Grande é a polêmica que debate a questão fundiária já há muito tempo, cada vez mais tomando maior proporção, já garantindo repercussão a nível nacional, sendo esta também uma pauta que tem gerado polêmica nos julgamentos de nossa Suprema Corte – STF.
Em breve histórico para situar ao atento leitor, a Petição 3388/RR do Supremo Tribunal Federal que julgou o caso Raposa Serra do Sol foi decidida pelo Plenário do STF pela demarcação contínua da área de 1,7 milhão de hectares da reserva indígena em Roraima, estabelecendo, contudo, as tão conhecidas ‘condicionantes’ e assim se fez grandemente esperançosa à casos semelhantes quando se poderia extrair diretrizes, não só para os processos administrativos, como também para os processos judiciais em curso.
Válido lembrar que as chamadas condições ou condicionantes foram consideradas pressupostos para a demarcação efetuada, por questões legais e pelo melhor exercício do usufruto indígena, amenizando a controvérsia, integrando aquele julgado, abrindo questionamento em novos processos, nas palavras do Ministro Roberto Barroso, quando do julgamento em 23-10-2013, Plenário, DJE de 4-2-2014. As referidas regras estabeleceram as 19 condicionantes, das quais destacamos algumas:
“[…] 3 – O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei. 4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; 5 – O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai; 6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai; […] 10 – O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes; […] 12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; […] 14 – As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena; 15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa; […] 17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; […] 19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação”.
Logo depois da decisão do STF, a Advocacia Geral da União (AGU) determinou que todos os órgãos da administração federal, incluindo a FUNAI, obedecessem as condicionantes (Portaria nº 303/2012), o que passaria a valer somente em fev/2014, após interposição de recurso, onde houve a necessidade de outra determinação para suspende-la (Portaria nº 415/2012):
“PORTARIA Nº 415, DE 17 DE SETEMBRO DE 2012
Altera o disposto no art. 6° da Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012 e revoga a Portaria nº 308 de 25 de julho de 2012. […]
Art. 1º. O art. 6° da Portaria n° 303, de 16 de julho de 2012, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 6°. Esta Portaria entra em vigor no dia seguinte ao da publicação do acórdão nos embargos declaratórios a ser proferido na Pet 3388-RR que tramita no Supremo Tribunal Federal".
Art. 2º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Portaria n° 308, de 25 de julho de 2012.”
Após julgamento do referido recurso (embargos declaratórios) da Procuradoria Geral da República, questionando aplicação das condicionantes em outros processos de demarcação, ficou decidido que não possuem efeito vinculante, ou seja, não se estendem às demais terras indígenas no país, segundo a Ministra Rosa Maria Weber, em 11/03/2014.
Assim, foi esvaiu-se uma tentativa da Agropastoril, Madeireira e Colonizadora Sanhaço Ltda, que apresentou Mandado de Segurança questionando demarcação da Reserva Indígena na fronteira dos Estados do Mato Grosso e Pará (Mandado de Segurança nº 31.901), com fundamento na condicionante 17, acima transcrita.
Por isso, as determinações da própria Advocacia Geral de União em tentar uniformizar os procedimentos demarcatórios perderam eficácia, novamente lembrando os dizeres do ministro Luís Roberto Barroso, quando à época de sua relatoria no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, concluindo que “a decisão ostenta a força intelectual e persuasiva da mais alta Corte do País”.
Diga-se de passagem, em singela opinião deste jurista, as portarias eram, no mínimo bem intencionadas se ratificadas pelo Judiciário, quando na realidade deparamo-nos com uma grande possibilidade de entendimentos divergentes em novas medidas processuais, morosidade no judiciário, com afogadas pautas e prateleiras em todas as instâncias, objetivo intrínseco da formulação de Súmulas Vinculantes, após seu surgimento com a Emenda Constitucional 45 em 2004.
As referidas normativas prestigiariam processo de tamanha riqueza jurisprudencial e técnica para decisão em casos semelhantes, cabendo adequação em cada situação.
Na realidade, percebe-se em algumas regiões o descumprimento de várias destas condicionantes, ao exemplo da tarifação pelo trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios, facilmente constatados nas regiões do norte do país; o arrendamento e negociação de terras demarcadas, como é o exemplo de regiões deste estado sul-mato-grossense, contrariando texto constitucional quem define a titularidade das terras indígenas para a União e não para a comunidade que arrenda para a atividade agropecuária extrativa; bem como em casos que se pretende impedir a ampliação da terra indígena já demarcada.
Enfim, o que se discute é a repercussão das últimas decisões de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como da repercussão sobre a problemática já existente acerca da falta de executividade de decisões em assuntos fundiários, de instâncias singulares à Corte Suprema.
Enquanto isso, ao falar da condicionante 19 (É a assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação), faça-se um paralelo com a atividade legislativa que pode mudar os rumos da questão fundiária, quando lembramos da tramitação da PEC nº 215/2000, que pretende incluir dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
Diga-se de passagem já em longo trâmite considerando a velocidade em que se dão as inovações legislativas e os acontecimentos no Poder Judiciário, a proposta de emenda constitucional quase chega a sua puberdade, contando com 14 (quatorze) anos de sua apresentação em 28/03/2000, isto porque está em regime de tramitação especial na Câmara dos Deputados.
No trâmite legislativo desta antiga proposta, um recente despacho datado de 26/02/2014, demonstra nova movimentação da Comissão Especial, aprovando requerimento para realização de Conferências em Chapecó/SC, São Paulo/SP, Salvador/BA, Belo Horizonte/MG, Porto Alegre/RS, Fortaleza/CE, Campo Grande/MS, Belém/PA, Passo Fundo/RS, Roraima/RR, Brasília-DF e Cuiabá/MT; o que será bem-vindo neste estado.
Retomando a preocupação com o setor produtivo e a falta de executividade das decisões mais sensatas quando se fala em reintegração de posse, como nos casos de Dois Irmãos do Buriti/MS e Sidrolândia/MS, ocorre que, a relativização destes julgados coloca a segurança jurídica em risco, trazendo mais desordem à população urbana e rural, quem estão à mercê de “invasões legalizadas”.
Veja-se, que quando do fim das discussões no caso Raposo Serra do Sol, o relator ministro Roberto Barroso, acompanhado de sua maioria da Suprema Corte, denominaram as condicionantes como salvaguardas, cuja incorporação, mesmo que atípica, era imprescindível para pôr fim ao conflito existente como uma espécie de regime jurídico para a execução. Agora, por outro lado, a decisão do STF sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas.
Comenta-se, por oportuno, que diversos outros casos já estão chegando ao conhecimento e apreciação do Supremo Tribunal Federal, como por exemplo a discussão acerca da demarcação da Terra Indígena Sombrerito, onde o proprietário de uma fazenda localizada no Município de Sete Quedas (MS) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de anular a Portaria nº 3.076/2010, do Ministério da Justiça (MJ), que declarou de posse permanente do grupo indígena Guarani Nhandéva a Terra Indígena Sombrerito, pedindo a concessão de liminar para suspender o processo de demarcação do imóvel rural e, no mérito, a anulação da portaria, pois a demarcação como feita através do cancelamento da matrícula do imóvel e a transformação da terra particular em bem da União para a ocupação permanente dos índios ocorreu de forma administrativa por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), constituindo “verdadeiro atentado à inafastabilidade jurisdicional, ao devido processo legal, ao direito de propriedade e à ampla defesa”.
Enfim, sugere-se, finalmente a promulgação de efeito vinculante para as condicionantes do caso Raposo Serra do Sol, constituindo nada mais do que um parâmetro para os demais que discutam questão idêntica.
Isto pode ser feito através de Súmulas Vinculantes aprovadas pela Corte (Art. 103-A, CF), com a conversão de um destes casos ou então através de mensagem ao Senado Federal, como tem trabalhado a Comissão Especial da PEC 215/2000, alinhando finalmente os entendimentos de juízes e desembargadores do país.
Jamais houveram números tão expressivos quanto nos últimos tempos, de forma que só este estado de Mato Grosso do Sul conta com mais de 68 mil propriedades rurais e uma enorme contribuição no Produto Interno Bruto estadual e nacional, segundo dados das entidades representativas do agronegócio.
Por isso mesmo é que, sem qualquer intenção radicalista ou ativista, é necessário contextualizar a questão fundiária de forma cultural, difundindo informação sobre os aspectos legais que norteiam o assunto.
Quando o assunto é “terra”, há uma percepção pela sociedade brasileira de que existe uma eterna luta entre o bem e o mal. O setor produtivo rural, a parte má da história, luta transformar sua imagem atual em algo positivo para a sociedade, um processo lento e requer muita criatividade, inteligência e engajamento por parte dos agentes do setor.
Aos que aguardam uma rápida solução de um problema que já se arrasta a muito tempo, na ansiosa espera pela retomada da paz social e segurança jurídica, resta ainda um pedido de apoio ao Santo Expedito, lembrado nas causas difíceis, de graças imediatas invocado em casos urgentes que demandam pronta solução, para fazer depressa o bem e não deixar para o dia seguinte aquilo que se promete sem demora, esta que tem sido hasteada pelo Governo Federal que se mantém ausente diante destes acontecimentos.
Advogado inscrito na OAB/MS n 16.518 e Professor de Pós-Graduação nas matérias de Direito Agrário, Ambiental e Políticas Públicas. Sócio-Diretor da P&M Consultoria Jurídica, Docente no IPOG – Instituto de Graduação e Pós-Graduação. Membro e Representante da União Brasileira de Agraristas Universitários UBAU. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental UBAA. Articulista em legislação agroambiental para a Scot Consultoria, colaborador do portal DireitoAgrario.com e escreve artigos para Correio do Estado. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS entre 2013/2015
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