Responsabilidade civil do advogado no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: Esse trabalho visa delinear a responsabilidade civil do advogado no ordenamento jurídico brasileiro. Com o escopo de enxergar as minúcias da atividade do advogado. Seus limites e suas prerrogativas. Ressaltando sempre a importância e as inerentes responsabilidades advindas da relação judicial entre o cliente e o advogado. Passando pela Constituição Federal ao Estatuto da Ordem, e olhando através do olhar das mais elucidativas doutrinas. Esse estudo se faz necessário como instrumento para coibir abusos e fortalecer os direitos e deveres do advogado em seu papel precípuo na justiça brasileira, sendo sua participação condição sine qua non para o exercício da jurisdição. Dentro do tema, esse artigo procura delinear a classificação dentro da sociedade brasileira, colimando mostrar quais são os objetivos da atividade do profissional da advocacia, e principalmente o que deve o cliente esperar desse advogado.[1]

Abstract: This work aims to outline the responsibility of the lawyer in the Brazilian legal system. With scope to see the details of the activity of the lawyer. The limits and prerogatives. Always stressing the importance and the inherent responsibilities arising from the legal relationship between the client and lawyer. Passing by the Constitution to the laws, and looking through the eyes of the most enlightening doctrines. This study is needed as a tool to curb abuses and strengthen the rights and duties of the lawyer in his primary role in the Brazilian courts, their participation being a sine qua non for the exercise of jurisdiction. Inside the issue, this article seeks to outline the classification within Brazilian society, seeking to show which are the objectives of the activity of professional lawyer, and especially what the client should expect from that lawyer.

Palavras-chave: Advocacia – Responsabilidade Civil – Advogado – Dano – Responsabilidade Civil do Advogado.

Sumário: Introdução. 1. O Advogado na Sociedade Brasileira. 2. Atividades de Meio e Atividades de Resultado. 3. Responsabilidade na Causa. 4. Responsabilidade por Injúria na Defesa da Causa. Considerações Finais. Referências.

Introdução

O advogado é indispensável à administração da Justiça, na dicção do art. 133 da Constituição Federal. Ou seja, a própria Constituição elevou a profissão de advogado, garantindo seu teor necessário que é exigido para o exercício escoimado da função.

Mas o que sobressalta ao olhar é a necessidade de colocarem-se balizas para que o exercício da advocacia não ultrapasse o bom senso. Não deve o advogado criar excrescências em sua atividade, deve ater-se a situação é sempre apresentar uma conduta condizente a seu oficio para que não responda por sua incúria ou imprudência. O advogado lida diretamente com o fato social e a vida em sociedade, deve ele ter tanta diligência quanto um médico ao operar. Muito se diz da responsabilidade de um cirurgião que é responsável pela vida da pessoa que opera, e qualquer descuido essa pessoa pode vir a falecer. O advogado por sua vez ao cometer ou permitir que seu cliente sofra uma injustiça por sua incúria, pode fazer que esse sofra um encargo pro resto de sua vida, devido ao dano que não foi reparado.

1. O Advogado na Sociedade Brasileira

A profissão de advogado no Brasil deve ser respeitada, ela é prevista em nossa Carta Constitucional de 1988, em seu art.133. Essa previsão mais do que proteger uma categoria, visa proteger o contraditório, per si, visto ser esse um poderoso e valorado instrumento dentro de uma democracia decente.

Mas como todo ofício ou profissão, o advogado tem limites de atuação e responsabilidade inerentes a sua posição. Deve ser em seu exercício diligente e lidimo ao tratar com o seu cliente. Assim como na medicina, o advogado está obrigado a apresentar todas as vicissitudes do caso ao cliente, a partir de sua visão legal e devidamente treinada. Os conselhos dados ao cliente devem ser dirigidos pelo seu saber jurídico. Ocorrendo em responsabilização caso o advogado omita informação vital do caso deliberadamente de seu cliente.

A responsabilidade do advogado advém muitas vezes do mandato, é esse instrumento pelo o qual o cliente outorga forças ao seu representante (o advogado), para que este o represente legalmente. Nas ilustres palavras de Venosa:

“No tocante a responsabilidade do advogado, entre nós ela é contratual, na grande maioria das oportunidades, decorrendo especificamente do mandato. Geralmente há, portanto, um acordo prévio entre advogado e seu cliente. (…) Há também possibilidade de que a relação advogado-cliente seja extranegocial ou até mesmo estatutária, como acontece, por exemplo, com defensores oficiais e defensores nomeados pelo juiz.” (2013, p. 270)

Lida então dentro de nossa sociedade o advogado diretamente com os problemas, muitas vezes de foro íntimo do seu cliente, devendo então sempre que possível operar através de mandatos, visto que este delimita sua atuação e suas responsabilidades.

2. Atividades de Meio e Atividades de Resultado

Podemos afirmar que o advogado exerce atividade meio, ou seja, não pode o profissional da advocacia garantir ao seu cliente que ele recebera a o que pediu 100%, pois o advogado deve entender as vicissitudes da justiça, sendo assim sua atividade mero meio  utilizado para que o ‘usuário’ do Poder Judiciário possa ter todas as garantias e acessos que tem direito em sua litigância. Fábio Ulhoa Coelho ensina:

“É necessariamente de meio a obrigação profissional do advogado. Quando atua na advocacia contenciosa, não tem como comprometer-se a obter o resultado da demanda favorável ao cliente. Por maior que seja a tendência do julgamento num sentido, não há garantia absoluta de vitória em nenhuma contenda judicial. Se advogado consultivo, também não tem obrigação de resultado: caso seu parecer não prevaleça, ele não pode ser responsabilizado. Obriga-se, na verdade, a empenhar-se na defesa em juízo dos interesses de seus clientes ou no estudo aprofundado da questão que lhe é submetida.” (2012, p. 606)

Mas é importante ressaltar que em algumas atividades, o advogado assume a responsabilidade pelo resultado. Por exemplo, quando o advogado assume a responsabilidade de elaborar contrato, o profissional do direito aqui responde pela entrega do resultado e pela proficiência e requerimentos de tal. Como explica Venosa:

“No entanto, existem áreas de atuação da advocacia que, em princípio, são caracterizadas como obrigações de resultado, características de sua atuação extrajudicial. Na elaboração de um contrato ou de uma escritura, o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado.” (2013, p. 270)

Destarte, podemos entender ter o advogado duas modalidades onde se gradua a sua responsabilidade. Na de meio, sua responsabilidade é de forma indireta, pois ela não deriva do sucesso do processo, mas apenas na verificação de estar o advogado procedendo de maneira diligente e prudente em sua atuação. Na de resultado, ele responde objetivamente pelo sucesso (formulação devida) do que lhe foi contratado.

3. Responsabilidade na Causa

Deve ser prudente e operar com total cuidado o advogado que assume a responsabilidade de representação. Pois, seus atos podem ocasionar danos graves aos seus clientes, por exemplo, a perda do prazo para recurso, a prescrição de um direito, um grave inépcia na petição inicial, a perda de uma chance, etc.

Como ensina Carlos Roberto Gonçalves:

“Não se deve olvidar que o advogado é o primeiro juiz da causa. A propositura de uma ação requer estudo prévio das possibilidades de êxito e eleição da via adequada. É comum, hoje, em razão da afoiteza de alguns advogados, e do despreparo de outros, constatar-se o ajuizamento de ações inviáveis e impróprias, defeitos esses detectáveis ictu oculi, que não ultrapassam a fase do saneamento, quando são então trancadas. Amiúde percebe-se que a pretensão deduzida seria atendível. Mas, escolhida mal a ação, o autor, embora com o melhor direito, torna-se sucumbente.” (2012, p. 645)

É importante ser esse erro ser crasso e de fácil identificação. É sempre importante em questões de responsabilidade civil, olhar para a situação procurando a atitude do homem médio, para que não se cometa injustiça ao advogado que no exercício não agiu com culpa. Como asseverou acima o insigne Gonçalves, deve o erro ser ictu oculi, ou seja, de ser um erro que um advogado médio não cometeria por ser comezinho. Explicita Venosa:

“No entanto, na dialética do direito, toda essa discussão será profundamente casuística. É fora de dúvida, porém, que a inabilidade profissional evidente e patente que ocasiona prejuízos ao cliente gera dever de indenizar. O erro do advogado que dá margem à indenização é aquele injustificável, elementar para o advogado médio, tomando aqui também como padrão por analogia ao bônus pater famílias. No exame da conduta do advogado, deve ser aferido se ele agiu com diligência e prudência no caso que aceitou patrocinar.” (2013, p. 270)

Ulhoa, explica ainda melhor a noção de culpa necessária no caso do advogado:

“Se o profissional protocoliza a manifestação no prazo mais largo, está sendo imprudente, em vista da divergência nos tribunais? Deve ser responsabilizado se restar decidido que atuou extemporaneamente, mesmo tendo acerca do prazo legal a mesma convicção de parte considerável da jurisprudência e doutrina? Nestes casos de dúvida, sempre que o advogado puder sustentar o ato praticado em precedentes jurisprudenciais, entendimentos doutrinários autorizados ou mesmo em argumentos jurídicos sólidos, ele não responderá por eventuais danos sofridos pelo cliente.” (2012, p. 617)

Ou seja, a averiguação é casuística, e depende de comprobatório em torno da questão de ter agido o advogado com desídia ou não. Outro fator, relativo a indenização é quando ao sucesso da causa. Uma causa, que perdido o prazo por advogado para recorrer, que tenha pouca probabilidade de sucesso não cabe indenização segundo a doutrina, o que difere é verdade de direito que estava ‘quase’ garantido. É dentro da teoria da perda da chance que se forma esse instituto. Assim Venosa explica o requisito:

“De qualquer modo, no âmbito da responsabilidade do advogado, é imperativo que o cliente comprove que tenha sofrido um prejuízo certo e não meramente hipotético, ainda que dentro dos pressupostos da perda da chance.” (2013, p. 271)

Cabe ressaltar também o dever que tem o advogado de prestar esclarecimentos pedidos e necessários ao cliente, pois a comunicação cliente/advogado e advogado/cliente é importante égide dentro do mandato representativo legal. Podendo ser o advogado ser responsabilizado por não ter prestado os devidos esclarecimentos ao seu cliente na dicção do art. 6°, III, do Código de Defesa do Consumidor.

4. Responsabilidade por Injúria na Defesa da Causa

Dentre fervorosos embates que acontecem nos tribunais, não é raro que uma das partes transborde o bom senso que rege os trabalhos da justiça. É claro que excessos devem serem talhados, mas é importante concomitantemente aos limites não agredir o amplo direito de defesa. Para entender melhor a temática começaremos olhando uma excludente de crime prevista no Código Penal:

Art. 142. Não constituem injúria ou difamação punível:

I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;”

A lei é muito clara quanto a essa excludente, apesar de prevista, por enquanto, somente na alea penal, é de vital importância sua configuração. O legislador prevendo possíveis exaltações na febre dos ânimos colocou essa cláusula como proteção ao próprio exercício da advocacia.

Mas pode o advogado agir desarrazoadamente? Sem limites, podendo distribuir injúrias ao seu talante e não ter conseqüências?

A jurisprudência entende que não. Veja:

"Seria odiosa qualquer interpretação da legislação vigente conducente à conclusão absurda de que o novo Estatuto da Ordem teria instituído, em favor da nobre classe dos advogados, imunidade ampla e absoluta, nos crimes contra a honra e até no desacato, imunidade essa não conferida ao cidadão brasileiro, às partes litigantes, nem mesmo aos juízes e promotores. O nobre exercício da advocacia não se confunde com um ato de guerra em que todas as armas, por mais desleais que sejam possam ser utilizadas" (RSTJ 69/129)

Mas apesar de concordar parcialmente com essa jurisprudência, vejo que o advogado deve ter capacidade livre em sua oralidade principalmente. Seguindo essa linha de raciocínio vejamos o que diz o supramencionando Estatuto Da Ordem sobre a liberdade do advogado:

São basicamente dois dispositivos que geram celeuma, mas na minha opinião geram prerrogativas, dentro do Estatuto. O primeiro:

“Art.2°, §3 – No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta Lei.”

O segundo:

“Art. 7°, §2 – O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.”

É importante sobressaltar que o STF suprimiu a expressão desacato do dispositivo. Vemos aqui uma clara defesa do próprio instituto valorado da advocacia que como posto e inferido em ambos dispositivos, quando estando o advogado no exercício de sua atividade deve ser devidamente albergado.

No meu entendimento, os embates acalorados fazem parte da libertas convinciandi do advogado. Não se pode tolher por completo instituto tão importante, mas deve o advogado ater-se ao caso, não devendo ele ultrapassar os limites da própria causa que defende. Ou seja, é válida a contundência devidamente usada, desde que ela tenha ligação direta aos factuais. Inclusive existe jurisprudência, muito bem elabora, sobre a temática:

“Difamação e injúria atribuída a advogado no curso da ação penal movida a seu constituinte pela prática de corrupção de menores, ao contraditar testemunha arrolada pela parte contrária, justificou a impugnação denunciando-lhe a vida desregrada. Inexistência de crime contra a honra (CP, art. 142, I) pelo comportamento do advogado, manifestado no exercício da profissão e dentro dos limites da lei (CF, art. 133)” (STJ – HC – Rel. Carlos Thibau – RT 662/330)

Vemos aqui clara diferenciação. Entre estar no exercício da profissão, e mera difamação sem justificativa profissional.

Considerações Finais

A advocacia na Justiça, em geral, é imprescindível. O cidadão ficaria totalmente prejudicado sem a função do advogado na sociedade, pois este funciona como elo de condução para levar a Justiça a todos. Suas delimitações e prerrogativas apenas tornam ainda mais nobre o exercício da profissão que deve ser preservada em seu melhor caráter e qualidade. O advogado brasileiro tem dever inerente de possuir a ciência do peso de sua atividade dentro da sociedade e suas ínsitas responsabilidades.

Não podendo a advocacia se rebaixar a incúria pontual de certos indivíduos, procurando assim todo o profissional lidimo manter a feição da profissão sempre protegida e prestigiada, como deve ser. Algo que somente pode alcançar com a colaboração e cúria de todos os participes da advocacia brasileira.

 

Referências
Gonçalves, C. R. (2012). Direito Civil Brasileiro Vol.4. São Paulo: Saraiva.
Ulhoa, F. C. (2012). Curso de Direito Civil: Direto das Obrigaçoes e Resposabilidade Civil. São Paulo: Saraiva.
Venosa, S. S. (2013). Direito Civil – Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas.
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Alex Aparecido Ramos Fernandez, Professor da UNASP.

Informações Sobre o Autor

Mateus Rodrigues de Oliveira Michelon

Acadêmico de Direito na UNASP


Equipe Âmbito Jurídico

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