Responsabilidade civil do médico cirurgião plástico


1. INTRODUÇÃO

Atualmente, é muito discutida a responsabilidade civil do médico cirurgião plástico, devido ao fato de, em ocorrendo insatisfação do paciente pela não ocorrência do resultado pretendido, muitas ações estarem tramitando em Juízo.

O paciente-autor requer uma indenização, pois entende que o médico cirurgião plástico se vincula a uma obrigação de resultado ao realizar cirurgias ou procedimentos estéticos, até porque somente o procurou, confiante no seu conhecimento técnico-profissional, para obter melhorar-se esteticamente.

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O médico-requerido alega que sua atividade profissional está ligada a uma obrigação de meio, ou seja, que o exercício da medicina não promete cura, mas sim tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia e diligência, priorizando-se pelo adequado padrão ético de conduta, a fim de executar sua função em prol de uma melhor qualidade de vida para o paciente. Assim, não está obrigado a atender pelo resultado que não foi satisfatório para o paciente.

A cirurgia plástica adquiriu respeitabilidade por parte tanto dos próprios profissionais da medicina, que não a incluíam como especialidade médica por não objetivar a cura de vidas, como dos que dela se utilizam. Todavia, outrora era desprezada sob os argumentos de que se tratava de atividade que servia de publicidade para artistas e vedetes, submetendo-se a essa especialidade pessoas que queriam falsear suas identidades ou dissimular o impacto da passagem do tempo. Enfim, era sobre a cirurgia plástica imposta uma carga pejorativa e desqualificadora.

Diferentemente, na contemporaneidade, a cirurgia plástica estética está se popularizando vertiginosamente não só no Brasil como no mundo todo.

Uma das razões que atribuíram o atual status à cirurgia plástica, é a propagação veiculada pela mídia das facilidades e “milagres” estéticos que ela pode propiciar, o que a torna objeto de grandes polêmicas, uma vez que dela podem advir sérias intercorrências e complicações físicas e emocionais, com proporcionais severas implicações para a vida e segurança dos pacientes.

Dessa forma, objetiva-se diferenciar cirurgia plástica estética da cirurgia plástica exclusivamente reparadora, com a principal finalidade de se concluir se o médico cirurgião plástico, nos procedimentos embelezadores, possui obrigação de meio ou de resultado.

Abordar-se-á, ainda, aspectos de ordem profissional e psicológica advindos da cirurgia plástica estética e os posicionamentos, jurisprudencial e doutrinário, inerentes ao assunto in cogitatione.

 

2. DEFINIÇÕES CONCEITUAIS

Para melhor elucidar o assunto em comento, buscou-se alguns posicionamentos doutrinários sobre os tipos de obrigação, relacionados com a responsabilização do médico cirurgião plástico, quais sejam: obrigação de resultado e obrigação de meio.

Consoante lições de Kfouri Neto[1]:

“A obrigação contraída pelo médico é espécie do gênero obrigação de fazer, em regra infungível, que pressupõe atividade do devedor, energia de trabalho, material ou intelectual, em favor do paciente (credor)”.

É função do profissional da medicina: examinar, prescrever, intervir, aconselhar, diagnosticar. A prestação devida pelo médico é sua própria atividade, consciente, cuidadosa, valendo-se dos conhecimentos científicos adquiridos em busca da cura do paciente.

Segundo a professora Maria Helena Diniz[2],

“a obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão-somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo”.

Depreende-se daí, que a prestação do devedor nas relações negociais não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente em benefício do credor.

Na obrigação de meio tem-se a inexecução do contrato pela omissão do devedor em tomar certas precauções. Não ocorrendo o resultado esperado pelo credor, não há que se falar em descumprimento da obrigação.

A diferença entre a obrigação de meio da obrigação de resultado, é que nesta o credor tem direito à indenização pela não efetivação do resultado certo e determinado contratado com o devedor, que a garantiu. Caso soubesse que outro resultado ocorreria, o credor não teria aderido ao negócio, o que impediria a formação da relação jurídico-contratual.

Assim ilustra o magistério da Maria Helena Diniz[3]:

“A obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal sorte que a obrigação só se considerará adimplida com a efetiva produção do resultado colimado. Ter-se-á a execução dessa relação obrigacional quando o devedor cumprir o objetivo final. Como essa obrigação requer um resultado útil ao credor, o seu inadimplemento é suficiente para determinar a responsabilidade do devedor, já que basta que o resultado não seja atingido para que o credor seja indenizado pelo obrigado, que só se isentará de responsabilidade se provar que não agiu culposamente. Assim, se inadimplida essa obrigação, o obrigado ficará constituído em mora, de modo que lhe competirá provar que a falta do resultado previsto não decorreu de culpa sua, mas de caso fortuito ou força maior, pois só assim se exonerará da responsabilidade; não terá, porém, direito à contraprestação. É o que se dá, p. ex., com: a) o contrato de transporte, uma vez que o transportador se compromete a conduzir o passageiro ou as mercadorias, sãos e salvos, do ponto de embarque ao de destino; b) o contrato em que o mecânico se obriga a consertar um automóvel, pois só cumprirá a prestação se o entregar devidamente reparado; c) o contrato em que médico se compromete a efetuar cirurgia plástica estética, retirando rugas e arrebitando nariz etc.”.

Explica a autora que a cirurgia plástica estética está entre os contratos em que é determinante para o seu cumprimento, a concretização de um resultado específico, sem o qual não haveria razão da sua formação. Desse modo, o credor tem de ser indenizado pelo fato de não ter se realizado o resultado esperado.

A inversão do ônus da prova nos casos de inexecução da obrigação de resultado é o que dá equilíbrio à relação contratual, haja vista que, se fosse cogitada a hipótese pelo devedor na formação do negócio de não vir a ocorrer o resultado, o credor não o aceitaria.

Se o devedor, porém, provar que não agiu com culpa, estará isento de responsabilidade pela não realização do resultado, isto é, se provar o caso fortuito ou força maior.

Nesse sentido está o ensinamento do ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior[4]:

“Sendo a obrigação de resultado, basta ao lesado demonstrar, além da existência do contrato, a não obtenção do objetivo prometido, pois isso basta para caracterizar o descumprimento do contrato, independente das suas razões, cabendo ao devedor provar o caso fortuito ou força maior, quando se exonerará da responsabilidade”.

A culpa deve ser provada tanto na obrigação de meio quanto na de resultado. A diferença é que naquela o credor insatisfeito com o resultado do negócio jurídico é quem tem o ônus de provar que o devedor agiu culposamente. Na obrigação de resultado, diversamente, o devedor obrigado a produzir o resultado certo e determinado, que não se efetivou, é quem deve provar que não agiu com culpa, devido à inversão do ônus da prova.

É o que esclarece Rui Stoco[5]:

“Tanto na obrigação de meios como na de resultado impõe-se a existência de culpa (lato sensu). Na obrigação de meios, o credor deverá provar a conduta ilícita do obrigado, isto é, que o devedor não agiu com atenção, diligência e cuidados adequados na execução do contrato. Na de resultado presume-se que a sua não obtenção decorreu de atuação inadequada ou culposa do contratado”.

Diante dos conceitos que diferenciam obrigação de meio de obrigação de resultado, analisar-se-á a diferença entre cirurgia plástica estética e cirurgia plástica reparadora e suas implicações jurídicas.

 

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA E CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA

A diferenciação entre cirurgia plástica estética e cirurgia plástica reparadora, se faz indispensável por dela decorrer a responsabilidade civil do médico em cada situação.

De acordo com o que bem anota João Monteiro de Castro[6],

“a cirurgia plástica compreende duas modalidades: a) a reparadora ou corretiva, laborada com o objetivo de tentar a correção de defeitos congênitos ou adquiridos (por exemplo: cicatrizes, queimaduras, lábio leporino etc.). Tem um fim terapêutico conectado, não raro, com uma preocupação estética, mas esta absorvida por aquele fim. Enquadra-se como reparadora a cirurgia estética para retificar cirurgia embelezadora malsucedida; e b) a estética, também denominada, pela literatura médica, de embelezadora ou cosmética. É aquela levada a cabo com finalidade de embelezamento ou aperfeiçoamento físico do indivíduo. É realizada, geralmente, quando o paciente não padece de qualquer mal físico”.

Em se tratando de cirurgia plástica reparadora, a obrigação contraída pelo médico é de meio e não de resultado, porque o objetivo da intervenção cirúrgica é corrigir cicatrizes deixadas por acidentes, queimaduras, defeitos congênitos etc. Logo, o que se pode exigir do médico é que apenas faça o possível, prudente e diligentemente, para “reparar” a cicatriz ou o defeito congênito que o paciente visa a melhorar, até porque não está a se submeter por tal intervenção por mera questão estética e sim buscar reparação ou melhora para determinado defeito físico congênito ou advindo de acidente.

Corresponde à cirurgia plástica estética uma obrigação de resultado do profissional que a executa. Nesse caso, o paciente não padece de qualquer doença física, apenas de dor psicológica, sendo este o fato gerador, muitas vezes, do ato de submeter-se a tal procedimento médico.

A expectativa do paciente é a de que o cirurgião estético corrija o aspecto físico que tanto o incomoda. Se assim não fosse, não se submeteria à cirurgia ou ao procedimento embelezador, pois, como qualquer intervenção cirúrgica, é passível de riscos à saúde e à vida do paciente.

Um princípio geral válido em medicina é que, uma cirurgia, seja ela para qual finalidade for, sempre oferece riscos. Por isso, obrigado está o médico a avisar o paciente dos riscos inerentes à cirurgia a que se submeterá. Contudo, se o médico vislumbrar que a cirurgia, de acordo com as condições gerais de saúde do paciente, oferecer-lhe-á um risco ainda maior, tem o dever de não executá-la.

Por ser o único escopo do paciente a correção estética específica, situação em que se pretende um certo e determinado resultado, verifica-se a intrínseca e inseparável relação jurídica da cirurgia plástica estética com o instituto da obrigação de resultado.

Outra consideração importante a se frisar é a imprescindibilidade do médico cirurgião plástico possuir o título de especialista na área, obtido por meio de residência médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica ou mediante concurso promovido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Desse modo, o profissional, para a prática da cirurgia plástica, deve estar familiarizado e treinado com um conjunto de pré-requisitos e conhecimentos técnicos e científicos adquiridos na graduação e/ou pós-graduação.

 

4. ASPECTOS PROFISSIONAIS E PSICOLÓGICOS DA CIRURGIA ESTRITAMENTE EMBELEZADORA

A Cirurgia Plástica tem sido a especialidade médica que mais tem tido notoriedade na mídia e que mais lucratividade tem dado aos profissionais da medicina, pelos espetaculares avanços, assim como pelos resultados cada vez mais eficazes, o que a consolida como a Medicina em favor dos resultados estéticos, a capaz de propiciar àqueles que dela se utilizam uma melhora extraordinária, tanto no aspecto físico, quanto no psicológico.

A questão emocional é a que, muitas vezes, propulsiona o paciente a tomar a decisão de transformar e melhorar seus traços físicos, já que psicologicamente se sente perturbado e insatisfeito, o que lhe prejudica nos relacionamentos amorosos, sociais e profissionais.

Esse fenômeno pode ser observado principalmente nas mulheres, que por convenção cultural, são as que mais sofrem por estarem fora dos padrões de beleza. Elas se cobram e são mais cobradas para conquistarem a estética perfeita.

A busca pelo belo, pela perfeição estética é um dos principais objetivos da sociedade contemporânea, visto que essa realidade é confirmada pelo prestígio adquirido dentro e fora dos liames profissionais da cirurgia plástica.

Os avanços técnico-materiológicos da cirurgia plástica, bem como a divulgação dos resultados conquistados, fazem o paciente acreditar que, após a cirurgia, terá uma nova vida, momento em que se livrará de todos os complexos, deixando de ser o que se convencionou como “feio”, “fora dos padrões atualmente estabelecidos”, o que causa um alívio extremo, porque todos queremos ser aceitos, inclusive no aspecto estético. Dessa forma, o resultado é a única finalidade do paciente ao se submeter a uma cirurgia plástica embelezadora.

As pessoas procuram, cada vez com mais obstinação, manter-se sempre jovens e bonitas, por mera vaidade ou por necessidade psicológica. Por isso, “qualquer resultado” não basta para satisfazer o ego daqueles que procuram, na cirurgia plástica estética, a solução para estarem bem consigo mesmos e com a opinião social.

Não se efetivando, contudo, o resultado desejado, o paciente psicologicamente ficará em situação mais aflitiva que a anterior à execução do procedimento cirúrgico estético a que se submeteu.

Não raras vezes, além do resultado esperado e contratado pelo paciente não se realizar, ocorrem lesões e danos estéticos que agravam, em muito, o psicológico do paciente. Exemplificativamente, pessoa que faz cirurgia plástica no rosto para rejuvenescer e fica com a boca torta.

 

4.1. A INFLUÊNCIA DA AUTO-ESTIMA NOS PROCEDIMENTOS QUE VISAM À MELHORA ESTÉTICA.

Considerando que um dos aspectos mais marcantes da representação da nossa identidade, e do reconhecimento desta, pelos outros, perpassa pelo nosso corpo, podemos asseverar, guardadas as devidas proporções, que é pelo aspecto físico que o indivíduo se conhece e é conhecido no cotidiano. E essa capacidade de se representar perante os outros tem uma íntima relação com a AUTO-ESTIMA.

Entende-se como auto-estima a avaliação que o indivíduo faz, e que habitualmente mantém, em relação a si mesmo. Ela expressa uma atitude de aprovação ou desaprovação que o indivíduo faz de si mesmo, baseado em conceitos adquiridos pela educação familiar, cultural, religiosa e social.

Essa avaliação indica o quanto uma pessoa se considera capaz, importante e valiosa. Em suma, a auto-estima é um juízo de valor que se expressa mediante as atitudes que o indivíduo mantém em face de si mesmo.

A baixa auto-estima, muitas vezes, é decorrente de complexos psicológicos relacionados com o físico do indivíduo, ou seja, de algum aspecto que considere inadequado com os padrões de beleza que se estabeleceram.

Conforme ensina Nise da Silveira[7], “os complexos são agrupamentos de conteúdos psíquicos carregados de afetividade”.

E acrescenta:

“Dos complexos depende o mal-estar ou o bem-estar da vida do indivíduo. Eles podem ser comparados a infecções ou a tumores malignos, que se desenvolvem sem qualquer intervenção da consciência. Como demônios soltos, infernizam a vida no lar e no trabalho”.

A questão psicológica das pessoas com pouca ou nenhuma auto-estima, no que se refere à parte estética, é o que as impele a procurar, na cirurgia plástica embelezadora, a solução para a sua dor.

Por essa razão, mais uma vez, se constata a necessidade de se obrigar o médico cirurgião plástico, nos procedimentos estéticos, a cumprir com o resultado almejado pelo paciente.

Não tem sentido atribuir ao médico, que se compromete realizar uma cirurgia estética, uma obrigação de meio.

A dor emocional do paciente não o permite aceitar, tampouco pagar e arriscar sua vida e sua saúde, por algo insatisfatório. Ocorrendo um resultado diverso do pretendido, o paciente tem de ser indenizado.

Uma outra questão importante a se comentar, relacionada com a auto-estima do paciente, é o dano moral ensejado pela sua frustração de não conseguir se livrar do mal psicológico – referente à sua estética -,  caso o resultado não venha a se efetivar.

Pelo inadimplemento do contrato, isto é, não havendo a satisfação do resultado na cirurgia estética, o dano moral tem suma importância, pois é um dos pedidos do paciente na ação de indenização.

Por tais razões, entende-se mais apropriado o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, que atribui ao médico cirurgião plástico, nas intervenções exclusivamente estéticas, uma obrigação de resultado, ressarcindo-se o paciente pelos danos morais e materiais sofridos pela inexecução da obrigação.

 

5. POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIOS

A corrente liderada basicamente pelos Ministros Rui Rosado Aguiar Júnior e Carlos Alberto Menezes Direito considera como obrigação de meio a advinda de procedimentos e cirurgias plásticas com finalidade especificamente estética.

O argumento que enseja esse posicionamento é o de que a cirurgia plástica é um ramo da cirurgia geral, estando ambas sujeitas aos mesmos imprevistos e insucessos, não sendo possível, assim, punir mais severamente o cirurgião plástico do que o cirurgião geral, haja vista pertencerem à mesma área de atuação profissional.

Afirma-se, nesse sentido, que o corpo humano possui características diferenciadas para cada tipo de pessoa, não se podendo atribuir ao médico cirurgião plástico a responsabilidade pelo resultado, pois a diversidade de organismos, reações e complexidade da fisiologia humana são eventos imprevisíveis. Condenam até mesmo os médicos que prometem resultados aos pacientes, porque não podem garantir a elasticidade da pele, a boa cicatrização, os fatores hereditários etc.. Aduzem ainda que o diferencial entre e a cirurgia estética stritu sensu e a cirurgia geral é o dever do médico de informar o paciente de possíveis resultados não satisfatórios, bem como de obterem o consentimento, após os esclarecimentos prestados, do paciente para a realização da cirurgia estética.

Apesar do posicionamento que entende ser obrigação de meio a correspondente à atividade do médico cirurgião plástico nos procedimentos estéticos, faz-se necessário adicionar os argumentos da corrente jurisprudencial que assim compreende.

Nas palavras do ilustre Ministro Rui Rosado Aguiar Júnior[8]:

“O acerto está, no entanto, com os que atribuem ao cirurgião estético uma obrigação de meios. Embora se diga que os cirurgiões plásticos prometam corrigir, sem o que ninguém se submeteria, sendo são, a uma intervenção cirúrgica, pelo que assumiriam eles a obrigação de alcançar o resultado prometido, a verdade é que a álea está presente em toda intervenção cirúrgica, e imprevisíveis as reações de cada organismo à agressão de ato cirúrgico. Pode acontecer que algum cirurgião plástico ou muitos deles assegurem a obtenção de um certo resultado, mas isso não define a natureza da obrigação, não altera a sua categoria jurídica, que continua sendo sempre a obrigação de prestar um serviço que traz consigo o risco. É bem verdade que se pode examinar com maior rigor o elemento culpa, pois mais facilmente se constata a imprudência na conduta do cirurgião que se aventura à prática da cirurgia estética, que tinha chances reais, tanto que ocorrente, de fracasso. A falta de uma informação precisa sobre o risco e a não-obtenção de consentimento plenamente esclarecido conduzirão eventualmente à responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de meios”.

A jurisprudência tem, no entanto, nitidamente se inclinado pela corrente que entende ser a responsabilidade do médico cirurgião plástico, nas cirurgias embelezadoras, de resultado[9]. Embasa-se, essa corrente, no fato de que o paciente que procura um cirurgião plástico não se encontra doente, mas apenas deseja melhorar um aspecto estético, interessando-lhe tão somente o resultado a ser alcançado, já que de outro modo não buscaria em tal especialidade médica se livrar, definitivamente, de complexos intrínsecos à sua psykhé e que tanto o afligem.

Miguel Kfouri Neto[10] leciona que a cirurgião plástica com fins estéticos atribui ao médico que a realiza uma obrigação resultado, pelos riscos a que se submete o paciente e pela garantia de um resultado certo e determinado. Nas palavras do autor:

“a cirurgia de caráter estritamente estético é aquela na qual o paciente visa a tornar seu nariz, por exemplo – que de modo algum destoa da harmonia de suas feições -, ainda mais formoso, considerando, por vezes, um modelo ideal de beleza estética. Neste caso, onde se expõe o paciente a riscos de certa gravidade, o médico se obriga a um resultado determinado e se submete à presunção de culpa correspondente e ao ônus da prova para eximir-se da responsabilidade pelo dano eventualmente decorrente da intervenção (a jurisprudência alienígena registra caso de cirurgião que, no propósito de corrigir a linha do nariz, terminou por amputar parte do órgão)”.

Com o mesmo posicionamento, Caio Mário da Silva Pereira[11] tece as seguintes considerações sobre a cirurgia estética:

“a) o cirurgião, como médico, está sujeito a deveres gerais, que são o dever de aconselhar, apontando os riscos da intervenção (tratamento e cirurgia), tendo em conta as condições pessoais do paciente (idade, estado de saúde, anomalias etc.); dever de assistir o paciente antes, durante e depois da cirurgia; e dever de abster-se de abusos ou desvios de poder;

b) a cirurgia estética gera obrigação de resultado e não de meio. O paciente do cirurgião estético não é um doente que procura tratamento e o médico não se engaja na sua cara. O médico está empenhado em atingir o resultado pretendido e, se não há como consegui-lo, não deve efetuar o ato cirúrgico”[12].

Às escâncaras está a obrigação de resultado que o cirurgião estético assume ao executar sua atividade profissional.

Um fator imprescindível, entretanto, à atividade médica é o dever de informação, bem como o de vigilância, inclusive para o cirurgião plástico. Assim, se informar ao paciente que não promete resultado no procedimento ou na cirurgia estética, não estará obrigado a indenizá-lo. Se ainda assim, o paciente se submeter à cirurgia embelezadora, consciente estará de que o resultado pretendido pode não vir a ocorrer.

Aqui está uma questão fundamental para se saber que tipo de obrigação estará sujeito o cirurgião plástico estético: se o médico garantir o resultado, assume o pagamento da respectiva indenização caso não venha a se realizar; se não garanti-lo, escusado está de pagar indenização pela não ocorrência do resultado, pois assumiu uma obrigação de meio, salvo se agir de modo que cause danos estéticos ao paciente culposamente.

Além desse motivo de exclusão da responsabilidade civil do médico nas cirurgias plásticas, escusa-se o profissional que, agindo com o dever de prudência e diligência, contratado para um determinado resultado, assegurando-o, não consegue proporcionar o resultado acordado com o paciente por impedimento de caso fortuito ou força maior, exonerando-se, também, da responsabilidade de indenizá-lo. Terá, para tanto, que provar o advento que o exonerou, ou seja, que a falta do resultado previsto não foi ocasionada por culpa sua, mas por caso fortuito ou por força maior.

Inadimplida a obrigação, por culpa sua ou não, o médico que garantir o resultado ficará constituído em mora, e mesmo provando que não proporcionou o resultado pretendido por caso fortuito ou força maior, não terá direito à contraprestação.

Com o advento tecnológico, mormente a utilização da informática pelos profissionais “da beleza”, tais como cabeleireiros, esteticistas, estilistas, dermatologistas e cirurgiões plásticos, fica nítida a responsabilização do profissional da medicina estética em propiciar o resultado que ele próprio já antecipou pelo computador, obrigando-se, assim, a cumpri-lo. Criada a expectativa no paciente, que acabara de ver, nesses casos, o resultado que obterá segundo a certeza do profissional que, inclusive lhe demonstra por fotografias comparativas de pacientes que já se submeteram à técnica por ele utilizada, não pode se escusar de responder pelos danos materiais e morais inerentes ao caso, salvo por caso fortuito e força maior, vindo a ocorrer resultado diverso do demonstrado e acordado.

Nesse sentido, ao discorrer sobre a obrigação de resultado, o tratadista Jean Penneau[13] esclarece que o médico que promete que sua intervenção terá um resultado determinado, às vezes com croquis apoiando e assegurando a promessa, contrata, evidentemente, uma obrigação de resultado.

É imprescindível aduzir, ainda, que o profissional da medicina estética que se propõe a realizar cirurgia embelezadora, no mínimo, não pode acarretar ao paciente lesão que lhe resulte danos estéticos que tenham relação ou não com a razão da intervenção cirúrgica, isto é, cirurgia estética utilizada para redefinir o nariz que acaba lesando a boca do paciente, devendo se assegurar, previamente, dos materiais e dos equipamentos que utilizará para executar a cirurgia. Esse tem sido, com sabedoria, o entendimento jurisprudencial:

“O profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resulte danos estéticos, cabendo ao cirurgião avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou intervenção de fator imprevisível, o que lhe cabe provar”. (STJ – 3ª T. Reg. nº 37.060-9-/rs; Rel. Min. Eduardo Ribeiro; j. 28.11.1994; v.u) RT 718/270 e 231/148.

6. CONCLUSÃO

A cirurgia plástica embelezadora ou estética é uma especialidade médica dedicada não aos doentes – àqueles que padecem de doença que precisa ser combatida, debelada e vencida, com todos os riscos de vir o corpo a sucumbir -, mas aos que, em perfeito estado de saúde, sofrem emocionalmente por complexos referentes a algum aspecto físico considerado inadequado aos padrões de beleza atualmente determinados, ou àqueles que, simplesmente instigados pelo modelo de beleza artístico-televisivo, submetem-se e arriscam-se a fim de se igualarem a ele. Assim procedem somente com a garantia profissional de que, no mínimo, obterão um resultado que lhes proporcionarão uma melhor aparência. De outra forma, pelos custos e pelos riscos, não se submeteriam a uma cirurgia ou a um procedimento estético.

Entende-se, então, que a responsabilidade civil do médico cirurgião plástico nas cirurgias estéticas não reparadoras é de RESULTADO, exceto quando o resultado não prosperar por caso fortuito ou força maior, ou quando não garantir ao paciente um resultado certo e determinado. Nas cirurgias reparadoras o médico assume uma obrigação de meio.

Nos dois casos o médico deve, exaustivamente, esclarecer os riscos advindos da cirurgia, propriamente, assim como os decorrentes das condições físicas do paciente, renunciando a executar a cirurgia ou o procedimento diante de condições que possam causar danos à sua saúde ou à sua vida.

Infelizmente, pelo número crescente de pessoas lesadas pela facilidade e banalização dessa especialidade, no que tange à cirurgia embelezadora, que deveria ser usada por profissionais conscientes da importância do seu papel na sociedade, propiciando um equilíbrio biopsicossocial e uma melhor qualidade de vida ao paciente, pode-se notar que o objetivo é, na maioria das vezes, meramente econômico. Isso fica claro, ao se presenciar médicos não especializados na área, ou seja, que não possuem residência médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica ou que não prestaram concurso promovido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, realizando procedimentos e cirurgias estéticas que ocasionam, em alguns casos, danos irreversíveis ao paciente, inclusive causando-lhe a morte.

Sendo de resultado a obrigação do médico cirurgião plástico, nos procedimentos embelezadores – e de meio para os demais profissionais da medicina, salvo para os dermatologistas voltados exclusivamente para o rejuvenescimento e a melhora estética e não para as patologias da derme e epiderme, a quem também se exige o cumprimento do resultado certo e determinado, pelos mesmos motivos dados aos cirurgiões estéticos -, com a inexecução do contrato, deve provar que não agiu culposamente para que o resultado acordado e esperado pelo paciente não fosse alcançado, uma vez que o dano decorrente da cirurgia estética se dá de duas formas, quais sejam: a) pela frustração da expectativa do paciente, ao não se alcançar o resultado prometido e pretendido com a cirurgia, b) e pelo agravamento dos defeitos, piorando ainda mais as condições físicas e psicológicas do infeliz paciente. Desse modo, deverá ser correspondente aos danos sofridos, estético, físico, psicológico e material, a indenização a ser paga pelo profissional que agiu inadequadamente para se chegar a um resultado tão gravoso ao paciente.

Diante de todo o expendido, a responsabilidade civil do profissional cirurgião plástico, em casos estritamente estéticos, é de resultado e não de meio. Assim sendo, ou cumpre com o resultado que garantira ao paciente, ou não executa a cirurgia diante de situações que possam, pelo seu conhecimento técnico, impedir a concretização do resultado – assegurado –e/ou causar-lhe danos estéticos irreversíveis.

Assumindo o risco de realizar o procedimento cirúrgico-estético, ciente de tais imponderabilidades, agirá imprudentemente.

Não conhecendo as implicações que possam vir a prejudicar o paciente ao realizar a cirurgia plástica embelezadora, o que é inadmissível por tratar-se de profissional que se especializa para poder exercer a atividade adequadamente, atua com negligência.

Tanto na primeira quanto na segunda condição, o médico responderá, salvo se conseguir provar que não agiu com culpa, o que é muito difícil, pelos danos estéticos, morais e materiais que causara ao paciente, por não ter conseguido alcançar o resultado oferecido, sendo este a única e verdadeira razão de se procurar um médico cirurgião plástico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 84, n. 718, p. 33-53, ago. 1995.
CASTRO, João Monteiro de. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Método, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 2º volume: teoria geral das obrigações. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
FOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
_____________. Responsabilidade civil dos médicos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PENNEAU, Jean. La responsabilité du médecin. 2. ed. Paris: Dalloz, 1996.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. 16. ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

Notas:

[1] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova, cit., p. 226.
[2]DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 191.
[3] Idem, ibidem, p. 192-193.
[4] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico, cit., p. 35.
[5] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, cit., p. 115.
[6] CASTRO, João Monteiro de. Responsabilidade civil, cit., p. 148.
[7] SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra, cit., p. 30-31.
[8] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico, cit., p. 40.
[9] “Responsabilidade civil – Cirurgião plástico – Abdominoplastia. Paciente que, após o ato cirúrgico, apresenta deformidades estéticas. Cicatrizes suprapúbicas, com prolongamentos laterais excessivos. Depressão na parte mediana da cicatriz, em relação à distância umbigo/púbis. Gorduras remanescentes. Resultado não-satisfatório. Embora não evidenciada culpa extracontratual do cirurgião, é cabível o ressarcimento. A obrigação, no caso, é de resultado, e não de meio. Conseqüentemente, àquele se vincula o cirurgião plástico. Procedência parcial do pedido, para condenar o réu ao pagamento das despesas necessárias aos procedimentos médicos reparatórios. Dano estético reduzido. Ressarcimento proporcional. Custas e honorários de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação” (TJRJ – 5ª Câm. – Ap. Cível 338-93 – Rel. Des. Marcus Faver – DJU 04.06.1993 – RJ 231/148; Bol. AASP 2.065/55-m, de 27.07.1998).
[10] KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos médicos, cit., p, 175.
[11] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, cit., p. 157.
[12] “Médico – Responsabilidade civil – Indenização – Mamoplastia da qual resultou deformidade estética – Deformação atribuída à flacidez da pele da paciente – Fato que, se não levado ao conhecimento da autora, caracterizou imprudência e, se desconhecido, caracterizou negligência – Procedência da ação mantida – Inteligência dos arts. 159, 948 e 1.538 do CC. Se a deformação dos seios deve ser atribuída à flacidez da pele da autora, resta incólume a culpa do cirurgião. Assim, duas hipóteses merecem destaque. Primeira, o réu, que evidentemente, examinou os seios da autora, percebeu a alegada flacidez da pele, ocultando esse fato da paciente, agindo com imprudência, pois, como conceituado cirurgião que alega ser, devia prever o resultado indesejável da deformação apontada. Segunda, se não percebeu dita flacidez, agiu com negligência, outra hipótese de culpa” (TJSP – 9ª Cam. Civ. – Ap. Cível 233.608-2/7 – Campinas-SP – Rel. Des. Accioli Freire – j. 09.06.1994 – v.u. – RT 713/125 – Bol. AASP 2.065/53-m, de 27.07.1998).
[13] PENNEAU, Jean. La responsabilité du médicin, cit., p. 9.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Elisangela Fernandez Árias

 

Estudante de Direito da Faculdade Panamericana (SP)

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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