Resumo: O presente trabalho propõe o conhecimento da nova modalidade de usucapião como uma das formas de aquisição da propriedade imóvel. Por ter seu procedimento de forma extrajudicial, é chamado de usucapião administrativa. Para ocorrer, depende da participação do poder público como principal agente, pois abrange inclusive áreas de domínio público, bem como do cartório de registro de imóveis, na pessoa de seu oficial, pois seus atos são imprescindíveis para o êxito neste procedimento. Ao criar este instituto, através da Lei federal nº 11.977/2009, o legislador teve um cuidado especial voltado as famílias de baixa renda e que não possuem outro lugar para habitar como um lar, pois há exigências específicas que garantem estas peculiaridades. Por fim, atende, quando efetivamente cumprido esta modalidade de usucapião administrativa, o direito e garantia fundamental à moradia, assim como à dignidade humana.
Palavras-chaves: Aquisição de Propriedade. Legitimação de Posse. Regularização Fundiária de Interesse Social. Usucapião Administrativa. Usucapião Extrajudicial. Lei 11977.
Abstract: This paper proposes a new mode of know ledge of adverse possession as a form of acquisition of immovable property. By having your procedure of court, is called administrative adverse possession. To occur, depends on the participation of the government as the main agent as it covers areas including public domain, as well as the registry office properties in the person of its official because his actions are essential for success in this procedure. When creating this institute by Federal Law No. 11.977/2009, the legislature took special care facing low-in come families and have no other place to live like a home, because there are specific requirements that
guarantee these peculiarities. Finally, pick up, when actually accomplished this type of administrative adverse possession, the right to housing and basic warranty, as well as to human dignity.
Keywords: Acquisition of Property. Legitimization of Possession. Social Interest and Ownership Regularization. Administrative Adverse Possession.
Sumário: 1 – Introdução; 2 – Usucapião Administrativa como modalidade de aquisição da propriedade; 3 – Conclusão.
1 – Introdução
Muito tem se discutido ultimamente sobre a função social que toda propriedade deve exercer perante a sociedade. Bem, a Constituição Federal em seu Art. 5º, XXIII, determina que ela deva ser cumprida e, portanto, criaram-se políticas públicas para de fato aplicá-la.
Então em 2003, criou-se o Ministério das Cidades que dentre outras atribuições, deve elaborar políticas públicas de desenvolvimento urbano, de habitação, transporte urbano e de trânsito, sempre com intuito de auxiliar na boa atuação do poder público no que tange a habitação de solos urbanos num contexto geral.
Muito interessante também, é mostrar que nos livros bíblicos pode-se constatar que já se atribuía importância aos registros para fins de escrituração de imóveis, como se lê em Jeremias 32:14-15:
“Assim diz Javé dos exércitos, o Deus de Israel: Pegue esses dois contratos, o contrato de compra e venda que está fechado e também sua cópia aberta, e coloque-os dentro de um vaso de cerâmica, para que se conservem por muito tempo. Pois assim diz Javé dos exércitos, o Deus de Israel: Nesta terra ainda se comprarão casas, campos e vinhedos”.
Possui nosso ordenamento jurídico na forma de aquisição da propriedade por usucapião, as modalidades que viabilizam prazo usucapional menor para os possuidores que atenderem a função social da propriedade e com isso, vê-se claramente o interesse do poder público em conceder o domínio a pessoas que de fato darão finalidade produtiva à área ocupada irregularmente, seja rural ou urbana, afinal existem institutos próprios para usucapir ambas de forma abreviada, desde que cumprida sua função social.
A usucapião administrativa foi adimplida pela Lei Federal nº 11.977 de 2009 e sofreu algumas alterações pela Lei Federal nº 12.424 de 2011. Trata-se em suma, de um procedimento que deve ser precedido de várias etapas envolvendo o poder público, o possuidor da área e o cartório de registro de imóveis.
2 – Usucapião Administrativa como modalidade de aquisição da propriedade
Até a aprovação da Lei nº 11.977/2009, a aquisição de imóveis por usucapião apenas se operava pela via judicial, independente da modalidade. Contudo, o advento desta lei operou uma verdadeira revolução em todo o conceito até então observado sobre o instituto da usucapião como forma de aquisição da propriedade.
Ocorre de forma extrajudicial sobre tudo, por se tratar de um procedimento traçado e executado desde o início de forma consensual, assim como todos os procedimentos que ao longo do tempo foram migrando para as serventias notariais e registrais em todo o país, sempre atendendo certos requisitos, como o inventário e partilha de bens, divórcios e etc.
O procedimento tem seu início com a elaboração do Auto de Demarcação Urbanística (ADU), que consiste no ato administrativo do qual o Poder Público que esteja promovendo a regularização fundiária delimitará as demarcações do imóvel, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses[1] (art. 47, IV, Lei nº 11.977).
Em seguida, o ADU deverá ser encaminhado ao Cartório de Registro de Imóveis competente para que se registre. Bem, esta é a fase onde o registrador promoverá uma busca aprofundada sobre possíveis matrículas do qual o imóvel seja objeto a fim de encontrar existentes proprietários e confrontantes, notificando-os em seguida para que se houver discordância, impugnarem o feito. Esta impugnação resultará no acordo ou não entre o Poder Público promovente e impugnante. Caso seja sanada, o procedimento terá continuidade e se não, finda-se neste momento (art. 57, §§ 6º a 10º, Lei nº 11.977).
Caso o registrador encontre matrícula já existente referente ao imóvel regularizado, fará a averbação do ADU em seu íntimo. Se a busca restar infrutífera, abrirá uma nova matrícula em nome do Poder Público promovente e ali fará a averbação do ADU (art. 288-A, I, Lei 6.015).
Nesta fase executa-se o Projeto de Regularização Fundiária de Interesse Social, (prescinde de aprovação do Município – art. 53 da Lei nº 11.977) que se resume no registro do Parcelamento do Solo decorrente do ADU. Agora o registrador abrirá uma nova matrícula para cada área ocupada pelos possuidores, bem como para as áreas públicas destinadas ao uso comum e todas sob titularidade do Poder Público promovente (art. 288-F, §1º c/c art. 288-A, §2º, Lei 6.015). É mister salientar que tratando-se de regularização fundiária de interesse social, como no caso em tela, o registrador deverá promover todos os atos a título gratuito (art. 68, Lei 11.977 e os arts. 167, inc. II, nº 26; do inc. I, nº 41 e 42, Lei 6.015).
Com o parcelamento do solo registrado, o Poder Público promovente irá, para cada possuidor, emitir um Título de Legitimação de Posse, que deverá ser registrado às margens das matrículas abertas em decorrência do parcelamento. Imprescindível que este título seja registrado, pois somente a partir deste registro é que se inicia o prazo para usucapir administrativamente o imóvel e por isso, recomenda-se que o Poder Público que o tenha promovido, entregue aos possuidores o título já devidamente registrado (art. 58, §1º, Lei nº 11.977).
O registro deste título de legitimação gera direitos possessórios sobre o bem em favor de seus beneficiários e por isso, são passíveis de transferência através de um instrumento de cessão de direitos (inter vivos), ou pela sucessão (causa mortis). O método para formalizar essa transferência deverá ser estipulado em tempo da elaboração do Projeto de Regularização Fundiária e o adquirente da posse, deverá atender aos requisitos pessoais elencados na Lei nº 11.977, para estar apto a converter futuramente esse título de posse em propriedade.
São títulos precários, visto que podem ser revogados pelo Poder Público, contudo a única hipótese que a Lei trata da perda do título de legitimação é a transferência inter vivos não formalizada e devidamente registrada na matrícula criada para o imóvel, ou o abandono injustificado do titular (art. 60-A, Parágrafo Único, Lei 11.977).
Por fim, opera-se a Usucapião Administrativa por força da conversão do título de legitimação de posse em título de propriedade. O texto original da Lei 11.977 previa limitação territorial para esta modalidade de Usucapião de 250,00 m2, assim como observamos em seu art. 60:
“Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão deste título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal”.
O aludido art. 183 da CF traz a previsão da Usucapião Constitucional Urbana, que dentre as limitações impostas, podemos citar como principais a garantia do efetivo exercício da função social do imóvel, a vedação de que o usucapiente seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural e a limitação territorial supracitada. Atribui-se então para esta modalidade regra, a denominação de Usucapião Administrativa Constitucional.
Posteriormente foi incluído pela Lei nº 12.424/2011, o § 3º do art. 60 da Lei nº 11.977 a viabilidade da aquisição da propriedade por Usucapião Administrativa caso o imóvel objeto da legitimação de posse excedesse os 250,00 m2. Contudo, deverá atender então outra modalidade de usucapião, demandando lapso temporal superior aos 5 (cinco) anos acima elencados, mas que feito também pelo procedimento extrajudicial.
Tendo em vista as modalidades de usucapião existentes, dá-se a entender que o legislador ao redigir o parágrafo do artigo supracitado se referiu à usucapião ordinária e que, portanto, abriu o leque da usucapião administrativa que antes somente abrangia imóveis com metragem inferior a 250,00 m2, para qualquer metragem, visto que na usucapião ordinária não se impõe limite de área, desde que exerça a posse de forma mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo de 10 (dez) anos (art. 1.242 do Código Civil) e, portanto, atribui-se a esta modalidade exceção, a denominação de Usucapião Administrativa Ordinária.
3 – Conclusão
Ao final dos processos da Regularização Fundiária de Interesse Social, é prestado aos beneficiados senão uma aspiração de vida, algo que levarão como herança familiar por gerações. De forma que ao ceder o espaço já utilizado como lar por pessoas incapacitadas de obter o domínio de outra forma, cumpre o Estado seu papel de pai.
Esta modalidade de usucapião inova nosso ordenamento jurídico em muitos aspectos e como precípuas mudanças, pode-se elencar o fato do seu procedimento ser extrajudicial e a possibilidade de se usucapir terra de domínio público.
Bem, soa estranha a fala de que bens de domínio público são passíveis de usucapião, haja vista a proibição no texto constitucional sobre esta hipótese. Noutras palavras, se trata de um processo extrajudicial onde o poder público precisa a todo momento manifestar-se não só favorável, como agir para que o procedimento ocorra com êxito, como se observa no caso da demarcação urbanística, vez que ele se trata de legitimado exclusivo para promovê-la. Depende demasiadamente do oficial registrador de imóveis, pois tem seus principais atos realizados no cartório de registro de imóveis, que embalados pelo objetivo comum de dar finalidade produtiva aos imóveis que não estejam cumprindo sua função social, diga-se moradia, darão ensejo nesta aquisição de propriedade.
Por fim, resta-nos reconhecer os benefícios trazidos por este instituto que ainda é pouquíssimo usado, mas que beneficiará exorbitante quantidade de pessoas que vivem à obscuridade da segurança jurídica de seu próprio teto.
Acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá, Campus Primavera
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