Sumário: 1 Introdução; 2 Convenção de Nova Iorque; 3 Definição de Arbitragem Internacional; 4 Do artigo III da Convenção de Nova Iorque; 5 Posicionamento privatista; 6 Posicionamento publicista; 7 Posição conciliatória; 8 Soluções para o debate; 8.1 Natureza Jurídica; 8.2 Da competência do STJ; 8.3 Classificação das Sentenças; 8.4 Da interpretação do art. III da Convenção; 9 Conclusão
1 INTRODUÇÃO
Tem-se notado que o Poder Judiciário não se mostra eficiente para solucionar os conflitos que estão surgindo, principalmente, na esfera do direito empresarial. A crise do judiciário está relacionada ao baixo número de juízes e à falta de especialização destes, o que traz morosidade e prejuízo à decisão final, uma vez que a busca por uma sentença mais técnica é cada vez maior.
O fenômeno chamado globalização trouxe uma nova roupagem para as relações internacionais, requerendo que os conflitos advindos dessas relações sejam resolvidos em tempo exíguo. A celeridade tornou-se necessária. Nesse contexto, destaca-se a arbitragem.
Com o advento da Lei 9.307/96, o conceito de jurisdição teve que se modernizar. Tal Lei atribuiu jurisdição ao procedimento arbitral e à função exercida pelo árbitro, uma vez que estabeleceu que o árbitro é juiz de fato e de direito e equiparou a sentença arbitral à sentença judicial. Com isso, a jurisdição não é mais vista como o poder do Estado de dizer o direito, não é um monopólio estatal, podendo os demandantes se valer da jurisdição privada.
A Lei de Arbitragem inovou em dois aspectos importantes: atribuiu execução específica à cláusula compromissória e previu a desnecessidade de homologação prévia da sentença arbitral doméstica. Analisar-se-á essa última questão nos casos que envolvem sentenças arbitrais estrangeiras.
Em matéria de arbitragem internacional, busca-se firmar tratados internacionais para melhor disciplinar o instituto arbitral. A Convenção de Nova Iorque de 1958, promulgada no Brasil em 2002, através do Decreto 4.311, é a mais importante das Convenções já firmadas até os dias de hoje. Assinada por mais de 130 países, a Convenção de 1958 trata do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras. A redação do seu art. III trouxe uma discussão no tocante à necessidade ou não de homologação de sentença arbitral forasteira. Este é o debate que se propõe.
Será feita uma análise crítica em torno do critério adotado pela Lei de Arbitragem, para classificar e distinguir a sentença arbitral estrangeira da nacional.
Paralelamente, serão examinadas algumas questões diretamente ligadas ao tema: a natureza jurídica da arbitragem; a classificação de sentenças, estabelecida pela ciência do processo; e se a exigência de homologação de sentença estrangeira decorre de lei ordinária ou da Constituição Federal.
Entende-se que a sentença arbitral forasteira não deve ser tratada com o mesmo rigor imposto para as sentenças judiciais estrangeiras, tendo em vista a natureza jurídica híbrida da arbitragem. Apresenta-se contratual na origem e possui finalidade jurisdicional. Nesse sentido, a Convenção de Nova Iorque se destaca ao dispor no seu art. III que não serão impostas condições mais onerosas, para o reconhecimento e a execução de sentença arbitral estrangeira do que as estabelecidas para a sentença arbitral doméstica.
Pretende-se demonstrar que as sentenças que prescindem de execução forçada – as sentenças declaratórias, as sentenças constitutivas e as condenatórias quando houver cumprimento espontâneo – não necessitam de homologação pelo Poder Judiciário.
As reflexões aqui apresentadas têm o intuito de contribuir para um melhor aperfeiçoamento da arbitragem no Brasil, principalmente nas suas relações internacionais.
2 CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE
Os tratados internacionais são fontes jurídicas do direito internacional, apresentam grande importância para os países signatários, uma vez que estabelecem normas que vinculam as partes e dispõem acerca de regras de caráter geral entre dois ou mais países.
O tratado internacional possui natureza jurídica de norma interna, sendo equiparado a uma lei ordinária. Todavia, para que isso ocorra, o tratado tem que ser aprovado e promulgado no país signatário.
Os tratados internacionais podem revogar norma interna prevista em lei ordinária. O legislador, sabedor da importância dos tratados em matéria de arbitragem internacional, previu, na Lei de Arbitragem[1], que para o reconhecimento e a execução da sentença arbitral estrangeira será obedecido o que dispõe os tratados internacionais.
A Convenção de Nova Iorque diz respeito ao reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, datada de 10 de junho de 1958, entrou em vigor no dia 07 de julho de 1959.
Com anos de atraso, o Brasil aprovou a Convenção de Nova Iorque, através do Decreto Legislativo 52/2002 e a promulgou em 23 de julho de 2002, através do Decreto 4.311.
A ratificação da Convenção de 1958 garante maior credibilidade para as empresas brasileiras diante do mercado mundial. Evitando, de certa forma, que tais empresas ficassem condenadas a uma marginalização internacional, uma vez que é notória a preferência pela adoção da arbitragem para dirimir controvérsias advindas de relações contratuais internacionais, pelas vantagens proporcionadas por este método em relação ao Poder Judiciário.
Em matéria de arbitragem internacional, a Convenção de Nova Iorque é uma das mais importantes, sendo ratificada por vários países, dentre os quais estão todas as nações desenvolvidas.
Com a adesão do Brasil à Convenção de Nova Iorque, a arbitragem se solidificou, minimizando-se a insegurança do instituto, principalmente no que diz respeito aos laudos arbitrais estrangeiros, que possam ensejar execução no território brasileiro.
Entretanto, nota-se que a promulgação da Convenção de 1958 deu ensejo a uma problemática debatida em torno da necessidade ou não da homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. Para tanto, faz-se mister ter em mente a definição de arbitragem internacional.
3 Definição de arbitragem internacional
Basicamente, os pressupostos para se instaurar uma arbitragem internacional são os mesmos exigidos para uma arbitragem doméstica. Faz-se necessário observar a vontade e a capacidade das partes para contratar e. ainda, que a lide verse sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Cada país adota um critério para classificar determinada arbitragem como internacional ou nacional. Para alguns, o que deve ser observado é a nacionalidade do direito processual e material aplicado, para outros, deve-se levar em consideração o lugar onde a sentença arbitral é proferida[2]. Há, ainda, aqueles em que se faz necessária a análise conjunta dessas duas características.
No Brasil, o critério adotado é o do local da arbitragem, conforme disposto no parágrafo único, do art. 34, da Lei 9.307/96[3]. A arbitragem é considerada estrangeira quando a sentença for proferida em outro país, mesmo que as partes, os árbitros e as normas de direito material e processual sejam brasileiros.
Por outro lado, a sentença arbitral doméstica é aquela exarada em território brasileiro, mesmo sendo as partes, os árbitros e a legislação estrangeiros. Tal sentença não precisa de homologação.
Percebe-se que o critério estabelecido na Lei de Arbitragem para se distinguir a sentença arbitral nacional da sentença arbitral estrangeira é imperfeito, posto que a arbitragem instituída com partes, árbitros e legislação brasileiros, tendo sido, por conveniência, estabelecido que o local para proferir a sentença arbitral seria em outro país, é considerada internacional e estará sujeita à homologação pelo Superior Tribunal de Justiça[4].
Como explicar a exigência de obtenção do exequatur para o caso descrito acima, e não exigi-lo para uma arbitragem que teve o laudo arbitral proferido no Brasil, no entanto, o objeto do litígio estava relacionado com um contrato entre uma empresa alemã e uma italiana, sendo processada e julgada de acordo com a legislação francesa?
Guido Fernando Silva Soares[5], ao analisar o parágrafo único, do art. 34, da Lei 9.307/96, constata que:
“O critério é sem dúvida imperfeito, pois o melhor parece que teria sido conferir uma “sede jurídica” da arbitragem no Brasil ou no exterior. Como se sabe, o “lugar da prática de um ato”, não se confunde com a “sede jurídica”, conceito esse que significa um universo mais amplo que a simples localização espacial de um negócio através de um dos seus elementos constitutivos, por sinal, o menos relevante, como sua formalização por escrito. O conceito de sede de uma arbitragem, conforme utilizado na maioria das legislações comparadas, é complexo e se baseia em critérios menos simplistas, tais como: “centro de gravidade das arbitragens”, “interesses do comércio internacional”, “ligações relevantes através de vários elementos de conexão da arbitragem, como uma legislação nacional”.”
A Lei atribui diversidade de tratamento tendo como único e exclusivo fundamento o local em que foi proferida a sentença arbitral. Não parece coerente exigir homologação de sentença arbitral considerada estrangeira apenas por ter sido formalizada por escrito em outro país. Entretanto, é o que diz a Lei.
4 Do artigo III da Convenção de Nova Iorque
Conforme dito anteriormente, a promulgação da Convenção de Nova Iorque gerou controvérsias no que tange a necessidade ou não da homologação do laudo arbitral estrangeiro pelo Superior Tribunal de Justiça, para o seu pleno reconhecimento e execução no Brasil. Tal questionamento se deve a redação do artigo III da referida Convenção, o qual estabelece que:
“Cada Estado signatário reconhecerá as sentenças como obrigatórias e as executará em conformidade com as regras de procedimento do território no qual a sentença é invocada, de acordo com as condições estabelecidas nos artigos que se seguem. Para fins de reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais a presente Convenção se aplica, não serão impostas condições substancialmente mais onerosas ou taxas ou cobranças mais altas do que as impostas para o reconhecimento ou a execução de sentenças arbitrais domésticas.”
A divergência decorre da parte final do artigo transcrito acima, o qual dispõe que para o reconhecimento e a execução dos laudos arbitrais estrangeiros não serão impostas condições mais onerosas do que as estabelecidas para o laudo arbitral nacional.
Ocorre que as sentenças arbitrais nacionais não precisam ser homologadas pelo Poder Judiciário para terem eficácia. O reconhecimento e a execução desses laudos no Brasil estão assegurados pela Lei 9.307/96[6]. Pretende-se analisar se tal tratamento pode abranger às sentenças arbitrais estrangeiras.
Para Irineu Strenger[7], o art. III da Convenção de 1958 afasta a necessidade de homologação:
“A Convenção de 1958 torna mais eficaz e célere o processo de reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras, na medida em que seu art. III dispõe que a essas sentenças não serão impostas condições substancialmente mais onerosas do que as impostas às sentenças arbitrais domésticas. Como o Estado brasileiro não fez reserva a esse artigo da Convenção, admite-se que sua vigência afasta a necessidade de homologação da sentença arbitral estrangeira perante instância judicial (…), tal como já ocorre em relação às sentenças nacionais, as quais prescindem do ônus da homologação judicial para serem consideradas títulos executivos (art. 31 da Lei 9.307/96).”
Na mesma linha de raciocínio, em artigo publicado antes da promulgação da Convenção de Nova Iorque no Brasil, Eduardo Grebler[8] assevera:
“Vale notar que o sistema vigente está em vias de sofrer significativa alteração, pois se encontram em curso providências no sentido da adesão, pelo Brasil, à Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais Estrangeiros. Efetivando-se tal adesão, deixará de ser aplicável a norma da LA que requer a prévia homologação da sentença arbitral estrangeira, a qual passará, então, a ser diretamente executável no território nacional.”
Já José Emilio Nunes Pinto[9] interpreta o artigo III de outra forma:
“… entendemos inexistir fundamento na afirmação de que a exigência de homologação dos laudos arbitrais estrangeiros (…) seria dispensável por atentar contra a letra e o espírito da Convenção de New York. Essa exigência se enquadra na liberdade conferida aos Estados Contratantes para determinar procedimento de acordo com a sua legislação interna.”
Como se pode notar, não há consenso com relação à interpretação do art. III da Convenção de 1958. Para melhor compreensão sobre o debate que se propõe, faz-se necessária a análise do tema sob dois aspectos: o público e o privado.
5 Posicionamento privatista
Os privatistas são contrários ao procedimento de homologação de laudos arbitrais estrangeiros. Afirmam que a arbitragem é um ato de natureza privada, relacionada a direitos patrimoniais disponíveis. Alegam que o laudo arbitral não se equipara à sentença judicial.
É o que José Carlos de Magalhães[10] salienta:
“Se o laudo arbitral é ato privado, decorrente da vontade das partes, destinado a dirimir controvérsia sobre relação contratual de natureza patrimonial – e, portanto, de caráter disponível – não há intervenção de autoridade pública estrangeira que justifique sua prévia aceitação pelo órgão judiciário brasileiro. Os contratos celebrados no exterior e exeqüíveis no Brasil não necessitam ser apresentados a qualquer Poder Público do país, para serem reconhecidos ou para que sua execução ou cumprimento pela parte aqui domiciliada seja autorizado. Em caso de controvérsia sobre tais contratos, o juiz somente verificará, como faria também em relação aos contratos celebrados no Brasil, se não contrariam os bons costumes, a ordem pública brasileira e a soberania nacional, como prevê o art. 17 da LICC. E não há diferença da natureza privada entre um contrato privado celebrado no exterior e um laudo arbitral, elaborado também no exterior, por árbitro que resolva uma controvérsia sobre esse mesmo contrato. Tanto o laudo como o contrato são instrumentos que decorrem de uma relação privada que tem por objeto um direito de caráter patrimonial privado e, assim, disponível.”
O referido autor equipara o laudo arbitral aos contratos internacionais, os quais não precisam ser oficializados no Brasil para serem executados, uma vez que possuem natureza de ato privado. No entanto, equivoca-se ao afastar a natureza jurisdicional da arbitragem.
Nota-se que os privatistas não adotam a terminologia de sentença arbitral, sempre se referindo à decisão proferida pelo árbitro como laudo arbitral. Alegam que, não obstante a Lei de Arbitragem ter equiparado o laudo arbitral à sentença judicial, a decisão do árbitro não se iguala aos atos praticados por juízes togados. O árbitro não tem investidura de jurisdição estatal, e sim de jurisdição privada, sendo nomeado para determinada controvérsia.
Nesse sentido, ao citar o posicionamento dos privatistas, Marco Aurélio Gumieri Valério[11] destaca:
“Ademais, a homologação de sentença judicial estrangeira se justificaria em virtude de se tratar de ato emanado de autoridade pública que se pretende seja executado e cumprido em outro território, enquanto que, a sentença arbitral estrangeira é ato privado, proferido por pessoa ou pessoas despidas de qualquer autoridade pública pelo que não se justificaria esta apreciação.”
Para os privatistas, não há razão que justifique a diferença de tratamento entre o laudo arbitral estrangeiro e o laudo arbitral nacional, visto que ambos têm caráter privado. Dessa forma, como o laudo arbitral doméstico não precisa ser homologado, o laudo arbitral estrangeiro também não necessitaria de homologação.
Marcelo Andrade Féres[12] atesta que:
“… há um nítido descompasso entre o teor da Lei 9.307/96 e a Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, firmada em 10 de julho de 1958. Por força desse tratado, […] os signatários comprometem-se, mutuamente, a reconhecer e executar os laudos estrangeiros, independentemente de exequatur.
[…] resta patente que o caminho a ser trilhado é o do reconhecimento incondicional dos laudos arbitrais estrangeiros.”
Vale lembrar que a alegação do autor de que o texto da Convenção revoga as disposições de Lei, funda-se no art. 34 da Lei 9.307/96[13], o qual preceitua que o reconhecimento e a execução de sentença arbitral estrangeira serão regidos por tratados internacionais.
Observa-se, ainda, do trecho acima, a afirmação do autor no sentido de que após a promulgação da Convenção de Nova Iorque, não será mais necessária a homologação do laudo arbitral estrangeiro, visto que o texto da Convenção revoga, por serem controversos, os dispositivos relativos ao reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, previstos na Lei de Arbitragem.
Contudo, a interpretação do art. III não é tão simples assim, como se demonstrará adiante.
6 Posicionamento publicista
Os publicistas defendem a necessidade de homologação de sentença arbitral estrangeira, fundamentando tal posição na constitucionalidade da norma prevista no art.35, da Lei 9.307/96[14]. Afirmam que a competência do STJ está implícita na alínea i, do inciso I, do art. 105, da Constituição Federal[15].
Para Fabiane Verçosa[16], a equiparação estabelecida em Lei, entre sentença arbitral e sentença judicial, leva à conclusão de que “as sentenças arbitrais estrangeiras, a exemplo das judiciais, também devem ser homologadas, em obediência ao comando constitucionalmente imposto”.
Ora, não se pode interpretar a norma constitucional no sentido de que a sentença arbitral estrangeira estará necessariamente sujeita à homologação pela Corte Superior. Deve-se ter em mente que a norma constitucional não exige a homologação de sentença estrangeira, apenas estabelece a competência em caso de pedido de homologação.
Uma das questões apontadas pelos privatistas diz respeito à lentidão do STJ. Consideram que a homologação da sentença arbitral estrangeira pelo STJ causaria um enorme prejuízo para as partes. Faria desaparecer a finalidade pretendida quando da escolha do procedimento arbitral, no que diz respeito à celeridade do instituto, devido à morosidade do STJ para julgar, tendo em vista a elevada quantidade de processos.
Nessa linha de raciocínio, conforme afirma Carlos Alberto Carmona[17], a morosidade na concessão do exequatur cria obstáculo considerável para todos quantos precisarem executar uma sentença arbitral estrangeira no Brasil.
Os publicistas justificam a demora nos julgamentos do STJ na necessidade de um procedimento que atenda, em seus trâmites, aos princípios informadores do processo.[18] Tal alegação se mostra insuficiente, uma vez que se a parte quiser cumprir espontaneamente a sentença arbitral estrangeira, não poderá fazê-lo porque há necessidade de homologação da sentença.
Como se percebe, as duas correntes são extremas. Equivocam-se por não admitir a conjugação da segurança que traz o aspecto público com a celeridade da esfera privada.
7 Posição conciliatória
Alguns publicistas, apesar de defenderem a homologação da sentença arbitral estrangeira, retiram-na da competência do STJ, atribuindo-a ao juiz a que originariamente tocaria o julgamento da demanda ou ao juiz competente para a execução da sentença arbitral forasteira.
Esta corrente adota uma posição que acarretaria maior morosidade na decisão do pedido de homologação da sentença arbitral estrangeira, uma vez que tal pedido poderia, devido aos recursos cabíveis à decisão de primeira instância, chegar ao STJ para ser julgado, percorrendo, assim, um caminho muito maior.
8 Soluções para o debate
Para maior entendimento da questão aqui abordada, faz-se necessário tecer alguns comentários e esclarecimentos sobre a natureza jurídica da arbitragem.
8.1 Natureza jurídica da arbitragem
Muito se tem discutido sobre a natureza jurídica da arbitragem. Formaram-se três correntes a esse respeito: a contratualista, a publicista e a intermediária. As duas primeiras preocupam-se com um determinado momento da arbitragem, uma dando maior enfoque à convenção e a outra ressaltando a finalidade do instituto.
Para a corrente contratualista, a arbitragem tem caráter de ato privado, é um contrato entre as partes que deve ser regido pelas normas extraídas do direito das obrigações. Essa corrente considera que a arbitragem é despida de jurisdição e, conseqüentemente, o laudo arbitral não é equiparado a uma sentença judicial, sendo considerado título executivo extrajudicial.
Os contratualistas atribuem maior importância à origem da arbitragem, relacionam todo procedimento arbitral à convenção de arbitragem, a qual está dentro da esfera contratual. Não concordam com a idéia de que a arbitragem tem caráter de jurisdição e nem que a função que o árbitro exerce tenha cunho jurisdicional. Consideram o instituto arbitral como um simples pacto de vontade entre as partes demandantes. “Vêem na arbitragem o produto de um mero acordo das partes, sem qualquer conotação jurisdicional.”[19]
Entretanto, tal corrente encontra dificuldade em explicar a desnecessidade de homologação do laudo arbitral, prevista no art. 18 da Lei de Arbitragem[20].
Por outro lado, os publicistas atribuem jurisdição à arbitragem e equiparam a sentença arbitral à sentença judicial. No entanto, não consideram o caráter contratual da arbitragem, deixando em segundo plano a vontade das partes.
José Eduardo Carreira Alvim considera “publicistas ou processualistas os que sustentam o caráter verdadeiramente jurisdicional da arbitragem, vendo nela uma atividade que viceja ao lado da jurisdição estatal, com idêntica finalidade.”[21]
Os publicistas observam apenas o procedimento arbitral, preocupam-se com a finalidade da convenção, que é de caráter jurisdicional. Esquecem-se de observar a importância da vontade das partes no momento de suprimir o conhecimento da demanda pelo Poder Judiciário.
A corrente intermediária busca conciliar as duas posições. Considera a natureza contratual da arbitragem na sua origem e a natureza jurisdicional na finalidade do procedimento arbitral.
Atualmente, prevalece o entendimento de que a arbitragem tem natureza mista. Apesar da Lei 9.307/96 ter atribuído caráter jurisdicional à arbitragem, não se pode afastar a natureza contratual do instituto, posto que a vontade é pressuposto indispensável para a formação do juízo arbitral.
É o que confirma Marcelo Dias Gonçalves Vilela[22]:
“Não se pode, assim, aquartelar a natureza jurídica da arbitragem reduzindo-a a um de seus traços caracterizadores, contratual na origem (formação) e jurisdicional na finalidade (resultado), devendo assim admitir-se sua natureza híbrida ou mista. Isto porque a contratualidade e a jurisdicionalidade deverão funcionar como verdadeiros pêndulos no estudo e na utilização do instituto, demandando ao jurista o conhecimento da teoria geral das obrigações e dos contratos e da teoria geral do processo para enfrentar as questões e afastar eventuais perplexidades da utilização da própria arbitragem.”
Como se vê, as duas correntes opostas são bastante radicais. Admitir a natureza mista da arbitragem é aproveitar o que se tem de melhor em cada esfera. A corrente intermediária estabelece um equilíbrio entre o público e o privado, o que resulta em uma melhor performance da arbitragem.
Feito este breve esboço em torno da natureza jurídica da arbitragem, analisar-se-á a norma prevista na alínea i, do inciso I, do art. 105 da Constituição Federal.
8.2 Da competência do STJ
É notório que a competência para homologar sentença estrangeira é do STJ. No entanto, a norma constitucional, prevista na alínea i, do inciso I, do art.105[23], atribui uma exigência ou apenas regra de competência?
Para responder tal indagação, tem-se que observar a norma prevista no art. 483, do Código de Processo Civil, que estabelece que a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo órgão competente.
Pode-se verificar que a homologação de sentença estrangeira é uma exigência legal e não constitucional. A Constituição apenas estabelece que, havendo pedido de homologação, a competência será do STJ. A obrigatoriedade da homologação está prevista no CPC.
É o que bem nos ensina Carlos Alberto Carmona[24]:
“De fato, a Constituição não declara que as sentenças estrangeiras estejam necessariamente sujeitas à homologação para vigorar no Brasil, mas estipula apenas regra de competência (ou seja, se houver pedido de homologação, a competência será do Supremo Tribunal Federal[25]). É o Código de Processo Civil (lei federal ordinária) que exige a homologação da sentença proferida por tribunal estrangeiro para que o provimento tenha eficácia no Brasil, conforme declina seu art. 483. Por outro lado, a Lei de Arbitragem (lei federal ordinária) determina, de forma genérica, que a sentença arbitral estrangeira está sujeita à homologação para que seja reconhecida e executada no Brasil. As duas normas federais ordinárias – Código de Processo Civil e Lei de Arbitragem – são permeáveis, portanto, aos tratados internacionais, tratados esses que, segundo uns, teriam status de lei complementar à constituição, e segundo outros, não passariam do degrau da lei ordinária.”
Percebe-se, então, que a exigência de homologação de sentença estrangeira sucede de uma lei federal ordinária e não da Constituição Federal, a qual apenas estabelece a competência do STJ para julgar o pedido de homologação.
Para chegar ao final do debate que aqui se propõe, não se pode deixar de analisar a classificação das sentenças.
8.3 Classificação das sentenças
A sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa, conforme prevê o § 1º, do art. 162, do CPC. Tal conceito também se aplica à sentença arbitral, sendo o ato praticado pelo árbitro.
Classificam-se as sentenças, tanto as judiciais como as arbitrais, de acordo com a natureza da tutela pretendida, em declaratórias, constitutivas e condenatórias[26].
A sentença declaratória se limita a afirmar a existência ou a inexistência de relação jurídica ou a falsidade de documento. A sentença constitutiva além de declarar que um dos litigantes tem direito ao que pede, acrescentam a constituição, a modificação ou a extinção de uma relação jurídica. A sentença condenatória, além da declaração do direito, impõe ao vencido o cumprimento de uma prestação a qual esteja obrigado.[27]
Na sentença condenatória, constata-se que há uma ordem no sentido de fazer o vencido cumprir a prestação que lhe foi atribuída. Tal sentença possibilita ao vencedor, nos casos de resistência do vencido em cumprir a decisão, recorrer ao Poder Judiciário, através do processo de execução.
Nota-se que a sentença condenatória pode dar ensejo a uma execução forçada, necessitando de uma intervenção estatal.
8.4 Da interpretação do art. III da Convenção
Ante o exposto, pode-se interpretar o art. III da Convenção de 1958 com o seguinte raciocínio.
O critério adotado pela Lei de Arbitragem para definir arbitragem internacional é imperfeito.
A exigência de homologação de sentença estrangeira é legal (art. 483, do CPC) e não constitucional (art. 105, I, i). De tal forma que a desnecessidade de homologação de sentença arbitral estrangeira não feriria uma norma constitucional.
Todavia, a arbitragem tem natureza jurídica mista, é contratual na origem e jurisdicional na finalidade, necessitando de oficialização quando houver execução forçada, tendo em vista que a atuação do Poder Judiciário se faz presente.
Sabe-se que a sentença condenatória será considerada título executivo jurisdicional, conforme se depreende do art. 31 da Lei 9.307/96[28]. Essa é a sentença que necessita de homologação, posto que “os laudos de conteúdo declaratório e constitutivo prescindem do processo de execução, sendo suficientes para operar seus jurídicos efeitos”.[29] Não necessitando, dessa forma, de homologação.
Assim, a sentença arbitral estrangeira, sendo condenatória, ficará submetida à homologação pelo STJ, não por imposição constitucional, e sim por exigência legal.
Vale ressaltar que, tendo em vista a natureza jurídica mista da arbitragem e a promulgação da Convenção de Nova Iorque, se houver, por parte do vencido, cumprimento espontâneo, entende-se que não será necessária a obtenção do exequatur. O pedido de homologação será necessário apenas nos casos de inadimplemento da sentença arbitral estrangeira, uma vez que ensejará execução e, conseqüentemente, necessitará da intervenção do Poder Judiciário.
Analisadas tais questões e demonstradas as incongruências de cada posicionamento (o privatista, o publicista e o conciliatório), chega-se à conclusão de que as sentenças arbitrais que prescindem de execução forçada, não necessitam de homologação, quais sejam: as sentenças declaratórias, as sentenças constitutivas e as condenatórias quando houver cumprimento espontâneo.
CONCLUSÃO
Por se tratar de um dos principais pilares da arbitragem, a Convenção de Nova Iorque avaliza a eficácia da cláusula com promissória, bem como garante o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras em diversos Estados.
O art. III da Convenção de 1958 prevê que não serão impostas maiores condições para o reconhecimento e execução da sentença arbitral estrangeira do que as impostas para a sentença arbitral doméstica.
O critério estabelecido na Lei de Arbitragem para definir arbitragem internacional é bastante imperfeito. Não se pode considerar estrangeira uma sentença arbitral somente por ter sido proferida em outro país. Tal critério enseja controle prévio (exigência de homologação) de sentenças que, frente à necessidade de se estabelecer um foro neutro para se processar a arbitragem, somente foram formalizadas por escrito em outro país.
Por outro lado, há controle incidental para sentenças que, única e exclusivamente, foram proferidas no Brasil, sendo as partes, os árbitros e a legislação aplicável estrangeiros. Neste último caso, a parte que se sentir lesada poderá provocar o Poder Judiciário através da ação de nulidade ou mediante ação de embargos do devedor.
A natureza jurídica da arbitragem tem caráter híbrido, há que se levar em conta o aspecto privado e público do instituto. A arbitragem é contratual na origem e jurisdicional na finalidade. É de suma importância a consideração das duas searas, uma vez que mesclando a celeridade da esfera privada com a segurança do aspecto público, a arbitragem tende a se desenvolver cada vez melhor.
A exigência de homologação de sentença estrangeira decorre da norma de uma lei ordinária federal, prevista no art. 483, do CPC e não da Constituição Federal (art. 105, I, i), que apenas atribui regra de competência. O que significa dizer que se houver pedido de homologação, este será julgado pelo STJ. Portanto, a necessidade de homologação da sentença forasteira, para que esta tenha eficácia no Brasil, é uma exigência legal e não constitucional.
As sentenças declaratórias e as constitutivas são aptas a produzirem seus efeitos jurídicos sem a necessidade de processo de execução. Dessa forma, não precisam de homologação.
A sentença condenatória é título executivo jurisdicional. Tal sentença necessita de homologação nos casos em que for necessário se valer de uma execução forçada, tendo em vista a atuação do Poder Judiciário. Todavia, havendo cumprimento espontâneo da sentença condenatória, não se faz necessária a obtenção do exequatur.
Assim, conclui-se que, levando em consideração a natureza jurídica mista da arbitragem e a redação do art. III da Convenção de Nova Iorque, as sentenças que prescindem de execução forçada, quais sejam, as sentenças declaratórias, as sentenças constitutivas e as sentenças condenatórias quando houver cumprimento espontâneo, não necessitam de homologação pelo Poder Judiciário.
Estas questões ora examinadas visam a enfatizar a importância da arbitragem internacional, utilizada em quase todas as relações comerciais internacionais. Sem dúvida, a arbitragem é o método mais escolhido nestes tipos de transações, por evitar a morosidade do Poder Judiciário e que a controvérsia seja julgada por normas processuais desconhecidas de outro país. Em verdade, busca-se soluções “neutras” no momento da contratação, por meio da desnacionalização dos contratos.
Com efeito, faz-se necessária a modernização da legislação nacional, cabendo ao STJ interpretar e aplicar a Convenção de Nova Iorque, em conformidade com nosso ordenamento jurídico, considerando sempre o estágio atual de desenvolvimento da arbitragem no Brasil e no exterior, uma vez que não se pode deixar de considerar que a redação da Convenção data de 1958.
Advogada em Belo Horizonte, Secretária Geral da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil.
Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem.
Membro da Comissão OAB/Jovem de Minas Gerais.
Participação em diversos congressos e seminários, especialmente sobre a aplicação da arbitragem.
Ministra cursos e palestras sobre Arbitragem
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