Resumo: O presente artigo discute o problema da aplicabilidade do princípio da proibição da reformatio in pejus no processo penal e os princípios correlatos, examinando-se os aspectos gerais sobre a proibição da reforma para pior, a parte histórica, o conceito e a justificativa para a sua aplicação, abrangendo as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, a relação entre a reformatio in pejus e o princípio da voluntariedade dos recursos e a nulidade. Menciona-se no último caso a sua aplicabilidade. Também menciona a reformatio in pejus indireta, aplicação, divergências e outros aspectos e sobre sua relação com a incompetência absoluta do Juiz, mostrando ser no caso uma exceção à aplicabilidade da súmula 160 do STF. Aborda-se sua relação com o Tribunal do Júri e suas diferenças devido ao respeito à soberania dos veredictos. Trata-se também da possibilidade de ocorrência da reformatio in mellius.
Palavras chaves: Reformatio in pejus; Princípios; Aplicabilidade.
Sumário: Introdução; 1- Proibição da reformatio in pejus; 1.1- Histórico, Conceito e Justificativa; 1.2- A Voluntariedade dos Recursos e a Reformatio in Pejus; 1.3- A Reformatio in Pejus e a nulidade; 1.4- A Reformatio in Pejus Indireta; 1.5- Reformatio in Pejus absoluta e a incompetência absoluta do juiz; 1.6- A Reformatio in Pejus indireta e o Tribunal do Juri; 2- Reformatio in mellius; 3- Conclusão; Referências
INTRODUÇÃO
Celso Antônio Bandeira de Mello, ao conceituar princípio, aduz:
“Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere atônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes de todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”
Analisando o tema do presente artigo, tem-se que a proibição da reformatio in pejus consubstancia um princípio, uma premissa básica, servindo de orientação para a aplicabilidade de algumas normas do ordenamento jurídico, restringindo-se, entretanto, o presente trabalho ao direito processual penal.
O Código de Processo Penal traz, em seu artigo 617, o objeto do presente estudo, dispondo que “o tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões o disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”.
De tal norma, pode-se extrair o princípio da proibição da reformatio in pejus, decorrendo do mesmo dois outros princípios: o da reformatio in pejus indireta e o da reformatio in mellius, causando grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Serão mencionados os seguintes temas: Havendo recurso exclusivo da defesa, a possibilidade do Tribunal modificar a decisão prejudicando o acusado; ocorrendo a nulidade do primeiro julgamento, em recurso somente da defesa, se deveria Juízo ad quem, na nova decisão, estar restrito à primeira sentença ou não; os casos especiais na ocorrência de nulidade absoluta e relativa; a problemática no Tribunal do Júri; ocorrendo recurso do órgão ministerial, poderia ou não o Tribunal favorecer o réu, mesmo não havendo pedido do Ministério Público nesse sentido.
Tal tema é de suma importância tendo em vista os direitos constitucionais do acusado, principalmente os da ampla defesa e o do contraditório, que devem ser respeitados sempre.
Hodiernamente, o direito processual penal brasileiro está extremamente garantista, que no dizer de Ferrajoli seria:
“Uma forma de direito que se preocupa com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para que o direito seja válido. Essa junção de aspectos formais e substanciais teria a função de resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito, todos os direitos fundamentais existentes. É como se a categoria dos direitos fundamentais fosse um dado ontológico para que se pudesse aferir a existência ou não de um direito; em outras palavras, se uma norma é ou não válida.”
O que se busca sempre é o respeito aos direitos fundamentais do réu, e a observância dos princípios constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, o da liberdade, igualdade, e como já salientado, o do contraditório e o da ampla defesa.
Assim, o presente artigo tem o objetivo de expor a posição dos mais renomados doutrinadores e dos entendimentos jurisprudenciais advindos dos Tribunais pátrios acerca do assunto, mostrando a posição e o fundamento da aplicabilidade ou não dos princípios mencionados, e fazer uma análise das correntes existentes, orientando para um correto aproveitamento, e procurando sempre conciliar o mesmo com os princípios constitucionais.
1.2- Histórico, Conceito e Justificativa
A proibição da reformatio in pejus é um princípio, tendo abrangência geral e servindo de “guia”, orientador, para a aplicação das normas.
Conforme a Professora Karla de Costa Sampaio Schereder, tal princípio somente foi positivado no Brasil com a Constituição de 1891, que em seu art. 81, §2º, vedava a piora da condenação no caso de revisões criminais. O primeiro Código a adotar a proibição da reforma para pior foi o do Rio Grande do Sul, posteriormente o do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Minas Gerais. O Código de Processo Penal, ainda em vigor, o adotou no art. 617.
Dispõe o art. 617 do Código de Processo Penal: “O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383,386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença” (grifou-se).
Assim, o princípio da proibição da reformatio in pejus significa que, havendo recurso exclusivo da defesa, não poderá ter o réu a sua pena agravada. O contrário ocorre quando há recurso da acusação, pois neste caso haveria pedido do parquet para agravar a situação do réu, não havendo mais que se falar em agir ex officio.
Assevera Júlio Fabbrini Mirabete:
“Embora a apelação permita o reexame da matéria decidida na sentença, o efeito devolutivo não é pleno, ou seja, não pode resultar do julgamento decisão desfavorável à parte que interpôs o recurso. Bem se expressa Helio Tornaghi: ‘Em rigor de lógica, deveria poder o juízo ad quem proferir decisão que reputasse justa, fosse qual fosse’. Mas o tribunal fica preso ao que lhe foi pedido, não se permitindo a decisão ultra ou extra petitum.”
Não obstante a lei prever a proibição da reforma para pior na apelação, resta evidente que tal princípio se aplica aos demais recursos, até porque a finalidade é propiciar a adequada solução jurisdicional de conflito de interesses entre o Estado e o acusado, e não teria sentido restringir tal princípio à apelação.
Como assevera Paulo Rangel: “(…) a lei refere-se apenas ao recurso de apelação, porém não temos dúvida em afirmar que, tratando-se de recurso em sentido estrito (ou qualquer outro recurso), também não poderá ser agravada a situação do réu.”
Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira:
“(…) O que vem expresso no art. 617 do CPP, em relação ao recurso de apelação, é também aplicável a todas as modalidades de impugnações recursais, constituindo o relevante princípio da proibição da reformatio in pejus. Pelo princípio, é vedada a revisão do julgado da qual resulte alteração prejudicial à situação do recorrente. Em uma palavra: a reforma para pior.”
Ademais, sendo o acusado intimado para apresentar as contra-razões, o audiatur et altera pars está sendo observado, e devidamente cumprido, respeitando o princípio do contraditório, previsto no art. 5º, incido LV, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Pode-se dizer, como já afirmado, que o presente princípio está diretamente ligado ao sistema acusatório (papéis reservados a pessoas distintas: julgador e acusador), cujo princípio máximo vem expresso no brocardo latino judex sine actore, ou ne pocedat judex ex officio. Isto é, o Juiz e o Promotor de Justiça são pessoas diferentes no processo, com papéis diferentes, não podendo o Magistrado, sem pedido do órgão ministerial, agir de ofício, sem ser impulsionado. Tourinho Filho afirma que “(…) se não há alguém postulando a exasperação da pena – pelo contrário até -, como poderia o juízo ad quem fazê-lo? Assim, a proibição da reformatio in pejus é conseqüência lógica do sistema acusatório.”
Como bem enfatiza Jorge Vicente Silva:
“Em vista do sistema acusatório, há que se fazer distinção entre as funções do órgão acusador e a do órgão julgador. A função julgadora é uma, a acusatória é outra, não havendo qualquer elo de ligação entre elas, cada uma desempenhando seu mister, não podendo o julgador agir de ofício para exercer atividade sem ter sido provocado, sob pena de proferir decisão ultra ou extra petitum. Assim, em respeito à regra do tantum devolutum quantum appellatum. O reexame da matéria deve restringir-se àquilo que foi impugnado na sentença. Não havendo, portanto, recurso da acusação, e sendo a apelação exclusiva do réu, não pode a Instância Superior impor-lhe gravame além do que decidido na sentença, devendo a decisão ficar limitada ao pedido.”
Cumpre salientar que qualquer gravame não é permitido, inclusive o referente ao regime de cumprimento de pena, perda do direito de recorrer em liberdade, concessão de sursis e outros. Como exemplo, caso seja concedido sursis ao acusado, o Tribunal não pode revogá-lo.
Ademais, pode-se aduzir que, recorrendo a acusação de parte da sentença, não pode o Tribunal julgar ultra petitum, isto é, agravar a situação do apelado em grau maior do que o pedido pelo órgão ministerial. Todavia, o Tribunal não está adstrito aos critérios adotados pelo Juiz de primeira instância nas etapas da aplicação da pena, não podendo, somente, agravar a situação final.
Segue entendimento doutrinário de Júlio Fabbrini Mirabete sobre o assunto:
“(…) recorrendo a acusação em caráter limitado, não pode o Tribunal dar provimento em maior extensão contra o apelado. Registre-se, porém, que a proibição da ‘reformatio in pejus’ não vincula o Tribunal aos critérios adotados pelo Juiz de 1º grau, nas várias etapas da aplicação da pena, impedindo-o, tão somente, de agravar a sanção final. Nada impede, também, que o Tribunal dê nova definição jurídica ao fato, desde que não se aumente a pena.”
Todavia, cumpre dizer que o Juiz não poderá, em recurso exclusivo da defesa, dar nova classificação jurídica ao crime, caso ocorra com tal ato a piora na situação do acusado.
Assim, tem-se que, caso a nova classificação abranja pena mais benéfica, e não cause prejuízos secundários ao réu, pode perfeitamente ser aplicada, do contrário, não deve ser permitida, pois violaria a proibição contida no artigo 617 do Código de Processo Penal. Então, o Tribunal somente poderia dar uma nova classificação jurídica ao crime, no caso de recurso exclusivo da defesa, quando não houver qualquer prejuízo ao réu, porque não obstante o art. 617 do CPP proibir somente a majoração da pena, o princípio da proibição da reformatio in pejus impede que seja imposto qualquer gravame ao acusado, qualquer situação reflexa que lhe possa causar prejuízo.
Posto isso, deve-se ter em vista primeiramente que a lei não deve ser aplicada somente em sua literalidade, e sim em conjunto com todo o ordenamento jurídico, buscando atingir seus principais objetivos e finalidades.
Resta evidente que, havendo recurso do assistente de acusação e do querelante, a reforma para pior também é permitida, pois neste caso o Juiz não estaria agindo ex officio, e sim a pedido da acusação, não havendo motivo para restrições.
Não tendo a acusação recorrido, ocorrerá sentença formalmente transitada em julgado para a mesma, não havendo admissibilidade de reforma em face do réu, pois neste caso ocorrerá preclusão das vias recursais.
Veja-se o ensinado por Heráclito Antônio Mossim:
“(…) E como se isso não bastasse, se não houve recurso por parte da acusação, a sentença transitou formalmente em julgado para ela, o que não permite nenhuma reforma a seu favor, em face da preclusão das vias recursais. Diante disso, ‘a reforma, contra o réu, da sentença em que só ele apelasse, representaria forma oblíqua do direito de revisão criminal ex officio em prejuízo do condenado’, o que é vedado diante do direito processual pátrio, o qual somente agasalha a revisio pro reo (art. 621 do CPP), ficando afastada a pro societate.”
Tem-se que a proibição da reforma para pior é um desdobramento do princípio da devolutividade, isto é, do princípio do tantum devolutum quantum appellatum.
Tal princípio significa que o recurso devolve ao Tribunal somente a matéria objeto de impugnação, e como desdobramento, a proibição da reformatio in pejus impede que se agrave a situação do réu em recurso exclusivo da defesa, pois não foi devolvida ao órgão jurisdicional a matéria que permitiria tal agravamento.
Outrossim, proibição da reforma para pior tem também como objetivo garantir o respeito ao princípio do contraditório, pois caso fosse permitida, não seria possível o recorrente expor sua defesa, e evitar uma condenação mais gravosa.
Para Eugênio Pacelli de Oliveira “há várias maneiras de se pretender justificar a adoção do princípio. A nosso juízo, todas elas podem ser resumidas em uma única: a vedação da reformatio in pejus outra coisa não seria que uma das manifestações da ampla defesa.”
Também, quando o Ministério Público recorre no interesse do réu, o que é perfeitamente possível, devido ao seu papel de fiscal da lei, a reforma para pior não é permitida, pois como já aduzido, o Magistrado não pode agir de ofício, e julgar ultra petitum.
Por fim, cumpre dizer que há uma corrente doutrinária no sentido de que a proibição da reformatio in pejus não é absoluta, pois a pena de multa pode ser agravada, desde que a situação econômica do réu tenha se alterado, de forma significativa, para melhor obviamente.
1.2- A Voluntariedade dos Recursos e a Reformatio in Pejus
Não há, no sistema processual penal pátrio, excetuando-se os recursos de ofício nos casos expressos, a obrigatoriedade das partes recorrerem, pois as mesmas que devem julgar a conveniência ou não do meio impugnativo.
Dispõe o art. 574 do Código de Processo Penal que:
Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I – da sentença que conceder habeas corpus; II – da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411.
Além dos casos previstos no art. 574 do Código de Processo Penal, a doutrina ainda ressalta mais dois casos: da decisão absolutória e de arquivamento de inquérito, em processos de crimes previstos na Lei n. 1.521/50 (crimes contra a economia popular), e da decisão que conceder reabilitação (art. 746 do Código de Processo Penal).
Alguns doutrinadores, como Denílson Feitoza Pacheco, seguem a posição de que somente seria considerado recurso aquele que é interposto com o conhecimento e a vontade da parte recorrente. Assim, recurso de ofício não se trataria de recurso, e sim condição de eficácia da decisão ou sentença, sendo que sem a qual não ocorreria sua preclusão ou trânsito em julgado.
Importante transcrever o ensinado por Eugênio Pacelli de Oliveira:
“(…) Antes de qualquer outra consideração, cumpre distinguir: embora o CPP faça referência ao recurso de ofício, a revisão das decisões a ele submetidas somente será possível pela via do reexame necessário. Para que houvesse recurso (e, então, de ofício), seria necessário atribuir-se ao juiz iniciativa penal, o que não mais ocorre em nosso ordenamento.”
Assim, tem-se que a voluntariedade dos recursos é a regra. Paulo Rangel não admite que a obrigatoriedade do recurso de ofício seja uma exceção, porque não seria tecnicamente um recurso, pois o mesmo pressupõe a vontade de recorrer, o que o Juiz não tem.
Importante salientar que se a reforma para pior fosse permitida em recurso exclusivo da defesa, estaria ferindo o princípio da voluntariedade dos recursos, pois o réu apresentaria certo receio de recorrer, caso sua situação pudesse ser piorada, gerando uma insegurança jurídica.
Como bem assevera Guilherme de Souza Nucci, em seu Código de Processo Penal Comentado:
“(…) não há possibilidade da parte recorrer contra uma decisão e, ao invés de conseguir a modificação do julgado, segundo sua visão, terminar obtendo uma alteração ainda mais prejudicial do que se não tivesse recorrido. Veda o sistema recursal que a instância superior, não tendo a parte requerido, empreenda uma reformatio in pejus’(…) Admitir o princípio da reforma em prejuízo da parte, retiraria a voluntariedade dos recursos, provocando no espírito do recorrente enorme dúvida, quando à possibilidade de apresentar recurso ou não, visto que não teria garantia de que a situação não ficaria ainda pior. Seria manifestar a livre disposição da parte na avaliação de uma decisão.”
Assim, a permissão da reforma para pior atuaria como fator inibitório do exercício da atividade recursal. Poderia fazer com que o réu deixasse de recorrer, pelo fato de não querer assumir o risco de ter a sua situação agravada.
Segue o sustentado por Pacelli:
“Com efeito, a garantia do duplo grau, como conteúdo da ampla defesa, deve abranger também a garantia da vedação da reformatio in pejus. O risco inerente a todas as decisões judiciais poderia ter efeitos extremamente graves em relação ao acusado, no ponto em que atuaria como fator de inibição do exercício do direito ao questionamento dos julgados (…) Há, pois, manifesto interesse público na afirmação do princípio, contido implicitamente na norma constitucional assecuratória da ampla defesa, e inserido, no contexto das garantias individuais previstas na Constituição da República.”
Posto isso, pode-se afirmar com veemência que o princípio da voluntariedade dos recursos está intimamente ligado à vedação da reformatio in pejus, pois caso a mesma fosse permitida, tal princípio estaria sendo violado de forma gritante, pois seria restringido a casos especiais, e estaria expondo o acusado a riscos, os quais nem sempre o mesmo estaria disposto a correr.
A súmula 160 do STF diz que “é nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Assim, mesmo que a nulidade seja absoluta, não poderá ser argüida contra o réu se não houver recurso da acusação, não sendo permitida a sua declaração ex officio.
Um ato nulo é aquele realizado sem observância das exigências legais, cabendo ao Magistrado agir de ofício (nulidade absoluta) ou não (nulidade relativa). Caso o Juiz a quo não sane a irregularidade, cabe ao Tribunal ad quem fazê-la.
Contudo, conforme a súmula 160 do Supremo Tribunal Federal, não poderão, em caso de recurso exclusivo da defesa, as decisões proferidas no Juízo a quo serem modificadas de maneira que prejudique o réu, mesmo que a nulidade seja absoluta.
Caso contrário haveria violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, o que é vedado por nosso ordenamento jurídico.
Veja o entendimento de Guilherme de Souza Nucci:
“(…) Reformatio in pejus e nulidade absoluta: ainda que haja nulidade absoluta, sem recurso da acusação e existindo somente recurso do réu, não se admite o seu reconhecimento. Nesse sentido, está em vigor a Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal: ‘É nula a decisão do Tribunal que acolhe contra o réu nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.”
Não pode deixar de ser mencionado que, mesmo ocorrendo recurso da acusação, caso a nulidade não seja argüida pelo órgão ministerial, o Tribunal não poderá a reconhecê-la se, em decorrência disso, for agravada a situação do acusado.
As exceções são as referentes aos recursos necessários, em situações em que há provocação obrigatória da instância recursal, as quais já foram mencionadas no presente trabalho, quais sejam: da decisão absolutória e de arquivamento de inquérito, em processos de crimes previstos na Lei n. 1.521/50 (crimes contra a economia popular), da decisão que conceder reabilitação (art. 746 do Código de Processo Penal) da concessão do pedido de habeas corpus em primeira instância e da absolvição sumária.
Assim, com exceção dos casos supramencionados, nos recursos voluntários, caso não haja recurso da acusação pleiteando a argüição da nulidade, não poderá o Tribunal declará-la caso seja prejudicial ao réu.
Todavia, nos casos em que a nulidade é favorável ao réu, o Juízo ad quem poderá decretá-la de ofício, pois em tal situação não há que se falar em reformatio in pejus, e sim uma decorrência do princípio da liberdade individual, o que põe em relevo os direitos do Acusado.
Importante transcrever o sustentado por Heráclito Antônio Mossin:
“(…) Nas hipóteses precitadas, independente de haver ou não recurso da acusação, o tribunal poderá reconhecer nulidade em oposição ao autor da infração típica. Nas outras situações em que somente se admite recurso voluntário, se o órgão acusatório público ou particular ou o assistente de acusação não interpuser recurso argüindo nulidade, mesmo que esta esteja patenteada nos autos, o tribunal de segundo grau não poderá reconhecê-la, pois se assim o fizer haverá reformatio in pejus. Sem dúvida, nos lindes demarcados pela precitada Súmula, se o colegiado ad quem reconhecer nulidade, que, in casu, somente poderá ser absoluta, já que a relativa se cura pela preclusão temporal, estará ele julgando extra petita, o que lhe é vedado. Em situação diametralmente oposta, se a nulidade favorecer o acusado, o juízo ad quem poderá reconhecê-la independentemente de haver provocação, uma vez que não haverá reforma para pior, mas para melhor, o que não implica contrariedade à encimada súmula.”
Em decorrência da súmula 160 do Supremo Tribunal Federal, quando há recurso exclusivo do réu, a Procuradoria Geral de Justiça não pode pedir que se converta o julgamento em diligência para fazer prova contra ele. Demais disso, caso o apelante não argüiu nulidade do julgamento do Júri, não pode o Tribunal declará-la, sob pena de ofensa ao referido na súmula mencionada.
Evidente que, se a nulidade for argüida pelo réu, pode ser declarada, sendo que a nova sentença retroagirá a data em que a decisão transitou em julgado para o órgão ministerial, não podendo a situação do acusado ser agravada.
Como já observado anteriormente, o Juízo ad quem pode decretar a nulidade de ofício caso beneficie o réu, ou até mesmo no caso da nulidade dizer respeito a ato de importante significado, como no caso da condenação do acusado por um Conselho de Sentença em que há um parente próximo da vítima.
A Súmula 160 do STF justifica-se porque, nos dizeres de Eugênio Pacelli de Oliveira:
“(…) a cláusula do devido processo legal tem por escopo essencial a realização das garantias individuais do acusado em face do Estado, de modo a promover o necessário equilíbrio de forças entre a acusação e a defesa na ação penal. Para tal finalidade, deverá o quanto possível, impedir que a atividade jurisdicional funcione como acréscimo ou corretivo da má atuação do órgão estatal responsável pela função acusatória. Assim, permitir-se o reconhecimento da nulidade quando não alegada pela acusação poderia gerar uma situação de desigualdade entre os litigantes, em prejuízo da instrumentalidade do processo, vista então sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito, ou seja, enquanto garantia do réu diante do Estado.”
Ademais, dispõe o art. 5º, LV, da Constituição da República Federativa do Brasil que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”.
Pode-se afirmar que, caso fosse permitida a decretação de nulidade em recurso exclusivo da defesa, ou não argüida pelo órgão ministerial, ocorreria o ferimento do princípio da ampla defesa, pois o réu não teria a oportunidade de defender-se.
1.4- A Reformatio in Pejus Indireta
Caso controvertido na doutrina e na jurisprudência diz respeito à possibilidade de haver reformatio in pejus indireta, isto é, se havendo recurso exclusivo da defesa, o julgamento for anulado, poderia ou não a nova sentença prolatada pelo juízo a quo ter uma pena majorada.
Reformatio in pejus indireta seria a imposição de pena superior àquela que havia sido imposta na sentença condenatória anteriormente proferida no mesmo processo, e que fora anulada a pedido do réu. Segundo entendimento majoritário também é proibido. Em tais situações a sentença anulada, ou seja, incapaz de produzir efeitos, ganha eficácia para limitar o livre convencimento do juiz.
Assim, se o acusado é condenado a uma pena de 10 anos de reclusão, e o mesmo recorre, e a defesa consegue a anulação do primeiro julgamento, pode o juiz, ao proferir nova decisão, aplicar pena superior a 10 anos de reclusão? Poderia ou não ocorrer uma reformatio in pejus indireta?
Trata-se de matéria diretamente relacionada com o desdobramento do princípio da proibição da reforma para pior.
A corrente majoritária entende que o Magistrado deve ficar proibido de prolatar uma sentença com condenação superior àquela proferida no primeiro julgamento, pois em tal caso, estaria ocorrendo uma reformatio in pejus indireta, o que seria vedado pelo ordenamento jurídico, por violar o princípio da ampla defesa, contraditório e causar insegurança jurídica ao réu.
Defende tal corrente que a decisão já teria transitado em julgado para o órgão ministerial, e que se a nulidade desfavorável ao acusado não poderia ser reconhecida de ofício, menos ainda poderia um recurso exclusivo do mesmo ser-lhe prejudicial.
Esse entendimento é o do Supremo Tribunal Federal, e de muitos autores. Segundo Heráclito Antônio Mossim:
“(…) em sede de juízo singular, se a decisão transitou em julgado para o órgão acusatório e o novo julgamento proveio de reconhecimento de nulidade argüida pela defesa, não há como se conceber que a nova decisão seja mais gravosa relativamente àquela que restou anulada. O entendimento ao contrário implicaria reconhecer que a decisão em grau de recurso de apelação pode gerar, mesmo que indiretamente, prejuízo ao recorrente. Ora, se houve recurso exclusivo seu e por intermédio dele foi declarada a nulidade argüida, quando da nova sentença a ser proferida pelo magistrado singular, desde que haja elementos para dar provimento ao pedido contido na peça postulatória pública ou privada, jamais o quantum da reprimenda legal pode ser superior àquele inserto no decisum anulado. Quanto muito, esta poderá ser igual àquela.”
Compartilham do mesmo entendimento os professores Tourinho Filho, Júlio Fabbrini Mirabete, Frederico Marques, Guilherme de Souza Nucci, Fernando Capez, Eugênio Pacelli de Oliveira e outros.
Importante transcrever o aduzido por Fernando Capez:
“Anulada sentença condenatória em recurso exclusivo da defesa, não pode ser prolatada nova decisão mais gravosa do que a anulada. Por exemplo: réu condenado a um ano de reclusão apela e obtém a nulidade da sentença: a nova decisão poderá impor-lhe, no máximo, a pena de um ano, pois do contrário o réu estaria sendo prejudicado indiretamente pelo seu recurso.”
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete:
“Também é vedada a denominada reformatio in pejus indireta. Anulada uma decisão em face de recurso exclusivo da defesa, não é possível, em novo julgamento, agravar a sua situação. Como o Ministério Público se conformara com a primeira decisão, não apelando dela, não pode o juiz, após anulação daquela, proferir uma decisão mais severa contra o réu.”
Guilherme de Souza Nucci ensina que:
“(…) trata-se da anulação da sentença, por recurso exclusivo do réu, vindo outra a ser proferida, devendo respeitar os limites da primeira, sem poder agravar a situação do acusado. Assim, caso o réu seja condenado a 5 anos de reclusão, mas obtenha a defesa a anulação dessa decisão, quando o magistrado-ainda que seja outro- venha a proferir outra sentença, está adstrito a uma condenação máxima de 5 anos. Se pudesse elevar a pena, ao proferir nova decisão, estaria havendo uma autêntica reforma da parte que recorreu. Em tese, seria melhor ter mantido a sentença, ainda que padecendo de nulidade, pois a pena seria menor. Parece-nos justa, portanto, essa posição, que é dominante na jurisprudência atual.”
Contudo, a corrente minoritária entende que, mesmo havendo recurso exclusivo da defesa, caso o primeiro julgamento seja anulado, poderá a nova sentença ter condenação em quantum superior à primeira.
Fundamentam tal pensamento afirmando a falta de texto expresso da lei, aplicando-se o princípio da legalidade. Além disso, sustentam que a primeira decisão, a anulada, não existiria no mundo jurídico, não podendo vincular uma pena a uma sentença inexistente.
Ademais, alegam que, sendo o recurso voluntário, o réu deveria carregar consigo o ônus de recorrer ou não.
Seguem alguns doutrinadores defensores de tal corrente: Paulo Rangel, Magalhães Noronha, Ada Pellegrini Grinover e outros.
Como já salientado, Paulo Rangel filia-se à corrente minoritária, sustentando não ser inadmissível o Magistrado proferir sentença com quantum superior ao que foi proferido no primeiro julgamento.
Veja-se os fundamentos utilizados por referido autor:
“(…) a uma, por falta de texto expresso proibindo o juiz de dar uma sentença com quantum superior à que foi dada no primeiro julgamento, pois o que se proíbe no art. 617 é a reforma para pior pelo tribunal e não pelo juízo a quo. Assim, o que não é proibido é permitido. Aplica-se o princípio da legalidade. A duas, porque deve haver diferença entre a decisão recorrida (e anulada) e a decisão proferida no recurso. Ora, como haver diferença entre uma decisão que não mais existe (a anulada) e a do recurso? Não se agrava aquilo a que a ordem jurídica não mais confere validade. Assim, agravar o nada é um não senso jurídico. A três, porque estar-se-ia emprestando força a uma decisão que desapareceu em detrimento de uma que é proferida em perfeita harmonia com a ordem jurídica. Seria o inválido sobrepondo-se ao inválido, em verdadeira aberração. A quatro, porque o recurso, como vimos, é voluntário, ou seja, o réu recorre se quiser. Portanto, carrega o ônus do seu recurso com os resultados que lhe são previsíveis e possíveis: provimento, improvimento ou não conhecimento.”
Não obstante a respeitável opinião de tal autor, não é a mais correta. Primeiramente, a falta de texto expresso proibindo o juiz de dar uma sentença com quantum superior àquela dada no primeiro julgamento não pode ser óbice à aplicação da proibição da reformatio in pejus indireta, pois nesse caso deve ser utilizada a interpretação extensiva, e a aplicação do princípio da finalidade do processo penal, que seria a defesa dos interesses jurídicos. Caso seguíssemos a orientação de que o que não é proibido é permitido, em todos os casos, não seria possível a aplicação da proibição da reformatio in pejus no recurso em sentido estrito, já que o art. 617 do Código de Processo Penal refere-se apenas à apelação, o que soaria absurdo.
Ademais, na aplicação da lei penal e da lei processual penal, deve haver um maior realce à liberdade do indivíduo, e mesmo que a primeira sentença seja inexistente, deve prevalecer a possibilidade de recurso de maneira segura, pois como já salientado, seria um absurdo o acusado ter receio de recorrer, pelo fato de poder ter sua situação piorada em recurso exclusivo seu.
Deve-se aplicar, no caso em tela, o sistema de pesos e medidas, devendo prevalecer o bem jurídico maior, em face do bem jurídico menor.
Caso a posição minoritária prevalecesse, o princípio do contraditório e da ampla defesa, que são previstos na Lei Maior, e devem prevalecer sobre os outros, seriam frontalmente prejudicados.
O princípio do contraditório significa o direito de reação, de contradizer o que foi dito. Como exemplo, podemos citar o direito à informação, de se pronunciar, de se defender de uma acusação feita.
Ora, resta evidente que tal princípio, assim como a ampla defesa, não seriam respeitados caso fosse permitida a reforma para pior indireta, e assim um mandamento constitucional seria ferido, e a insegurança jurídica, que já foi tão comentada, seria colocada em evidência.
1.5- Reformatio in Pejus absoluta e a incompetência absoluta do juiz
Cumpre dizer que há a possibilidade da ocorrência de anulação do julgamento devido a existência de incompetência absoluta do Juiz, isto é, de decisão proferida por Juiz absolutamente incompetente.
Nesse caso a sentença anterior seria inexistente, assim não poderia produzir efeitos jurídicos. A incompetência absoluta não pode ser prorrogada, ao contrário da relativa.
O princípio da proibição da reformatio in pejus indireta não será aplicado no caso do Tribunal anular o processo em razão de violação de norma de competência prevista na CF , isto porque na verdade não se trata de reconhecimento de nulidade e sim da decretação de inexistência dos atos praticados, o que autoriza a reformatio.
É nula a decisão prolatada por Juiz absolutamente incompetente, sendo este vício insanável. Assim, no caso mencionado, a doutrina e a jurisprudência não admitem que, ao proferir o segundo julgamento, o Juiz esteja limitado à situação proferida pelo primeiro magistrado.
No caso em tela, não haveria “primeira decisão”, pois a mesma não existiria no mundo jurídico, não havendo a possibilidade de um novo decisum estar subordinado a algo que nem sequer pode produzir efeito no mundo jurídico.
Fernando Capez afirma que:
“No caso de sentença a sentença condenatória ter sido anulada em virtude de recurso da defesa, mas, pelo vício da incompetência absoluta, a jurisprudência não tem aceito a regra da proibição da reformatio in pejus’ indireta, uma vez que o vício é de tal gravidade que não se poderia, em hipótese alguma, admitir que uma sentença proferida por juiz absolutamente incompetente, tivesse o condão de limitar a pena na nova decisão. Neste caso, pouco importa tenha a nulidade sido reconhecida em recurso exclusivo da defesa.”
Assim entende a maioria dos doutrinadores é quase que unânime o entendimento nesse sentido nos Tribunais brasileiros.
Segue o alegado por Paulo Rangel:
“(…) há que se fazer uma observação quando se tratar de nulidade em decorrência de incompetência absoluta. Ou seja, aquela que dá margem à nulidade de todo o processo. Neste caso, entende a doutrina que o juiz competente, ao refazer todo o processo, poderá proferir uma sentença em que a condenação seja superior ao primeiro julgamento, pois, nessa hipótese, todo o processo desaparece, não sendo o caso de se limitar a atuação do juiz natural da causa. A decisão do juiz absolutamente incompetente não poderia jamais limitar a atuação do juiz competente. Seria um contra sensu. Até porque, novas provas (que não foram produzidas na primeira vez), poderiam ser trazidas para o processo. Portanto, admissível seria uma condenação a um quantum superior.”
Posto isso, caso um réu seja condenado a uma pena de 7 (sete) anos de reclusão pelo crime de roubo, e o mesmo recorra de sua decisão, e o Tribunal, ao analisar o caso, entenda ter ocorrido uma das hipóteses de incompetência absoluta, pode anular a decisão em sua íntegra, e remeter a um novo Magistrado, sendo que o mesmo, ao proferir novo decisum, pode perfeitamente aplicar uma pena superior, e, além disso, pode agravar a situação do acusado da maneira que achar conveniente, logicamente que respeitando o ordenamento jurídico.
Júlio Fabbrini Mirabete sustenta que: “também não há proibição para o agravamento quando for declarado nulo o processo por incompetência absoluta do julgador, já que a decisão foi proferida por um órgão desvestido, naquele processo, do poder de julgar”.
Assim, no caso de incompetência absoluta, não tem apenas o Juiz a permissão para aplicar uma pena maior, mas também poderá revogar o sursis, modificar o regime de cumprimento de pena, dar nova classificação ao delito, revogar a liberdade provisória e outras medidas.
No caso da incompetência absoluta, vários princípios devem ser levados em conta, e o principal deles é o do juiz natural, disposto no art. 5º, incisos XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”) e LIII (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”).
Assim, para não ocorrer violação à norma constitucional supramencionada, não apenas a criação de tribunais ou juízo de exceção deve ser coibida, mas também deve haver o respeito absoluto às devidas regras de competência, com o fim de não ser ferida a imparcialidade e independência do órgão julgador. O juiz natural é apenas aquele que faz parte do Poder Judiciário, e obedece às exigências contidas na Constituição Federal.
Cumpre salientar que as normas constitucionais possuem maior hierarquia, não devendo em hipótese alguma serem sobrepostas por normas infraconstitucionais.
Importante transcrever o ensinado por Eugênio Pacelli de Oliveira, o qual afirma que se tratando de incompetência absoluta:
“(…) a discussão haverá de contemplar um dado novo, de origem constitucional e não contido no primeiro problema, a saber: o princípio do juiz natural, a ser examinado não só como garantia do indivíduo diante do Estado, mas também como exigência da qualidade da jurisdição, sob a perspectiva do interesse público na correta aplicação da lei penal (…) Por isso, não nos parece razoável que o juiz natural, cuja competência decorre da própria constituição, possa estar subordinado aos limites da pena fixados em decisão absolutamente nula, ainda que tal nulidade somente tenha sido conhecida a partir de recurso da defesa (…) A limitação feita ao juiz por ocasião da incompetência relativa decorre da norma infraconstitucional, qual seja aquela do art. 617 do CPP, e dirige-se contra violação de critério legal igualmente ordinário, isto é: a competência territorial. Não há, no caso, como conseqüência da limitação imposta ai juiz, afetação aos princípios constitucionais (…).”
Então, se fosse proibida a reforma para pior indireta em caso de decisão proferida por Juiz absolutamente incompetente, estaria o art. 617 do Código de Processo Penal sobrepondo-se ao previsto no art. 5º, LIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, o que seria inadmissível, pois uma norma infraconstitucional possui menor hierarquia, e uma norma constitucional deve sobrepor-se às demais, pelo simples fato de que a Constituição deve servir de base para a criação das demais leis.
Todavia, importante não perder de vista que o réu deve ter a garantia de que, anulada a primeira decisão, o tribunal deve determinar que outro Juiz, que não atuou na mesma, profira uma nova sentença, para que se preserve a sua imparcialidade.
Pode-se afirmar que a doutrina e a jurisprudência são quase uníssonas em afirmar que a proibição da reformatio in pejus indireta não deve ser aplicada em caso de nulidade em decorrência de incompetência absoluta, sendo este o entendimento mais correto, resguardando somente o direito do acusado ser julgado no segundo decisum por um juiz imparcial, que não tenha participado de qualquer maneira da primeira decisão.
1.6- A Reformatio in Pejus indireta e o Tribunal do Juri
Há divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de, anulado o primeiro julgamento proferido pelo Conselho de Sentença, piorar a situação do acusado em recurso exclusivo da defesa.
Primeiramente, temos que analisar o tema à luz da soberania dos veredictos, garantia constitucional dada pelo art. 5º, inciso XXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
Assim, a instituição do Júri funciona como garantia constitucional de o acusado ser julgado por seus semelhantes, pessoas que convivem em sua realidade, um tribunal popular.
A dúvida surge se, anulado o primeiro julgamento pelo Tribunal, pode ou não o segundo julgamento, que será proferido por um novo Conselho de Sentença, ficar adstrito ao limite da pena do primeiro.
A doutrina majoritária resolve a questão com facilidade, afirmando que deve prevalecer a soberania dos veredictos sobre o princípio da proibição da reformatio in pejus indireta.
Tem-se que a soberania significa que o Tribunal do Júri deve ser o poder máximo para decidir o que lhe é competente, não podendo o Tribunal modificar o decisum de forma diversa ao decidido pelo Conselho de Sentença. O que pode haver é a anulação da primeira sentença, para que outra seja proferida, mas novamente pelo Tribunal Popular, e não por Juizes togados.
Como decorrência de tal soberania, não haveria como o Conselho de Sentença encontrar-se limitado à pena proferida na primeira decisão. Segundo Paulo Rangel:
“(…) anulada a decisão dos jurados o Tribunal do Júri tem plena liberdade para decidir como juiz natural da causa e o juiz-presidente proferirá sentença de acordo com as provas dos autos e a decisão dos jurados, permitindo-se, assim, pena superior, até porque a decisão anterior foi cassada. Não mais existe. O nada não pode servir de fator limitativo para a segunda decisão.”
Não obstante o brilhantismo do autor supramencionado, não pode se perder de vista que o mesmo é contra a proibição da reformatio in pejus indireta, sendo que o fundamento transposto não parece o mais correto, pois o “nada” poderia servir de fator limitativo para a segunda decisão, se a primeira não tivesse sido proferida pelo Tribunal do Júri.
Para elucidar melhor o caso, pode-se citar um exemplo: O réu, em primeiro julgamento, foi condenado pelo Conselho de Sentença por homicídio duplamente qualificado. Ocorrendo recurso, verifica-se que o decisum foi manifestamente contrário à prova dos autos, sendo assim anulado e colocado em pauta para novo julgamento. Os jurados, em nova decisão, poderia perfeitamente reconhecer uma terceira qualificadora, não estando adstrito ao resultado do primeiro julgamento, justamente por prevalecer a soberania dos veredictos, e isso ocorre mesmo que o recurso tenha sido exclusivo da defesa.
Contudo, há uma corrente minoritária que entende que, no segundo julgamento, o Juiz Presidente estará vinculado à pena do primeiro, mesmo que o Conselho de Sentença reconheça situação menos favorável, pois somente assim o princípio da proibição da reformatio in pejus estaria sendo respeitado em sua amplitude. Sustentam que a soberania dos veredictos não estaria sendo afetada, pois o Júri decidiria como bem entendesse, ficando comente o Juiz vinculado na aplicação da pena.
Veja-se o alegado por Jorge Vicente Silva:
“… A tese defendida pela segunda corrente, acreditamos, seja a que mais atende ao princípio da proibição da reformatio in pejus em toda sua amplitude. Observa-se que nesse caso, fica mantida a soberania do Júri, restando apenas vinculado o Juiz Presidente à decisão anterior, quanto à pena então aplicada. O próprio art. 617 do Código de Processo Penal, quando permite ao Tribunal dar nova classificação ao fato, impedindo porém, seja a pena agravada, permite interpretação no sentido de que o Juiz Presidente do Tribunal do Júri pode ter sua decisão, ao proferir a sentença, vinculada ao máximo da pena fixada no anterior julgamento. Isto porque, se este dispositivo legal permite que o Tribunal ad quem dê nova definição jurídica ao fato, como por exemplo, reclassificar um delito de furto para roubo impróprio, devendo, porém, manter a mesma pena aplicada ao furto, nada impede que o Tribunal Popular dê nova classificação ao crime…”.
Entretanto, tal entendimento não é o mais correto. Seria inócuo dizer que o Tribunal decidiria como quisesse, se a pena, que é o objetivo maior, estaria vinculada ao primeiro julgamento. Em tal caso, a soberania dos veredictos estaria sendo afetada indiretamente, pois de que adiantaria ser reconhecida uma qualificadora no segundo decisum se a mesma não poderia influir no cálculo da pena? Em nada, seria a resposta correta.
Faz parte também dessa corrente minoritária Guilherme de Souza Nucci, sustentando que a pena não poderá ser fixada em quantidade superior à decisão anulada, pois os princípios constitucionais devem harmonizar-se, e que não obstante o respeito à soberania dos veredictos, a ampla defesa também deve ser respeitada em igual hierarquia, pois também é princípio constitucional, e retirar do réu a segurança jurídica para interpor recurso, podendo ocorrer piora de sua situação, não estaria sendo garantida a ampla defesa.
Acontece que, na harmonização dos princípios constitucionais, deve-se partir da premissa de que o bem maior sobrepõe-se ao bem menor, e neste caso a soberania dos veredictos deve prevalecer, pois tornaria toda a instituição inócua, caso pudesse ficar a decisão vinculada.
Segundo Heráclito Antônio Mossim:
“Há na nova decisão plena liberdade de os jurados votarem o questionário de forma que melhor lhes prouver, mesmo porque os juizes de fato que participaram do julgamento que restou anulado não podem participar do novo conselho de sentença, a teor do que se encontra insculpido na Súmula 206 do Colendo Supremo Tribunal Federal. A hipótese releva impedimento especial. A liberdade em questão está vinculada à soberania do tribunal do júri consagrada constitucionalmente (art. 5º, XXXVIII, c, da CF).”
Assim, segundo o entendimento mais acertado, pode perfeitamente o Juiz Presidente proferir uma pena maior, se o Conselho de Sentença reconhecer situação menos favorável àquela reconhecida no primeiro julgamento. Não há violação à reformatio in pejus indireta, pois tal decisão foi proferida pelo Tribunal do Júri, decorrendo do princípio constitucional da soberania dos veredictos.
Deve-se ter em vista que a soberania dos veredictos é, como já salientado, norma constitucional, e a proibição da reformatio in pejus é norma infraconstitucional, e não há dúvidas acerca da superioridade da primeira.
Todavia, caso o Conselho de Sentença decida no segundo julgamento de maneira idêntica ao primeiro, não poderá o Juiz Presidente aplicar pena maior, pois neste caso a proibição da reformatio in pejus indireta deve ser aplicada, porque não fere a soberania do Tribunal Popular.
Esse também é o entendimento da doutrina majoritária. Fernando Capez sustenta que “caso a votação do primeiro julgamento seja repetida (…) o juiz-presidente não pode impor pena maior do que a do primeiro Júri, pois a ele se aplica a vedação legal.”
Veja-se as propedêuticas lições de Eugênio Pacelli de Oliveira:
“(…) em se tratando de procedimentos da competência do Tribunal do Júri, a soberania do júri popular constituirá obstáculo à vedação da ‘reformatio in pejus’. Por isso, na hipótese de realização de novo julgamento – se anulado o anterior, ou mesmo em decorrência da utilização do protesto por novo júri -, a nova decisão poderá piorar, validamente, a situação do réu, na hipótese, por exemplo, de reconhecimento de agravantes, causas de aumento ou mesmo qualificadoras, não apreciadas ou rejeitadas no julgamento anterior. Todavia, se a decisão do novo júri for igual à primeira, no que concerne á definição do crime e suas circunstâncias, não poderá o juiz-presidente agravar a situação do acusado, exclusivamente por ocasião da dosimetria (fixação) da pena.”
Assim, no caso do julgamento proferido pelo Tribunal Popular ser anulado em segunda instância, deve-se ter em vista a soberania dos veredictos em contraposição à proibição da reformatio in pejus indireta, podendo perfeitamente, caso o Conselho de Sentença reconheça situação menos favorável, ser aplicada pela maior. Contudo, caso os jurados profiram decisão idêntica, o Juiz Presidente deve ficar adstrito à pena aplicada no primeiro julgamento, pois a ele aplica-se a proibição da reforma para pior indireta, e tal conclusão deve-se ao fato de que jamais uma norma infraconstitucional deve-se sobrepor a uma norma constitucional.
Outrossim, deve-se salientar que caso o entendimento fosse diverso, a instituição do júri seria inócua, e não seria atingido o seu principal objetivo, isto é, o do acusado poder ser julgado plenamente por seus semelhantes, garantindo-se a soberania de tal julgamento, para que se respeite a norma constitucional acima de qualquer outra infraconstitucional, o que, caso contrário, seria vedado em nosso ordenamento jurídico pátrio.
Caso fosse adotado o entendimento da corrente minoritária, o Tribunal do Júri, mesmo que indiretamente, estaria sendo violado, pois mesmo podendo decidir como bem entender, a pena, que como já dito, é o objetivo da condenação, não poderia ser alterada, o que feriria indiretamente a soberania dos veredictos.
Posto isso, no tribunal do júri, por força do princípio constitucional da soberania dos veredictos, anulada a decisão do mesmo, no novo julgamento é possível que os jurados reconheçam crime mais grave e consequentemente a pena seja maior do que aquele que constava da decisão anterior; soberana é a decisão dos jurados e não a pena aplicada pelo juiz presidente, e portanto se no novo julgamento a decisão dos jurados for idêntica à do primeiro julgamento o juiz presidente não poderá impor pena mais grave. Trata-se de exceção à proibição da reformatio in pejus indireta: o princípio da soberania dos veredictos se sobrepõe a tal proibição.
2- Reformatio in mellius
Questão polêmica na doutrina e na jurisprudência diz respeito à possibilidade da reforma da situação do acusado para melhor em recurso exclusivo da acusação, e não tendo a mesma feito pedido nesse sentido. Trata-se da possibilidade da adoção da reformatio in mellius.
Assim, não tendo o réu apresentado recurso, e somente o Ministério Público, e não tendo feito o mesmo pedido de melhora da situação do acusado, poderia o Tribunal reformar a decisão de ofício, beneficiando-o? A questão é controvertida.
Primeiramente, devem-se salientar as críticas existentes relacionadas à nomenclatura, pois muitos afirmam que não seria correta a utilização do termo reformatio in mellius, pois o acusado não faria parte do recurso, sendo um estranho. Assim, o termo correto seria reformatio in pejus para a acusação.
Penso que a questão supracitada trata-se apenas de mera terminologia, não havendo mudança substancial para o estudo do instituto, não merecendo melhores comentários.
A doutrina e a jurisprudência dividem-se em duas correntes. A corrente majoritária, desta fazendo parte o Superior Tribunal de Justiça, entende ser possível a melhora da situação do réu em recurso exclusivo da acusação, fundamentando tal posicionamento no fato de que se o Tribunal verificou erro na condenação ou na dosimetria da pena, não pode estar impedido de corrigi-la em favor do réu, vez que o art. 617 apenas veda a reformatio in pejus, e não a reformatio in mellius. Fundamenta, ainda, que não seria razoável submeter o interessado a uma revisão criminal, recurso demorado, havendo prejuízo para o indivíduo e para o Estado.
Já o Supremo Tribunal Federal não admite a possibilidade de reforma da situação do acusado para melhor quando somente o Ministério Público tenha recorrido, alegando a violação ao princípio do tantum devolutum quantum apellatum.
A doutrina também se encontra dividida, contudo a corrente majoritária, como já salientado, entende possível a reformatio in mellius. O doutrinador Paulo Rangel faz parte de tal corrente, argumentando tal posicionamento no fato do órgão ministerial ser guardião mor da Constituição Federal, fiscal da lei; aduz ainda que, pelo princípio da legalidade, o que não é proibido é permitido, e o art. 617 proíbe somente a reformatio in pejus. Alega também que não se pode descuidar dos princípios da verdade real e do favor rei. Para finalizar sustenta que a regra do art. 617 teria sido criada para beneficiar o acusado, e não para prejudicá-lo, e que devem ser atendidos os princípios da economia e da celeridade processual, pois resultado igual seria alcançado por meio do hábeas corpus e da revisão criminal.
Importante transcrever a conclusão do autor sobre referido tema:
“(…) se assim não entendermos, vamos chegar ao absurdo de dizer que a justiça verificou haver uma injustiça no tocante á aplicação da pena em eventual recurso do órgão fiscalizador da lei, porém nada pôde fazer porque o réu não recorreu e ninguém lhe pediu para fazer justiça. A regra insculpida no §2º do art. 654 é exatamente para que, o Tribunal, verificando uma ilegalidade ocorrida em um processo em grau recursal, possa o Estado-juiz sana-la e entregar ao indivíduo sua liberdade de locomoção (…)”.
Assim, segundo a corrente majoritária, jamais um erro judiciário poderia, no processo penal, acarretar uma espera para ser alegado no momento oportuno. E em homenagem ao princípio da liberdade e do favor rei, nunca um réu deverá aguardar uma eventual revisão criminal para ver seus direitos alcançados. De tal entendimento compartilham autores como Heráclito Antônio Mossin, Paulo Rangel, Ada Pellegrini Grinover, Damásio Evangelista de Jesus, Frederico Marques, Magalhães Noronha, Tourinho Filho e outros.
Os autores que aderiram à corrente minoritária defendem que não seria possível a reforma para melhor da situação do réu quando somente o órgão ministerial tenha recorrido, sob o fundamento, como já salientado, de que feriria o princípio do tantum devolutum quantum apellatum.
Veja-se o sustentado por Fernando Capez:
“(…) Entendemos que não é possível, em recurso exclusivo da acusação reformar-se a decisão em favor do réu, em face do princípio do tantum devolutum quantum appellatum. (neste sentido, RTJ, 122/409). O tribunal estaria julgando ‘extra petita’, sem que tivesse competência recursal para tanto.”
Não menos importante a opinião de Júlio Fabbrini Mirabete:
“De acordo com o princípio ‘ne eat judex petita pertium’, não pode o tribunal ‘ad quem’, em recurso exclusivo da acusação, reformar a decisão em favor do réu, seja atenuando-lhe a pena, seja beneficiando-o de outra forma. É a orientação do STF que não é possível a ‘reformatio in melius’ pois há coisa julgada para o réu, e que incide na hipótese o princípio ‘tantum devolutum quantum appellatum’, o que afasta essa possibilidade.”
Não obstante dever ser a corrente minoritária respeitada, não é a mais correta. Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Ministério Público passa de órgão acusador para fiscal da lei, sendo que seu principal objetivo deve ser a correta aplicação da mesma.
De acordo com o art. 127 da CF/88: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (…)”.
No caso em exame, mesmo que o Ministério Público não tenha postulado uma benesse legal, nada impede que o Juízo ad quem, na hipótese da causa ter sido submetida a seu crivo, proceder a reformar, ou dar nova capitulação legal ao delito, reconhecendo, neste caso, uma situação mais benéfica ao acusado, mesmo que não haja o mesmo feito pedido, e ainda que não haja recurso da defesa.
O órgão ministerial, tendo como principal função a fiscalização da lei, deve ter o papel de defensor dos direitos, e não de parte no processo, não podendo se falar em “parte vencida”.
Tal função decorre de exigências ético-políticas, sendo que a mesma não pode divorciar-se dos aspectos sociais e do quadro histórico em que as normas jurídicas se formaram. Deve-se ter em vista que a nova ordem Institucional destinada ao Ministério Público deve estar de acordo com o Estado Democrático de Direito.
Assim, hodiernamente, o órgão ministerial, como já salientado, passou de mera parte do processo, de mero órgão acusador, para fiscal intrínseco e extrínseco da lei, avaliando-a em conjunto com os valores sociais, ético e políticos. Deve-se ter em vista a finalidade da norma, e a causa e a conseqüência de sua aplicação de uma ou de outra maneira.
Saliente-se que no presente momento histórico, especialmente no tão decantado Estado Democrático de Direito, a reprimenda penal possui finalidade eminentemente pública, sendo de todo despropositado e inconcebível punir por punir.
Inadmissível seria se o Tribunal, entendendo dever ser uma situação modificada para beneficiar o réu, estivesse proibido de melhorar-lhe a situação apenas porque o órgão ministerial não realizou pedido nesse sentido.
Importante salientar que, havendo melhora na situação do réu, mesmo não havendo requerimento do órgão ministerial, e sendo recurso exclusivo do mesmo, nenhum princípio estaria sendo violado, pois como já explicitado, o Ministério Público não mais se mostra como órgão acusador, e sim como fiscal da lei, devendo zelar pela correta aplicação da mesma.
Seria uma irracionalidade sobrepor o princípio do tantum devolutum quantum appellatum ao princípio do favor rei e ao da liberdade, que deve estar acima de todos, pois é um direito fundamental da pessoa humana, consagrado no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil.
Estamos tratando da liberdade de um ser humano, que irá passar anos de sua vida na cadeia, devendo sobrepor tal idéia a todas as demais, sempre. A dignidade da pessoa humana e sua liberdade devem sempre estar acima de qualquer irregularidade ou informalidade.
Posto isso, pode-se afirmar com veemência que a reforma para melhor em recurso exclusivo do órgão ministerial, não tendo o mesmo feito pedido para tanto, deve ser permitida, por todos os argumentos ora expostos.
3- Conclusão
A proibição da reformatio in pejus é um princípio basilar, sendo classificado como tal principalmente porque não se restringe apenas ao âmbito do processo penal, servindo de orientação para todo o ordenamento jurídico.
Tal princípio não se aplica somente à apelação, mas também aos outros recursos, tais como no recurso em sentido estrito, ou qualquer outro recurso. Justifica-se porque não pode haver, no Brasil, um julgamento ultra e extra petitum. Ademais, com a adoção da proibição da reforma para pior, busca-se garantir a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Outrossim, caso fosse permitida a reformatio in pejus, estar-se-ia ferindo o princípio da voluntariedade dos recursos, pois o acusado sentiria receio de recorrer, pois poderia ter a sua situação agravada, ocasionando insegurança jurídica.
De acordo com a Súmula 160 do STF, o Tribunal não poderá acolher, contra o réu, a nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. Exceção a tal regra é no caso da incompetência absoluta, pois a mesma não pode ser prorrogada, até porque a sentença anterior seria inexistente no mundo jurídico.
Isso ocorre porque a Constituição Federal de 1988 prevê que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, e uma norma infraconstitucional não pode sobrepor-se a uma norma constitucional.
Havendo recurso exclusivo da defesa, o julgamento sendo anulado, não pode ocorrer agravamento na situação do réu, seguindo a doutrina majoritária, pois caso contrário haveria uma reformatio in pejus indireta, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. Se fosse o contrário, ocorreria igualmente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Esse é o entendimento adotado pelo STF.
Caso diferente ocorre com a proibição da reforma para pior indireta e o Tribunal do Júri, pois deve ser observado à luz do princípio constitucional da soberania dos veredictos. A doutrina e a jurisprudência divergem. O entendimento mais correto é o que coloca a soberania dos veredictos em primeiro plano.
Assim, sendo anulado o primeiro julgamento, não deverá o Conselho de Sentença ficar adstrito, num segundo julgamento, à primeira decisão.
Outro desdobramento do princípio da proibição da reformatio in pejus é o princípio da reformatio in mellius, isto é, a possibilidade de reforma da situação do acusado para melhor em recurso exclusivo da acusação, não tendo a mesma feito pedido nesse sentido.
Pode-se afirmar que, não obstante a divergência doutrinária e jurisprudencial, deve ser permitida a reforma para melhor supracitada, sendo este o entendimento do STJ (o STF possui entendimento contrário). Tal posicionamento justifica-se pelo fato de o Ministério Público ser guardião da Constituição Federal, passando de mera parte acusatória para fiscal da lei. Além disso, deve-se sempre ter em vista o princípio da liberdade e do favor rei.
Assim, tem-se que os princípios devem ser aplicados, mas em conjunto com todo o ordenamento jurídico, e sempre buscando respeitar os mandamentos constitucionais, principalmente a dignidade da pessoa humana.
Referências
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2 – CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 20ª ed. rev. atual., São Paulo:Malheiros, 2004.
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11 – RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11ª ed. rev. ampl. e atual, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006.
12 – SCHEREDER, Karla de Costa Sampaio. A reformatio in pejus indireta no Protesto por Novo Júri. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/c_estudos/doutrina/reformatio_in_pejus.doc> Acesso em: 05 out. 2007.
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14 – TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24ª ed. rev. atual. e ampl., v. 4. São Paulo: Saraiva, 2002.
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