seja para comprovação da culpa, seja para comprovação da inocência.
Fica evidente que, para maior parte da doutrina pesquisada, se o acusador deixar de produzir a prova, não poderá o juiz ordenar sua produção, principalmente durante a fase inquisitiva. Na contramão deste pensamento, caso o réu se prejudique pela não produção da prova, é oportuno que o magistrado ordene a produção de tal prova, já que no nosso sistema vigora a presunção de inocência e o indubio pro reo.
3. O Princípio da Verdade Real – possibilidade (?)
Rapidamente conceituamos a palavra princípio, para adentrarmos no estudo do princípio da verdade real. Buscando a definição em dicionário de nossa língua temos que, princípio é “momento ou local ou trecho em que algo tem origem; causa primaria. Elemento predominante na constituição de um corpo orgânico”. (Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa).
Seguidamente sentimos necessidade de conceituar princípio na ótica jurídica, e utilizando os dizeres do professor Nucci, assim corroboramos, “(…) em Direito, princípio jurídico quer dizer um postulado que se irradia por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a seguir”. (2008, p. 74)
O processo penal se rege por vários princípios, dentre eles o devido processo lega – contraditório e ampla defesa –, publicidade, imparcialidade do juiz e do promotor, e muitos outros. Mas para este estudo ficaremos focados no princípio da verdade real, lembrando que este é fonte de algumas discussões.
Há doutrinadores que vêem o princípio da verdade real como sendo da maior relevância para se alcançar a solução do caso concreto, é a partir de sua análise que poderíamos reconstruir os fatos como narrados durante a persecução penal. E só assim teríamos condições de condenar ou absolver aquele que está sendo acusado de um delito.
Dentre as muitas conceituações da verdade real, anotamos algumas, como a do professor Nucci, que escreve, “A análise deste princípio inicia-se pelo conceito de verdade, que é sempre relativa, até findar com a conclusão de que há impossibilidade real de se extrair, nos autos, o fiel retrato da realidade do crime. (…) Diante disso, jamais, no processo, pode assegurar o juiz ter alcançado a verdade objetiva, aquela que corresponde perfeitamente com o acontecido no plano real. (…) o próprio conceito de verdade é relativo, de forma que é impossível falar em verdade absoluta ou ontológica, mormente no processo, julgado e conduzido por homens, perfeitamente falíveis em suas análises e cujos instrumentos de busca do realmente aconteceu podem ser insuficientes”. (2008, p. 97/98)
Por sua vez o professor Mougenot tratando do princípio da verdade real escreve em sua obra, “Toda atividade processual, em especial a produção da prova, deve conduzir ao descobrimento dos fatos conforme se passaram na realidade. O conjunto instrutório deve refletir, no maior grau de fidelidade possível, os acontecimentos pertinentes ao fato investigado”. (2010, p. 79/80)
Podemos verificar com tais definições que a verdade real está intimamente ligada à produção de provas dentro do processo penal, visto que o magistrado para condenar ou absolver o réu deverá levar em conta se a acusação ou a defesa produziram provas mais próximas da realidade. Até porque, corroborando com o professor Nucci, a verdade não é absoluta, porém as provas produzidas durante a persecução penal devem se aproximar ao máximo da verdade.
Temos a visão do professor Rangel sobre a verdade no processo penal, e assevera que, “Afirmar que a verdade, no processo penal, não existe é reconhecer que o juiz penal decide com base numa mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele com base na verdade processual, com se ela fosse única, é uma grande mentira. (…) Há, dentro dos autos do processo criminal, um consenso diante das provas que nele se encontram, mas não o consenso de Jürgen Habermas. Para Habermas, o consenso só é alcançado pela superioridade do melhor argumento, ou seja, entre os interlocutores há um que possui superioridade intelectual em relação aos outros”. (2009, p. 7)
Porém o professor Rangel, discordando sobre a verdade obtida pelo consenso, continua tratando do assunto, dizendo, “(…) com liberdade e vida não se pactua consensualmente, pelo menos enquanto eticamente considerados. A verdade processual é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recaem sobre tudo que se apurou nos autos do processo. (…) A descoberta da verdade processual do fato praticado, através da instrução probatória, passa a ser, assim, uma espécie de reconstituição simulada do fato, permitindo ao juiz, no momento da sentença, aplicar a lei penal ao caso concreto, extraindo a regra jurídica que lhe é própria. É como se o fato fosse praticado naquele momento perante o juiz aplicador da norma”. (2009, p. 7/8)
A busca pela verdade real, portanto, levou o legislador a ampliar as possibilidades de produção de provas no processo penal, já que estamos diante de direitos imensamente protegidos, como a liberdade e a vida. Se a liberdade é a regra, a condenação é a exceção, e por isso, só se condena o acusado nos casos que as provas forem efetivamente capazes de demonstrar, ainda que relativamente, a verdade sobre os fatos, sobre o caso concreto.
Sabemos que o Código de Processo Penal de 1941, estabeleceu a possibilidade de o juiz determinar o início da ação penal ex officio, dando a ele amplos poderes de produção de prova, dentre elas a substituição à autuação do órgão julgador. Mas essa regra foi afastada pela chegada da Constituição Federal de 1988, que criando as garantias individuais, descritas no art. 5º, proibiu a iniciativa da ação penal de ofício pelo juiz, dando ao Ministério Público o poder de ‘dono’ da ação penal, como regra, e criando as exceções em que figurará como acusador a vítima, na ação penal privada (querelante).
Nas lições do professor Pacelli, há uma análise crítica sobre a criação do princípio da verdade real, e diz “talvez o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal”. (2011, p. 333)
E Pacelli segue dizendo, “com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal”. (2011, p. 333)
Completando sua crítica, o professor Pacelli, continua, “O aludido princípio, batizado da verdade real, tinha a incumbência de legitimar eventuais desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz em nosso processo penal. A expressão, como que portadora de efeitos mágicos, autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou da acusação). Dissemos autorizadora, no passado, por entendermos que, desde 1988, tal não é mais possível”. (2011, p. 333)
No trato sobre a verdade real e a atuação do juiz no que se refere às provas, temos doutrina favorável à direta interferência do magistrado, em busca da verdade real. Nesse sentido colacionamos o entendimento do professor Nucci, “O princípio da verdade real significa, pois, que o magistrado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente: arts. 209, 234, 147, 407 ambos do Código de Processo Penal. (…) Enquanto na esfera cível o magistrado é mais um espectador da produção da prova, no contexto criminal, deve atuar como autentico co-partícipe na busca dos elementos probatórios”. (2008, p. 98/99)
Ainda que a busca da verdade real no processo criminal seja mais evidente, também não se pode produzir a prova a qualquer custo, e por isso a própria Constituição de 1988 tratou de proibir as provas produzidas ilicitamente. Isso nos leva a concordar que, caso o juiz esteja diante de provas que não condizem a verdade processual, deverá se ater a elas na sentença, mesmo que autorizado seu poder de produção de provas. Ou seja, se o juiz está diante de provas, produzidas pelas partes ou por ele mesmo, e estas não condizem com a verdade fática, é nelas que baseará sua decisão.
O professor Rangel por sua vez, critica a regra do art. 156, II, do Código de Processo Penal, que autoriza o juiz ordenar a produção da prova de ofício, dizendo, “O inciso II é a consagração clara do princípio da verdade processual, fruto do sistema inquisitivo, pois exatamente visando à descoberta (ou a reconstrução) do fato cometido é que o juiz age ex officio, de modo a dirimir dúvida sobre ponto relevante. (…) Trata-se de um juiz inquisidor. Do juiz que, ao interrogar, já sabe o que vai fazer: condenar ou absolver. Depois de decidir do seu subconsciente, ele vai atrás da prova para justificar sua decisão”. (2009, p. 10)
Numa conclusão, sem conclusão, podemos notar que os doutrinadores pesquisados não discordam do princípio da verdade real ou processual no processo penal. Mas em determinadas situações, fazem críticas a forma como a lei concretiza tal princípio em nosso ordenamento jurídico. E noutras, elogiam sua existência como sendo a única forma possível de se chegar mais próximo da realidade fática.
Pois bem, estamos diante de um princípio relativizado pela proibição das provas ilícitas, mas que dá oportunidade ao magistrado de ordenar a produção da prova. O equilíbrio talvez esteja no princípio da proporcionalidade, ou seja, não se busca a verdade real a qualquer custo, mas também não se pode deixar de punir aquele que é culpado.
O tormentoso é que na maioria das vezes ficamos a mercê de decisões subjetivas, seja na relativização da verdade real ou processual pela proibição de provas ilícitas, seja pelo poder do juiz em ordenar a produção de prova que seja do interesse do processo.
Esperamos que nas análises do caso concreto, o Judiciário seja capaz de dirimir, ainda que com o tempo, questões tão complexas que colocam a doutrina em lados sempre opostos e raramente pacificados. Por outro lado, apenas com tais discussões conseguiremos chegar mais próximo do que realmente é para nós a verdade real ou processual. Até lá a expectativa é que mais alargadamente seja buscado a justiça.
4. Provas ilícitas e ilegítimas
4.1) Meios de provas
No estudo sobre meios de provas, não podemos deixar de lado algumas análises, para então adentrar especificamente no que tange as provas ilícitas e ilegítimas. Por isso, aproveitando os dizeres do professor Greco Filho, definimos meios de prova como sendo “os instrumentos pessoais ou materiais aptos a trazer ao processo a convicção da existência de um fato”, e dentre esses instrumentos temos os legais e os ilegais, de acordo com nossa ordem jurídica vigente. (2010, p. 188)
Podemos ainda definir meios de prova, na visão do professor Rangel, que sobre esse tema assevera-nos, “Meios de prova são todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não. Em outras palavras, é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam”. (2009, p. 420)
Mas os meios de provas, que levam o juiz a análise dos fatos, e que em regra é atribuição das partes (acusação e réu), não são arbitrários, muito menos desvinculados da lei, ou seja, possui limitações legais e constitucionais para serem produzidas e posteriormente utilizadas na persecução penal. Aqui nasce então a restrição ao uso das provas ilícitas e ilegítimas para condenação do réu.
4.2) Liberdade das provas
Há muitos princípios que norteiam o estudo das provas, porém, faremos uma pequena reflexão apenas sobre o princípio da liberdade das provas. E este por sua vez está intimamente ligado ao princípio da verdade real, já discutido acima. Assim como outros princípios constitucionais, a da liberdade das provas também não é absoluto.
Sabemos que o princípio da liberdade de provar é um dos corolários do princípio do devido processo legal. Quando falamos de prova ilícita durante a persecução criminal, não há como deixar de referir sobre o respeito ao devido processo legal. Por assim dizer que, se a prova ilícita for utilizada, o princípio do devido processo legal estará sendo amplamente maculado e desrespeitado, e por isso acabará por afetar também o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Para ilustrar, brevemente, o princípio do devido processo legal, colacionamos a conceituação do professor Nucci, que diz, “O princípio do devido processo legal é, sem dúvida, o aglutinador dos inúmeros princípios processuais penais (art. 5º, LVI, CF). Constitui o horizonte a ser perseguido pelo Estado Democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal, representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta, apuração e punição do criminoso. Não pode haver devido processo legal se a prova for colhida por meio ilícito, se não for concedida ao réu a indispensável ampla defesa, se o processo correr sigilosamente, sem qualquer justificativa, se houver julgamento por juízo parcial etc. Por isso, cumprir fielmente os demais princípios e regras processuais penais consagra o devido processo legal”. (2008, p. 95/96)
Como corolário do princípio do devido processo legal, passamos então a conhecer alguns conceitos do princípio da liberdade das provas, a começar pelo professor Rangel, “A liberdade da prova, portanto, não é absoluta, pois muitas vezes o juiz estará coarctado em sua pesquisa sobre a verdade dos fatos. O fundamento desta limitação está em que a lei considera certos interesses de maior valor do que a simples prova de um fato, mesmo que seja ilícito. Pois os princípios constitucionais de proteção e garantia da pessoa humana impedem que a procura da verdade utilize-se de meios e expedientes condenáveis dentro de um Estado Democrático de Direito”. (2009, p. 420)
Numa análise diferenciada sobre o mesmo princípio – da liberdade das provas –, o professor Carvalho escreve, “Há ampla liberdade de produzir-se prova em juízo, salvo algumas limitações: 1ª) prova do estado civil (arts. 62 e 155, CPP): só se prova com documento; 2ª) questões prejudiciais: nelas há uma limitação, em face da competência. É dizer: o juiz penal não pode julgar determinado crime, sem a decisão da questão prejudicial pelo juiz não penal, mormente se disser respeito ao estado de pessoas; 3ª) crime falimentar (art. 511 do CPP); 4ª) imposta pela lei, em face do respeito ao segrego profissional, previsto no art. 207, CPP”. (2009, p. 332)
Mesmo que o professor Djalma de Carvalho não adentre, ao discorrer sobre o princípio da liberdade das provas, na questão das provas ilícitas e ilegítimas, é certo que o mesmo não as recepciona como possíveis para persecução penal. Até porque, a primeira vedação a que devemos respeito sobre a proibição das provas ilícitas e ilegítimas, está na Constituição Federal de 1988.
4.3) As provas ilícitas – conceito
Nos valemos do art. 5º, LVI, CF/88 para começar a discorrer sobre a impossibilidade do uso das provas ilícitas e ilegítimas durante a persecução penal. Dispõe, portanto, tal artigo que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Em se tratando da proibição fixada na Constituição de 1988, Rangel analisa o tema da seguinte forma, “A vedação da prova ilícita é inerente ao Estado Democrático de Direito, que não admite a prova do fato e, consequentemente, punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar. Os direitos previstos na Constituição são direitos naturais, agora positivados, não havendo mais razão para o embate entre o direito natural e o positivo, como no passado”. (2009, 427)
Já o Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.690/2008, ao tratar de provas ilícitas descreve no art. 157 que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. E no § 1o que: são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.
Referente ao também disposto no Código de Processo Penal sobre a ilicitude da prova, o professor Pacelli escreve que, “Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica.” (2011, p. 344)
Após a tipificação da proibição de uso das provas ilícitas e ilegítimas, e algumas reflexões sobre elas, buscamos na doutrina a conceituação de tais provas, fazendo a ressalva que a conceituação diversa é fruto da doutrina e não da Constituição ou do Código de Processo Penal, assim, o professor Rangel as definem, “A vedação da prova pode estar estabelecida em norma processual ou em norma de direito material, surgindo, em nível doutrinário, a diferença entre as duas: será prova ilegítima quando a ofensa for ao direito processual, e será ilícita quando a ofensa for ao direito material.” (2009, p. 431)
Verificando, ainda, a divisão doutrinária entre provas ilícitas e ilegítimas, colacionamos o conceito do professor Carvalho, “A doutrina distingue prova ilícita de ilegítima. A primeira seria a obtida com a violação de regra de direito material ou constitucional (ex: confissão obtida por meio de tortura). A segunda, com a violação de regra processual penal (ex: oitiva de testemunha, sem a presença do advogado da parte). A CF, no art. 5º, LVI, não admite as provas obtidas por meio ilícitos, abrangendo, também, as ilegítimas.” (2009, p. 332)
Nota-se, portanto, que apesar de a doutrina ter feito a diferenciação entre provas ilícitas e ilegítimas, o certo é que ambas são proibidas pela norma constitucional e infraconstitucional. Passamos a partir de agora a chamar tantos as ilícitas quanto às ilegítimas apenas de provas ilícitas.
Dando continuidade ao nosso estudo, devemos analisar uma questão importante que interfere nas provas ilícitas, dessa forma o professor Pacelli, tratando da qualidade da prova, fala sobre o meio de produção da prova, bem como do resultado que a prova produz, ao referir-se as provas ilícitas. E assim escreve em sua obra, “Na realidade, a vedação da prova não ocorre unicamente em relação ao meio escolhido, mas também em relação aos resultados que podem ser obtidos com a utilização de determinado meio de prova. (…) Em tema de prova, portanto, mesmo quando não houver vedação expressa quanto ao meio, será preciso indagar ainda acerca do resultado da prova, isto é, se os resultados obtidos configuram ou não violação de direitos. E se configurarem, se a violação foi e se poderia ter sido autorizada.” (2011, p. 345)
Concordamos então que, em se tratando de produzir provas no processo penal há sempre maior amplitude, visto que os interesses tutelados são de maior relevância, como a liberdade do acusado, porém essa amplitude também possui limitações, que se trata da proibição de usar provas ilícitas durante a persecução penal.
4.4) Teoria da árvore dos frutos envenenados – fruit of the poisonous tree
Na sequência, olhando, ainda, para o art. 157, Código de Processo Penal, devemos nos ater ao §1º, que trata das provas ilícitas por derivação, que dispõe “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. Há que ressaltar a inclusão deste parágrafo também com a Lei 11.690/2008.
A chama teoria da árvore dos frutos envenenados vem do inglês, ou seja, não foi criação brasileira, sendo chamada de fruit of the poisonous tree doctrine, que nasceu na Suprema Corte Norte Americana, e tal teoria se funda exatamente na impossibilidade de usar qualquer prova, seja no que se refere ao meio ou resultado na produção, advinda por intermédio de uma prova anteriormente ilícita.
O professor Rangel, por seu turno assim escreve, quando se trata da árvore envenenada, “A Suprema Corte norte-americana, para enfrentar esta situação, cunhou a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), entendendo que os vícios da planta transmitem-se aos seus frutos”. (2009, p. 433)
Discussão que outrora foi feita sobre o uso ou não da teoria dos frutos da árvore envenenada, hoje não ocorre mais, visto que o §1º, art. 157, Código de Processo Penal, quando da reforma de 2008, contemplou e fez valer a teoria trazida da Suprema Corte norte-americana. Porém, a preocupação da doutrina hoje está em como estabelecer quais são efetivamente os frutos envenenados, ou seja, quando estaremos diante de prova ilícita por derivação.
Em sua parte final o próprio parágrafo §1º estabelece duas ressalvas ao dispor, primeiramente, que serão autorizadas as provas quando “não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, e em seguida quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. Vejamos então como se aplica tais exceções, autorizadoras de provas que havendo prova ilícita deixa fora aqueles que não tiverem qualquer relação de nexo com a ilicitude. Até por que, havendo prova ilícita durante a persecução penal, isso não significa que todas as provas estarão contaminadas por tal ilicitude.
Aproveitando a doutrina, nos deparamos com inúmeras críticas sobre a parte final do citado parágrafo, visto que a definição das exceções são vagas, não estabelecem rigor para uso da teoria na prática, deixando a cargo do juiz decidir quando se trata de prova derivada da ilícita ou não. O professor Rangel ao tratar dessa precariedade do legislador escreve que, “É como se o legislador constituinte dissesse ao juiz (e não disse) que cabe a ele, juiz, dizer quando a prova será ilícita por derivação, por haver um nexo de causalidade ou por não ser ela uma fonte independente da primeira. Em outras palavras: o Código amesquinhou a Constituição e nesse particular aspecto é inconstitucional porque diminuiu o seu alcance. O princípio existe, está no art. 5º, LVI, CF/88. (2009, p. 437)
Façamos então a diferenciação entre as suas ressalvas contidas ao final §1º, art. 157, Código de Processo Penal. A doutrina assim se manifesta a respeito do tema, nos dizeres do professor Rangel sobre a não relação de causalidade, “A lei fala que se não houver um nexo de causalidade entre a prova ilícita e a outra prova obtida não haverá contaminação, ou seja, a relação de causalidade é o liame que deve existir entre uma prova ilícita e outra (lícita) para que possamos falar em contaminação. É a linha que liga a colheita de uma prova à obtenção de outra.” (2009, p. 437)
Sobre o nexo de causalidade deverá ser decidido pelo juiz pela via da formação da convicção. Ou seja, analisando o caso concreto, deverá o magistrado se posicionar reconhecendo ou não o nexo de causalidade entre as provas produzidas. Neste ponto, o critério de análise nos parece subjetivo, visto que a convicção de um juiz nem sempre será a mesma de outro, podendo nos levar a complicações e decisões equivocadas nos processos que recaírem tal discussão. Mas a doutrina não vê muitas complicações sobre a análise do nexo de causalidade no trato das provas por derivação, a maior preocupação recai sobre a teoria da fonte independente.
Com relação à teoria da fonte independente, encontramos mais controvérsias, visto que alguns doutrinadores pesquisados se colocam contrários a definição dada pelo legislador, ou seja, teria havido uma troca de conceitos. O legislador conceituou fonte independente no §2º, art. 157, Código de Processo Penal, mas na verdade tratava-se da teoria da descoberta inevitável, e é neste ponto que há críticas sobre as mudanças da reforma de 2008, pois há dificuldade de tais conceitos na prática, durante a persecução penal.
Passamos a definir, de acordo com a doutrina, a teoria da fonte independente, e aproveitamos o que escreve o professor Pacelli, “(…) teoria da fonte independente baseia-se precisamente na ausência fática de relação de causalidade ou de dependência lógica ou temporal (produção da prova posteriormente à ilícita). Fonte da prova independente é apenas isso: prova não relacionada com os fatos que geraram a produção da prova contaminada.” (2011, p. 364)
De outro turno, o próprio professor Pacelli, conceitua a teoria da descoberta inevitável, que segundo ele, é o que deveria constar no §2º, art. 157, Código de Processo Penal, ao dizer, “Na descoberta inevitável admite-se a prova ainda que presente eventual relação de causalidade ou de dependência entre as provas (a ilícita e a descoberta), exatamente em razão de se tratar de meios de prova rotineiramente adotados em determinadas investigações. Com isso evita-se a contaminação da totalidade das provas que sejam subsequentes à ilícita.” (2011, p. 364)
Usando uma ou outra teoria (fonte independente ou descoberta inevitável), o fato é que nessas situações a prova não será considerada ilícita, cabendo, mais uma vez, ao magistrado, a decisão de reconhecer ou não o §2º, art. 157, Código de Processo Penal. A dificuldade imposta na prática é de ver nitidamente e sem dúvidas, se realmente a prova aparentemente ilícita por derivação, poderia ser produzida por outros meios, para assim ser utilizada sem os vícios da ilicitude que a rodeia por outras provas efetivamente ilícitas.
4.5) Desentranhamento da prova ilícita
Não se tem dúvidas, porém, no referente ao §3º, art. 157, Código de Processo Penal, que dispõe “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”.
Vejamos que todas as provas ilícitas serão retiradas do processo por determinação do juiz da causa ou pelo Tribunal em grau de recurso. A doutrina, por sua vez, indica dois momentos para realização do desentranhamento na 1ª instância. O primeiro momento seria antes da realização da instrução, debates e julgamento, ou seja, logo após a não absolvição sumária prevista no art. 397, Código de Processo Penal. Neste momento o processo estará apto para audiência de instrução, debates e julgamento, portanto, se até ali houverem provas ilícitas, deverão ser desentranhadas imediatamente.
Caso não haja até esta fase qualquer mácula de ilicitude de provas, ou seja, até a análise da resposta à acusação e marcada esteja à audiência de instrução, pode ainda ocorrer à presença de provas ilícitas durante esta audiência. Este então seria o segundo momento de desentranhamento da prova ilícita, ou seja, desentranha-se a prova ilícita na própria audiência de instrução, debates e julgamento, a ser feita imediatamente pelo magistrado, evitando a contaminação do processo e psicológica do juiz.
4.6) Ministério Público – produção direta da prova durante a investigação
Antes de tratarmos do veto ao §4º, art. 157, CPP, levantaremos, juntamente com o professor Pacelli, situação que se coloca quando o Ministério Público tiver colhido a prova diretamente. Neste caso poderíamos vislumbrar ilicitude da prova? Vejamos que o Supremo Tribunal Federal não reconheceu ao Ministério Público a possibilidade de presidir procedimentos administrativos investigatórios, a prova colhida por ele será ilícita partindo desta decisão? Tratando do assunto, o professor Pacelli assim escreve, “(…) em tema de produção de provas e, assim, em produção ilícita de provas, o que se revela e o que se quer efetivamente proteger, na verdade, não é unicamente a ética do procedimento, mas, sobretudo, a violação a direitos fundamentais, em regra, mais expostos a tais diligências investigativas. (…) embora irregular a diligencia (admitindo-se a tese), não poderá falar em prova obtida ilicitamente, ou na consequência da ilicitude da prova (cujo objetivo é a tutela de direitos fundamentais) e, assim, na contaminação das etapas investigatórias seguintes. HC nº 83.157-MT, 2ª Turma, Relator Min. Marco Aurélio, de 1º de julho de 2003, testemunhas ouvidas pelo MP.” (2011, p. 366/367)
Concordamos com a abordagem sobre a produção de provas de forma direta pelo Ministério Público, pois ainda que não tenha reconhecido a ele presidir procedimentos administrativos investigatórios, como parte da persecução penal tem o ônus de produzir a prova, como estabelece o art. 156, Código de Processo Penal. Assim, de seu interesse que as provas sejam produzidas para garantir sua atuação dentro do processo, até porque, o Ministério Público tem a ‘obrigatoriedade’ de provar a culpa do réu, mas por outro lado, na colheita das provas, pode concluir pela inocência do mesmo. E, portanto, a colheita direta de provas pelo Ministério Público na fase investigativa não fere o contraditório, nem a ampla defesa, isto porque, a verdade real é mais importante, desde que obedecido nosso ordenamento jurídico produzindo a prova de forma legal.
Sem contar que como dono da ação penal pública, o Ministério Público precisa estar próximo da realização das provas de interesse do próprio processo. Não concordamos que ele presida procedimentos administrativos investigatórios, mas produzir a prova não nos levaria a ilicitude quando respeitados nossas leis.
Além disso, não se pode macular a prova com a ilicitude já durante a investigação, visto que durante o processo o réu terá condições de se contrapor a qualquer prova produzida. Ou seja, o fato do Ministério Público produzir a prova diretamente não fere contraditório ou a ampla defesa, pois o réu terá plenas condições de se voltar contra todas as provas, inclusive as que forem produzidas pelo membro do Ministério Público.
4.7) O veto do §4º, art. 157 do Código de Processo Penal
Passamos agora a verificar o veto do §4º, art. 157, CPP. O veto ocorreu pelos seguintes argumentos, “nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público, em seguida a manifestação do Ministério da Justiça e Advocacia Geral da União: O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.” ([1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Msg/VEP-350-08.htm)
Sobre a discussão acerca do veto, trazemos a opinião dos professores Marinoni e Arenhart, que se manifestam da seguinte forma, “O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.” (2007, p. 401)
Nesse sentido, a discussão paira sobre a possível suspeição do juiz que, ao ter contato com a prova ilícita e consequentemente com os esclarecimentos dos fatos nelas ligados, estaria ele impedido de julgar a lide. Isto porque, ainda que a prova seja desentranhada de imediato, suas informações já se instalaram na convicção do juiz, o que provavelmente o levará a julgar, mesmo que sem a fundamentação na prova ilícita, no sentido que tal prova indicava. É claro que a grande preocupação dessa discussão é a prova ilícita utilizada a favor da acusação, esta discussão não se faz quando tratamos do uso de prova ilícita para a defesa.
Por certo que estes questionamentos estariam intimamente ligados à imparcialidade do juiz ao julgar o processo no qual teve contato com a prova ilícita, mesmo desentranhada. Por outro lado, a reforma trazida pela Lei 11.690/08, primava/prima pela celeridade processual, e sendo assim, dificilmente o §4º, art. 157, Código de Processo Penal, seria acolhido. Ora, caso o juiz fosse reconhecido como suspeito para o julgamento, com certeza teríamos mais delongas no processo até que outro magistrado fosse indicado como competente para julgar o caso.
Indo um pouco além na discussão, caso aplicássemos a regra vetada do §4º, art. 157 do Código de Processo Penal, como ficaria a situação de vários juízes terem contato com provas ilícitas?
Supondo que o primeiro juiz tivesse contato com uma prova ilícita, produzida no transcorrer do inquérito policial, e por isso fosse declarado suspeito, e em seguida, o segundo juiz nomeado como competente a partir de então, tivesse contato com outra prova ilícita, mas agora produzida durante o processo e antes da audiência de instrução, e mais, substituído este juiz, o terceiro juiz competente tivesse contato com outra prova ilícita, mas agora durante a audiência de instrução debates e julgamento, todos seriam suspeitos por respeito ao disposto no §4º?? Haveria necessidade de limitação de juízes para julgamento de um mesmo processo??
Mesmo vetado o §4º aqui tratado, se por ventura nossos tribunais decidirem pela suspeição do magistrado contaminado psicologicamente pela prova ilícita, essa abordagem será necessária. E surge para nós mais uma dúvida: no exemplo/suposição acima mencionado, a celeridade processual seria mesmo respeitada como queria o legislador com a reforma de 2008?? E os anseios da população por processos ágeis e mais justos, seriam levados em consideração??
Nessa onda, não poderíamos deixar de examinar, também, o princípio da identidade física do juiz, art. 399, §2º, Código de Processo Penal, que dentre as ressalvas feitas não contempla o juiz que desentranhar provas ilícitas do processo, como sendo não obrigado a julgar processo que instruiu. É fato que este princípio pode ser relativizado, mas deixamos aqui esta dúvida.
Noutra análise sobre a descontaminação do julgado com a suspeição do juiz que esteve em contato com a prova ilícita, seria analisar o que a verdade real preferiria proteger. Ou seja, se de um lado temos um juiz suspeito que não pode julgar por ter conhecido as informações da prova ilícita e que mesmo sem ela irá possivelmente condenar o acusado, de outro lado temos o mesmo juiz que teve contato com a verdade dos fatos, e que, portanto, se sente na obrigação de condenar o culpado, ainda que tenha de fazê-lo com fundamentos diversos dos trazidos pela prova ilícita desentranhada.
Assim, colocamos novamente em xeque se vamos proteger a sociedade ou o acusado. Já sabemos que a Constituição de 1988 está mais voltada à proteção da liberdade em detrimento da pena advinda com a condenação. Mas por outro lado, estamos ficando longe da verdade real e aplicação da justiça ao caso concreto, porque não podemos concordar que absolver o réu culpado seja fazer justiça.
4.8) Princípio da proporcionalidade nas provas ilícitas
Superadas tais discussões, analisamos agora a proporcionalidade quando se trata de provas ilícitas. E para isso trazemos o pensamento do professor Pacelli, “(…) a aplicação da vedação das provas ilícitas, se considerada como garantia absoluta, poderá gerar, por vezes, situações de inegável desproporção, com a proteção conferida ao direito então violado (na produção da prova) em detrimento da proteção do direito da vítima do delito. (…) acreditamos que isso ocorra, sobretudo, pela impossibilidade de se fixar qualquer critério minimamente objetivo para o aproveitamento da prova ilícita, pela aplicação da proporcionalidade.” (2011, p. 376)
Podemos ver que a preocupação do princípio da proporcionalidade no uso de provas ilícitas está ligada à acusação. Encontramos posicionamento favorável nesse sentido, com o argumento de que se os agentes responsáveis pela produção da prova não agiram com abuso de poder ou se as provas ilícitas fossem produzidas por particular, não haveria que se falar no descarte de tais provas, pois não estaria maculando o processo, muito menos cometendo qualquer injustiça ao condenar o culpado pelo crime. Assim, teríamos a proteção da sociedade como posta em primeiro plano, não em detrimento absoluto da proteção individual, mas sim de acordo com verdade fática. (RCL nº 2.040/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, em 21/2/2002, STF. Ação que determinou DNA da mexicana que se disse estuprada dentro da Polícia Federal).
Corroborando com o entendimento acima, o professor Pacelli escreve se referindo a proporcionalidade como justificadora do uso da prova ilícita pela acusação, “(…) o critério de proporcionalidade poderá validamente ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da inadmissibilidade. Por aplicabilidade finalística e potencial estamos nos referindo à função de controle da atividade estatal (responsável pela produção da prova) que desempenha a norma do art. 5º, LVI da CF. Assim, quando não se puder falar em no incremento ou no estímulo da prática de ilegalidade pelos agentes produtores da prova, pensamos ser possível, em tese, a aplicação da regra da proporcionalidade. (grifos nossos).” (2011, p. 377)
De outro lado é amplamente pacífico o uso da prova ilícita em favor do réu. Adota-se neste caso também o princípio da proporcionalidade, visto que não andaria na mão certa o processo que levasse o réu à condenação, quando este for inocente e tiver apenas uma prova ilícita para comprovação desta inocência. Nesse sentido escreve o professor Rangel, A questão visa evitar graves inconvenientes e injustiças que poderiam ocorrer caso o réu (inocente) não pudesse, mesmo aparentemente violando a lei, fazer a prova de sua inocência. (…) Afirmamos ser aparente a infringencia da lei por entendermos que o estado de necessidade exclui a ilicitude, pois a necessidade de salvar o interesse maior (liberdade de locomoção), sacrificando o menor (sigilo das comunicações telefônicas) em uma situação não provada de conflito externo, justifica a conduta do réu. Estará o ele (réu) agindo de acordo com o direito e não de forma contrária. (2009, p. 438/439)
Com todo respeito às garantias individuais que nos foram dadas pela Constituição de 1988, já que saindo de uma ditadura não poderia ser diferente, devemos levar em conta que o fato da prova ilícita não ser utilizada pela acusação, também irá ferir outros direitos individuais, como por exemplo, a segurança de todos nós individualmente. Pois permitir que um acusado seja absolvido porque a prova é simplesmente ilícita, também fere nossa ordem constitucional preocupada com a justa aplicação das leis. É claro que não estamos fazendo a defesa de produção de provas arbitrárias e sem regras, mas a análise da proporcionalidade no caso concreto, talvez assim teremos menos casos injustos com a absolvição de réus efetivamente culpados.
5) Conclusão
Encerrada essa breve análise sobre as provas ilícitas no processo penal, ficam mais dúvidas do que certezas, até porque o Direito é mutante e isso é que permite que com o passar do tempo e o ganho de experiências dos indivíduos, fora e dentro do Judiciário, a lei acaba se acomodando as novas e diversas realidades social no intuito de buscar sempre a decisão menos injusta.
De se ver que o princípio da proporcionalidade tem conseguido atender as muitas indagações e divergências, seja jurisprudencial, seja doutrinária. Pois temos de um lado a sociedade que clama por justiça sem efetivamente conhecer as formalidades processuais, e de outro lado o Judiciário e seus auxiliares buscam aplicar a lei, e principalmente os princípios e garantias constitucionais, no intuito de garantir que a sanção fixada seja a mais adequada ou até mesmo afastar a sanção penal levando-se em conta a desnecessidade de privação da liberdade.
Resta claro que a utilização da prova ilícita nas mãos do acusador ainda é praticamente nula no Brasil. Por certo que não estamos preparados para lidar com essa possibilidade, principalmente porque os principais ‘produtores’ de provas (polícia civil e seus agentes) estão ligados as questões de corrupção e pouco preparados tecnicamente em alguns casos, por isso autorizar a liberdade ‘total’ na produção da prova seria arriscar a segurança jurídica e a garantia de direitos dos acusados e dos indivíduos consequentemente.
De outra banda, é amplamente aceito que o acusado inocente se valha de prova colhida de forma ilícita para demonstrar/provar que cometeu o delito pelo qual está sendo acusado. Não há que se questionar tal possibilidade, pois obrigar um indivíduo a cumprir sanção penal de crime que não cometeu seria o mesmo que fechar completamente os olhos para as garantias de nossa Constituição de 1988. Assim, os inocentes devem continuar a usufruir de seus direitos, a começar pela liberdade de ir, vir e permanecer.
É fato, o princípio do devido processo legal é o grande garantidor de tantos direitos reservados ao acusado, já que dentro dele estão, o contraditório, a ampla defesa, a liberdade de provar dentro dos limites da ilicitude etc. Por esse motivo que respeitado o princípio do contraditório, estaremos andando de encontro com as garantias e direitos constitucionais, aplicando consequentemente a ‘melhor forma’ de justiça.
Fica para nós então a certeza de que muito ainda será estudado sobre o tema. Há muito para ser compreendido sobre a questão da prova ilícita, principalmente no que se refere às mudanças, não tão remotas, do Código de Processo Penal. E sem dúvida, o novo modelo da ordem constitucional nos leva a exigir do Judiciário a aplicação e respeito absoluto as regras constitucionais.
Mestranda em Direito pela Fundação Eurípides Soares da Rocha – UNIVEM – Marília/SP
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