PASLÂNDIM, Matheus Ananias¹. MOURA, Raniere Fernandes²
Resumo: Este estudo tem por objetivo d destacar os riscos que assume a organização que atua de forma irresponsável, mormente nas relações jurídicas com a Administração Pública, ressaltando a importância dos programas de compliance. Para tanto, analisam-se os elementos de um programa de compliance, ressaltando os fundamentos e importância do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, mormente na relação entre particulares e Administração Pública. Viu-se que compliance é um anglicismo derivado do verbo comply que, na língua original, significa agir de acordo com uma regra, regulamento ou pedido. Portanto, estar em compliance significa estar em conformidade com determinada regra, regulamento ou pedido. Os programas de compliance constituem importantes ferramentas para a prevenção, detecção e punição de práticas ilícitas ou criminosas desenvolvidas no âmbito das pessoas jurídicas de direito privado. São uma maneira de o Estado agir como regulador de uma autorregulação promovida e financiada pelas empresas privadas, inserindo no contexto privado uma cultura de cumprimento das normas legais. E, em se tratando de relação jurídica entre particular e a Administração Pública, a legislação vigente disponibiliza instrumentos para a responsabilização daqueles que, em detrimento da observância dos programas de conformidade, atuam de forma ilícita, podendo ser responsabilizados nas esferas penal, civil e administrativa.
Palavras-chave: Compliance. Programas de Conformidade. Responsabilidade Empresarial. Fundamentos. Administração Pública.
Abstract: This study aims to highlight the risks assumed by the organization that acts irresponsibly, especially in legal relations with the Public Administration, emphasizing the importance of compliance programs. To this end, the elements of a compliance program are analyzed, highlighting the foundations and importance of the institute in the Brazilian legal system, especially in the relationship between individuals and public administration. It was seen that compliance is an Anglicism derived from the verb comply which, in the original language, means to act according to a rule, regulation or request. Therefore, being in compliance means being in compliance with a certain rule, regulation or order. Compliance programs are important tools for the prevention, detection and punishment of illicit or criminal practices developed within the scope of private legal entities. They are a way for the State to act as a regulator of self-regulation promoted and financed by private companies, inserting a culture of compliance with legal norms in the private context. And, in the case of a legal relationship between a private individual and the Public Administration, the current legislation provides instruments for the accountability of those who, to the detriment of complying with the compliance programs, act illegally, and can be held responsible in the criminal, civil and administrative spheres.
Keywords: Compliance. Compliance Programs. Corporate Responsibility. Fundamentals. Public administration.
Sumário: Introdução. 1. Possibilidade sancionatória de improbidade administrativa empresarial. 2. Compliance. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Na atualidade há uma grande preocupação com o desenvolvimento sustentável, principalmente pela tomada de consciência da finitude dos recursos naturais e da imprescindibilidade do meio ambiente sadio e equilibrado para a qualidade de vida das presentes e futuras gerações, assim como também há uma grande preocupação para que as empresas atuem de forma responsável.
Exatamente por isso as empresas têm investido em medidas para prevenir os riscos e se antecipar a eventuais irregularidades, promovendo o desenvolvimento sustentável. Os programas de compliance ganham relevo, sendo implementados em diversas organizações para evitar (ou pelo menos mitigar) impactos negativos à sociedade.
Em se tratando da relação entre particular e Administração Pública, contudo, há questões a serem ponderadas, mormente os riscos assumidos pelas organizações que atuam de forma irresponsável, comprometendo a transparência, a lisura de seus atos.
Nesse contexto, os programas de compliance ganham relevo, pois tem a função de garantir a conformidade das normas e verificar, se ocasionados danos à sociedade, em sentido amplo, quem são os responsáveis.
Assim, tem-se como objetivo geral destacar os riscos que assume a organização que atua de forma irresponsável, mormente nas relações jurídicas com a Administração Pública, ressaltando a importância dos programas de compliance.
Destarte, metodologicamente, a pesquisa será realizada através do método de abordagem qualitativo e, no que tange o método de procedimento, se classificará como descritiva. A técnica de pesquisa será a documental indireta, pois se buscará, através da análise doutrinária, legislativa, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema.
O ato de Improbidade Administrativa no seu aspecto legal está ligado a condutas desleais contra a moralidade na administração pública. Com a redação da lei 8.429/1992 que regulamentou o art. 37 § 4º da Constituição Federal do Brasil de 1988, houve a previsão de sanções aplicáveis a essas práticas a agentes públicos, é o que preceitua o referido dispositivo da Carta Magna:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 1988)
Com a vigência da lei 12.846/2013 surgiu-se a possibilidade de improbidade administrativa no âmbito empresarial a qual poderá acarretar sanções civis e administrativas (processo administrativo de responsabilização), desconsideração da personalidade jurídica, não excluindo a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito a qual respondem subjetivamente, mediante demonstração de sua culpabilidade.
As sanções cabíveis englobam um rol disposto no art. 6 e 19:
Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:
I – Multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e
II – Publicação extraordinária da decisão condenatória.
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I – Perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II – Suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. (BRASIL, 2013)
É oportuno que, embora a lei de improbidade administrativa versa a respeito dos agentes público, a Lei anticorrupção empresarial não a supre.
De acordo com Andrade:
A rigor, quando a LAE estabelece a possibilidade de responsabilização objetiva da pessoa jurídica de direito privado nas esferas cível e administrativa e ressalva a independência dessas instâncias em relação aos atos de improbidade administrativa (art. 30, I), deixa clara sua intenção de exasperar as consequências sancionadoras dos atos lesivos à Administração Pública. Suprimir esferas de responsabilização, sobretudo aquelas de natureza constitucional jurisdicional, quando a realidade histórica claramente exigiu seu incremento, caracterizaria andar na contramão da necessidade de resguardar a moralidade e o patrimônio públicos, impingindo uma proteção deficiente vedada pela própria Constituição. (ANDRADE, 2020)
Não é demais ressaltar que a corrupção é um problema não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, e que refletiu sobremaneira na edição da norma anticorrupção no país, envolvendo entes públicos e privados. Nesse cenário a Lei nº 12.846/2013 veio a lume exatamente para amenizar e punir atos corruptos. E embora não seja a primeira tentativa de combate à corrupção no país, pois outros diplomas já foram editados ao longo das últimas décadas com semelhante intuito, é o primeiro a estabelecer sanções aos crimes praticados contra a Administração Pública.
Cumpre ressaltar que a Lei Anticorrupção, conforme doutrinadores, inovou, pois permitiu que as pessoas jurídicas fossem responsabilizadas em processos sancionatórios por atos de corrupção (BITENCOURT, 2014). Por conseguinte, o diploma em comento tenta coibir os atos de corrupção, de forma que as empresas que estejam envolvidas em atividades ilícitas respondam judicialmente pelos seus atos. Mesmo aquelas que praticarem atos ilícitos indiretamente, responderão pela prática das irregularidades.
A doutrina elenca, ainda, dois principais motivos para criação e posterior aprovação da Lei Anticorrupção. O primeiro diz respeito à necessidade de o Brasil se adequar a uma política internacional de combate à corrupção, compromisso assumido internacionalmente através da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da Convenção Interamericana de Combate à Corrupção e da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (PETRELLUZZI; RIZZEK JUNIOR, 2014).
O segundo motivo, por sua vez, se refere à uma resposta do Congresso Nacional aos protestos ocorridos em 2013, ano em que a sociedade brasileira saiu às ruas exigindo o fim da corrupção no Brasil (BITTENCOURT, 2014).
Já para a Controladoria Geral da União, CGU, a Lei Anticorrupção é responsável por trazer importantes inovações. A primeira delas a responsabilização objetiva, que se consubstancia na possibilidade de responsabilizar as pessoas jurídicas em casos de corrupção, independente de prova de culpa. Em segundo lugar, a adoção de penas mais rígidas, o valor das multas pode alcançar o importe de 20% do faturamento bruto anual da empresa ou até 60 milhões em casos que não sejam possíveis aferir o faturamento bruto. A terceira inovação consiste no acordo de leniência, o qual prevê redução, abrandamento das penalidades em casos de cooperação. E, em último lugar, está a abrangência da lei, a LAC pode ser aplicada pela União, Estados e Municípios e possui competência sobre empresas brasileiras que atuem no exterior (BRASIL, 2018).
Assim, a responsabilidade prevista pela Lei Anticorrupção, aplicar-se-á nas situações em que se configurem atos lesivos contra a Administração Pública praticados por pessoas jurídicas, conceituadas como “[…] entidades a que a lei empresta personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações”. (GONÇALVES, 2011, p. 81).
Isto posto, pode-se afirmar que a lei em questão abrange as “[…] sociedades empresárias e sociedades simples, fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no Brasil” (NEVES, 2014, p. 01).
Por conseguinte, atendendo a compromissos assumidos inclusive na esfera internacional é que o legislador estabeleceu punições para aqueles que, por exemplo, fraudam licitação pública; obtém vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, com a prorrogação de contratos, por exemplo; dificulta a investigação ou fiscalização por órgãos públicos, dentre outras práticas.
Não é demais ressaltar que os atos de corrupção podem ser tratados nas três esferas, penal, civil e administrativa (BRASIL, 2018). Na esfera penal, os atos de corrupção são tratados como crimes contra a Administração Pública, contra a Ordem Econômica e contra a Ordem Tributária. Em matéria civil, a Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8429/92 é o principal instrumento de repressão à corrupção. E, no âmbito administrativo, a Lei nº 8.112/90 que trata, dentre outras medidas, de responsabilizar servidores públicos que incorrem em práticas relacionadas à corrupção, havendo, também, as normas de licitações e contratos, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
É importante ressaltar que as esferas civil, penal e administrativa atuam de maneira autônoma e independente. Ou seja, a apuração da responsabilidade civil independe da administrativa, as apurações podem ocorrer de maneira paralela.
Apenas ilustrativamente, cumpre ressaltar que o art. 22 da Lei Anticorrupção cria no âmbito do Poder Executivo Federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas por órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base na Lei Anticorrupção. Logo, a pessoa jurídica que deixa de agir corretamente, praticando atos de corrupção em detrimento da instituição de programas de compliance (ou sua observância), passam a figurar no referido Cadastro.
De fato, a Lei Anticorrupção prevê em seu artigo 6º, incisos I e II, às pessoas jurídicas consideradas autoras dos atos lesivos à Administração Pública, como sanção na forma administrativa, a hipótese de aplicação de multa “ […] no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, que nunca poderão ser inferiores à vantagem auferida, e a publicação extraordinária da decisão condenatória” (SANTOS JUNIOR; PARDINI, 2014, p. 01).
Nos casos em que não for possível o cálculo do valor do faturamento bruto da empresa, a multa deverá ser aplicada entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), conforme artigo 6º, §4º, Lei n. 12.846/13 (BRASIL, 2013).
O processo administrativo de responsabilização, também designado como PAR, é considerado uma inovação trazida pela Lei Anticorrupção e está disciplinado no capítulo IV da LAC, entre os artigos 8º e 15.
Ainda quanto à regulação da LAC, há que se falar da Portaria nº 910, datada de 7 de abril de 2015, do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União, a qual define os procedimentos para apuração da responsabilidade administrativa e para celebração do acordo de leniência de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
Outro ponto que merece destaque é a competência concorrente da Controladoria- Geral da União, CGU, no âmbito do Poder Executivo Federal para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou avocar os processos instaurados com fundamento na LAC, com a finalidade de examinar sua regularidade ou corrigir o andamento, inteligência do artigo 8º, §2º.
Outra competência da CGU consiste na apuração, processo e julgamento dos atos ilícitos previstos na LAC, que sejam praticados contra a administração pública estrangeira, com observância do art. 4º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000.
Resta evidente, portanto, que há meios para que punir aqueles que agem em desconformidade com as normas e princípios que regem a gestão da coisa pública no país, assim como se faz possível dar transparência aos dados. É necessário, contudo, disseminar as informações, para que as penalidades aplicadas pela LAC sejam efetivas e permitam de fato obstar a corrupção na Administração Pública.
A primeira questão a se ressaltar é que o termo compliance tem origem no verbo em inglês “to comply“, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido, ou seja, estar em “compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos. Logo, o termo em análise remete à noção de se efetivar valores traçados pelas organizações, corroborando para que sejam atendidas a missão e a visão da empresa (RIBEIRO; DINIZ, 2015).
Como instituto jurídico o compliance surgiu nos Estados Unidos no ano de 1977 com a promulgação da FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), uma lei federal que visa combater a corrupção transacional entre determinados sujeitos, tendo como caso precursor o escândalo político conhecido como “caso Watergate”, que envolveu a renúncia de presidente americano (MEDEIROS, 2017).
Devido aos diversos escândalos de corrupção e éticos aos quais o Brasil vêm passando, tem se ouvido muito sobre compliance. Diante deste fato, sabe-se que a sociedade brasileira tem sofrido com os impactos da corrupção que afeta tanto a esfera empresarial quanto pública do país.
Nesse sentido, a reivindicação da sociedade sobre assuntos relacionados a integridade das organizações, assim como os acordos internacionais firmados pelo Brasil, pressionaram o Estado fazendo com que este instituísse a Lei nº 12.846/2013, de 1º de agosto de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, e o Decreto nº 8.420/2015 que posteriormente regulamentou a Lei.
Desta feita, as normas mais recentes vieram reforçar, no ordenamento jurídico brasileiro, o compromisso assumido interna e internacionalmente, pelo país, no combate à corrupção, na punição de atos lesivos à Administração Pública. Significa dizer que embora outros diplomas legais tratassem da responsabilização no âmbito da Administração Pública, a exemplo da Lei de Improbidade Administrativa, a Lei Anticorrupção se diferencia das anteriores por tratar de questões específicas, não abordadas anteriormente pelo legislador.
A grande maioria dos autores parte da definição do termo “compliance” com base na origem da expressão. Portanto, a conceituação mais disseminada no Brasil é de que a palavra tem origem na língua inglesa a e como substantivo remete à noção de ato ou fato de estar de acordo com um desejo ou comando; aquiescência excessiva; o estado ou fato de estar de acordo com regras e padrões (NERON; PORTELLA, 2018).
De outro lado, Candeloro, Rizzo e Pinho (2015, p. 03-04) definem o compliance através de uma frase: “Good Compliance is Good Business”. Assim, asseveram os autores que o compliance seria um mecanismo utilizado pelas empresas para “nortear a condução de seus próprios negócios, proteger os interesses de seus clientes e acionistas, bem como salvaguardar seu bem mais precioso: a reputação”.
Portanto, o compliance não se trata apenas de conformidade em relação às normas legais, mas também às regras de caráter facultativo que auxiliam na promoção da conformidade e integridade nas pessoas jurídicas. De mesmo modo, o compliance também é a conformidade para a otimização e simplificação de processos internos e redução de perdas operacionais no dia-a-dia das instituições, o que resulta em um aumento da eficiência e reforça a imagem íntegra da corporação, agregando valor às organizações que fazem uso desse sistema, sendo exatamente a sua amplitude que conduziu o compliance à outras áreas, senão a financeira e a criminal.
Na visão de Lamboy (2017 p. 06) “[…] compliance é o dever de cumprir e estar em conformidade com diretrizes estabelecidas na legislação, normas e procedimentos determinados, interna e externamente, para uma empresa, de forma a mitigar riscos relacionados a reputação e a aspectos regulatórios”. Por ser de uma amplitude conceitual, os programas de integridade devem nortear o comportamento das organizações no mercado, independentemente do ramo de atuação (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012) e da natureza jurídica da relação estabelecida, se de direito privado ou público.
De acordo com Manzi (2008), o compliance implica em:
Assegurar, em conjunto com as demais áreas, a adequação, fortalecimento e o funcionamento do Sistema de Controles Internos da Instituição, procurando mitigar os Riscos de acordo com a complexidade de seus negócios, bem como disseminar a cultura de controles para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos existentes. Além de atuar na orientação e conscientização à prevenção de atividades e condutas que possam ocasionar riscos à imagem da instituição.
Ribeiro e Diniz (2015) assinalam, portanto, que os programas de integridades clamam adoção de estratégias que se aplicam a qualquer organização e em qualquer ramo de atuação, independentemente do tamanho do empreendimento, pois, na atualidade, o mercado cada vez mais exige condutas éticas e legais que consolidem um comportamento empresarial no mercado, aliado à um desenvolvimento sustentável não apenas do ponto de vista ambiental, mas concorrencial, comercial, no âmbito do Direito do Consumidor, etc.
Conforme Lamboy (2017 p. 08), a implantação de um programa de compliance em um ambiente empresarial tem como finalidade assegurar, quanto a: Leis – aderência e cumprimento; Princípios Éticos e Normas de Conduta – existência e observância; Regulamentos e Normas – implementação, aderência e atualização; Procedimentos e Controles Internos – existência e observância; Sistema de Informações – implementação e funcionalidade; Planos de Contingência – implementação e efetividade, por meio de testes periódicos; Segregação de Funções – adequada implementação a fim de evitar conflitos de interesse; Relatório do sistema de controles internos (Gestão de Compliance ) – avaliação dos riscos e controles internos; Políticas Internas – que previnam problemas de não conformidade com leis e regulamentações. É, pois, instrumento amplo que, repita-se, vai muito além da conformidade com as leis, e norteia, por conseguinte, a relação jurídica estabelecida entre particulares e entre estes e a Administração Pública.
Da mesma forma, o programa de compliance deve, conforme Lamboy (2017), fomentar o desenvolvimento da cultura de: prevenção à lavagem de dinheiro através de treinamentos específicos; controle, justamente com os demais pilares do sistema de controles internos, na busca da conformidade; certificar-se que, nas relações com órgãos reguladores e fiscalizadores todos os itens requeridos sejam prontamente atendidos; com auditores externos e internos – todos os itens de auditoria relacionados a não conformidade com leis, regulamentações e políticas da empresa sejam prontamente atendidos e corrigidos pelas várias áreas e com associações de classe e importantes participantes do mercado – promover profissionalização da função e auxiliar na criação de mecanismos de revisão de regras de mercado, legislação e regulamentações pertinentes.
Nesse cenário é que ganha relevo as restrições impostas aquelas organizações que, no dia a dia, deixam de agir de forma ética, comprometendo a lisura dos seus atos nas relações, repita-se, entre particulares e entre estes e a Administração Pública.
Desta feita, para a implantação de uma política de compliance, a empresa deverá elaborar um programa com base na sua realidade de atuação, bem como em todas as entidades que esta participa ou possui algum tipo de controle ou participação (COIMBRA; MANZI, 2010).
Gonçalves (2012) esclarece, ainda, que os programas de integridade orientam as ações das empresas e fomentam atitudes responsáveis, maximização dos recursos e, ainda, uniformização e coerência na tomada de decisões, práticas que refletem nas relações entre os colaboradores e da empresa para com a sociedade.
Funcionando de forma efetiva, a adoção do compliance por uma empresa tende a levar à obtenção de maior confiança de investidores e maior credibilidade no mercado, e dessa forma, alcançará altos níveis de cooperação interna e externa, vide o aumento do lucro de forma sustentável, com benefícios também à sociedade (RIBEIRO; DINIZ, 2015). Tal fator é também preponderante quando do estabelecimento, por exemplo, de relações jurídicas com as pessoas de direito público.
De fato, além de ser um dever ético, que deve ser cumprido sem se esperar qualquer recompensa financeira, a atuação das organizações em conformidade com as normas e melhores práticas traz vantagens para a comunidade, para a economia, para o meio ambiente, ou seja, para o país como um todo (LAMBOY, 2017).
Ademais, a sociedade espera que a Administração Pública, em suas relações com particulares, a exemplo das contratações precedidas de procedimento licitatório, considere empresas que se pautam de forma adequada na sociedade, que adotem postura sustentável em relação ao meio ambiente e ao mercado. Ora, uma empresa que se envolve em escândalos de corrupção, que tem gestores expostos nos meios de comunicação pela prática de ilícitos, ou que não adote, perante a sociedade, uma postura sustentável, macula a imagem da Administração quando com ela firma alguma relação contratual.
Lamboy (2017) enumera aspectos negativos para as empresas quando não inseridas em programas de integridade: danos à reputação da organização, dos seus funcionários e perda de valor da marca; má alocação de recursos e redução da eficiência e da inovação; cassação de licenças de operação; sanções administrativas, pecuniárias e, dependendo do caso, criminais às organizações e aos indivíduos; custos secundários e não previstos (advogados, tempo da alta gerência, etc.).
Ribeiro e Diniz (2015), por sua vez, identificam que as organizações deverão atentar para a efetivação de profissionais com conhecimentos específicos, técnicos, promovendo capacitação permanente dos colaboradores, em todos os níveis, além de apresentar um programa de relacionamento com seus colaboradores, bem delimitado em um código de ética empresarial. Dessa forma, com o compliance, se pretende minorar os riscos externos, pois a divulgação negativa de fatos ocorridos na empresa tendem a comprometer a visão da sociedade, conduzir a ações judiciais custosas, afastar clientes e, em casos mais sérios, pode levar à falência (COIMBRA; MANZI, 2010 p. 02).
O compliance é uma estratégia não apenas voltada a obter ganho de valor e competitividade em longo prazo, mas também contribui decisivamente para a própria sobrevivência da organização. Além destes impactos direitos em curto prazo, a grande maioria dos empresários em diversos países acreditam que uma empresa ética e responsável obterá mais sucesso em longo prazo (LAMBOY, 2017). É, de fato, o que espera a sociedade.
Gonçalves (2012) menciona, ainda, que o compliance tem como objetivo organizar documentação e procedimentos de gerenciamento adequado, exaltando a transparência, com finalidade de obtenção de certificação perante normas reguladoras.
Por sua vez, Ribeiro e Diniz (2015) apontam que os custos de implantação de um programa de compliance dividem-se em três aspectos:
[…] o aspecto da manutenção, o aspecto da não conformidade e o aspecto da governança. Quanto ao primeiro, abrange-se os custos para executar e promover essa política, como custo de treinamento, consultoria e comunicação. Referente ao aspecto da não conformidade, estão os custos de penalidades, multas, tributos, perda de receita e produtividade, danos à marca. E, por fim, quanto ao aspecto da governança têm-se a manutenção e as despesas da diretoria e dos comitês, custos legais e jurídicos, contratação de auditoria externa e relacionamento com investidores e comunicações. (RIBEIRO e DINIZ, 2015 p 94)
É importante ressalvar que tanto no âmbito interno quanto no externo, a confiança e a cooperação são facilitadores de uma política de compliance. Dessa forma, Ribeiro e Diniz (2015) preconizam que a adoção de programas de integridade tende a colaborar para funcionários mais satisfeitos, auxilia na reputação das organizações no mercado, o que reflete beneficamente nas relações jurídicas, potencializando os resultados.
Lamboy (2017, p. 47) exemplifica que o compliance depende de outras áreas da organização, e na maioria dos casos, atua em cooperação com a área de recursos humanos, gestão de risco, de controles e outros departamentos com objetivos e interesses comuns, ou seja, “[…] na implantação de um programa de compliance em uma organização, é preciso saber aproveitar estas relações intra-organizacionais, torná-las positivas e efetivas”.
Referente ao âmbito externo, Ribeiro e Diniz (2015) lembram, ainda, que a cooperação é a melhor medida para se alcançar resultados na implementação e manutenção dos programas de compliance, e espelha credibilidade. Compreensível, então, que o compliance constitui uma base para o estabelecimento de uma cultura ética nas organizações empresariais, pois na visão de Lamboy (2017 p. 11) uma cultura organizacional ligada à ética “[…] exerce uma clara influência sobre a integridade dos funcionários”, e por outro lado, tornam as empresas mais dependentes da produtividade e do comprometimento dos funcionários.
Lamboy (2017, p. 12) ainda menciona que “uma organização dotada de área de compliance eleva a qualidade e velocidade das interpretações regulatórias, aprimorando o relacionamento com reguladores”, além do mais, “sustenta todos os esforços envidados pela organização para o estrito cumprimento das exigências legais”, vide o endurecimento com as punições para qualquer organização e indivíduos que descumpram a lei.
Notório perceber que empresas que agem com integridade, observando princípios éticos e morais na realização de seus negócios tendem a alcançar uma perpetuidade de suas ações no clima empresarial e uma garantia quanto às boas condições de trabalho. Bem define Lamboy que:
[…] não basta, portanto, que a empresa possua processos de produção, armazenagem, expedição, distribuição e comercialização bem alinhados e desenvolvidos. É necessário que a organização seja praticante e propagadora de pensamentos éticos saudáveis, ocupando-se, cada vez mais com uso racional, correto e transparente de seus recursos, a fim de otimizar custos operacionais e reputacionais. (LAMBOY, 2017 p 113)
Conclusão
Dessa forma, é possível entender que uma empresa ao integrar questões sociais, econômicas e ambientais em suas atividades de negócio, em meio à um programa de políticas de compliance, reforça seu compromisso de estimular e avançar o respeito aos direitos humanos em uma sociedade com práticas justas e benéficas.
Os programas de compliance, hoje obrigatórios no Brasil para determinadas atividades e pessoas (físicas ou jurídicas), possuem alguns objetivos gerais, aplicáveis a praticamente todas as atividades desenvolvidas no âmbito empresarial brasileiro. Segundo Benedetti:
No âmbito institucional e corporativo, Compliance tem sido definido como o conjunto de disciplinas introduzidas na empresa para fazer cumprir normas legais e regulamentares, políticas e diretrizes estabelecidas para as suas atividades, bem como ferramenta para evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade nela existentes. (BENEDETTI, 2014 p 80)
Na gestão ambiental, por exemplo, e como elucida Segal (2018), o compliance tem por finalidade não apenas a prevenção de possíveis demandas judiciais ou a garantia de transparência nos negócios da empresa, já que visa também garantir a confidencialidade entre clientes e empresa, a transparência nas relações, disseminar os valores do compliance, dentre outras finalidades que vão muito além da prevenção de crimes, como comumente se interpreta os programas de integridade.
Segundo Oliveira et al. (2018), as noções de prevenção e precaução relacionadas a impactos da intervenção humana no ambiente natural e social – pelas abordagens legais, éticas e técnico-científicas – orientaram o ciclo econômico de produção, distribuição, distribuição e consumo bens e serviços e o ciclo de políticas públicas. Nesse sentido, é importante considerar que as noções de prevenção e precaução não se limitam à colheita do sistema legal, eles também se estendem ao sistema ético e técnico-científico. Portanto, o instituto de conformidade deve incorporar padrões multissistêmicos e operacionais, a fim de ser compatível com a cultura de integridade atualmente exigida, cada vez mais, pela também sociedade multissistêmica.
Ainda, acrescentam os Oliveira et al. (2018) ressaltam que os planos de gestão no campo de atividades privadas e na realização de políticas públicas no caminho do governo não pode mais ser desenvolvido, implementado, avaliado e revisado sem incorporar práticas prevenção e precaução exigidas pelas normas legais, éticas e técnico-científico.
Consequentemente, conscientização e internalização em relação às regras e procedimentos sobre possíveis e potenciais impactos ambientais negativos devem ser entendidas principalmente e introduzido na dinâmica do empreendedorismo público e privado da perspectiva da prevenção e cautela (OLIVEIRA et al., 2018).
Destarte, não se pretende, nesse breve estudo, esgotar a análise dos riscos que assume a organização que pratica atos contrários à lei, mormente de corrupção, em detrimento da observância de preceitos estabelecidos em um programa de integridade. O que se busca é demonstrar as consequências, ilustrativamente, para aquele que assume os riscos numa relação jurídica com a Administração Pública.
REFERÊNCIAS
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¹Acadêmico do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG; ²Prof. Orientador do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
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