Responsabilidade civil do Estado e do magistrado por erro judicial: análise da culpa grave

Resumo: Através do presente artigo, passaremos a analisar acerca da responsabilidade civil, abordando suas nuances no que diz respeito à responsabilização do Estado e do Magistrado com relação aos danos causados por erro judicial. Para chegarmos às conclusões que trataremos ao final deste artigo, utilizaremos dos caminhos traçados pelo código civil, constituição federal, código de processo civil, julgados dos respeitáveis magistrados na seara do direito, assim como de doutrinas tanto da área civil como da área administrativa que nos forneçam bases sólidas para nossa fundamentação. Eis a problemática que desejamos desvendar: “O Estado tem o dever de indenizar os danos causados por erro judicial? Por culpa grave, o magistrado será também responsabilizado?”. Nosso entendimento é que sim, porém, há correntes defendendo posicionamentos diversos. Para desenvolver a questão de modo lógico, faremos um breve histórico e conceituação dos principais itens que nortearão o nosso trabalho.


Palavras-chave: Responsabilidade. Estado. Magistrado. Culpa grave.


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Abstract: This paper has the objective of analyze the civil liability, approaching the details of the civil liability of the State and of the Judge, related with the damages caused by serious judicial error. The conclusions brought at the end of this article are based on the Brazilian Civil Code, Brazilian Federal Constitution, Brazilian Civil Procedure Code, sentences, as well as civil and administrative doctrines that can provide us solid bases for our arguments. These are the questions we want to answer: “The State has the duty to indemnify the damages for judicial error? In the cases of serious faults, the Judge must also be responsible?”. Our understanding is that yes, however, the issue of civil liability for judicial errors is very controversial. To develop the question in logical way, we will make a historical briefing and conceptualization of the main item that will guide our work.


Keywords: Liability. State. Judge.


Sumário: 1. Introdução – 2. Aspectos gerais da responsabilidade civil – 3. Responsabilidade objetiva e subjetiva – 4. Responsabilidade civil do Estado quando ao Erro Judicial – 5. Responsabilidade civil do magistrado quanto ao erro judicial – 5.1. Responsabilidade civil do magistrado em casos de culpa grave – 6. Considerações finais – Referências bibliográficas.


1. Introdução


A finalidade do presente artigo é abordar acerca da responsabilidade civil do Estado e do Magistrado quando dos danos ocasionados por erro judicial, o que em regra acarretaria o dever de indenizar. Tal estudo tem como objetivos procurar alcançar uma definição sobre erro judicial, responsabilidade decorrente desse erro, e, principalmente, quem seria(m) o(s) responsável(is) pelos danos daí decorrentes.


De modo geral, o ponto de vista aqui enfatizado baseia-se em julgados já proferidos acerca da matéria no que concerne a responsabilização de ambos, tanto o Estado quanto o Juiz, bem como tem como parâmetro o que dispõe a lei, e a doutrina majoritária. Com o presente artigo busca-se solucionar o impasse de descobrir de quem seria a responsabilidade em casos de erro judicial e tentar construir uma base sólida para tal justificativa em prol da satisfação de pelo menos uma parte do ônus dele decorrente.


Procuramos fazer uma breve explanação sobre o tema responsabilidade civil, abordando seus aspectos gerais e dando uma breve noção de sua evolução histórica. Logo em seguida tratamos rapidamente dos tipos de responsabilidade, diferenciando-os quanto aos seus elementos essenciais, para posteriormente adentrarmos no ponto principal de nosso estudo, que é a responsabilidade do Estado e dos magistrados quanto ao erro judicial.


2. Aspectos gerais da responsabilidade civil


Pode-se dizer que o instituto da responsabilidade civil é tão antigo quanto à existência humana, pois desde os primórdios da humanidade já havia transgressão ao direito alheio, mesmo que não houvesse uma codificação desses direitos, que tiveram sua primeira aparição no final do século XVIII no Código Civil francês. Então, antes da codificação, a maneira de reparar esses danos era provocar ao ofensor dano igual ao que este lhe provocou.


No direito brasileiro, o instituto da responsabilidade civil esteve expresso no Código Civil de 1916, porém, atingiu uma maior maturidade no atual Código de 2002.


Podemos dizer que, em princípio, toda ação ou omissão que por sua prática ocasione um dano, gera o dever de reparação. Dispõe o atual Código Civil em seu art. 927:


“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”


Na realidade, elaborar um conceito completo com todos os aspectos inerentes a responsabilidade civil é uma tarefa bem complicada, uma vez que nem os doutrinadores conseguem chegar a um consenso quanto a sua definição. Segundo Aguiar Dias[i] “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como os aspectos que podem abranger, conforme as teorias filosófico-jurídicas”.


De acordo a doutrinadora Maria Helena Diniz[ii]: “poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”.


Ressalte-se que a responsabilidade civil é um ramo do direito obrigacional, sendo o dever de reparar o dano causado pela violação a um direito ou dever jurídico, desse modo, é uma conseqüência e não uma causa da obrigação.


3. Responsabilidade objetiva e subjetiva


Como já foi dito, desde o Código Civil de 1916 já estava previsto o instituto da responsabilidade civil, porém com um número reduzido de dispositivos. Talvez pelo fato de que naquela época o direito obrigacional não era muito difundido.


Já o atual Código Civil traz inúmeras hipóteses de responsabilidade civil, inovando no que diz respeito à responsabilidade sem culpa, a qual está prevista no parágrafo único do art. 927 supracitado.


A responsabilidade civil dá-se de dois tipos distintos, podendo ser objetiva ou subjetiva. A objetiva é aquela que independe de dolo ou culpa, uma vez que para caracterizá-la são necessários apenas os elementos: ação ou omissão; nexo de causalidade; e que resulte em dano. Em contrapartida, para a responsabilidade subjetiva, além dos elementos já citados, é imprescindível analisar a existência de dolo ou culpa.


O Código Civil de 2002 inovou trazendo ao direito brasileiro a responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa ou culpa presumida, ou ainda, como alguns chamam, teoria do risco.


Para esclarecer melhor o tema da responsabilidade objetiva, citemos os ensinamentos de Sílvio Rodrigues[iii]:


“Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.”


Vale lembrar que o princípio para a configuração da responsabilidade extracontratual, ou seja, aquela que gera o dever de indenizar pelo ato danoso sem que exista entre as partes a formulação de um contrato, ainda é a configuração da existência de culpa, ou responsabilidade subjetiva, pois somente pode ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva em casos expressos em lei ou no julgamento de casos concretos em que a atividade desenvolvida pelo agente infrator, por sua natureza, gere riscos ao direito alheio.


4. Responsabilidade civil do Estado quanto ao erro judicial


No passado, várias eram as teorias que tentavam excluir a responsabilidade do Estado por danos causados por seus atos ou de seus agentes, tirando-lhes a obrigação de reparação. Podemos citar como exemplo dessas teorias, a teoria da irresponsabilidade, que pelo fundamento da soberania excluía a responsabilidade do Estado; e temos a teoria da responsabilidade com culpa, que impõe responsabilidade pelos atos de gestão, mas exclui a possibilidade de obrigação de reparação pelos atos de império.


Em contrapartida, temos também as teorias publicistas que se baseiam na responsabilidade civil objetiva do Estado pelos prejuízos causados seja pela falha na prestação de serviço público ou pela natureza da atividade por ele prestada passível de causar danos a outrem.


As teorias publicistas dividem-se em: teoria da culpa administrativa; teoria do risco administrativo; e teoria do risco integral. Para a primeira teoria são suficientes para configurar a responsabilidade do Estado: a inexistência do serviço; ou o mal funcionamento do serviço, ou ainda o retardamento do serviço. Segundo Rui Stoco[iv] essa teoria tinha como parâmetro “a ‘falta de serviço’ para dela inferir a responsabilidade da Administração”. Porém, nesta, ainda se faz necessário provar a inadequação do Estado, ainda sendo, portanto, responsabilidade subjetiva. Para a segunda teoria, a do risco administrativo, para que se gere a obrigação de indenizar, tem que haver os seguintes pressupostos: existência de ato ou fato administrativo; existência de dano; ausência de culpa da vítima; e nexo de causalidade. Já a terceira teoria, a do risco integral, configura a responsabilidade objetiva do Estado, gerando sempre a obrigação de reparação mesmo sem ser analisado qualquer excludente de responsabilidade. Vejamos o julgamento a seguir:


“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVÍL. EQUÍVOCO DO MAGISTRADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FIXAÇÃO. Sendo o serviço judiciário um serviço público, cabe ao Estado ressarcir os danos advindos dos atos jurisdicionais emanados pelos magistrados, quantos estes forem lesivos a terceiros ou eivados de erro ou vício, cabendo ação regressiva diante de dolo ou culpa do agente. O grau de culpa do ofensor, os reflexos que a sua conduta tiveram na vida do ofendido, bem como a situação econômica das partes envolvidas no litígio, são o norte para o arbitramento da indenização por danos morais. Recurso conhecido, mas desprovido.


APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0351.03.021150-9/001 – COMARCA DE JANAÚBA – REMETENTE: JD 1 V COMARCA JANAUBA – APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS – APELADO(A)(S): MANOEL RODRIGUES DE OLIVEIRA – RELATORA: EXMª. SRª. DESª. ALBERGARIA COSTA”[v] No entanto, é importante ressaltar que o indivíduo só terá direito à indenização se provar a existência do efetivo e imediato dano e não apenas uma probabilidade de dano, pois se assim fosse, poderia gerar enriquecimento ilícito. “A finalidade do ressarcimento não é produzir um enriquecimento sem causa para quem sofreu com a ação ou omissão do Estado, mas sim repor as coisas, na medida do possível, à situação em que estavam.”[vi]


Nosso ordenamento jurídico, pois, consagrou a teoria do risco administrativo como sendo a modalidade mais aceita, resta saber, se esta teoria aplica-se também ao magistrado em casos de erro judicial.


5. Responsabilidade civil do magistrado quanto ao erro judicial


Já dispunha o Código de Hamurábi em seu art 5º. i, que o juiz corrupto seria responsabilizado: “Se um julgou uma causa, proferiu uma sentença e mandou exarar documento selado e depois alterou seu julgamento, comprovarão contra esse juiz a alteração do julgamento feito, e ele pagará até doze vezes a quantia que estava em questão no processo; além disso, fá-lo-ão levantar-se de sua curul de juiz na Assembléia dos Juízes e não tornará a se sentar com os juízes em um processo”[vii].


Dizia também o art. 13 da Tábua Nona do Código dos Decênviros que: “Se um juiz ou um árbitro indicado pelo magistrado recebeu dinheiro para julgar a favor de uma das partes em prejuízo de outrem, que seja morto”[viii]. Obviamente que essa responsabilização foi bastante diminuída ao longo dos anos por não se encaixar nos modernos ordenamentos jurídicos, ao ponto de praticamente desaparecer, como ocorre atualmente.


Sabemos que pouco se trata a respeito da possibilidade de responsabilizar os magistrados em casos de erro judicial, principalmente nas doutrinas. Pois, responsabilizar o magistrado por erro judicial não se configura tarefa fácil, uma vez que tentar impor penalidades a tal órgão judicial é quase que afrontar o próprio conceito de justiça, tendo em vista que os magistrados são vistos como seres superiores que carregam sobre si o “fardo da justiça” e detêm o poder de decidir questões de extrema importância, sendo considerados como “aqueles que nunca falham no exercício de sua profissão”, exceto alguns erros de ordem material, que podem ser facilmente alterados, inclusive, de ofício.


O Código de Processo Civil dispõe com bastante propriedade:


“Art.463 – Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:


 – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;


 – por meio de embargos de declaração”.


É ainda o Código de Processo Civil competente para delimitar os casos em que o magistrado responde por erro judicial:


“Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:


I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;


II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.


Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n. II Sá depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.”


A partir daí, pode-se inferir que o magistrado responde somente quando age com dolo ou fraude. Portanto, em análise mais apurada do dispositivo supracitado, percebe-se que se o juiz agir com negligência, imprudência ou imperícia, que são as modalidades culposas, não há que se cogitar a possibilidade de responsabilizá-lo por tal ato, visto que não há previsão legal. Entendemos com isso que os maus profissionais, ou aqueles ainda ‘inexperientes’, se isentam de qualquer responsabilidade que venham a cometer, desde que não seja dolosamente, devido ao amparo de legislador. Porém, a jurisprudência já vem entendendo que a culpa grave equipara-se ao dolo.


Mesmo que esse entendimento não seja atualmente majoritário na jurisprudência, podemos extrair de um julgado do Supremo Tribunal Federal que o entendimento de que o juiz é imune de responsabilidade quanto a erros judiciais, pode está começando a mudar, pois começamos a vislumbrar a possibilidade de reparação pelo juiz quanto aos seus erros decorrentes inclusive de culpa, porém em ação de regresso, pois a legitimidade passiva em ação de responsabilidade civil por ato ilícito em erro judicial ainda é exclusiva do Estado, exceto os casos elencados no art. 133, CPC. Vejamos o seguinte julgado:


“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO ILICITO.   ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. 2.  RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ESTADO. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente público, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação especifica.3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, ao qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa.4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art.37, §6º, da CF/88. 5.Recurso Extraordinário conhecido e provido  (RE 228.977-2/SP. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.       Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA. Julgamento: 05/03/2002. Órgão Julgador:  SEGUNDA TURMA. Publicação:  DJ 12-04-2002 PG-12977 EMENT VOL-2064-4 PG-10)”


Uma parte da doutrina entende que o magistrado não deve ser responsabilizado por erro judicial, com o argumento de que se deve preservar a atividade jurisdicional do magistrado e que o Poder Judiciário é soberano. Porém, entendemos que o magistrado deveria sim ser responsabilizado por seus atos. Se assim fosse, ele seria mais cauteloso ao decidir, diminuindo com isso, a ocorrência de erros.


Nesse sentido é o entendimento de parte da doutrina, como é o depoimento do professor Lafayette Pondé[ix]:


“Relativamente aos atos judiciários ninguém pode hoje acobertá-los de imunidade, sob pretexto de serem expressão de soberania. Este argumento provaria de mais, porque daria com a irresponsabilidade mesma da Administração e do Legislativo, já que o Judiciário não é um superpoder colocado sobre estes dois”.


Atualmente, diz-se que a responsabilidade do Juiz não é nem objetiva e nem subjetiva, ela é condicionada ao dolo, fraude e ao retardamento de ato de ofício sob sua competência, como já mencionado no artigo 133 do CPC acima citado. Quando o legislador instituiu essa modalidade de responsabilização condicionada, deixou à margem a responsabilização do magistrado em casos de imprudência, negligência e imperícia, sob a justificativa de preservar a atividade jurisdicional.


No entanto, há que se entender que em sendo admitido em nosso ordenamento jurídico a responsabilidade subjetiva do magistrado, a credibilidade jurisdicional não ficará prejudicada, uma vez que essa responsabilização somente se dará quando do preenchimento dos quatro elementos indispensáveis para a caracterização do dever de indenizar, são eles: ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo causal e dano.


Embora a lei não trate sobre a matéria com maior propriedade, a doutrina majoritária entende que em sendo caso de culpa grave há a responsabilização do magistrado. Tem entendido o STF em matéria trabalhista a equiparação da culpa grave ao dolo, proferindo a súmula 299 e julgados nesse sentido, conforme jurisprudência verbis:


“RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. CULPA GRAVE EQUIPARAÇÃO AO DOLO. SÚMULA 229–STF. TENDO-SE COMO HAVENDO OCORRIDO CULPA GRAVE DO EMPREGADOR NO ACIDENTE DO TRABALHO, DE QUE RESULTA MORTE, E TENDO SIDO O EVENTO POSTERIOR A LEI N.5316/67, APLICA-SE A JURISPRUDÊNCIA CONSUBSTANCIADA NA SÚMULA 229-STF, SEM EXAME ANTE A LEI N. 6367/76, AINDA NÃO VIGORANTE A ÉPOCA.


(STF – RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 107774 SP. Relator(a): ALDIR PASSARINHO. Julgamento: 30/05/1986. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 27-06-1986 PP-11620 EMENT VOL-01425-03 PP-00545)” [x]


Por analogia ao que entende o STF em matéria de justiça do trabalho, e fazendo uso de tal julgado em matéria de responsabilidade civil do magistrado, uma vez que o Tribunal Superior entende ser a culpa grave equivalente ao dolo, assim o sendo, este é condição para a responsabilização do juiz. Desse modo, restaria caracterizada a responsabilidade do magistrado em relação a negligência, imprudência e imperícia em casos de extrema culpa.


Tomando por base orientação do professor Olavo Hamilton[xi], entendemos que, de um lado, uma pessoa comum, por qualquer mínima culpa que seja, pode ser responsabilizada, bem como até mesmo o Estado é responsável objetivamente através da “Teoria do risco”. Já de outro lado, o magistrado só responde nos casos previstos em lei em nome da liberdade de julgar. Ora, liberdade não pode se equiparar a irresponsabilidade, uma vez que todo profissional deve possuir liberdade para agir da maneira legalmente correta, porém todas as profissões e pessoas físicas ou jurídicas respondem por seus atos, seja de forma objetiva ou subjetiva.


Desse modo, quando o magistrado possuir responsabilidade por todos os seus atos (essa é a expectativa das autoras deste artigo), se perfectibilizará o disposto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.


5.1. Responsabilidade civil do magistrado em casos de culpa grave


Ab initio, o problema da responsabilização do magistrado em casos de culpa grave está necessariamente na abrangência de seu conceito. Para alguns, a culpa grave tem uma determinada definição, enquanto que para outros possui uma interpretação totalmente diferente, o que difere da conceituação de dolo, o qual por ser o agir de má-fé, não deixa margem a dúvidas.


Segundo Carlos Roberto Gonçalves[xii], “a culpa grave é a decorrente de uma violação mais séria do dever de diligência que se exige do homem mediano”, e diz mais, verbis:


“O Código Civil, entretanto, não faz nenhuma distinção entre dolo e culpa, nem entre os graus de culpa, para fins de reparação do dano. Tenha o agente agido com dolo ou culpa levíssima, existirá sempre a obrigação de indenizar, obrigação esta que será calculada exclusivamente sobre a extensão do dano.”


É o que dispõe o artigo 944 do Código Civil Brasileiro: “Art. 944- A indenização mede-se pela extensão do dano”.


Com o referido artigo podemos concluir que independente de a culpa ser levíssima, leve ou grave há sempre o dever de indenizar se o agente age com culpa, pois o que se analisa é a extensão desse dano. Tal dispositivo, pois, deve, segundo o ponto de vista das autoras deste artigo, se aplicar também ao magistrado. Apesar de o art. 133 do CPC e o art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, restringirem a responsabilização do magistrado em casos de dolo ou culpa grave, pela compreensão do Código Civil vigente, o grau de culpa independe para o dever de reparar, e deveria tal dispositivo ser isonômico para todas as categorias profissionais.


Exemplo de erro grosseiro em que cabe responsabilização do magistrado por culpa grave é o caso de o juiz deixar de reconhecer uma prescrição de crime e condenar um cidadão a anos de prisão.


Há quem entenda que existe erro grosseiro quando o magistrado se utiliza de uma interpretação de lei revogada por um Tribunal Superior, mas que outro Tribunal aplique. 


De fato, os magistrados têm de ser livres na interpretação da lei, porém isso não significa que pode agir arbitrariamente, pois se assim o fizesse seriam verdadeiros déspotas e não agiriam em prol da sociedade, que é seu dever, dever do Estado-Juiz.


6. Considerações finais


A responsabilidade civil é um instituto que vem se aprimorando cada dia mais na descoberta de novos valores. A responsabilização civil do Estado quanto ao erro judicial dá-se por meio de lei, teoria e julgados já proferidos nesse sentido, enquanto que a responsabilização do magistrado consoante a lei se dá apenas em casos de culpa grave ou dolo, porém novos entendimentos surgem no sentido de ampliar esse rol de responsabilização do juiz visando equiparar a profissão às demais do ponto de vista de democracia e igualdade social.


Desse modo, faz-se imprescindível a responsabilização do magistrado por erro judicial, seja ele qual for, para que além de reparar o dano causado, se coloque um freio nas atitudes do magistrado enquanto ser humano e passível de erros.


 


Referências bibliográficas:

COTRIM NETO, A. B. Da responsabilidade do Estado por Atos de Juiz em Face da Constituição de 1988 in Revista de Informação Legislativa. Vol 30 n.º 118 abril/junho 1983, p. 86 e 87. In: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2114. Acesso em: 28 de maio de 2010.

DIAS, Aguiar (1979). Da Responsabilidade Civil. 6º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 1.

DINIZ, Maria Helena (2001). Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 7.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. pg. 532. 10ª Ed. rev., atual. e ampl.

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2000.

PONDÉ, Lafayette (1995). Estudos de direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995,

RODRIGUES, Sílvio (2002). Direito Civil. Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002, v. 4.

STOCO, Rui (2007). Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e Jurisprudência. 7ª Ed, ver. atual. e ampliada. São Paulo. Edição Revista dos Tribunais, 2007.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 8ª Ed. São Paulo. Atlas, 2008, v. 4.


Notas:

[i] DIAS, Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 6º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 1, p. 1 e 3.

[ii] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 7.

[iii] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Volume IV, Editora Saraiva, 19ª Edição, São Paulo, 2002, p. 10.

[iv] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e Jurisprudência. 7ª Ed, ver. atual. e ampliada. São Paulo. Edição Revista dos Tribunais, 2007, p. 994.

[v] Disponível em:


[vi] LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2000. Pág. 76.

[vii] COTRIM NETO, A. B. Da responsabilidade do Estado por Atos de Juiz em Face da Constituição de 1988 in Revista de Informação Legislativa. Vol 30 n.º 118 abril/junho 1983, p.86. In:http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2114.


[ix] PONDÉ, Lafayette (1995). Estudos de direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, pg. 315.

[x]Disponível em:


[xi] ANDRADE, Olavo Hamilton Ayres Freire de. Advogado, professor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, campus Central.

[xii] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.

Informações Sobre os Autores

Jhéssica Luara Alves de Lima

Advogada. Professora do Curso de Direito. Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Ambiente, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA. Especialista em Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

Ingrid Nóbrega Vilar Nascimento de Morais

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.


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Equipe Âmbito Jurídico

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