Resumo:O objetivo da presente artigo é analisar a responsabilidade civil dos árbitros de futebol em decorrência dos erros de arbitragem que acontecem durante um prélio esportivo. Por ser um ser humana e não uma máquina, o juiz de futebol comete inúmeras falhas quando preside uma partida, principalmente porque as jogadas acontecem em frações de segundos e, também, por não dispor do auxílio de recursos tecnológicos para dirimir as suas dúvidas em campo. Neste sentido, procura-se examinar detalhadamente a figura do árbitro de futebol, discutindo-se quais os erros mais comuns, distinguindo-se os desacertos que podem ser configurados como o exercício regular de um direito dos que podem sinalizar ato ilícito em um abuso de direito. Por fim, será perquirido quais são os possíveis danos, se deles resultam o nexo de causalidade. A partir daí, será feito um estudo para saber quem são as vítimas e quem serão os obrigados jurídicos a repararem os danos acarretados.
Palavras-chave: Futebol. Erro de arbitragem. Exercício regular de um direito. Abuso de direito. Ato ilícito. Responsabilidade civil.
Sumário: Introdução – 1. Ato ilícito x futebol – 2. Danos mais frequentes: 2.1. Danos emergentes; 2.2. Perda de uma chance; 2.3. Danos hipotéticos – 3. Análise da responsabilidade civil: 3.1. Responsabilidade perante os torcedores; 3.2. Responsabilidade perante os clubes – 4. Erro de arbitragem x conduta culposa – Considerações finais – Referências
INTRODUÇÃO
Uma das essências do futebol são os erros de arbitragem, que nunca sumirão do esporte, pois falhar é inato ao homem. Com o tempo, a maioria dos erros cai no esquecimento, enquanto outros mudam o curso da história do esporte, suscitando debates até hoje, como na eterna polêmica se, no terceiro gol da Inglaterra na Final da Copa de 1966, a bola entrou ou não. Naquela época, os ângulos fornecidos pelas escassas câmeras não eram dos melhores, sequer se permitia que a própria imprensa aferisse com certeza a existência ou do gol, imagine-se, então, a situação do árbitro naquele lance, onde os seus olhos eram o seu único recurso visual, não se pode crucificá-lo pela validação do tento.
No futebol moderno praticado no século 21, as coisas não mudaram muito em relação a final da Copa de 1966. Na verdade, as alterações só foram fora de campo.
Hoje, as equipes de transmissão utilizam as mais avançadas câmeras que flagram todos os lances do jogo, permitindo-se afirmar, nos mínimos detalhes, se o jogador estava impedido ou se a bola realmente entrou, trazendo a tona inúmeros erros de arbitragem e fomentando os incansáveis debates esportivos nas famosas “mesas redondas” após os jogos.
O problema é que estes equipamentos só servem para imprensa. A Federação Internacional de Futebol (FIFA) proíbe que os árbitros usem estes recursos para dirimirem as discussões que surjam em campo. A entidade maior do futebol concorda que o replay acabaria com os lances polêmicos, mas defende o seu não uso pelo fato de que foi a simplicidade que tornou o futebol no esporte mais jogado no mundo. O emprego da tecnologia dividiria o jogo, fazendo que ele fosse praticado de uma maneira nos campeonatos dos países ricos, já que teriam como arcar com os equipamentos, e de outra nos países pobres, que jogariam o futebol arcaico. A FIFA não deseja esta disparidade, seu maior objetivo é a integração entre os povos.
Acontece que, hodiernamente, o futebol envolve muito dinheiro, onde alguns milhões são referentes às apostas que são feitas nos jogos dos campeonatos mais importantes e isso – somado a vedação a tecnologia, à deficiência técnica e a incapacidade visual dos árbitros – acabou virando um “prato cheio” para aqueles que querem obter lucros fáceis nas custas da honestidade dos outros.
Desse modo, a magia daquela frase que diz que o futebol é uma caixinha de surpresa vem, nos últimos anos, perdendo o seu sentido, pois, por diversas vezes, o imprevisto deste esporte vem sendo a sua transformação em um teatro de fantoches controlado por um árbitro que, movido por interesses escusos e sem neutralidade, acaba estragando a beleza de um dos espetáculos que mais fascina as pessoas em todo o mundo.
Como é sabido, em uma partida de futebol, a marcação indevida de um lance, como um pênalti, pode mudar o rumo do jogo, quiçá de um campeonato e, consecutivamente, prejudicar os clubes, jogadores, dirigentes, torcedores e a imprensa esportiva como um todo. A questão é que, em razão das deficiências já citadas, não há como se saber quais as eram as intenções do árbitro no certame.
No Brasil, as arbitragens dos últimos Campeonatos Nacionais de Futebol foram permeadas de dúvidas, principalmente após a descoberta, em 2005, do escândalo da “Máfia do Apito”, quadrilha formada por apostadores e árbitros que fraudavam os resultados para lucrarem em sites ilegais de apostas na internet.
Desde então, a questão da lisura da arbitragem atormenta o futebol brasileiro, fazendo-se com que muitos sejam suspensos pelas suas atuações em campo. No último Campeonato Brasileiro, um gol ilegítimo validado no último minuto decretou o rebaixamento do Sport Recife para a Série B, impondo nos estádios não mais só ecoar os gritos de gol, mas também os das seguintes indagações: O “juiz” foi comprado? A marcação foi acintosa? Ele quis prejudicar meu time? Porque ele deixou de marcar o pênalti claro?
Alguns erros são desprezíveis, mas outros extremamente relevantes, eis que privam as equipes, que treinaram durante meses e tiveram muitos gastos com a preparação, das glórias da vitória e das premiações que a elas são inerentes. Estes fatos fizeram com que surgissem os primeiros processos judiciais contra as decisões que os árbitros de futebol tomam entre as quatro linhas. Entretanto, é preciso saber quais as ações ou omissões que podem ensejar a responsabilidade dos “juízes”.
Nesta ordem de ideias, em razão dos prejuízos advindos da explosão de inúmeros erros na aplicação das regras de jogo e da importância que o futebol tem no Brasil, o presente artigo científico tem como objetivo analisar a possibilidade de reparação civil em decorrência dos erros cometidos pelos árbitros de futebol enquanto estão apitando uma partida. Serão perquiridas quais as condutas em campo podem ser enquadradas como atos ilícitos, se delas decorrem danos e, caso existe o nexo de causalidade entre a ação e o prejuízo, discutir como se dará a responsabilidade civil daí advinda.
1. ATO ILÍCITO X FUTEBOL
Um dos pressupostos de validez de uma partida de futebol é que ela seja presidida por um arbitro isento de pressões e imparcial. Porém, certo é que ninguém é neutro, porque todos têm medos, traumas, preferências, experiências etc.[1]. Já disse o poeta que nada do que é humano é estranho ao homem (TERÊNCIO, “Homo sum, humani nihil a me alienum puto”).
Neste prisma, assinalar um pênalti inexistente, anular um gol legal ou expulsar algum jogador indevidamente, que são situações que qualquer árbitro de futebol está sujeito, podem ser sinais de parcialidade, já que ultimamente as arbitragens estão sendo alvo de muita polêmica[2] e controvérsia[3], onde sempre aparece o comentário de que o “juiz” foi comprado ou prejudicou descaradamente[4] tal equipe.
O problema é que há uma zona cinzenta entre os erros que se consubstanciam em uma simples interpretação equivocada das regras e os atos ilícitos. Os ilícitos são praticados de forma disfarçada, sendo muito difícil percebê-los. Os manipuladores constituem verdadeiras máfias e, geralmente, as suas ações[5] são sem suspeita, porque buscam operar nas partidas com resultados óbvios, como na vitória do time que está no topo da tabela e joga em casa.
Somente mesmo em casos escancarados com repercussão nacional como aconteceu no escândalo do Campeonato Brasileiro de 2005. Naquele ano, o Árbitro Edilson Pereira de Carvalho vinha, seguidamente, cometendo erros crassos, com marcações completamente infundadas, provocando a desconfiança da comissão de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol que, com a ajuda do Ministério Público Estadual de São Paulo e da Polícia Federal, desbaratou uma quadrilha formada por árbitros e apostadores que combinavam os resultados dos jogos, mais tarde denominada “Máfia do Apito” que muito bem fora conceituada nas palavras de Fernando Capez, verbis:
“A máfia do apito é uma “quadrilha” (associação de quatro ou mais pessoas para o fim de cometer crimes – conforme o art. 288 do Código Penal) formada pelos ex-árbitros de futebol Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon, o empresário Nagib Fayad, vulgo “Gibão”, e outros membros conhecidos apenas por apelidos, os quais se organizaram para ganhar dinheiro criminoso, em detrimento da credibilidade do esporte, dos sentimentos de milhões de pessoas, do patrimônio de clubes de futebol e das economias de inocentes cidadãos. Os “árbitros” em questão fabricavam resultados, alterando o curso normal de partidas de futebol, seja inventando pênaltis inexistentes, seja irritando jogadores até expulsá-los ou intimidá-los, tirando-lhes a concentração, seja truncando o jogo com faltas inexistentes, seja pelos mais variados recursos insidiosos. As partidas com resultados dirigidos eram objeto de apostas em sites no Rio de Janeiro e Piracicaba, mas divulgados para todo o país por meio de rede mundial de computadores, recolhendo dinheiro de um número indeterminado de pessoas de boa fé, as quais, iludidas, punham suas economias, apostando em um jogo de cartas marcadas. A organização criminosa lucrava aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) por partida fraudada, pagando aos árbitros fraudadores a quantia aproximada de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por resultado bem sucedido”.[6]
Em face desta brilhante explanação, não restam dúvidas de que os árbitros, que atuam de maneira parecida ou apenas com intuito de interferir dolosamente no resultado do jogo, praticam um ato ilícito e se enquadram no artigo 186[7] do Código Civil.
A ação existe quando se aponta um pênalti que se sabe inexistente, como aconteceu no jogo Vasco 0 x 1 Botafogo[8] realizado no dia 08/05/2005, quando o árbitro Edilson Pereira, a mando dos empresários que haviam apostado no Botafogo, forjou um pênalti que foi convertido e decidiu o resultado da partida. Ao ser entrevistado pela Revista Veja[9] sobre o jogo entre os times cariocas, o próprio árbitro confirmou que aquela infração não existiu.
A omissão voluntária surge ao não se cumprir as regras futebolísticas para qualquer uma das equipes. No jogo Cruzeiro 4 x 1 Botafogo realizado em 10/08/2005, segundo a Revista Veja, o árbitro Edilson Pereira foi muito criticado por sua atuação, tendo invertido a marcação de várias faltas que deveriam ser apitadas em favor dos cariocas e, ainda, deixou de validar um gol legal do Botafogo.
Em outro jogo, Vasco 2 x 1 Figueirense, Edilson Pereira deixou de marcar dois pênaltis claros para os catarinenses. Em uma das gravações telefônicas[10] feitas pela Polícia, o árbitro disse que o Vasco ganharia o jogo, nem que ele tivesse que sair sob escolta policial. Essa afirmação demonstra claramente o dolo do “juiz” que, sem escrúpulos, recebia dinheiro para armar os resultados das partidas, causando um verdadeiro abalo no futebol nacional.
Quando está apitando, se errar na interpretação da regra futebolística, através do chamado erro de fato, o árbitro não estará cometendo nenhum ato ilícito. Há a presunção júris tantum que os limites objetivos da lei estão sendo observados, uma vez que “As Regras do Jogo” foram recepcionadas pela Lei do Desporto Nacional (Lei 9.615/1998), dando ao árbitro o direito de coordenar uma partida de futebol, consagrando que ele é a autoridade máxima e que as suas decisões em campo serão definitivas, mesmo que estas constituam uma má aplicação da norma.
O problema surge quando os “juízes de futebol”, acobertados por essas regras que os permitem errar, querem enganar os demais, cometendo falhas propositais, para interferir diretamente no resultado da partida, beneficiando terceiros apostadores e a si próprio.
No Campeonato Brasileiro de 2005, atuação do Sr. Edilson Pereira de Carvalho não foi diferente, onde, segundo o auditor Rubens Approbato Machado, relator do processo nº. 195/2005 do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que julgou o caso da Máfia do Apito, eram arbitragens abusivas com comportamentos reprováveis:
“Com a inteligência de um criminoso especializado e de um árbitro de categoria internacional, uma vez que se trata de árbitro da FIFA, sabia ele, como ninguém alterar resultados, desestabilizando os atletas, decidindo lances duvidosos de acordo com os seus interesses, mantendo-se, precavidamente, nos chamados erros de fato, na busca de procurar “encobrir” esses seus atos criminosos”.[11]
O uso deu lugar ao abuso do direito de errar, violando-se os limites subjetivos das regras e enganando os jogadores, torcedores, dirigentes e a imprensa.
Assim, no caso da máfia e nos outros casos de corrupção, os árbitros praticaram ilícitos caracterizados em abuso de direito que, de acordo o artigo 187[12] do Código Civil, consiste em uma conduta que exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes.
Da leitura do texto legal conclui-se que o Abuso de Direito está alicerçado no critério finalístico [13] defendido por Louis Josserand em sua obra “De l’esprit dês droits”, verbis:
“Haverá abuso do direito quando o seu titular o utiliza em desacordo com a finalidade social para a qual os direitos subjetivos foram concedidos, pois, os direitos foram conferidos ao homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição.”[14]
Com fundamento no posicionamento de Josserand, entende Sílvio Rodrigues, verbis:
“O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem. Aquele que exorbita no exercício do seu direito causando prejuízo a outrem, pratica ato ilícito, ficando obrigado a reparar. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que norteia.”[15]
A finalidade social do árbitro de futebol é ajudar na fomentação da prática desportiva, do lazer, da recreação, prezando pelo cumprimento da legislação esportiva em vigor, através de condutas pautadas na ética, na boa-fé, na transparência, na moral e que atendam o bem-comum, como a paz e a educação no futebol. Quanto à finalidade econômica, o árbitro só tem uma, que é perceber os seus honorários depois de um jogo apitado com base na lealdade e honestidade no cumprimento das regras do jogo.
Ao revés, as ações dos árbitros da máfia do apito eram diametralmente opostas a qualquer função social, nela somente havia a promoção da atividade criminosa[16], da corrupção e da desonestidade, utilizando-se do futebol para se receber pagamento em dinheiro, para que outros pudessem fazer fortuna em sites de apostas ilegais, ou seja, “com jogos de azar que ferem a boa-fé e os costumes, sendo condutas socialmente indesejáveis, desagregadoras do ambiente familiar, pelo estabelecimento de posturas viciadas e possibilidade de ruína do patrimônio dos envolvidos.”.[17]
Imperou-se a má-fé, a mentira, a ocultação da verdade. O juiz de futebol sabia que aquilo nunca foi pênalti, mas mesmo assim marcava o lance, pois, para os demais, o seu ato tinha a aparência de regular exercício de um direito. Na verdade, todos estavam sendo enganados. Os interesses individuais e ilegítimos se sobrepuseram a dignidade do desporto nacional, o que configurou uma ilicitude que afrontou os interesses coletivos.
Deste modo, dentro de campo se o árbitro se aproveitar dos poderes que detém para, através de atos emulativos eivados de má-fé, interferir diretamente nos resultados da partida buscando fins ilícitos e violando os interesses coletivos, se assim agir, entrará na zona do abuso de direito, dando azo, conforme será estudado adiante, para uma possível dever de reparar.
2. DANOS MAIS FREQUENTES
Tomando o caso da máfia do apito como paradigma para o presente estudo, vê-se que a anulação[18] e remarcação de todos os 11 jogos[19] apitados por Edilson Pereira de Carvalho ocasionou danos incomensuráveis às mais diversas pessoas, sejam do simples torcedor ao mais poderoso clube de futebol do país, havendo inclusive influenciando decisivamente no topo da tabela, onde a equipe vice-campeã perdeu o título exclusivamente por causa das anulações[20].
Os danos foram da esfera patrimonial a moral, sendo aferidos diretamente através dos danos emergentes ou positivos, que são aqueles reais e efetivos, numa concreta diminuição do bem jurídico de outrem e, bem como, os danos negativos, alusivos à privação de um ganho pelo lesado[21], que são aqueles relacionados aos lucros cessantes e ao instituto da perda de uma chance.
2.1. Danos emergentes
Os danos emergentes são de fácil identificação. No caso da máfia do apito, em que houve a invalidação das partidas e marcação de outras, os clubes tiveram novas despesas com o transporte, hospedagem, alimentação, gastos com a utilização dos estádios e ainda o fato de os jogos terem sido realizados com os portões abertos para a torcida, ou seja, sem receita. Ao todo, os clubes tiveram um prejuízo de quase 1,3 milhões de reais[22]. As emissoras do sistema “pay-per-view”[23] tiveram que retransmitir os jogos gratuitamente para os seus assinantes, havendo ainda o prejuízo dos torcedores que compraram os ingressos dos jogos anulados.
Todas estas despesas adicionais foram custeadas pela Confederação Brasileira, que teve desembolsar mais de 500 mil reais[24] somente para arcar com os gastos das equipes visitantes e da arbitragem.
Ressaltando-se ainda a existência dos danos morais. Os clubes gastaram na contratação e na preparação dos seus jogadores, e estes passaram meses treinando arduamente com o objetivo de darem o melhor de si e conseguirem ser campeões. Entretanto, na hora “h” tiveram as suas expectativas frustradas por aquele que eles menos esperavam. As chances de vitória eram praticamente nulas, pois antes do jogo começar alguém já havia decidido que deveria ser o vencedor.
Não foi apenas um mero aborrecimento, a honra e a moral das vítimas foram consternadas, gerando o desânimo, a mágoa, a tristeza e o descrédito com o esporte que é a paixão nacional e a sua atividade laboral. Realmente houve o rompimento do equilíbrio psicológico dos jogadores e dirigentes, o que demonstra indiscutivelmente a existência dos danos extrapatrimoniais.
2.2. Perda de uma Chance
Por conseguinte, ao contrário dos danos imediatos, em decorrência da manipulação de resultado pela arbitragem, existe também a perda da chance ou “pert d’une chance”, sobre este instituto, leciona o eminente Caio Mário que “Como dizem os doutrinadores franceses, a reparação da pert d’une chance fundamenta-se numa probabilidade e numa certeza: a probabilidade de que haveria o ganho e a certeza de que da vantagem perdida resultou um prejuízo.”[25]
Na mesma visão, Miguel Maria de Serpa Lopes entende que “A perda de uma chance ocorre quando o causador de um dano por ato ilícito, com a sua conduta, interrompeu um processo que poderia trazer em favor de outra pessoa a obtenção de um lucro ou do afastamento de um prejuízo.”[26]
Como é sabido, as competições futebolísticas envolvem muito dinheiro e a atuação fraudulenta dos árbitros retira e frustra diversas oportunidades para os clubes. A anulação dolosa de um gol na final de um torneio gera enormes prejuízos, havendo danos oriundos da não realização da chance, como a perda das premiações do campeão, os bônus dos patrocinadores e a chance de disputar outras competições que gerariam mais receitas para o clube,
Contudo, a perda da chance não se confunde com a eventualidade ou situação hipotética, mas, sim, com algo que realmente existiria se não houvesse a mão fraudulenta do árbitro de futebol. O prejuízo não pode ser imaginário ou suposto. Nas situações da perda de uma chance, é preciso analisar o caso concreto, assim preconiza Sílvio Venosa, verbis:
“Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A chance deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade. O julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da chance. A oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração de uma expectativa ou probabilidade.”[27]
É inegável a existência dos danos numa situação em que um clube é rebaixado para a segunda divisão por causa do árbitro que, de má-fé e no último jogo do campeonato, foi decisivo para o descenso da equipe. O rebaixamento faz com que as receitas do time diminuam drasticamente, pois o patrocinador investirá menos, as cotas televisivas serão menores, havendo a desvalorização do clube e uma redução da presença dos torcedores aos jogos. Enfim, o clube perdeu a chance de se manter na elite do futebol, onde os lucros são mais vultosos.
Outro exemplo emblemático da perda da chance seria a frustração da disputa da Copa Libertadora da América, que é um torneio continental onde a equipe recebe U$210.000,00 por jogo como mandante, ou seja, só a participação na primeira fase faria com que o clube embolsasse U$630.000,00. Considerando-se, também, que no Brasil, o público médio dos times que participam da Taça Libertadores é de 45 mil pessoas, colocando-se o ingresso a R$20,00, ter-se-ia em média uma renda de R$900.000,00 por jogo.[28]
Porém, os danos pela perda de uma chance não se referem ao que o clube poderia ganhar caso não houvesse a manipulação, mas sim pelo fato de não ter sido permitido que o clube tentasse, por si só, vencer a partida ou o campeonato e, consecutivamente, receber as láureas do campeão. A simples interrupção do processo aleatório no qual se encontrava a vítima é suficiente para caracterizar um dano reparável: a perda de uma chance[29].
A indenização será pela destruição das oportunidades, o que é inconcusso quando o fluxo normal das coisas é impedido de acontecer. Todavia, no futebol o valor da reparação pela perda de uma chance é de difícil avaliação, uma vez que será de acordo com a probabilidade que o clube teria vencer o jogo, mas neste esporte é difícil aferir isto.
Dentro de campo são onze contra onze, o futebol é uma caixinha de surpresa e inúmeras são os exemplos de times zebras que foram os campeões.
O Futebol já teve exemplos de responsabilidade pela “pert d’une chance”. Na Copa da Alemanha de 2005, o Hamburgo FC foi eliminado do torneio pelo inexpressivo “Padeborn” em razão da manipulação da partida pelo Juiz Robert Hoyzer. No caso, após a confirmação da fraude, a direção do Hamburgo exigiu que o clube retornasse a disputa da Taça, o que era impossível. Ensina Maria Helena Diniz que não há como conduzir a vítima ao statu quo ante, pois não mais terá a chance perdida. Assim, a Federação Alemanha de Futebol teve que indenizar o clube em quase dois milhões euros pela eliminação precoce e injusta na Copa da Alemanha.
A vitória no futebol é sinônima de lucro e antônima de prejuízo. Portanto, neste esporte é indiscutível que a frustração dolosa de uma chance acarretará danos certos e passíveis de indenização.
2.3. Danos hipotéticos
Por outro lado, ao contrário da perda de uma chance, há situações em que pode ocorrer o chamado dano hipotético, que é aquele incerto, não havendo como aferir o grau de probabilidade da sua ocorrência. Em situações como a não marcação de um pênalti, existe um dano hipotético, não podendo se afirmar se o atacante iria ou não converter a cobrança.
No caso da Máfia do Apito tem-se um exemplo claro de danos incertos. No jogo Juventude 1 x 4 Figueirense, os manipuladores desejaram a vitória do time gaúcho, mas não obtiveram sucesso na fraude[30]. Em uma situação raríssima, aquele que era para perder acabou ganhando, coisas do futebol, o árbitro até que “arrumou” um pênalti. Aqui reina o mundo virtual do “se”, ou seja, será que sua equipe realmente venceria? E o inverso, se o árbitro, favorecendo um time A, marca um pênalti inexistente, o jogador o desperdiça e o time B vence o jogo?
Nesta última hipótese, por mais que se tenham provas que atestem que o “juiz” cometeu um ilícito doloso, hipotéticos ou inexistentes seriam os danos, e, consequentemente, não se deve falar em indenização, pois, conforme afirma Carlos Roberto Gonçalves, verbis: “o requisito da certeza do dano afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético ou eventual, que poderá não se concretizar”.[31]
3.Análise da responsabilidade civil
Conforme estudado, é perfeitamente possível que numa partida de futebol o árbitro cometa atos ilícitos causando danos aos clubes, jogadores, dirigentes, torcedores e a imprensa, e que, consequentemente, ensejará o dever de indenizar.
Mesmo sendo os autores dos ilícitos, os árbitros não responderão diretamente, eis que são considerados amadores e autônomos, sem qualquer vínculo de emprego[32], e quando apitam as partidas estão exercendo as suas funções sob as ordens, instruções e interesses da Confederação Brasileira de Futebol e da Federação Estadual, entidades a qual são subordinados hierarquicamente.
Estas entidades são as responsáveis pelos campeonatos profissionais de futebol e contratam os árbitros para que trabalhem nos jogos de acordo com as “Regras do Jogo” e como determina o artigo 62 Estatuto da CBF, cabe a federação escalar os árbitros para as competições nacionais. É indiscutível que os juízes são prepostos e se, ao exercerem os seus misteres, causarem dolosamente prejuízos a outrem, farão com que incida sobre as federações esportivas a Responsabilidade Objetiva constante no inciso III[33] do Art.932 do Código Civil.
Demonstrando-se inconcusso a possibilidade da prática de ilícitos pelos árbitros, não se deverá analisar a culpa ou dolo da federação, pois esta assumiu o risco em colocar estes juízes para trabalharem. Apenas se perquirirá sobre a existência dos danos e do nexo de causalidade com a conduta ilícita. As entidades possuem o dever de fiscalizar e vigiar os seus prepostos para que eles não causem danos a terceiros.
A Responsabilidade das Federações advém do erro “in vigilando”, ou seja, a entidade pecou por não atentar para os comportamentos que seus prepostos mantêm fora de campo, quais são os seus costumes sociais, se estão prezando pela ética profissional e social.
É obrigação das organizadoras garantirem uma arbitragem independente, imparcial e isenta de pressões. Por isso deve-se fiscalizar a vida dos árbitros para saber se eles não estão sendo ludibriados pelo dinheiro fácil através da manipulação dos jogos, já que os juízes possuem em suas mãos um apito poderosíssimo que pode dar rios de dinheiro aos apostadores. Existindo também o erro “in eligendo”, já que as federações não tiveram o devido cuidado em escalar as pessoas corretas para presidirem as partidas de futebol.
O dever de indenizar por erros de arbitragens dolosos é induvidoso, havendo nos Tribunais diversas ações de reparação contra a Confederação Brasileira de Futebol, a Federação Paulista de Futebol e todos os membros da Máfia, sendo a principal deles a Ação Civil Pública[34] nº. 5830020061451025 que tramita em segredo de justiça na 17ª Vara Cível da Comarca de São Paulo.
Nesta ação, o Ministério Público pleiteia uma indenização de 34 milhões de reais por ofensas aos danos morais e patrimoniais causados aos consumidores/torcedores e aos danos morais difusos causados a toda a sociedade, em razão da manipulação de resultados das partidas do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2005.
Os danos difusos resultam do descrédito com o futebol, que é a paixão nacional. As vítimas não só são os que estão envolvidos com o esporte, toda a sociedade foi prejudicada, o que torna indeterminado os lesados e indivisíveis os danos. Desde este escândalo, ninguém acredita mais nas arbitragens, foi instaurada a desconfiança no esporte. Sobre isto, relata André Rizek e Thais Oyama, verbis:
“Ela lança uma sombra de desconfiança sobre os gramados dos estádios nacionais. Em quase todas as rodadas dos campeonatos, erros graves cometidos por juízes costumam virar tema de intermináveis discussões nas mesas-redondas de domingo. Até o momento, no entanto, acreditava-se que isso ocorria apenas por deficiência técnica dos árbitros. Mas, a partir das revelações contidas nesta reportagem, os torcedores têm o direito de achar que os erros podem estar a serviço de uma quadrilha de espertalhões. Um gol legítimo anulado ou um pênalti escandaloso não marcado podem decidir uma partida ou um campeonato. Como saber se o espetáculo não foi manipulado pelo árbitro em troca de dinheiro? Como saber se a alegria de uns torcedores e as frustrações de outros foram decididas pela qualidade e pelo empenho dos jogadores em uma disputa leal dentro do campo – ou foram apenas fruto da ganância de meia dúzia de apostadores? Como saber?”[35]
Por fim, cabe observar ainda que, pelas das manipulações no Campeonato Brasileiro de 2005, o árbitro Edilson Pereira de Carvalho foi condenado a pagar, a título de reparação por danos morais, a importância de R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais) a Federação Paulista de Futebol, entidade a qual também era ligado. Na sentença desde processo[36], o magistrado Luiz Sérgio de Mello Pinto da 11ª Vara Cível Central entendeu que, apesar dos prejuízos financeiros, as atitudes do árbitro atingiram de forma mais grave a confiança daqueles que acompanham e apreciam o esporte, notadamente em eventos futebolísticos, sendo um fato notório e com ampla repercussão.
3.1. Responsabilidade perante os torcedores
Além da atuação do Parquet Estadual Paulista, muitos torcedores, por causa da máfia do apito, ingressaram com ações de reparação em face da CBF[37]. Contudo, a jurisprudência não é pacífica sobre o dever de indenizar. Os torcedores tiveram danos materiais e morais. Os danos patrimoniais estão relacionados aos gastos com a compra do ingresso, do transporte, da alimentação no estádio, da hospedagem daqueles que viajaram e etc. Os danos morais são aqueles sofridos emanam do descrédito com a integridade do futebol nacional.
Os juízes mais vanguardistas vêm condenando a CBF em danos morais, outros somente em relação à quantia gasta com o ingresso[38] e, por fim, os mais retrógrados entendem que o torcedor não tem direito a pleitear nada[39].
A fundamentação para a reparação aos torcedores se encontra em dois dispositivos do Estatuto do Torcedor (Lei nº. 10.671/2003). A primeira justificativa, referente ao ressarcimento pelos danos materiais, tem respaldo no artigo 3º[40], em que há a equiparação da entidade responsável pela organização da competição esportiva aos fornecedores do Código do Consumidor, inferindo-se daí que há uma relação de consumo entre os torcedores e a CBF, esta é a responsável pela organização e promoção do Campeonato Brasileiro de Futebol e aqueles compraram o ingresso para assistir aos jogos.
A segunda razão está no artigo 30[41] que preconiza que o torcedor tem direito a um árbitro imparcial e isento de pressões, mas como se sabe não foi garantido à transparência na organização do Campeonato Brasileiro 2005, também se violando o direito do consumidor a informação clara sobre a qualidade do serviço que lhe é prestado.
De acordo o §2º[42] do Artigo 18 do Código do Consumidor, o serviço é viciado quando ele se mostra inadequado para os fins que razoavelmente se espera dele. Ao comprar um ingresso para um jogo de futebol, o torcedor espera presenciar um espetáculo coordenado por um juiz neutro, cujo fim será a vitória de uma das equipes, única e exclusivamente pelos méritos dos atletas em campo. Isto não aconteceu nos jogos manipulados por Edilson Pereira e Paulo Danelon. Os gritos de incentivos dos torcedores foram em vão, uma quadrilha de fraudadores já havia definido o vencedor da partida!
No caso da máfia, a arbitragem corrompida caracterizou uma má-prestação do serviço, obrigando-se a CBF e as Federações a restituírem o dinheiro que os torcedores despenderam com os ingressos dos jogos viciados.
Todavia, apesar de o Estatuto do Torcedor e do Código do Consumidor guarnecerem os torcedores, alguns magistrados[43] defendem que a responsabilidade da CBF foi elidida com a remarcação dos jogos anulados. Este posicionamento é justificado pelo fato de os novos jogos terem sido realizados com os portões abertos[44], ou seja, com a entrada franca, havendo, no caso, a reexecução do serviço que está disposta no inciso I do artigo 20[45] do CDC. Entretanto, este argumento é equivocado.
O vício não foi sanado no prazo máximo de 30 dias. Só haveria a isenção da responsabilidade se o consumidor/torcedor concordasse com a reexecução do serviço. Portanto, no caso do Brasileirão de 2005, foi uma opção da CBF/STJD permitir a gratuidade nos jogos remarcados. Ao torcedor caberia escolher entre ser restituído pela quantia paga ou assistir aos jogos, podendo, inclusive, caso haja a negativa do ressarcimento, ingressar com uma ação judicial, o que fora feito por diversos torcedores.
No tocante aos danos expatrimoniais, é compreensível a divergência entre os posicionamentos adotados pelos magistrados. A aferição da existência, ou não, da ofensa à honra de um torcedor é uma tarefa das mais difíceis. Por este motivo, os Tribunais de Minas Gerais[46], São Paulo[47] e Rio Grande do Sul[48] entendem que a revolta do torcedor, por mais fanático que seja ele, é mero inconformismo que não enseja qualquer reparação.
Esta tese é embasada na segurança jurídica. Seria o caos se todos os torcedores que assistiram aos jogos anulados ingressassem com ações reparatórias. Enfatizando-se que muitos propagam que inexiste legitimidade ativa[49] dos torcedores para ingressar com o pedido de indenização por danos morais. Há o entendimento que os prejuízos extrapatrimoniais foram única e exclusivamente dos clubes. Este posicionamento é defendido por Ademar Pedro Scheffler que pugna que somente os Clubes podem figurar nas relações processuais.
“Ora, se o clube, maior interessado e envolvido direito, não se insurge, teria legitimidade para tanto um simples torcedor? Entendo que não, sob pena de transformamos o Poder Judiciário em órgão fomentador de discussões sobre meros aborrecimentos banais e dissabores da vida cotidiana, afastando-o de sua finalidade precípua: a paz social. Demandas desta espécie refletiriam como propulsores da insegurança social, incentivando o ingresso de novas ações em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.”[50]
Em interpretação contrária a todos estes posicionamentos, a 1ª Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro[51] esposou o entendimento de que as anulações causaram perda de tempo, abalo psicológico e indignação nos torcedores. Atentando-se ainda para aqueles torcedores[52] que viajaram de ônibus por todo o país para acompanhar o seu time de coração e acabaram sendo vítimas de uma verdadeira farsa.
É inegável a existência dos torcedores fanáticos ou torcedores “até morrer”, estes que pegam diversas conduções para chegar ao estádio, levam as suas bandeiras, incentivam e gritam por seu clube durante todo o jogo. É claro que os danos morais sofridos pelos clubes também reflete nestas pessoas, estes que muitas vezes lastreiam a sua vida em torno do seu time de futebol, é o dano em ricochete, como preconiza Caio Mário: “embora não seja diretamente atingido, tem ação de reparação por dano reflexo ou em ricochete, porque existe a certeza do prejuízo, e, portanto, está positivado o requisito do dano como elementar da responsabilidade civil.”.[53]
Verdadeiramente os clubes foram as principais vítimas, os prejuízos recaíram imediatamente sobre os seus bens jurídicos. Contudo, não se pode esquecer o evento danoso refletiu nos torcedores, o que os torna em vítimas indiretas. A grande maioria experimentou o desgosto e o descrédito com o esporte que é a paixão nacional.
É sabido que o Brasil é um dos países com o maior nível de desigualdade social e, onde, para boa parte da população, principalmente a masculina, o futebol é uma das poucas formas de lazer e entretenimento, muitos esperam o fim de semana chegar para ir ao estádio assistir a vitória do seu time, porém, acabaram fazendo papéis de otário, como disse à magistrada que aceitou a denúncia contra os membros da máfia.
3.2. Responsabilidade perante os clubes
Com relação aos clubes, no que se refere aos gastos extras com os jogos remarcados, não há muita polêmica, pois a CBF, para evitar maiores conflitos com os clubes, custeou o transporte, a hospedagem, a taxa de arbitragem e os exames antidopings de todos envolvidos.
Ficou comprovado que a máfia do apito não conseguiu interferir nos resultados de todos os jogos anulados. Mesmo assim, contrariando o artigo 275[54] do Código de Justiça Desportiva, em que somente se permite a anulação de partidas haja a alteração do resultado pretendido, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e a CBF, em decisão desmotivada e sem qualquer publicidade, acabaram remarcando indiscriminadamente todas as partidas apitadas pelo árbitro Edilson Pereira. O STJD apenas se pronunciou da seguinte maneira:
“Pelo exposto defiro a liminar: 1) Anulando as 11 (onze) partidas arbitradas pelo Sr. Edilson Pereira de Carvalho na Séria “A” do Campeonato Brasileiro de 2005, e determino sejam elas realizadas novamente, com os jogadores que integram, atualmente, o plantel de cada equipe, em datas a serem designadas pela Confederação Brasileira de Futebol.”[55]
Essa decisão genérica gerou a indignação da maioria dos clubes, inclusive o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, mediante Ação Civil Pública[56] nº 2005.51.01.490249-3, tentou suspender a decisão do STJD, todavia a Justiça Federal Carioca entendeu não existir interesse da União e extinguiu o processo sem julgamento de mérito.
Diante do insucesso do Parquet Federal, os clubes ficaram a “ver navios”, eis que, apesar de serem os legítimos interessados, em tese, não puderam buscar a tutela jurisdicional do Estado para reverter à decisão do STJD, porque a Federação Internacional de Futebol Associação (FIFA), órgão maior do futebol, pune severamente com a desfiliação, todo clube que se beneficiar de decisão da Justiça Comum que interfira no âmbito desportivo.
Caso os clubes tivessem ingressado com ações na Justiça Comum, certamente a decisão do STJD seria impugnada e com a manutenção dos resultados, o Internacional ficaria com um ponto a mais do que o Corinthians e, portanto, seria o campeão daquele ano. Esse fato é lembrado pelos torcedores colorados que, naquele momento, ingressaram com sucesso com uma ação pleiteando a suspensão da anulação dos 11 jogos.
No Rio Grande do Sul, a juíza do 1ª Juizado Cível de Porto Alegre deferiu pedido de liminar, feito por um torcedor gaúcho, nos autos do processo nº. 001/1.05.2429826-6[57], declarando inconstitucional a decisão do STJD e determinando que a CBF suspendesse os resultados dos jogos remarcados, prevalecendo-se os placares dos que foram anulados até que fossem analisados o grau de influência dos manipuladores em cada partida.
Dois dias após a decisão da justiça gaúcha, no Rio de Janeiro, o juízo da 8ª. Vara Empresarial deferiu pedido de liminar, em ação movida por torcedores cariocas, determinando que a CBF cumprisse a decisão do STJD.
Havia, então, um conflito de competência positivo, dois juízos se declarando competentes e duas decisões contraditórias. Com este novo litígio, o torcedor colorado suscitou um Conflito de Competência no Superior Tribunal de Justiça[58]. Nesta corte, a Ministra Nancy Andrighi decidiu pelo sobrestamento dos processos, suspendo as decisões neles proferidas, porém, diante dos indícios de colusão na ação carioca, a ministra designou o juízo de Porto Alegre para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes.
Por sair da seara esportiva e cair na esfera jurídica, o Internacional de Porto Alegre seria o provável campeão Brasileiro. Este novo destino não estava agradando a Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol) e CBF que ameaçaram, se houvesse a interferência da Justiça Comum no Brasileirão 2005, eliminar o time gaúcho da Copa Libertadores da América e de qualquer competição por eles organizadas. A pressão externa foi tamanha que o Torcedor Leandro Konrad Konflaz, autor da ação que impugnou a decisão do STJD, acabou desistindo[59] dos processos na Justiça Gaúcha e no STJ, sendo os mesmos extintos sem julgamento de mérito, em face do acordo extrajudicial celebrado entre as partes.
A Justiça Desportiva estragou ainda mais um campeonato controvertido e os clubes com medo aceitaram todos os prejuízos, pois como diz Carlos Miguel Aguir, verbis:
“Na verdade existe um sistema internacional que se sobrepõe à Constituição brasileira. À brasileira, à americana, à russa, a qualquer Constituição de qualquer país do mundo. O estatuto da Fifa, que é a entidade internacional que rege o futebol, tem um dispositivo que prevê a desfiliação da entidade prática, (este é o nome técnico que se dá ao clube, federação e confederação) que buscar o Poder Judiciário para fazer valer os direitos que não foram contemplados no âmbito esportivo. Então imagina o que pode acontecer: um clube tem um problema com a federação e recorre ao Judiciário para questionar. A entidade internacional simplesmente tira este clube de atividade.”[60]
Por causa do posicionamento ditatorial da FIFA, o Internacional não pode reaver os pontos perdidos, mas nada o impede de ingressar com uma ação de indenizatória em face da CBF em face dos danos morais sofridos, pois, conforme visto, presentes estão o ato ilícito, os danos e nexo de causalidade.
O Brasileirão é o torneio mais desejado pelos clubes nacionais e o Internacional esteve muito perto de conquistá-lo. Antes das anulações era líder com três pontos a mais que o Corinthians, este que foi o mais beneficiado, pois havia perdido os seus dois jogos que foram anulados e conseguiu ganhar as novas partidas. O curioso é que no jogo Santos 4 x 2 Corinthians, os fraudadores apostaram no Corinthians, mas o time perdeu o jogo, mesmo com o favorecimento da arbitragem que foi confessada por Edilson Pereira, onde nas gravações afirmou que o “Santos jogou muito melhor e que ele não pôde fazer nada. Na outra partida, São Paulo 3 x 2 Corinthians, com a desconfiança da ação dos apostadores, os sites fecharam qualquer aposta neste jogo, não existindo relatos de manipulação.
A renovação dos jogos foi decisiva para que o Internacional perdesse o título. O Corinthians conseguiu quatro pontos[61], tirou a diferença existente, pulou para a primeira colocação e se consagrou campeão brasileiro daquele ano.
Se a CBF e o STJD tivessem analisado cuidadosamente os jogos, teriam anulados somente os que foram realmente manipulados. Se isto ocorre, o Internacional seria o verdadeiro campeão, demonstrando-se que as expectativas foram frustradas, tendo o título sido arrancado injustamente do Sport Club Internacional.
As chances eram reais e sérias[62], o que enseja a obrigação de reparar. É certo que é difícil encontrar os parâmetros da reparação do clube. Na Alemanha, por ser apenas eliminado, o Hamburgo recebeu dois milhões de Euros. Já no Brasil, o Internacional foi privado de um momento ímpar na história de um time que é a conquista do primeiro lugar em um dos torneios de futebol mais disputado do mundo.
4. ERRO DE ARBITRAGEM X CONDUTA CULPOSA
Final da Copa do Brasil, Maracanã lotado, o time A, que joga em casa e precisa apenas de um empate para ser campeão, estava perdendo por 1×0 para o time B, quando no último minuto, o atacante do Time A cai na pequena área, os jogadores pressionam o árbitro pedindo pênalti, mas o mesmo afirma que não houve falta, o jogo acaba e o time B é campeão. Após a partida, a análise do vídeo da televisão demonstra que o jogador foi empurrado e em entrevistas posteriores, o próprio árbitro afirma que foi pênalti, mas que, em razão da rapidez do lance e da sua posição, não teria como marcar outra coisa.
Indignado com a situação, um torcedor fanático do time A ingressa com uma Ação de Reparação por Danos Morais[63] em face da CBF, alegando que o árbitro foi negligente, que a CBF colocou um preposto despreparado para apitar um jogo decisivo e que com isso foi consternado moralmente, já que a perda injusta de título o fez passar por um profundo sofrimento e também que foi motivo de gozação dos torcedores adversários. O torcedor disse[64] que todas as suas esperanças, sonhos, expectativas, ambições e emoções foram ceifadas pelo erro, impondo-se o dever de indenizar, porque não se tratava de um erro qualquer, mas sim de um “Escândalo do Maracanã”, um verdadeiro “ASSALTO”. Como meios de provas, colacionou uma gravação do jogo e inúmeras reportagens esportivas que criticavam o erro do juiz.
Diante do caso acima exposto e de inúmeros outros, poderão os erros de arbitragem cometidos sem a má-fé serem considerados como um ilícito culposo em stricto sensu[65]? Pela natureza do esporte, os desacertos dos juízes, por mais prejuízos que possam acarretar, não podem se consubstanciar em condutas negligentes, imprudentes ou imperitas.
Não há imperícia porque para se tornar um “juiz de futebol” o indivíduo precisa se submeter a diversas provas, passar por um curso de formação de árbitros e se filiar a alguma federação de futebol. Existe a habilitação técnica do árbitro, o que refuta a tese de uma conduta imperita. Do outro lado, defender que há negligência ou imprudência é quase como fazer uma imputação objetiva aos árbitros. O mau posicionamento do juiz não pode ser tratado como uma negligência, a anulação de um pênalti por imprudência.
Quem é que pode afirmar qual seria o posicionamento certo para que determinado lance fosse marcado. Se o juiz estivesse dois passos a frente do lance terá sido imprudente? Ou no caso contrário, se estiver alguns metros atrás, terá sido negligente? Somente cabe aos árbitros, ao analisar as dimensões da partida e como as jogadas estão ocorrendo, saber ao certo como se postar diante dos lances. Julgar um lance após vê-lo centenas de vezes com um replay é fácil, difícil é decidir no calor da partida.
É uma questão de como interpretar a regra. São erros de fatos que não se confundem com culpa, ou, como diz José Dias de Aguiar[66], “o erro não é sinônimo de culpa, engano comum não só no Brasil como também no estrangeiro.” Neste mesmo sentido, o citado autor traz o pensamento de um doutrinador francês, Andre Tunc, que faz a seguinte observação, verbis:
“A identificação do erro à culpa é injustificado e injusto, já que o erro é inerente à atividade humana, desde que o homem possui a onisciência, onipotência e resistência a qualquer espécie de fadiga. O homem comum é falível, portanto, reconhece-se que o erro não é, necessariamente, uma culpa”.[67]
A maioria dos erros da arbitragem só é confirmada através dos recursos tecnológicos, como o famoso “tira-teima” da Rede Globo e mesmo assim ficam muitas incertezas[68] a respeito do lance. É extremamente difícil que o juiz acerte tudo. Numa partida de futebol as jogadas acontecem em frações de segundos e o árbitro não dispõe dos auxílios da televisão para dirimir as suas dúvidas, ou ele assinala, ou não.
Em estudo sobre o árbitro de futebol, entendem Silva, Anez e Frometa, verbis:
“Uma jogada faltosa que pode ser assistida por dez mil pessoas, o árbitro, juntamente com as outras dez mil pessoas que estão postadas do outro lado do estádio pode não estar vendo, por causa do ângulo de visão. Os erros cometidos pelos árbitros são imperdoáveis para algumas pessoas. Errar é uma atitude que qualquer pessoa pode cometer, mas isto não é válido para o árbitro dentro do campo. Encerrar uma partida agradando as duas torcidas é dificílimo, se não impossível. A maioria acha que o árbitro não erra, mas age de má fé”.[69]
Nessa ordem de ideias, fazendo um paralelo entre o “juiz de futebol” e o Juiz de Direito, assinala Manzolello, verbis:
“O árbitro deve, praticamente, em um mesmo instante observar, constatar, interpretar, julgar e punir ou absolver um atleta, o que não é fácil e não é qualquer pessoa que consegue. A função do árbitro de julgar se torna mais difícil pelo fato deste não estar julgando um fato isolado, mas uma “chuva” intermitente deles em um espaço de tempo pequeno, sem “replay”. O julgamento do árbitro difere do julgamento de um juiz, pois este último pode consultar a lei, defender uma tese, invocar a doutrina ou discursar para os jurados antes de pronunciar sua sentença. Para tomar uma decisão, o árbitro é ao mesmo tempo delegado, promotor, júri e juiz, tendo também que atuar como advogado de defesa em alguns momentos, por que é sabedor da grande responsabilidade que lhe pesa nos ombros pelo caráter irrecorrível das suas sentenças”.[70]
A existência da culpa em strito sensu geraria uma completa insegurança jurídica. Uma partida de futebol envolve os clubes, as federações, a mídia e principalmente milhares de torcedores. O futebol é um esporte de massa, envolve acima de tudo a paixão, o amor ao clube e isso faz com que haja as discussões em torno das atuações dos juízes. Os erros fazem parte da álea futebolística. O judiciário iria ficar assoberbado se todos estes resolvessem entrar com ações de indenização contra os árbitros. Todo jogo ensejaria uma indenização e, assim, ninguém iria querer apitar partidas de futebol. Imagine se todos os torcedores do Flamengo ficassem indignados com uma arbitragem e decidissem processar o árbitro, a justiça carioca iria parar, seriam necessárias Varas Judiciárias do Futebol.
Na verdade, ao presidir uma partida de futebol, o árbitro está em exercício regular de um direito que, conforme o inciso I[71] do art.188 do Código Civil, não constitui um ato ilícito e afasta qualquer dever de reparação, mesmo que existam possíveis danos. Nesse sentido, manifesta-se Cezar Roberto Bitencourt, verbis:
“O exercício regular de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pelo direito. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito e estará, portanto, excluída essa causa de justificação. O exercício regular de um direito jamais poderá ser antijurídico”.[72]
No Brasil, o futebol segue as Regras de Futebol da IFAB (International Football Association Board), onde a regra de número 5 consagra que o árbitro cumprirá as normas do jogo de acordo com o seu critério e opinião formulados no momento do lance, sendo definitivas as suas decisões. Estes são os limites objetivos. Os limites subjetivos referem-se à arbitragem ser neutra, imparcial e transparente.
O objetivo do juiz é aplicar as regras da maneira mais correta, contudo, às vezes, acaba errando, mas assim o faz não porque desconhecia a regra, apenas porque na sua ótica determinado fato não deveria ser marcado e até que se prove o contrário, terá atuado de boa-fé, encontrando-se as falhas no limite do razoável. Os erros sem malícias advêm da própria falibilidade humana, sendo inerentes a qualquer profissão, não podendo ser diferente com os juízes de futebol. Apenas com recursos visuais não tem como acertar tudo.
Seguindo essa linha de raciocínio e decidindo casos análogos, a jurisprudência vem excluindo a responsabilidade civil da CBF por erro de arbitragem, verbis:
“Ademais, destaca-se que embora a falta de marcação do pênalti pelo árbitro da referida partida tenha sido por ele próprio assumida como um “erro”, conforme se depreende das matérias jornalísticas de fls. 71e 72, tal conduta não tem o condão de configurar qualquer lesão à esfera íntima do autor. Assim sendo, o simples erro de arbitragem não viola qualquer direito do torcedor, verificando-se a mais absoluta ausência de ilícito como fato gerador dos danos morais postulados”. (TJ/RJ – Apelação Cível 200800138743. Relator Des. Elton M. C. Leme. 13/08/2008)
Em brilhante julgado, a Juíza Maria Zoch despendeu o seguinte entendimento, verbis:
“Neste passo, vale repetir: o autor em nenhum momento afirma ter havido dolo ou má-fé por parte da CBF ou do árbitro por ela escolhido para aquela partida. Sustenta, simplesmente, que por estar em vias de se aposentar e por já ter cometido erros crassos, Márcio Resende teria atuado sob intensa pressão. Ora, além de a regra legal acima referida aludir a pressões externas – e não as emocionais, inerentes à condição humana do árbitro -, o art. 259 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva é muito claro ao estabelecer como infração suscetível de ensejar a anulação da partida ou prova, o cometimento, pelo árbitro, de erro de direito – que, diversamente do que entende o autor, decorre da ignorância da falsa interpretação da lei -, e não de erro de fato como o havido – que incide sobre a percepção do agente acerca do fato que constituiria a infração (no caso, a ocorrência do pênalti). O erro de fato não macula de invalidade o resultado. E nem poderia ser diferente, dado que a falha é da condição humana”. (TJ/RS – Processo Cível – 10524338063. Juíza Maria Zoch Rodrigues. 28.11.2005)
Como se vê, no caso acima, a douta sentenciante eximiu o árbitro de qualquer responsabilidade, pois entendeu que o seu agir foi um erro de fato previsto no Código Brasileiro de Justiça Desportiva[73]. Fazendo-se um paralelo entre o Código de Justiça Desportiva e a Código Civil, conclui-se que, para a Justiça Comum[74], os desacertos dos árbitros seriam equivalentes ao erro de fato[75], elidindo qualquer responsabilidade civil do árbitro, por que não existiu o cometimento de um ilícito e sim o exercício regular de um direito. Em posicionamento semelhante, defende Maria Helena Diniz, verbis:
“O exercício dos esportes, por pressupor certos perigos, gera responsabilidade pelos danos que ele resultarem, mas não dará lugar ao ressarcimento de prejuízo causado aos participantes advindo de aplicação das normas esportivas. Realmente, o atleta não será responsável pelo dano que causar, ao aplicar as regras do jogo, na execução normal de sua atividade.”[76]
Outros doutrinadores, como Ademar Scheffler, também seguem esta linha de raciocínio, verbis:
“O eventual cometimento do chamado “erro de fato” por ocasião da atuação em uma partida de futebol não deságua na obrigação de indenizar torcedores eventualmente frustrados com os resultados da equipe, mesmo que tal erro tenha influído no resultado do jogo. Se assim não fosse, estaria inviabilizada a prática de qualquer modalidade desportiva, porque não teríamos árbitros e juízes para dirigi-la. Diferente seria se estivéssemos evidentemente diante de dolo ou do chamado “erro de direito”, estes sim, passíveis de responsabilização quanto às consequências decorrentes.O chamado erro de fato do árbitro não dá azo a responsabilização do mesmo pelas suas eventuais consequências ou pela frustração de expectativas de direito ou de fato possivelmente oriundas das decisões em campo, diante das circunstancias em que ocorre e pelas dificuldades em arbitra-se futebol.”[77]
Inexiste também a responsabilidade das Federações de Futebol. Apesar de ela ser objetiva por ato dos seus prepostos, no caso da má interpretação das regras do jogo ou erro de fato, estará ausente um dos requisitos para que haja a responsabilidade do empregador que é a conduta culposa (dolo ou culpa) do preposto. Os erros foram feitos no exercício regular de um direito.
Por fim, alguém ainda poderia indagar, e os casos em que os próprios árbitros, após o término do jogo, confessam em entrevistas que erraram na marcação do lance, será que essa nota de culpa não daria azo para a responsabilidade? Não, porque continua não havendo um ato culposo em sentido estrito, a sua confissão não transforma sua ação/omissão em algo negligente, imprudente ou imperito. A sua declaração é apenas a confirmação de uma interpretação errônea da norma futebolística.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma emocionante partida de futebol, as falhas da arbitragem podem extrapolar as quatro linhas e virarem objetos de um processo judicial, recaindo, agora, ao juiz de direito resolver esta controvérsia, mas não para dizer se houve ou não má interpretação da norma futebolística, e sim para julgar se a conduta do árbitro violou o ordenamento jurídico pátrio dando ensejo ao dever de reparar.
Neste sentido, após o estudo detalhado dos erros de arbitragem e a coleta de dados doutrinários e jurisprudenciais sobre o instituto da responsabilidade civil, o objetivo do trabalho foi alcançado, permitindo-se chegar as seguintes conclusões:
Dentro de campo, o árbitro pode cometer erros intencionais ou não, e da distinção destas falhas é que surgirá a responsabilidade civil por erro de arbitragem no futebol.
A falha mais comum dentro de campo é o “erro de fato”, que é relacionado à má interpretação das leis do jogo. A sua principal característica é de ser não intencional, e ocorre quando o árbitro acha que determinado lance não aconteceu e deixa de aplicar a regra que seria cabível, como, por exemplo, um pênalti não assinalado por entender que a falta foi do atacante. Geralmente estes erros acontecem em frações de segundos, e os árbitros, em razão, da própria incapacidade visual humana e, também, às vezes, pela deficiência técnica, não tem como evitá-los.
Por fazerem parte da falibilidade humana, o erro de fato não pode ser encarado como um ato ilícito. Não há dolo, já que inexiste a intencionalidade e, muito menos, ato culposo. Não há imperícia porque o árbitro tem a formação para agir como tal, nem imprudência e negligência, pois somente o árbitro tem a capacidade de saber, dentro de campo, qual o posicionamento correto.
Ademais, a figura do erro é imprevisível, ao contrário da culpa, que para ser configurada, exige à presença da previsibilidade. O árbitro imagina que fez a marcação certa, mas, na verdade, acabou errado. Sem contar que é impossível saber se ausente àquela arbitragem o placar do jogo seria outro, o que demonstra a sua imprevisibilidade.
Assim, os desacertos da arbitragem não são ilícitos, mas sim um exercício regular de um direito, que por mais prejuízos que traga a um time, como um rebaixamento ou a perda de um título, não são passíveis de ensejar o dever de reparar, eis que é uma causa excludente (“qui de iure suo utitur, neminem facit damnum” – Quem exerce um direito não provoca dano) com o poder de elidir qualquer responsabilidade civil.
O erro de fato pode ser como uma moeda, que em uma face tem as falhas da natureza humana, sendo inadequada a responsabilidade civil, e no reverso tem os erros intencionais que surgem da vontade consciente e deliberada de prejudicar uma das equipes, através da marcação de um pênalti inexistente ou da invalidação de um gol legal.
Estas falhas são atos emulativos, eivados com o dolo e a má-fé, e que ocorrem sob a forma de erro de fato, justamente para maquiarem a conduta ilegítima que tem, quase sempre, como finalidade, a busca de lucros fáceis nas apostas ilegais, causando uma série de danos a uma infinidade de pessoas. A vontade do árbitro é manipular o resultado do jogo, para assim, acertar na loteria esportiva. Ao fazer isto, ele sai da sua zona de proteção, que é o exercício regular do direito, e ingressa na área do abuso de direito.
O abuso é o uso excessivo do direito, o árbitro se mantém dentro dos limites objetivos, que era através da marcação de erros de fatos, mas extrapolava os limites subjetivos, pois errava, não pela má percepção, mas premeditadamente para atingir os seus interesses escusos e causando sérios danos ao futebol nacional.
Os erros intencionais, por serem abusos de direito, se configuram em atos ilícitos, sendo passíveis de ensejar a responsabilidade civil. Mas para que isso ocorra é necessária à presença dos danos e do nexo de causalidade, que, na maioria das vezes, é de fácil constatação. Os danos podem ser positivos ou negativos, estes referentes a perda de uma chance e aqueles aos prejuízos emergentes.
Os danos emergentes, que são aqueles prejuízos inerentes à manipulação do resultado, eis que haverá a anulação do jogo, trazendo gastos com transporte, hospedagem e alimentação, uso e manutenção do estádio, entrada franca para os torcedores e etc., que os clubes terão que arcar para disputarem a nova partida. Não se esquecendo dos torcedores, que pagaram para assistirem a um espetáculo e foram vítimas da má-prestação de um serviço, causando-lhes danos materiais com a perda do dinheiro do ingresso do jogo viciado e, bem como, para os mais fanáticos, o dano moral por terem sido acreditado numa farsa e por perderem à credibilidade de um esporte que é a paixão nacional.
Já perda da chance, ou seja, a frustração de uma oportunidade que tinha uma probabilidade muito grande de acontecer. É uma espécie de dano que apenas os clubes podem sofrer e que, apesar de ser de difícil avaliação, realmente podem acontecer. Exemplos foram vários nos últimos anos, como no escândalo da Máfia do Apito, em que foi retirada, do Internacional de Porto Alegre, a chance de ser Campeão Brasileiro, ou da eliminação do Hamburgo da Copa da Alemanha através da manipulação feita pelo árbitro.
A perda da chance pode ser indenizada pelos danos materiais, que seriam referentes às premiações que o clube poderia ganhar e, bem como, pelos danos morais. A retirada da vitória no esporte impede que o clube vivencie as glórias do campeão, sendo como a flecha lançada que não pode voltar mais atrás. Depois de meses de preparação, o time quer subir no lugar mais alto do pódio, mas tem as sua oportunidade roubada por um simples apito malicioso. Porém, é preciso advertir que somente haverá a responsabilidade pela chance perdida se o dano for real e sério, não se podendo indenizar os danos hipotéticos, que são aqueles incertos e virtuais, onde não sabe se o ato ilícito do árbitro realmente causaria danos a outrem.
Contudo, mesmo tendo sido o árbitro o responsável pelo cometimento de um ilícito que trouxe prejuízos a outrem, não será ele que terá a obrigação de reparar os danos, pois, é um autônomo e atua nas partidas como preposto das federações de futebol, sendo destas, independentemente da analise do dolo ou da culpa, o dever de indenizar, posto que, erraram na escolha e fiscalização dos seus prepostos.
Há que se reconhecer que o futebol vive um atraso tecnológico histórico, o esporte é praticado do mesmo modo que foi criado há 150 anos. O uso de recursos tecnológicos, como o microchip nas bolas, permitiria que todos os erros de arbitragem fossem discutidos e resolvidos dentro do próprio campo, evitando, como ocorre no tênis e no futebol americano, que os erros sejam motivos de intermináveis guerras entre os desportistas e os árbitros, que às vezes acabam virando problemas judiciais, assoberbando ainda mais o poder judiciário.
A entrada da tecnologia no futebol seria um cartão vermelho para os manipuladores de resultados, já que, a partir daí, os árbitros teriam que rever as jogadas controversas e em seguida fazer a marcação correta, não havendo espaço para erros disfarçados, sendo o fim da discussão sobre a prática de atos ilícitos pelos árbitros.
Mas enquanto isto não ocorre, o futebol continuará sendo um esporte de fortes paixões, envolvendo milhões de interesses e, em razão disso, podem ser praticados atos ilícitos e, conforme visto, existindo danos e o nexo de causalidade, surgirá a obrigação de reparar.
Advogado, diplomado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-Graduando em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pelo Centro Universitário de João Pessoa. Coautor da obra “Temas sobre responsabilidade civil”
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