Resumo: O artigo ora apresentado realizou um estudo doutrinário e jurisprudencial com o objetivo de avaliar as mudanças jurídicas ocasionadas pela Lei 11.101/2005, que trouxe à tona a possibilidade da empresa recuperar-se judicialmente, num âmbito diferenciado em relação às antigas Concordatas face ao Princípio da Preservação. Foi realizado o estudo com base no ordenamento jurídico vigente e também no revogado, demonstrando sua evolução e situação atual. Os resultados demonstram grande evolução quanto à criação do Instituto da Recuperação Judicial que seguiu a linha dos ordenamentos jurídicos estrangeiros mais modernos. As inovações adequaram-se ainda mais aos princípios basilares constitucionais, ao objetivo da função jurisdicional e principalmente à capacidade de resolução de conflitos de caráter público e privado, de forma a concretizar o Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Recuperação Judicial e Extrajudicial. Concordata. Princípio da Preservação da Empresa. Função Social da Empresa.
Abstract: The article presented here held a doctrinal and jurisprudential study aimed to evaluate the legal changes caused by law n. 11.101/2005, which raised the possibility of the company recover court, in a different context from past Bankruptcies Protection over the Principle of Preservation. The study was conducted based on the law in force and also revoked, showing its evolution and current situation. The results demonstrate great progress on the establishment of the Institute of Judicial Reorganization that followed the line of modern foreign jurisdictions. The innovations have adapted even more basic constitutional principles, the goal of the judicial function and especially the ability to resolve conflicts of public and private character, in order to realize the Democratic State of law.
Keywords: Judicial and Extrajudicial Enterprise Reorganization. Bankruptcies Protection. The Principle of Preservation. The Social Function of the Enterprise.
Sumário: Introdução. 2. Histórico. 3. O instituto da concordata. 3.1.Concordata Remissória e Concordata Moratória, a antiga Nomenclatura. 3.2.Da Concordata Preventiva e Da Concordata Suspensiva. 3.2.1. Procedimentos. 3.2.2.Legitimidade Ativa. 3.2.3.A Concordata Preventiva. 3.2.4.A Concordata Suspensiva. 3.3. A Natureza Jurídica da Concordata. 3.4.Efeitos. 4. O instituto da recuperação de empresaS. 4.1. A Recuperação Extrajudicial. 4.1.1.A Manutenção da Sucessão Tributária. 4.1.2.A Novação dos Créditos e a Impossibilidade de Retorno ao Status quo Ante. 4.1.3.A Possibilidade de Revogação ou Declaração de Ineficácia dos Atos Praticados. 4.2.A Recuperação Judicial Ordinária. 4.2.1.Objetivo. 4.2.2. Cabimento. 4.2.3.Competência. 4.2.4.Créditos sujeitos ao regime de Recuperação. 4.2.5.O Procedimento. 4.2.6.O Plano de Recuperação. 4.3.A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas. 5. Comparativo entre o instituto da recuperação empresarial e o instituto das concordatas. 6. Convolação da recuperação judicial em falência. 7. A função social no processo de recuperação empresarial. 8. O princípio da preservação da empresa. 9. O posicionamento doutrinário. 10. Conclusão
INTRODUÇÃO
As mudanças jurídicas ocasionadas pela criação da Lei 11.101/2005 trouxeram à tona a possibilidade da empresa recuperar-se judicialmente, num âmbito diferenciado em relação às antigas concordatas face ao Princípio da Preservação.
A grande mudança está na extinção da concordata e sua “substituição” pelo Instituto da Recuperação Judicial.
É oportuna, desde já, a colocação de que não constitui objetivo deste artigo a análise pura das diferenças legislativas que constituíram os dois institutos, mas especificamente a efetiva aplicação dos mesmos no ordenamento jurídico brasileiro face à dinamização das relações, levando em consideração a diferença temporal das leis analisadas, quais sejam, Decreto-Lei 7.661/45(Concordata) e Lei 11.101/05(Recuperação Judicial e Falência).
Em resposta ao problema levantado, que trata da evolução ou involução quando da extinção do Instituto da Concordata e a criação do Instituto da Recuperação de Empresas, é necessária profunda análise do nosso ordenamento jurídico vigente.
Para a compreensão do assunto é também interessante o estudo da evolução histórica da matéria, considerando, de antemão, que o nosso direito positivo evoluiu lentamente, embora desde o Código Comercial de 1850 já se falasse em Recuperação de Empresas. Como exemplo desse desenvolvimento, ressalte-se que, apenas a partir de 1945, com a criação do Decreto Lei 7.661/45(Concordatas) é que a Recuperação Judicial foi oficialmente inserida no ordenamento, já que diante da realidade temporal diversa dos ordenamentos anteriores a fraude era entendida como elemento constante.
Estudos anteriores já existiram sobre o caso, como é possível observar no livro “Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência” dos coordenadores Paulo F.C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão que sintetiza o problema da seguinte forma, in verbis:
“Efetivamente, a conjuntura normativa do diploma 7.661/45 permitia a continuação do negócio, a pedido do devedor, ou a concordata suspensiva, mas ambos os institutos se revelam inócuos, por causa da responsabilidade trabalhista e a sucessão tributária, afora as incertezas do percurso.
O pedido de falência, em sua quase totalidade, não tinha o objetivo de decretar a quebra da empresa, mas sim se traduzia numa verdadeira ação de cobrança. O processo de execução é moroso e sujeita o credor a percorrer todos os Tribunais para receber seus haveres.
A nova Lei moderniza o relacionamento entre as empresas e credores, trazendo entre as principais inovações a substituição do processo de concordata banido por novos mecanismos: a recuperação judicial e extrajudicial.
Bem relevante destacar o espírito dessa nova Lei que tem o objetivo primacial voltado para a recuperação da empresa, possibilitando a sua continuidade, mantendo e gerando empregos e ainda pagando os tributos devidos.
Dessa forma, a nova Lei muito contribuirá -e o tempo mostrará- para o desenvolvimento econômico e social do País”. (TOLEDO, ABRAÃO, 2005)
Cabe ressaltar, nestes primeiros apontamentos, que a Lei de Recuperação de Empresas e Falência trouxe o que de mais moderno há ao ordenamento jurídico brasileiro e aplica amplamente o Princípio da Preservação, utilizando-o como norte e base fundamental, embora aspectos positivos tenham sido extintos após a revogação do Decreto-Lei que tratava das Concordatas, dentre os mais importantes, cabe ressaltar a perda de autoridade judiciária, o que será tratado cuidadosamente em momento posterior.
O estudo ainda versa sobre a renovação jurídica ocorrida após a criação do Instituto da Recuperação Judicial e as faces positivas e negativas da extinção do Instituto da Concordata no Âmbito do Princípio da Preservação da Empresa.
A discussão que se propõe não está apenas nas eventuais vantagens ou desvantagens que possam ter surgido após a criação da Recuperação Judicial, mas também na aplicação prática das bases do instituto no atual cenário jurídico nacional.
O problema é que ainda existem ações de concordata tramitando, tornando necessário o questionamento sobre a eficiência do instituto face aos longos anos de tramitação, tendo em vista os princípios constitucionais vigentes e as normas infraconstitucionais aplicáveis à espécie.
A resolução do questionamento levantado está presente no ordenamento jurídico e no resultado daquelas ações de Concordata e Recuperações Judiciais já concluídas.
A ciência jurídica brasileira deu enorme salto quando criado o Instituto da Recuperação Judicial porque seguiu tendências de países mais desenvolvidos.
Assim, para responder de forma eficaz qual dos Institutos é mais moderno e eficiente na busca da recuperação empresarial, deve-se observar, em primeiro lugar, a Constituição brasileira e os princípios nela contidos. Deve-se ainda fazer uma análise dos Princípios Empresariais, mormente o da Preservação da Empresa.
A nossa Constituição vigente não é omissa, em se tratando do tema ora analisado, visto que possui artigos, como o 5º; 170, caput; incisos IV, VII, dentre outros que tratam e dão base à Recuperação de Empresas.
O Art.47, da Lei n. 11.101/2005, traz em seu bojo sua essência:
“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Quando a empresa se encontra em situação financeira de risco, são “colocados em xeque” os empregos de funcionários, a dignidade da pessoa humana, a circulação de capital no país.
A fonte produtora deve ser preservada e com isso os empregos e os interesses dos credores estarão garantidos, pois se a empresa está gerando capital, poderá quitar as suas dívidas, inclusive possibilitando a compra de subsídios.
O importante é a empresa evitar sua falência e manter suas atividades, mesmo que pague suas dívidas em regime especial. A eventual quebra da empresa certamente causará danos em dimensões maiores ao Estado.
2 HISTÓRICO
Para melhor compreensão acerca do assunto tratado neste artigo, cabe relembrar a origem das execuções no direito romano. Estas execuções eram feitas inicialmente sobre o corpo do devedor e sendo pessoal a dívida, não havia necessidade de intervenção estatal.
Em seguida, surgiu o período do direito quiritário, quando ocorria a adjudicação do devedor pelo credor que poderia prendê-lo, utilizando-o para o que bem entender, conforme as palavras de Amador Paes de Almeida:
“O direito quiritário admitia a adjudicação do devedor insolvente que, por sessenta dias, permanecia em estado de servidão para com o credor. Não solvido o débito, podia vendê-lo como escravo no estrangeiro e até mesmo matá-lo, repartindo-lhe o corpo segundo o número de credores, numa trágica execução coletiva.” (ALMEIDA, 2005 p.381)
Surgiu então a Lei das XII tábuas, quando, pela primeira vez, houve a separação entre os conceitos de execução singular e coletiva.
Nesta mesma época, surgiu a possibilidade de o devedor comprometer-se a entregar o próprio corpo ao credor, evitando assim, o início da execução. O acordo era feito por intermédio de um contrato denominado nexum.
De fato, houve certa aceitação do contrato, de forma que o sistema perdurou ativo até os idos de 428 a.C quando houve um processo de humanização nas execuções que deixaram de recair sobre o corpo. Foram proibidas as mortes e também as vendas de pessoas durante a vigência da Lex Poetelia Papirita, o que segundo Ovídio Batista introduziu ao direito romano as garantias patrimoniais.(BATISTA, Ovídio)
Posteriormente, ainda no Direito Romano passa a ser possível a retirada da posse dos bens do credor com a bonorum sectio, instituindo a missio in bona ou missio possessionem por Rutillio Roffo(pretor). Os bens eram entregues ao cuidado de um curador pelo magistrado e o curador tinha o dever de dar publicidade ao ato. Caso não surgisse nenhum outro credor, o curador repassava estes bens a terceiro que sucedia o devedor em suas obrigações, nos limites do patrimônio que lhe fora alienado, evidentemente de forma proporcional ao valor daquele.
Forma alternativa de execução chamava-se cessio bonorum, que se tratava da cessão de bens pelo devedor ao credor que os vendia para que fosse quitado o débito.
Já no ano de 737 a.C. houve uma importante evolução na execução. A criação da Lex Julia que introduziu a cessio bonorum, em que, como já superficialmente explicitado, o devedor, mediante simples declaração ou formalização judicial entregava seus bens evitando a vergonha e até mesmo a prisão.
Esta cessão de bens marca o início do direito falimentar e a partir deste momento, o credor buscava sozinho a satisfação de seu crédito de forma civilizada, sem a utilização de violência corporal. Aqui surge o conceito de massa falida.
A atualmente denominada massa falida surgiu efetivamente a partir da execução coletiva, quando era formado um concurso de credores que, organizadamente, fariam a divisão dos bens do devedor respeitando a ordem e a fração devida a cada qual.
Já a Concordata, instituída posteriormente à cessão de bens diferia os bons credores dos maus. Os primeiros poderiam compor-se com os credores por meio da moratória, que a grosso modo era a dilação concedida ao devedor para solver suas obrigações e não precisariam ceder os bens só pelo fato de serem devedores.
A concordata iniciou um processo de humanização das execuções de bens para pagamento de dívidas do comerciante ou empresário, evitando sua falência e os conseqüentes danos que isso poderia lhe acarretar.
O objetivo da concordata era proteger o comerciante honesto e – aquele que se encontrava em dificuldade financeira num momento específico – da declaração de falência, mas possuía defeitos que possibilitavam abusos, embora fosse a única maneira de salvaguardar o empresário das penas da falência e suas graves conseqüências. Não há favorecidos no processo, mas era uma forma hábil de manter a empresa e evitar a dispensa de funcionários, término do giro do capital, o que não é interessante, numa visão sistemática.
As primeiras formas da Concordata surgiram ainda no Direito Romano, não com este nome, mas com as mesmas características, que permitiam a composição da dívida.
Pode ser citada a induciae quinquennales (induciae = pazes; quinquennales = em períodos de cinco em cinco anos), inicialmente concedida pelo imperador, em concessões de prazos não superiores há cinco anos para pagamento das dívidas possibilitando a exceptio moratoria (exceptio = exceção; moratoria = dilatação).
Mas somente na Idade Média o instituto se consolidou, surgindo inicialmente na Itália e se espalhando posteriormente para outros países europeus.
No Brasil, a Concordata foi trazida por intermédio das Ordenações do Reino e a formalização em lei ocorreu a partir do Código Comercial brasileiro de 1850, em título especial que englobava os artigos compreendidos entre o de nº 842 ao de nº 854. Nesse primeiro momento, a Concordata chega como forma de suspender a Falência.
Já a Concordata Preventiva foi apresentada no texto do Decreto Republicano nº 917, de 24 de outubro de 1890. E outras alternativas objetivando evitar a falência também foram incorporadas pelo sistema jurídico nacional como a moratória (dilatação de prazo); cessão de bens (cessio bonorum) e o acordo extrajudicial.
Em seguida, a Lei 2.024 de 17 de dezembro de 1908 deu continuidade ao instituto e alterou alguns dispositivos, o que melhorou a dinâmica do instituto e inseriu novos princípios basilares no ordenamento.
No entanto, a previsão legal seguinte e a mais incisiva das Concordatas ocorreu no Decreto-Lei 7.661/45, no qual permaneceu o instituto em plena atividade até os idos de 2005. Posteriormente deixou de existir para a criação da Recuperação da Empresa pela Lei 11.101/05, quando foi ainda mais fortalecida com a inserção e reconhecimento definitivo dos Princípios da Preservação da Empresa, da Função Social, dentre outros, antes aplicados com base na jurisprudência.
3 O INSTITUTO DA CONCORDATA
De acordo com Octavio Mendes (1930), em seu livro Fallencias e Concordatas, o instituto da Concordata poderia ser comparado a um contrato firmado entre o falido e seus credores, de modo que o débito seria quitado em parte ou em sua totalidade, à vista ou a prazo.
Para Amador Paes de Almeida:
“Concordata, do verbo concordar, significa, etimologicamente, acordo, conciliação, ajuste, combinação.
No sentido jurídico define o instituto que objetiva regularizar a situação econômica do devedor comerciante, evitando (concordata preventiva), ou suspendendo (concordata suspensiva), a falência.” (ALMEIDA, 2005 p.384)
3.1 Concordata Remissória e Concordata Moratória, a Antiga Nomenclatura.
Essa era a antiga nomenclatura das Concordatas. Os institutos foram posteriormente alterados no ordenamento jurídico nacional e receberam os nomes de Concordata Preventiva e Suspensiva, conforme será melhor demonstrado mais a frente.
Aqui, a concordata era tratada de forma mais simplória e a nomenclatura praticamente servia para diferenciar o pagamento à vista com abate daquele pago à prazo. Com a alteração do sistema, as Concordatas passaram a englobar ambas as possibilidades e os nomes Preventiva e Suspensiva passaram a valorizar em primeiro lugar o procedimento da falência em detrimento da forma de pagamento do débito.
No que tange ainda à antiga nomenclatura, cabe explicar do que se tratam. Quando o pagamento do débito era feito à vista, ocorria um abate no débito do devedor, de modo que recebia a denominação de Remissória, como demonstra ainda o nobre autor, Sr. Octavio Mendes (1930):
“É o que os franceses chamam concordat de remise, os alemães Nachlassvertrag e os italianos, concordato remissório”. (MENDES, 1930, p.331)
Quando a concordata apenas concedia prazo para o credor efetuar o pagamento de seus débitos, recebia o nome de Concordata Moratória e nas palavras do nobre Octavio Mendes (1930):
“É o que os franceses chamam concordat d’aier-moiement (do momento posterior), os alemães Lundungsvertrag, e os italianos concordato moratorio.” (MENDES, 1930, p.332) (Grifo do autor)
3.2 Da Concordata Preventiva e da Concordata Suspensiva
3.2.1 Procedimentos
Este tópico pretende delimitar, de forma dinâmica, os procedimentos adotados tanto na Concordata Preventiva, como na Concordata Suspensiva.
3.2.2 Legitimidade Ativa
De acordo com o Decreto Lei 7661/45, somente o comerciante devedor teria direito à Concordata, o que deixava de lado os devedores comuns e também as sociedades civis. É óbvio que, tratando-se de pessoa física, sob firma ou o comerciante singular não há ilegitimidade, por se tratarem esses, de comerciantes desde que cumpridos os requisitos legais para tal.
Nos termos do art.140 do Decreto-Lei 7661/45[1], só o comerciante regular poderia utilizar-se dos favores da Concordata, exceto em casos que o passivo quirografário não alcançasse a fração inferior de 100 vezes o valor do salário mínimo vigente à época.
3.2.3 A Concordata Preventiva
A Concordata Preventiva tinha como objetivo prevenir, acautelar, evitar a falência. De acordo com Amador Paes de Almeida, citando ainda, Miranda Valverde:
“Objetiva, pois, a concordata preventiva, recompor o patrimônio da empresa, evitando, outrossim, a declaração de sua falência, como, aliás, põe em relevo o eminente Miranda Valverde:
‘Quanto ao seu objeto é um modo de extinção de obrigações, na conformidade das condições estabelecidas pelo devedor. Quanto ao fim, é um meio de evitar a declaração de falência ou fazer cessar o processo dela.’” (ALMEIDA, 2002, p.400)
Para requerer a Concordata Preventiva o devedor haveria de atender aos pressupostos previstos na legislação, sob pena de decretação de falência.
Neste sentido, o prazo para cumprimento da Concordata Preventiva era contado a partir da data do ingresso do pedido em juízo (alterações realizadas pela Lei 4893/66, haja vista anteriormente ser contabilizado o prazo a partir da sentença homologatória), e por este motivo deveriam ser depositadas em juízo as prestações que, porventura, vencessem antes da sentença concessiva, sob pena de declaração falimentar.
Embora a Concordata obrigasse credores e devedores, não havia impedimentos para sua rescisão, desde que ocorresse qualquer dos requisitos do art.150[2] da antiga Lei de Falências.
Os débitos poderiam ser pagos à vista ou na forma de Concordata Mista, com redução de 50%, 60% se pagos em seis meses, 75% em um ano, 90% em um ano e seis meses ou no prazo máximo de dois anos, sem qualquer dedução.
Poderiam ser opostos Embargos à Concordata, no prazo de cinco dias da publicação da mesma pelo comissário.
Após efetuados todos os pagamentos e cumpridas todas as obrigações da Concordata, encerrava-se o processo por meio de sentença.
3.2.4 A Concordata Suspensiva
Ao contrário da pretensão da Concordata Preventiva, o principal objetivo da Concordata Suspensiva era o de suspender o curso da Falência, agindo como última chance para recuperar as atividades empresariais.
Só era possível esta modalidade de Concordata após aberta a falência do devedor, como nos ensina Ruben Ramalho:
“Essa medida só tem cabimento se aberta a falência do devedor postulante. Por isso é que se afirma que a falência é um pressuposto da concordata suspensiva. Só se pode pretender a suspensão de algo em andamento. Não se pode falar em concordata suspensiva sem que haja uma falência.” (RAMALHO,1993)
O juízo competente para análise do pedido de Concordata Suspensiva era o falimentar que decretou a falência da empresa e deveria ser feito no prazo de cinco dias, nos termos do art.178 da antiga lei falimentar, de modo que, se não cumprido o prazo, o pedido poderia ser feito posteriormente, mas neste caso, não haveria interrupção da realização do ativo e pagamento do passivo.
O esperado efeito da Concordata Suspensiva sobre a falência era a almejada retomada do controle das atividades empresariais pelo concordatário, já que naquela todos os bens formam a massa falida que será administrada pelo síndico, de modo que fica suspensa a atividade empresarial, o que de forma alguma, corresponde às expectativas do direito moderno, aliado ao Princípio da Preservação da Empresa.
Do mesmo modo que na Concordata Preventiva, os Embargos à Concordata Suspensiva eram apresentados, no prazo de cinco dias, sob os argumentos elencados no art.143[3] da ainda antiga Lei de Falências – Decreto-Lei 7661/45.
Como já explicado anteriormente, a Concordata Suspensiva tinha como objetivo suspender uma falência já decretada. Parte da doutrina também conhece este instituto como Concordata Terminativa ou Concordata Extintiva.
Ela era requerida nos próprios autos da falência, após a apresentação do quadro geral de credores.
3.3 A Natureza Jurídica da Concordata
Havia acalorada discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da Concordata. Parte da corrente doutrinária acreditava se tratar de um simples contrato entre credores e devedores. Esta é a corrente contratual que entendia que a base da sentença que homologaria ou não a Concordata parte do voto dos credores, de modo que a justiça aqui faz o papel de fiscal da regularidade do processo, o que não corresponde à verdade, visto que a simples Concordata não homologada não obrigava nenhum dos credores e nem mesmo o devedor.
Em tempos mais modernos, a corrente acontratualista entendendia que não se tratava de contrato firmado entre as partes, mas sim de faculdade concedida por lei ao comerciante em apuros.
A doutrina mais moderna filia-se à última corrente, e, de fato o instituto da Concordata é um favor concedido por lei. Não se trata de um contrato, e sim, o direito de pleitear em juízo a possibilidade de reconstrução da estrutura empresarial econômica e financeira do devedor empresário. Portanto, a natureza jurídica da Concordata é processual.
3.4 Efeitos
A Concordata não proibia o empresário em administrar seus bens. Mas, embora não houvesse a intervenção direta nos bens, os atos empresariais passavam a ser fiscalizados pelo comissário que não retirava a totalidade da autonomia do concordatário, mas restringiam alguns atos que poderiam causar insegurança dos credores.
A Concordata, como já dito superficialmente alhures, apenas alcançava os credores quirografários, de modo que todos aqueles credores privilegiados, trabalhistas, tributários ou com garantia real não eram atingidos.
Em relação ao efeito causado no débito do devedor, não poderia se falar em novação, haja vista a possibilidade de acionamento de avalistas e coobrigados para recebimento de diferença ou até mesmo da totalidade dos valores devidos pelo empresário, podendo inclusive fazê-lo diretamente sem sequer habilitar o crédito.
No entanto, cumprida a concordata, ocorria a extinção de suas obrigações, mesmo que o pagamento não fosse integral.
4 O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
O Instituto da Recuperação Empresarial surgiu a partir de modernos diplomas jurídicos estrangeiros e foi inserido no ordenamento brasileiro com o advento da Lei 11.101/2005.
Nos termos do artigo 47, da Lei 11.101/45, a recuperação judicial é definida da seguinte forma:
“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Segundo Fran Martins:
“Antevista a crise da empresa como sendo um processo transitório que leva a um ajuste nas estruturas de produção e manutenção de seus custos, priorizando a fomentação de instrumentalizar a atividade, o legislador editou a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, entrando em vigor em 09 de junho de 2005, e assim preservando as empresas em dificuldade.” (MARTINS, 2007, p.460)
A inovação no instituto deu-se a partir do momento em que o Decreto-Lei 7.661/45 passou a não mais atender às expectativas, levando em consideração a evolução dos fatores sociais e psicológicos, que desde a Segunda Grande Guerra, já eram evidentes em países europeus, o que, de fato, não refletiu na antiga Lei de Falências e Concordata que já fora criada em desacordo com o que exigia a década de 40, apesar de ainda sim representar uma melhora no sistema falimentar quando da sua criação.
O respeitável Fran Martins, em seu Curso de Direito Empresarial, ainda cita Phillippe Peyramaure e Pierre Sardet[4], quando afirmaram que diante da crise, podem ser percebidos três mecanismos de suma importância, quais sejam: I. a rapidez da reação, ou seja, não há como recuperar uma empresa que antes mesmo de tentar efetuar o pagamento de seus credores já dilapidou o patrimônio; II. O realismo, demonstrando, desde o início a real situação econômica e financeira da empresa e III. A discrição.
Em resumo, o mesmo Fran Martins define a Recuperação de Empresas da seguinte forma:
“Em linhas gerais, a recuperação tanto judicial como extrajudicial, previstas na legislação, visam ao exaurimento dos meios instrumentais para se evitar a falência da empresa em crise, mantendo os empregos, a arrecadação, fornecedores e acima de tudo o nome com o respectivo conceito no mercado.” (MARTINS, 2007, p.461)
Os mecanismos citados ainda serão tratados de forma específica mais adiante.
4.1 A Recuperação Extrajudicial
Para poder propor e negociar um plano de recuperação extrajudicial é necessário que o devedor preencha os requisitos do artigo 48 da Lei 11.101, conforme vemos abaixo:
“Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.
§ 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.
§ 2o O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.
§ 3o O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois (dois) anos.
§ 4o O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.
§ 5o Após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários.
§ 6o A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”. (grifo do autor)
O objetivo desta modalidade de Recuperação é negociar, evitando a movimentação da máquina do judiciário, tão saturada.
Embora o artigo 47 da Lei 11.101/2005, inicialmente apresente um conceito direto à recuperação judicial, é evidente que os princípios citados, quais sejam preservação da empresa, sua função social e o estímulo à continuidade da atividade econômica encontram-se presentes na Recuperação Extrajudicial. Desse modo, embora acima explicitado, o fato de a Recuperação de Empresas Extrajudicial ainda não ter se estabelecido efetivamente no Brasil decorre de fatores que limitam a aplicação deste tipo de Recuperação pela empresa em crise econômico-financeira grave, o que não tira do presente instituto sua utilidade nas Recuperações de menor monta, senão, vejamos:
Nos termos do supracitado §1º do art. 161 da Lei 11.101/05, existem certas limitações para a utilização da Recuperação Extrajudicial, o que dificulta sua aplicação efetiva em algumas oportunidades.
O principal objetivo da Recuperação Extrajudicial é permitir ao devedor a negociação de seus créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado, créditos com privilégio geral ou especial, quirografários e subordinados, bem como aqueles créditos previstos em lei ou contrato, dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
Fora das possibilidades de negociação no âmbito da Recuperação Judicial estão os seguintes créditos: I) de natureza tributária; II) derivados da legislação do trabalho; III) decorrentes de acidente de trabalho; IV) de credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; V) de credor arrendador mercantil; VI) de proprietário ou promitente vendedor de imóvel com contratos contendo cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; e VII) de proprietário em contrato de compra de venda com reserva de domínio.
Da supracitada negociação resulta um plano de Recuperação de Empresa Extrajudicial, que poderá ou não ser homologado pelo juiz competente. Na verdade, este instituto trouxe a possibilidade de um simples acordo entre credor e devedor tornar-se vinculado à lei, o que, de fato, trouxe algumas boas novidades ao empresário. São: I) tratamento unitário das relações jurídicas com os credores; II) subordinação do interesse dos credores ao interesse social da empresa; III) possibilidade de venda de ativos sob o procedimento judicial, nos termos do artigo 142; IV) possibilidade de oposição do plano a terceiros; V) executividade da sentença homologatória, conforme prevê o artigo 161, parágrafo 6º da lei.
Ainda menor é a burocracia para homologação deste acordo, visto que pendências do devedor não são impeditivas para o êxito de tal ato judicial.
Ocorre que, como dito, se por um lado o instituto da Recuperação Extrajudicial da Empresa trouxe vantagens interessantes, por outro trouxe barreiras que inviabilizam a sua utilização em massa. Vejamos: I) a manutenção da sucessão tributária nas hipóteses de alienação de filiais ou unidades produtivas do devedor (art. 166 da Lei 11.101/05); II) a novação dos créditos na recuperação extrajudicial e a impossibilidade de retorno às condições anteriores na hipótese de falência(art. 163 da Lei 11.101/05); e III) o risco de revogação ou de declaração de ineficácia de atos praticados na recuperação extrajudicial, através de ações revocatórias (art. 138 da Lei 11.101/05).
4.1.1 A Manutenção da Sucessão Tributária
A primeira hipótese, qual seja, a manutenção da sucessão tributária em casos de alienação de filiais ou unidades produtivas do devedor é prevista pelo artigo 166, da Lei de Recuperação e Falências:
“Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.”
Ocorre que, a Lei Complementar nº118/2005[5], que alterou o Código Tributário Nacional para adequá-lo à Lei 11.101/2005, estabeleceu a inexistência de responsabilidade tributária em casos de sucessão empresarial quando a alienação judicial ocorrer em processo de falência ou tratar-se de alienação de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial, deixando de lado a recuperação extrajudicial.
No caso, não se sabe se foi por esquecimento ou d forma consciente que o legislador optou por deixar de lado a recuperação extrajudicial e não isentar o alienante das responsabilidades tributárias.
Fato é que, o magistrado tem o dever de determinar a realização da alienação, nos termos do artigo 142 da Lei 11.101/2005 e esta responsabilidade suprime a efetividade da alienação, tendo em vista que ninguém comprará um bem sabendo de suas pendências tributárias.
Se ocorreu por esquecimento, haveria, em tese, a possibilidade de utilizar o disposto para a recuperação judicial em alienações extrajudiciais, já que, o próprio legislador preocupou-se em inserir no Código Tributário Nacional, por meio da LC 118/2005, elemento jurídico capaz de evitar fraudes, senão vejamos:
“Art.133[…]:
§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for:
I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou
III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.”
Sendo assim, importante alteração seria a exclusão da sucessão tributária em casos de alienação na Recuperação Extrajudicial, em virtude dos princípios fundamentais, da função social da empresa e principalmente do Princípio da Preservação.
4.1.2 A Novação dos Créditos e a Impossibilidade de Retorno ao Status quo Ante.
Uma vez homologado o plano de recuperação extrajudicial, ocorre a novação dos créditos e este efeito ainda continua mesmo após a decretação da falência. Algo perigoso, visto que sendo decretada a falência, o crédito habilitado será o homologado e não o originário, o que repele o interesse dos credores, a não ser que tenham muita certeza que receberão o que lhes é devido, o que, de fato, é uma situação remota, já que se trata de uma empresa economicamente abalada.
Embora não haja explícita previsão legal da novação que ocorre na recuperação extrajudicial, o fenômeno é presumível ao sistematizar a ideia de que a homologação nada mais é que a oficialização desta novação com a ideia de que a natureza jurídica de uma Recuperação Extrajudicial não homologada é estritamente contratual, como um acordo de cavalheiros.
Evidente que, para o devedor esta é uma das principais vantagens desta modalidade recuperatória enquanto que, para os credores, pode representar risco.
Outro fato que não atrai a atenção é o fato de que após homologado o acordo, o credor não poderá desistir, mesmo que o devedor autorize, porque precisaria ainda da autorização dos outros também credores.
Apenas a não homologação do acordo permitiria ao credor pleitear seu crédito na forma originária, nos termos do artigo 165, §2º[6] da Lei de Recuperações e Falências.
Cabe chamar atenção para a situação diversa que ocorre na Recuperação Judicial, tendo em vista que, depois de decretada a falência, os credores terão oportunidade de cobrar seus créditos em sua forma original, deduzidos os atos válidos praticados em recuperação, nos termos do art. 61, §2º da Lei 11.101/2005, senão vejamos:
“Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.[…]
§ 2o Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.[…]”
4.1.3. A possibilidade de Revogação ou Declaração de Ineficácia dos Atos Praticados.
Em se falando de Recuperação Extrajudicial, existe ainda a possibilidade de revogação ou até mesmo de ineficácia dos atos praticados, mesmo que estes tenham origem de decisão judicial, o que é confirmado no art. 138 da Lei 11.101/2005:
“Art. 138. O ato pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com base em decisão judicial, observado o disposto no art. 131 desta Lei.
Parágrafo único. Revogado o ato ou declarada sua ineficácia, ficará rescindida a sentença que o motivou.”
Até mesmo atos que vinculam terceiros, como é o caso das já citadas alienações de unidades produtivas ou filiais da empresa estão sujeitos à revogação.
Embora haja grande divergência doutrinária acerca desta possibilidade, o CPC prevê a rescisão de sentença transitada em julgado em seu artigo 485, de modo que, ainda que haja coisa julgada, em tese, haveria a possibilidade de revogação ou declaração de ineficácia a atos praticados.
4.2 A Recuperação Judicial Ordinária
É o procedimento comum previsto regulamentado pela Lei.
4.2.1 Objetivo
Cabe salientar que a Lei 11.101/2005, no que tange principalmente à recuperação privilegiou aquelas empresas de médio e grande porte, deixando de lado as empresas de menor porte. Para as grandes e médias, foi estabelecido um procedimento ordinário para sua recuperação judicial, enquanto para aquelas pequenas e médias empresas, foi explicitado um procedimento especial.
Desapareceu a figura da Concordata em qualquer de suas formas, seja preventiva, suspensiva, e a continuidade do cotidiano empresarial após decretação de falência. Foi criada a Recuperação Empresarial que, de forma diferente das concordatas, permite em alguns casos a manutenção das atividades empresariais.
A Recuperação Judicial visa a criação de um plano mais elaborado e negociado em Assembléia diretamente com os credores, que poderão aceitar, modificar ou rejeitar o plano, sendo que esta última hipótese acarretaria automaticamente na decretação da falência.
Burocraticamente, a Recuperação Judicial se tornou mais acessível que as Concordatas e na falta de algum requisito previsto em lei, não haverá em tese impedimento em caso de concordância dos credores, até porque a Lei atual possui bases principiológicas mais fortes, onde estão incluídas a Função Social e o Princípio da Preservação.
Portanto, o objetivo da Recuperação Judicial da empresa é o restabelecimento financeiro e social das condições saudáveis das empresas de grande porte num procedimento ordinário modernizado, buscando o mesmo fim para as empresas de pequeno porte e microempresas num procedimento especial (semelhante à revogada concordata preventiva), visando assegurar a aplicação dos Princípios da Preservação e da Função Social da empresa.
4.2.2 Cabimento e Competência
Caberá ao empresário que encontrar-se sob dificuldades financeiras, após atendidos os requisitos do art.48, da Lei 11.101/2005, levando ainda em consideração o que dispõe o artigo 47 da mesma lei:
“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (grifo do autor)
Em seu artigo, o professor Waldo Fazzio Júnior[7] infere a existência de pelo menos três modalidades daquilo que a Lei de Recuperação e Falências chama de “crise econômico-financeira”, são elas: I) iliquidez; II) insolvência e III) situação patrimonial dependente de readequação.
Cita ainda a suposta impossibilidade de a empresa se recuperar quando estiver encaixada na segunda modalidade, a insolvência, porque ainda segundo o nobre autor, esta situação é irreversível e deveria ser tratada com a falência da empresa e a liquidação de seus bens.
Em relação à iliquidez ressalta que sua publicidade se dá por meio dos protestos de títulos. Está relacionada com a indisponibilidade financeira momentânea, não há impossibilidade de pagamento, apenas indisponibilidade para aquele momento em que o montante fora cobrado. Em muitos casos a recuperação é plenamente possível, tendo em vista que a iliquidez não se deu por falta patrimonial e sim falta de fundos em caixa.
Embora interessantes as observações feitas pelo professor Fazzio Júnior, restringir a este nível um benefício concedido em lei não parece o caminho mais viável, haja vista a existência de diversos mecanismos legais que justamente foram criados de forma a filtrar os legitimados.
A Lei mais recente permitiu a juízes e credores a decisão acerca da eventual existência da crise financeira da empresa, já que poderão analisar o plano de recuperação e a documentação acostada. Não há necessidade de formalizar um juízo prévio de valoração haja vista a autonomia concedida pela lei.
Por fim, o juízo competente para apreciação de pedidos de recuperação é o do local do principal estabelecimento do devedor ou até mesmo da filial, em caso de a matriz quedar-se no exterior, conforme se vê do art.3º da Lei de Recuperação. [8]
4.2.3 Créditos sujeitos ao regime de Recuperação
Nos termos do artigo 49 da Lei, estão sujeitos à Recuperação Judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, o que de certa forma, evoluiu em relação às Concordatas que só atingiam os créditos quirografários.
No entanto, o §3º da mesma lei supracitada faz ressalvas e, portanto, não são afetados: I) o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; II) o arrendador mercantil; III) o proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; IV) o proprietário em contrato de venda com reserva de domínio e V) os créditos fiscais (art. 6º, §7º).
4.2.4 O Procedimento
A petição inicial deverá ser apresentada com as informações e todos os documentos necessários, nos termos do artigo 51 da Lei de Falências:
Se presentes todos os documentos e informações requisitadas, o juiz poderá deferir o processamento da recuperação judicial e a partir daí, serão observados os dispositivos elencados no art. 52 da mesma lei.
Interessante apontar a nomeação do administrador judicial, nos termos do inciso I, do art. 52, que não mais faz necessária sua correlação com a empresa recuperanda, como ocorria com o comissário das concordatas que necessariamente deveria ser um dos maiores credores da empresa.
Após o despacho inicial, ocorre automaticamente a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor por 180 dias, observadas as exceções e ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 6o[9] desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49[10] desta Lei. (Trecho da letra da lei)
Na Recuperação Judicial, também haverá a publicação do edital, que necessariamente deverá conter relação dos credores, valor atualizado e classificação de cada crédito, sendo que o prazo para habilitações ou divergências em valores apresentados é de 15 dias para a análise do próprio administrador.
Haverá, então, nova publicação do esboço do Quadro Geral de Credores a ser apresentado pelo Administrador Judicial em 45 dias. Eventuais impugnações quanto aos credores apresentados ainda poderão ser instruídas pelos credores, pelo Comitê, pelos sócios, pelo Ministério Público e até mesmo pelo devedor no prazo de 10 dias, o que desta vez será submetido à análise do juiz.
4.2.5 O Plano de Recuperação
O artigo 53 da Lei 11.101, apresenta os documentos necessários para a instrução do Plano de Recuperação, o que passa a ser requisito, num prazo de 60 dias, sob pena de convolação da recuperação em falência.
O Plano de Recuperação de Empresas nada mais é que o traçado de um objetivo, de forma a regularizar e não permitir a perda da função do instituto, dando segurança aos envolvidos. Aqui não há grandes limitações e o empresário poderá se valer de uma ou até mais formas previstas.
Importantíssimo ressaltar que na Recuperação não há delimitação de tempo de pagamento dos créditos como ocorria nas concordatas. O tempo para pagamento do montante devido deverá ser acordado e exposto no Plano de Recuperação e não é mais objeto de artigo na lei, o que de fato trouxe grande mobilidade e ampliou vastamente o leque e a possibilidade de recuperação de grandes empresas. As formas de recuperação estão previstas no art. 50 que apresenta um vasto leque de possibilidades.
Após o recebimento do Plano de Recuperação, o juiz determinará a publicação do mesmo, de modo que qualquer impugnação deverá ser feita, no prazo de 30 dias, conforme infere o art. 55 da Lei e Falências e Recuperação. Cabe especial atenção ao que infere o parágrafo único do artigo 55, estabelecendo como base para contagem do prazo de 30 dias o que ocorrer por último, seja a apresentação do plano ou da lista de credores pelo Administrador Judicial.
Se apresentada em juízo alguma objeção aos termos do plano, o mesmo será deliberado em Assembléia de Credores, nos termos do art. 56, e será homologado após as alterações necessárias ou deixará de ser homologado em caso de rejeição e decretada a falência do devedor.
Fato é que o poder de decisão do juiz foi muito limitado com a criação da Lei 11.101/2005, o que abre portas a fraudes e privilégios dos grandes credores em relação aos pequenos e médios. O juiz se vincula à perfeição do plano apresentado e perdeu sua autonomia, nos termos do artigo 45.
O juiz poderá, também, homologar o plano de acordo com o art.58 da Lei 11.101/05 nos seguintes casos: I) voto favorável dos credores que representem mais da metade dos créditos presentes na Assembléia + II) a aprovação de duas classes de credores ou se houverem somente estas duas classes, a aprovação de uma delas + III) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, desde que não haja tratamento diferenciado aos credores que rejeitaram o plano, nos termos do §2º do mesmo artigo. São requisitos cumulativos, portanto não desqualificam a perda de autonomia sofrida pelo juiz.
Ainda no que diz respeito ao procedimento, o devedor poderá desistir da faculdade de recuperar-se judicialmente, porém, após o deferimento pelo juiz só o poderá fazer mediante autorização pela Assembléia Geral, nos termos do art.52 §4º.
Por fim, a decisão que aprova o plano de recuperação judicial é título executivo judicial passível de Agravo, nos termos do art.59 em seus §§ 1º e 2º.
O período de recuperação vincula o devedor e o descumprimento de qualquer obrigação do plano acarretaria na convolação da recuperação em falência, cabendo ressaltar que as obrigações que vencerem até dois anos após a concessão da recuperação estão nela incluídas, conforme previsto no art. 61 da lei, incluindo seus parágrafos.
Essa diferenciação e delimitação temporal foi estabelecida por uma inteligente e moderna estratégia do legislador que agora sim trouxe uma inovação em relação às concordatas.
De acordo com o art.67 da Lei 11.101/2005, aqueles créditos decorrentes das relações comerciais realizadas durante a recuperação empresarial são extraconcursais, no caso de decretação da falência, o que muito auxilia na manutenção das atividades empresariais, mais uma vez presente o Princípio da Preservação.
Para finalizar, se cumprido regularmente o plano, o juiz decretará o fim da recuperação judicial, determinando o pagamento dos honorários do Administrador Judicial e a apuração das despesas judiciais que também deverão ser pagas pelo devedor recuperado.
4.3 A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas
A Lei de Recuperações e Falências diferenciou o procedimento de recuperação a ser aplicado pelas micro e pequenas empresas. Segundo a melhor doutrina, esse diferente rito seria muito semelhante, senão quase cópia do antigo instituto da Concordata Preventiva, já explicitado alhures em tópico próprio.
Segundo o art.70:
“Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1o desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.
§ 1o As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.
§ 2o Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.”
Inicialmente, a legislação vigente da qual se refere o artigo da lei é o Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, a Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006.
As similaridades com o instituto da Concordata Preventiva são bem explícitas no art.71 em que é limitado o plano de recuperação especial nos seguintes termos:
“Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:
I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;
II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);
III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.
Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.”
De fato, não há muito que se falar neste procedimento especial, dada a clareza do artigo que não deixa dúvidas.
Necessário apenas demonstrar algumas diferenças em relação ao procedimento comum das recuperações judiciais, começando pelo exposto no parágrafo único supra, em que não há suspensão daquelas ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.
Aqui, novamente é dada maior autonomia ao juiz de primeira instância que não precisará convocar a Assembléia de Credores mesmo em caso de discordância acerca do plano. Em caso de discordância de credores que possuam mais da metade dos créditos quirografários o juiz julgará improcedente a recuperação e decretará a falência, nos termos do artigo 72 da Lei 11.101/05.
Portanto, pela simplicidade do texto, e plena aplicabilidade sem burocracias, tem-se uma boa ferramenta para recuperação das empresas de menor porte neste procedimento especial, que de certa forma, mescla as benesses da concordata preventiva com a modernidade da recuperação empresarial.
5. COMPARATIVO ENTRE O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL E O INSTITUTO DAS CONCORDATAS
A primeira grande diferença entre os institutos é perceptível quando se observa a autonomia do juiz. A Concordata Preventiva, base para o comparativo, dava amplitude de poderes ao juiz e a decisão sobre deferimento ou indeferimento da Concordata estava em suas mãos. Já na Recuperação, o juiz teve seus poderes tolhidos e os credores passaram a ser determinantes para o prosseguimento do plano.
No que se refere à aplicabilidade, a Recuperação Judicial engloba qualquer tipo de empresa em crise econômico-financeira, o que, de certa forma, vai de encontro com o objetivo da Concordata que visava primordialmente aquelas empresas insolventes com possibilidade de recuperação.
Em relação às formas de solução dos débitos, a Concordata Preventiva concedia dilação no prazo dos pagamentos e remissão de parte da dívida, conforme se vê do artigo 156[11] do Decreto-Lei 7661/45, enquanto a Recuperação enumerou diversas formas de pagamento no artigo 50 da Lei 11.101/05, o que ampliou as possibilidades. A remissão de parte da dívida deixou de existir expressamente no texto legal, embora possa ser acordada no plano.
A natureza jurídica da Concordata era processual, favor da lei, embora houvesse grande discussão doutrinária. A explicação era a vinculação do estado do devedor apenas à Lei, independendo da opinião dos credores, devido o caráter judicial do instituto (e acontratual). Já a Recuperação Judicial exige a concordância dos credores, já que retirou grande parte da autonomia que era dada ao juiz na Concordata. No entanto, embora haja diferença nos dois institutos, a natureza jurídica da Recuperação Judicial é também processual. Apenas a Recuperação Extrajudicial não homologada tem natureza contratual.
Na Recuperação Judicial há inclusive a formação de um Comitê de Credores com grande poder para deliberar acerca do plano, podendo inclusive rejeitá-lo, o que não ocorria na Concordata quando bastava o preenchimento dos requisitos previstos em lei.
Em relação aos créditos abrangidos pelos dois institutos, conforme já demonstrado, a Concordata atingia apenas os créditos quirografários, enquanto a Recuperação atinge qualquer crédito existente ao tempo da ação, desconsiderando as exceções legais.
As companhias aéreas também foram incluídas no rol de legitimados para requerer Recuperação Judicial, a exemplo do que ocorreu com a Varig S.A., o que diverge do disposto no Decreto-Lei 7661/45 que não permitia esta situação.
Um dos requisitos para concessão da Concordata preventiva era a inexistência de título protestado, o que não perdurou com o advento da Lei de Recuperação e Falências, o que garantiu segurança ao devedor que não se viu fragilizado perante a possibilidade de fraude por parte de credores que, utilizando-se de má fé, poderiam protestar um título de forma a impedir a faculdade concedida ao devedor por lei.
Na Concordata não havia necessidade de apresentação de plano de recuperação até porque se tratava apenas de dilação de prazo e remissão de dívida, tudo previsto em lei. A Recuperação trouxe esta exigência juntamente com sua grande diversidade de formas de recuperação, o que, novamente trouxe segurança e compromisso ao processo de recuperação.
A fiscalização na Concordata era feita pelo Comissário escolhido pelo juiz e que deveria necessariamente ser um dos maiores credores, conforme se vê do disposto no art. 161[12] do Decreto-Lei 7.661/45. Admitia-se, por exceção, o Comissário Dativo escolhido pelo juiz e sem qualquer vínculo com os credores. No processo de Recuperação, a administração dos bens passou a ser feita por profissional idôneo, não necessariamente credor, nos termos do art. 21 da Lei 11.101/05.
Interessante ressaltar que ambos os institutos permitem a manutenção da atividade empresarial, mas a Lei de Falências e Recuperação trouxe casos em que o administrador poderá ser afastado da empresa e uma Assembléia de Credores será convocada para escolha de novo gestor, conforme se vê dos artigos 64 e 65 da referida Lei.
Houve diferenciação também nos prazos para pagamento dos débitos. Na concordata, o devedor possuía prazos para pagamento mínimo dos credores em 6, 12, 18 ou até 24 meses, podendo ser feita inclusive à vista com redução do montante, enquanto na Recuperação, embora a lei estipule prazo de dois anos (apenas para a fase processual da Recuperação Judicial), qualquer outro prazo poderá ser estabelecido no plano, desde que haja permissão por parte dos credores e não estejam os créditos incluídos no rol do artigo 54 da lei, senão vejamos:
“Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.” (grifo do autor)
O legislador, observando o Princípio da Manutenção da Empresa e de sua Função Social, também trouxe importante novidade quando determinou que os créditos constituídos após a concessão da Recuperação Judicial fossem reclassificados em caso de decretação da falência, de modo que aqueles que auxiliarem na manutenção das atividades empresariais não serão prejudicados. Necessário diferenciar os créditos constituídos após a concessão da Recuperação e os que venceram após. Estes segundos, vincendos até dois anos após a concessão da Recuperação, inserem-se no processo automaticamente, conforme se vê do artigo 61 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência.
6. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA
A Convolação da Recuperação Judicial em falência nada mais é que a ruptura do processo de Recuperação e a decretação da falência.
Inicialmente, o juiz competente deve analisar a presença dos requisitos do art. 73[13] da Lei de Recuperação e Falências.
Em regra, as hipóteses elencadas referem-se a atos praticados após a concessão da Recuperação.
São as hipóteses: I) em havendo deliberação da assembléia geral de credores, na forma do artigo 42 da mesma lei; II) quando não for apresentado o plano de reorganização, pelo devedor, dentro do prazo estabelecido pelo art. 53[14] (sessenta dias); III) quando o plano for rejeitado pela assembléia de credores, consoante art. 56, §4º[15]; IV) quando for descumprida qualquer obrigação assumida no plano de reorganização, na forma do art. 61, § 1.º[16], da lei de regência; V) por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94[17] da Lei, ou por prática de qualquer ato previsto no inciso III do caput do art. 94[18].
Essas hipóteses serão levadas em conta a partir do momento em que ocorrerem após a concessão da Recuperação pelo juiz.
O pedido pode ser feito a qualquer momento no processo de Recuperação pelo Administrador Judicial, pelos credores e até mesmo pelo empresário.
Se desde o início do processo de recuperação viu-se que a empresa não apresenta condições de se sustentar, que não há lucro, não há porque tentar recuperá-la até mesmo porque aquela empresa já não possui Função Social. Está morta e deve realmente ser encerrada para que sua manutenção não prejudique a coletividade.
Hipoteticamente, poder-se-ia imaginar que uma empresa em recuperação pudesse levar outras à condição de crise econômico-financeira, o que, obviamente não é o objetivo da Lei 11.101/05.
7. A FUNÇÃO SOCIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL
Após 10 anos de vigência do Código Civil brasileiro, conclui-se que o caráter individualista do Código Civil de 1916 foi deixado de lado para a inclusão do caráter social, da tolerância, da coletividade.
Daí surge com força total a Função Social, aplicável interdisciplinarmente como forma de regulação, integração. Fala-se na Função Social como cláusula geral, no sentido de que integra diferentes leis e princípios, aumentado o leque axiológico do julgador. Além disso, como cláusula geral, pode ser invocada a Função Social a qualquer tempo e de ofício.
O Empresário, antes comerciante, deve exercer sua atividade com plena consciência social, mesmo porque depende da sociedade para a manutenção de suas atividades. E este dever surgiu no Código Civil com a intenção de implementação a longo prazo, o que já vem rendendo frutos.
Deste modo, possível a citação de dispositivos legais que em conjunto levam ao caminho do fim social da empresa, senão, vejamos, a dignidade da pessoa humana – art. 1°, inc. III, a; solidariedade presente no art. 3°, inc. I; a redução das desigualdades sociais – art. 170, inc. VII -; promoção da justiça social – art. 170, caput -; a livre iniciativa – art. 170, caput e art. 1°, inc. IV-; a busca pelo pleno emprego -art. 170, inc. VIII-; valor social do trabalho – art. 1°, inc. IV-, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, dentre outros princípios constitucionais e infraconstitucionais.
Aqui o Estado regula de forma indireta, coibindo abusos e brechas na Lei e no Direito Empresarial a Função Social é expressa de forma objetiva, principalmente na Lei de Sociedades Anônimas, nº 6.404/76:
“Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.[…]”
Importante ressaltar que embora ausente previsão expressa na Lei 11.101/2005, por se tratar de princípio e norma geral carregados por todo o ordenamento jurídico brasileiro como sistema, a Função Social é aplicável também nas Recuperações e Falências.
Neste sentido, a sociedade empresária busca auxílio legal para recuperar-se porque não se trata de simples relação econômica. A coletividade está indiretamente inserida por trás da empresa, que normalmente exerce um importante papel socioeconômico dentro de uma nação.
O que se percebe é que a sociedade empresária quando pensada de forma sistêmica não está isolada no meio econômico financeiro, visto que sustenta famílias, indiretamente contribui para o controle inflacionário circula capital no país.
Doutrinariamente ainda existe uma diferenciação entre responsabilidade social corporativa e Função Social da Empresa. Neste interessante artigo escrito por Luiz Antônio Ramalho Zanoti e André Luiz Depes Zanoti, é feita uma diferenciação entre a função social e a responsabilidade social de uma empresa:
“Por outro lado, quando a empresa extrapola os limites legais, e contempla os stakeholders com benefícios adicionais, ela deixa o plano da função social, e ingressa em seara de responsabilidade social corporativa. Assim, o que difere a função social, da responsabilidade social, é que o cumprimento daquela tem como limitador os preceitos legais, enquanto que esta se constitui num plus, em algo que espontaneamente a empresa devolve aos stakeholders, como forma de melhorar a qualidade de vida destes.
O raciocínio natural que se tem, a respeito da importância social das empresas para a comunidade, é que o Estado deve envidar todos os esforços para preservar a saúde financeira delas. Inegavelmente, elas contribuem fundamentalmente para que os cidadãos realizem suas melhores expectativas de vida, seja pela produção de um medicamento, seja pela colocação no mercado de bens e serviços que facilitam a vida das pessoas, seja pela geração de empregos que resultam em pagamentos de salários que dão acesso a esses confortos.
É possível dizer, portanto, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e a circulação de riquezas e de rendas, no plano interno e externo.” (ZANOTI; ZANOTI, 2007)
Embora seja muito pertinente a observação supra, é uma linha muito tênue que separa os dois conceitos. Enquanto a função social está diretamente atrelada ao Princípio da Preservação e outros preceitos legais, a responsabilidade social corporativa é mais superficial.
Por fim, embora muito importante que seja cumprida a Função Social da Empresa é muito difícil a avaliação de eventual descumprimento e das responsabilidades daqueles que descumpriram, mesmo porque não há punição expressa em Lei. Há de se buscar o equilíbrio entre os interesses da empresa e os interesses coletivos.
8. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
O Princípio da Preservação da Empresa está presente em todo o ordenamento jurídico de matéria empresarial, começando pelo disposto no artigo 974 do Código Civil quando permite ao empresário a manutenção de suas atividades empresariais, mesmo após sua incapacidade superveniente:
“Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.
§ 1o Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.
§ 2o Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.”
Conforme se nota das transformações incorporadas pelo legislador na Lei 11.101/05, uma grande parte deu-se em atendimento do Princípio da Preservação, que vem sendo absorvido plenamente pelo ordenamento jurídico, haja vista sua ligação direta com outros princípios norteadores como o da Função Social da Empresa.
Passou a ser analisada a empresa com olhar sistêmico e reconhecida tornou-se sua importância social, além da econômica.
No atual sistema jurídico brasileiro a empresa exerce diversas funções sociais como fonte de empregos, fonte de renda tributária para o Estado, conservação da livre concorrência, além de sua função principal, seja a de prestação de serviços ou fornecimento de produtos. Tem importante função no equilíbrio da balança comercial de um país e influências até mesmo no valor da moeda.
E assim sendo, não é aceitável que uma empresa com grandes possibilidades de crescimento e com importante função social deixe de existir por estar em dificuldade financeira momentânea, o que ocorre não só no meio empresarial, mas também no civil.
Com o advento da Lei 11.101/05 não há mais a idéia simplesmente econômica da empresa, em que a sua recuperação tinha apenas aspectos econômicos e não sociais como na antiga lei, e este princípio é a principal inovação da Lei atual, que acabou acarretando a evolução do procedimento como um todo.
Nas palavras de Gladston Mamede:
“O princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado.” (MAMEDE, 2005, p. 417)
A empresa passa a ser vista com a importância de um organismo vivo, daí sua personalidade jurídica e personalidade socioeconômica no âmbito principiológico.
Uma base jurídica protetiva ainda atrai investimentos estrangeiros e interesse na manutenção de filiais no país. Quanto maior a proteção, maior a segurança para o Estado, para os cidadãos e até mesmo para o empresário.
9. O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO
A doutrina, de modo geral se posicionava desfavoravelmente em relação ao Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências e Concordatas, em virtude do excesso de formalismo, submissão absoluta dos credores, lentidão no processamento, que normalmente desencadeava em fraudes e na deterioração do patrimônio empresarial, além de que, após a criação da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, 11.101/05, não há mais prioridade absoluta de créditos trabalhistas e tributários, seguindo as tendências internacionais mais modernas.
Nesse sentido segue a opinião de Rubens Requião:
“A falência e também a concordata, na forma como se encontravam estruturadas no Dec.-Lei 7661/1945, não ofereciam possibilidades de solução no sentido de propiciarem ao então comerciante, hoje empresário ou sociedade empresária, em situação de crise, a possibilidade de se recuperarem.” (REQUIÃO, Rubens)
Jorge Lobo, em seus valiosos ensinamentos:
“O que se verificava é que o sistema anterior não conseguia proteger os credores da empresa concordatária ou falida e não conseguia também, por outro lado, preservar a atividade empresária, apresentando-se como sistema incapaz de preservar qualquer tipo de interesse, atendendo apenas, na grande maioria das vezes, ao empresário oportunista e desonesto”. (LOBO, Jorge, p.36)
Paulo Fernando Campos Salles de Toledo alertava:
“Precisamos ver com muita cautela, mas também com muita atenção, essas soluções do direito estrangeiro. Todas se centram numa idéia nuclear, uma diretriz que as norteia que é a da preservação da empresa. É uma idéia na qual hoje, na nossa realidade positiva, ou seja, na lei em vigor no Brasil, não se pensa, mas há de se pensar em que a empresa, como unidade econômica, deve ser preservada, sempre que se manifestar viável e, portanto, econômica e socialmente útil. A solução não está em fechar empresas, fechando toda uma porta que pode ser importante para um determinado setor na economia. As empresas, portanto, dentro da concepção mais atual, devem ser, sempre que possível e sempre que viáveis, preservadas.” (TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, p.82)
Por fim, não poderia faltar a opinião do Deputado Federal, Sr.Osvaldo Biolchi, relator do projeto de lei nº4.376/93 que originou a Lei de Recuperação e Falência, citado por Paulo Fernando Campos Salles de Toledo e Carlos Henrique Abraão:
“Há muito tempo a sociedade brasileira esperava e clamava por uma nova legislação que pudesse disciplinar a situação das empresas em crise, por intermédio de procedimentos de recuperação judicial, extrajudicial e a revisão do modelo falimentar em vigor. […]
Nossa legislação pode ser considerada uma das mais antigas do mundo, se for considerado o prazo de sua vigência, e também a qualidade encerrada deixava muito a desejar no âmbito do procedimento judicial. Enquanto no Brasil, o tempo médio de um processo era de 12 anos, no Japão é de seis meses, na Inglaterra é de um ano, na Argentina de 2,8 anos e na Índia de 11,3 anos […]
Desta forma, se torna fácil concluir que uma legislação atual é vital para a integração dos mercados e fundamentalmente na direção da economia brasileira sólida.” (TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles; ABRAÃO, Carlos Henrique)
A opinião doutrinária ressalta a qualidade e a necessária renovação com o advento da Lei11.101/2005.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta linha, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (11.101/05) foi benéfica no sentido que trouxe as seguintes possibilidades: a) O seu cabimento não está restrito somente à insolvência do devedor e sim à crise econômico-financeira de modo geral; b) Passou a englobar todos os créditos existentes até a data do pedido; c) Aumentou as formas de recuperação, conforme previsto no seu artigo 50; d) Passou a menosprezar a existência de títulos protestados, o que diminuiu a possibilidade de fraude e má-fé por parte de algum credor eventualmente mal-intencionado; e) Aumentou as possibilidades de manutenção das atividades empresariais quando abriu a possibilidade de nomeação de gestor naqueles casos em que o devedor-administrador estiver impedido; f) Exigência do Plano de Recuperação, o que aumentou e muito a seriedade com que o processo recuperatório passou a ser tratado e a segurança jurídica de credores, da sociedade como interessada e até mesmo do devedor; g) Inserção na classe extraconcursal daqueles créditos gerados após a decretação da Recuperação, em caso de falência da empresa recuperanda.
A antiga Lei de Falência e Concordatas também possuía suas vantagens, mas tornou-se obsoleta a partir do momento em que sua interpretação não cedeu lugar aos novos princípios norteadores do direito empresarial brasileiro, que seguiu tendências internacionais já consolidadas, quais sejam: o Princípio da Preservação da Empresa e o Princípio da Função Social da Empresa, dentre outros.
No entanto, a Lei 11.101/2005 também carregou defeitos e um deles, senão o mais grave, foi a retirada do poder do juiz para decisão final acerca do deferimento ou não da Recuperação. Do mesmo modo que a lei trouxe ferramentas inteligentes para fins de evitar fraudes por parte dos credores, alterou essa importante fase no procedimento passando a maior parte do poder para as mãos daqueles que buscam o pagamento de seus débitos a qualquer custo.
A resistência por parte de algum credor poderia, em tese, levar uma empresa a falência, o que jogaria por terra os Princípios da Preservação e da Função Social, dentre vários outros preceitos fundamentais. Além disso há claro favorecimento do grande credor em relação ao menor, haja vista o excesso de poder outorgado.
Isso sem dizer na exacerbada proteção recebida pela Fazenda quando foi dado tratamento desigual ao Crédito Tributário, o que inviabiliza a efetiva aplicação do Instituto da Recuperação de Empresas em casos de crises econômico-financeiras decorrentes de débitos tributários.
Sendo assim, conclui-se que apesar das falhas, a Lei 11.101/2005 trouxe novas perspectivas ao Direito Empresarial nacional e consolidou a aplicação dos Princípios da Função Social, Preservação, dentre outros na matéria recuperatória e falimentar.
Por fim, a doutrina critica a Lei 11.101/2005 no sentido de que não houve atenção quanto à dinâmica da lei, pois não suprimiu a verificação dos créditos e a habilitação dos credores, procedimentos passíveis de impugnações que devem ser decididas por sentença acompanhada de parecer do Ministério Público, o que torna o processo lento.
Não compartilho com a opinião, tendo em vista que a lentidão do processo não está atrelada ao procedimento em si e sim à precariedade do poder judiciário como um todo. Não é possível suprimir duas das fases mais importantes do processo de Recuperação e Falência, até mesmo para que sejam evitadas fraudes, o que, de fato, foi uma das preocupações do legislador quando da criação da lei.
Portanto, é fato indiscutível que a Lei de Falências representa grande avanço em relação ao Decreto-Lei 7661/45.
Advogado graduado pela Fundação Mineira de Educação e Cultura, Universidade FUMEC. MBA/LLM pela Fundação Getúlio Vargas/RJ. Militante nas áreas do direito empresarial e cível
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