Resumo: O presente trabalho propõe estudo dos reflexos que envolvem a alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1994(da responsabilidade civil dos notários e registradores), sobretudo com o choque das teorias tradicionais. Dever-se-á analisar a ligação entre a complexidade da linguagem e o sistema jurídico, porque possível deslocamento poderá ocasionar, em seu núcleo, visões distintas de sua conceituação, influenciando na relação entre significado e significante perante a imprescindibilidade de dar correlação à matéria fônica executada e a ideia realizada. Ao que toca à problemática da hermenêutica jurídica, vê-se a necessidade de se examinar quais são as interpretações utilizadas como fonte de justificativa e de reconhecimento para a fundamentação do texto legal. Avistou-se a imprescindibilidade de pormenorizar o signo “responsabilidade civil” e os pilares que o cercam. Superada essa fase, restou imperioso o afastamento das teorias do risco da atividade, da aplicabilidade do diploma consumeirista e aprofundar o núcleo que envolve a atividade notarial e registral, ainda que pareça consolidado o uso indiscriminado dessas teses. Portanto, o trabalho de conclusão de curso se ocupará da análise da responsabilidade civil dos notários e registradores, mirando o novo texto, ante sustentação de caminho que reflita a realidade dos fatos com observância da segurança jurídica.
Palavras-chave: Linguagem. Hermenêutica. Responsabilidade Civil. Notários e Registradores. Diluição de danos
Abstract:this paper proposes study of reflexes involving the amendment of Article 22 of Federal Law 8,935 / 1994 (the responsability of notaries and registrars), especially with the shock of the traditional theories. It should will analyze the link between the complexity of language and the legal system as it can shift may result, at its core, different visions of its conceptualization, influencing the relationship between meaning and significant before the indispensability of giving correlation to phonic matter executed and the idea held. When it comes to the issue of legal interpretation, we see the need to examine what are the interpretations used as a source of justification and recognition for the reasoning of the legal text. Caught sight of the indispensability of itemize the sign “civil responsibility” and the pillars that surround it. Overcome this phase remains imperative the removal of risk theories of activity, the applicability of consumeirista diploma and deepen the core that involves notarial and registral activity, although it seems consolidated the indiscriminate use of these theses. Therefore, the completion of course work will take care of the liability analysis of notaries and registrars, targeting the new normative text of Article 22 of Federal Law 8,935 / 1,994, compared way to support that reflects the reality of the facts with the observance of safety legal.
Keywords: Language. Hermeneutics. Civil responsability. Notaries and Registrars. Damage dilution
Sumário: 1. Introdução. 2. A problemática da linguagem jurídica. 3. A problemática da hermenêutica jurídica. 4. Da responsabilidade civil. 5. Alteração do artigo 22 da Lei 8935/1994 e seus reflexos.
Introdução:
Com o advento da Constituição Federal de 1988, voltou-se ao enfoque da garantia dos direitos fundamentais, defronte os acontecimentos históricos que dirigiram o ordenamento jurídico pátrio. Como ponto, necessita-se analisar as peculiaridades da alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994 que dispõem sobre a responsabilidade civil dos serviços notariais e registrais, como norteador para equilibrar o embate da efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que deve refletir a realidade dos fatos, não podendo oportunizar dúvida quanto ao termo utilizado. Ante isso, tende-se a frear a generalidade da utilização das normas constitucionais por aqueles que pleiteiam o direito fundamental e por aqueles que o concedem, de modo a racionalizar e equilibrar os direitos que dela são objeto com aporte no exame da problemática da linguagem e hermenêutica vinculada ao termo.
À frente, para garantir a avaliação das peculiaridades de qual seguimento de responsabilidade civil que deverá ser atribuído aos titulares dos exercícios notariais e registrais após a alteração normativa, o intérprete do direito deverá examinar os signos que foram utilizados acerca das possíveis variações interpretativas que se poderá chegar, numa interação que tem complexidade, sutilezas e mutações[1]. Para isso, prepondera-se o estudo da semiologia jurídica. A manifestação dos signos “emerge um dos pontos mais complexos do Direito, ou seja, a busca da objetividade possível em contraposição a uma subjetividade excessiva por parte de seus intérpretes e aplicadores, o que pode colocar em risco a segurança jurídica” [2].
Também, o “direito” é um conceito interpretativo. O império do direito é definido pela atitude. Uma atitude contestadora torna o cidadão responsável por imaginar quais são seus compromissos públicos dentro de uma sociedade com princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância. Uma comunidade de princípios pode reivindicar uma autoridade de uma verdadeira comunidade, reivindicar a autoridade moral em nome da fraternidade[3]. A exigência da integridade, consoante Dworkin, “pressupõe que cada pessoa é tão digna quanto à outra, devendo ser tratada com a mesma coerência e o mesmo interesse” [4].
No tocante à interpretação, pretende-se sopesar a efetividade das normas jurídicas definidoras da responsabilidade civil dos titulares de serventias notariais e registrais, porque nem sempre, na situação fática pretendida pela norma, tem-se exatamente o efeito que a norma pretende ou pudesse produzir.
Enxerga-se a necessidade de debater os pilares da responsabilidade civil (e suas nuances), uma vez que percorrendo a história, percebemos que várias linhas foram atribuídas, ora dando preponderância ao eixo da relação culposa, ora firmando o nexo causal como alicerce imprescindível.
Com apoio nessas considerações já cursadas, debruça-se sobre qual seria a natureza jurídica da atividade notarial e registral, porque rotineiramente encontram-se exposições teóricas que tentam qualificar esse serviço “sui generis” de nosso ordenamento jurídico. Ainda mais quando recém há alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994, o qual altera o texto normativo do Capítulo que prenuncia “Da responsabilidade Civil e Criminal”
Deverá ocorrer um embate sobre as balizas tradicionais que a doutrina e os operados julgadores do direito empregam para conceituar os serviços notariais e registrais, almodando-se estes ora à teoria do risco administrativo, mirando e equiparando a atividade com o regramento da Administração Pública, consoante §6º do artigo 37 da Constituição Federal, ora usando o diploma consumeirista e nivelando os titulares das serventias notariais e registrais ao termo de fornecedor de prestação de serviços.
Caberão, ainda mais, as razões desse emprego e a percepção de uma diluição de danos sob o manto do princípio da solidariedade o qual desfaz o choque usual entre a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva, pincelando, até uma visão do tema sobre o novo Código de Processo Civil.
A problemática da linguagem jurídica: a semiologia deve ser entendida como uma prática complexa, a qual, no interior de cada discurso, evidenciar-se-á as funções sociais e os diferentes âmbitos e modos de significar[5]. Quer dizer, conforme Ferdinand de Saussure[6], a semiologia é a ciência que estuda os signos ante a vida social, tendo como seu alicerce, a linguística. Esta tende a ser uma parte dessa ciência; aquilo que a semiologia alcançar será aplicável à linguística e, portanto, vinculará um domínio no conjunto dos fatos humanos. Assim sendo, caberá estudar, nesse ponto, a matéria da linguística e compreender as suas manifestações.
Para compreender melhor a linguística, calhará recorrer aos ensinamentos do suíço Ferdinand de Saussure, o qual, como aponta Maurice Merleau-Ponty[7], inaugura o estudo da linguística da fala cujo teor mostra a cada momento uma totalidade que, sem ela, não teríamos a comunicação, bem como uma ordem, sistema, na comunidade que cada qual vive.
Tem-se que o conjunto linguagem apoia-se no sentido de que, para constituir o sistema da fala, requerem-se, pelo menos, dois indivíduos. O início do sistema, para Saussure, situa-se quando, no cérebro de uma pessoa, diante de associações de signos linguísticos, bem como imagens acústicas, esta consegue exprimir aquilo que deseja que seja “compreendido”. Diga-se “compreendido” no sentido amplo. Aqui, não se discutirá até que ponto o pensamento, a experiência e a forma como se tem a compreensão é ofertada ao receptor. Compreender, na análise de se entender. Até, pois, Merleau-Ponty adverte que é inevitável a arbitrariedade de uma língua no instante em que evocam signos os quais estarão ligados a significações-chave[8].
Antes de dar seguimento ao proposto, compete advertir lição de Chaïm Perelman o qual aventa a importância de consentimento e adesão do ouvinte às palavras do interlocutor, ainda que o simples fato de “[…] ouvir alguém é mostrar-se disposto a aceitar-lhe eventualmente o ponto de vista”. Além disso, adaptando os traços expressivos para o ensino de Perelman[9], vê-se muito relevante que aquele o qual enuncia, tanto no módulo fonatório, bem como no módulo da escrita, tenha certa facilidade no intento de “tomar a palavra e ser ouvido”. Como bem menciona o autor [10]:
“Em nossa civilização, em que o impresso, tornado mercadoria, aproveita-se da organização econômica para impor-se à atenção, tal condição só aparece claramente nos casos em que o contato entre o orador e seu auditório, não pode estabelecer-se graças às técnicas de distribuição. Portanto, percebemos melhor a argumentação quando é desenvolvida por um orador que se dirige verbalmente a um determinado auditório, do que quando está contida num livro posto à venda em livraria.”
Outro motivo de reserva da problemática diz respeito ao uso emotivo da linguagem. Para Irving M. Copi[11], o uso de cargas emotivas, “estereótipos”, devem ser repelidas da linguagem, porque não só o significado teria uma carência de valor literário, mas também as reações ao seu uso poderiam desvirtuar uma apreciação objetiva dos fatos aos quais se referem. Todavia, como retirar a carga que poderá acompanhar o sentido descritivo de uma palavra? É certo que o receptor das mensagens poderá utilizar, concomitantemente, uma significação literal e um impacto emotivo diverso, com o fim de valorar com, conforme Warat[12], roupagens descritivas o termo utilizado e findar em um processo de fetichização.
Por outro lado, isso dependerá da prudência do intérprete/receptor; a prudência é, pois, razão intuitiva, que não discente o exato, porém, o correto – não é saber puro, separado do ser, uma vez que àquele que deliberar corretamente sobre o que é bom e conveniente para si próprio, não tão somente em um aspecto particular, não subverterá o texto a uma ideologia incorreta, de acordo com Eros Grau[13]. Bem assim, pode-se afirmar que os estereótipos constituem elementos nucleares da transmissão de conteúdos ideológicos. Ante a sua utilização, consegue-se introduzir, sob o aspecto de uma descrição objetiva, uma grandeza ideológica não cerrada na linguagem jurídica; quer dizer, a expressão estereotipada é a de influenciar e determinar opiniões, empregados, sobretudo, para obter a consolidação e a aceitação dos valores dominantes na sociedade.
Numa outra senda, abre-se espaço para o estudo da linguagem-objeto e da metalinguagem; a linguagem-objeto como a linguagem em que se fala e metalinguagem como a linguagem em que se fala da linguagem-objeto. Avista-se, igualmente, a necessidade de se estabelecer esses dois níveis como objeto de nossa reflexão a própria linguagem. Isso ocorre devido à incapacidade das linguagens produzirem processos de autocontrole, necessitando da construção de outro nível de linguagem. A metalinguagem forneceria as regras de controle dos processos de elucidação e de transformação das linguagens da ciência[14]. Posto isso, avista-se que possível objeção à validez de algumas normas advém das noções de linguagem-objeto e metalinguagem; como leciona Warat:
“[…] as propriedades que uma norma necessita para ser considerada válida com relação a uma linguagem-objeto determinada (o direito positivo de que se trata) são características metalinguísticas, por intermédio das quais se verifica se uma norma forma ou não parte de um direito positivo determinado [15]. “
Afinal, a metalinguagem inquieta-se com a validez da norma jurídica.
Descobriu-se que a complexidade da linguagem e o seu elo com o sistema jurídico vão além de simples seções de esclarecimentos sobre o teor que veste a pesquisa inicial.
A problemática da hermenêutica jurídica: segundo Neil MacCormick, o direito é uma ordem normativa institucional a qual há duas ideias proximamente relacionadas: a “ordem jurídica” e o “sistema jurídico”. Ordem jurídica como um conjunto de normas organizado e sistemático em sua natureza; estabelecimento de uma perspectiva razoável de segurança comum entre as pessoas. Atenta-se que para ser uma ordem jurídica, requer-se a satisfação de duas condições: (i) o consentimento das pessoas de que há uma norma regulando determinada atividade e; (ii) interconexão entres as normas[16]. Já sistema jurídico seria uma forma de dar conta da ordem social encontrada em um determinado lugar, não sendo, portanto, correto afirmar que pertence “a um mundo puro de ideias” [17].
Afirma-se, ainda, que o direito insurge-se como uma disciplina argumentativa, uma vez que quando se está defronte a problemas jurídicos, procurar-se-á uma solução que mais se amolda no tocante à ótica do direito. Solução que se formará dentro de uma proposição razoável, logo após o exame de quais argumentos poderia ser utilizados para a resposta que se desejaria ofertar [18]. Sinala-se que a razoabilidade de uma proposição se dará no momento em que testamos os contra-argumentos que possam ser desenvolvidos.
Todavia, como dizer que um argumento é forte? Dever-se-á buscar a aceitação em premissas que tendem a ser axiomáticas ou empiricamente verdadeiras, mantendo-se hígidas, visto que o direito reflete, também, uma convicção subjetiva. Convicção essa que poderá consistir em uma certeza compartilhada ou intersubjetiva, quando da participação de especialistas que instruem o axioma verdadeiro. Isso permite afirmar que o direito, usando as palavras de MacCormick, “[…] é aquilo que se esconde por trás dos pleitos jurídicos ou das acusações e das defesas, ele é algo sujeito à argumentação, às vezes, mas nem sempre conclusiva, mas sempre ao menos persuasiva”[19].
Porém, tanto ao aspecto argumentativo, quanto ao aspecto persuasivo, o interprete deverá compreender as situações expostas no “campo jurídico”; ou seja, interpretar o que se deseja compreender[20]. Compreender aquilo que está invocado em determinados signos linguísticos os quais, de acordo com Eros Roberto Grau:
“ […] atribuímos um específico significado, de pronto colhido, definindo a conotação expressa, em coerência com as regras de sentido da linguagem no bojo da qual o signo aparece. Praticamos, então o exercício de compreensão daquele signo (buscamos entende-lo). Interpretar, pois, em sentido amplo, é compreender signos linguísticos [21]. (sem alterações no original)”
Na aplicação do “Direito”, envolve-se, inevitavelmente, qual entendimento que uma norma jurídica terá no entorno de um texto legal. O intérprete será exigido pelo Direito no que tange ao ato de interpretação; deverá ter, de acordo com MacCormick, “uma compreensão daquilo que o texto diz de modo a aplicá-lo, e qualquer ato de apreensão de sentido pode ser considerado como algo que envolve a interpretação”[22]. Em outros termos, toda interpretação apropriada tem de proteger-se contra a arbitrariedade das ocorrências e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do pensar e orientar seu mirar a uma coisa senão compreender o texto[23].
O intérprete tem de alcançar a atenção natural do momento o qual se observa a construção da norma – o presente – e, assim, enfrentar a mobilidade da situação concreta à qual ocorrerá a sua aplicação. Nessa senda, tem-se que ter cautela com relação à imprecisão de conceitos introduzidos; conforme ensinamentos de Josef Esser, tão logo que se tenha uma novidade jurídica, os técnicos jurídicos conscientes deverão, de início, almejar os motivos os quais deram base para esse novo modelo com ares de prevenção e desconfiança, visto que essa nova visão poderá mover os processos reais de formação do direito[24].
Não se poderá esquecer, que o trabalho jurídico também significa a contínua renovação da comunicação com valores éticos substanciais (estes querendo designar a efetividade de uma estimação pré-jurídica, por oposição às formulações abstratas e programáticas dos ideais éticos, a força de convicção quanto à legislação, como também as definições teóricas da justiça[25]) e os valores que formam a instituição “direito”[26]. Esse processo de integração deve-se aventar, nesse espaço, com o intuito de lembrar a importância dos “bons costumes” (moral) no processo de interpretação jurídica.
A complexidade da fusão de “direito” e “moral”, com apoio nas divergências doutrinárias, não serão abordadas, ante a probabilidade de fugir do tema proposto; todavia, pela problemática da hermenêutica, tem-se que, no mínimo, dar uma resposta de o porquê se deixará de lado esse embate: o não enfrentamento adequado das sutilezas que, porventura, poder-se-iam vislumbrar pela ausência de um estudo aprimorado do elo “direito” e “moral”.
Da responsabilidade civil: como início, faz-se notar que o direito emerge com o fim de proteger e cuidar das relações e dos atos lícitos na atividade das pessoas; em um lance secundário, vira-se para o lado com o fim de atentar-se as práticas ilícitas: corrigí-las e/ou reprimi-las[27]. As práticas ilícitas são derivadas da violação de um dever jurídico – a desconformidade de um ato com o ordenamento jurídico, como sendo uma antijuridicidade de sua conduta.
O ato ilícito tenciona-se em dois aspectos: em sentido amplo e em sentido estrito. Este, como sendo um conjunto de pressupostos que terá como fim a responsabilidade civil: uma obrigação de indenizar. Consoante dispõe o artigo 186 do Código Civil Brasileiro “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” [28].Isto é, a imperatividade da reparação do dano deve observar um elemento subjetivo de dolo ou culpa do causador do dano. Tendo, assim, uma análise de ato ilícito em sentido estrito.
Ao que toca o sentido amplo, vê-se somente uma conduta humana antijurídica, afastando a análise de cunho subjetivo. Consoante bem aponta Cavalieri Filho, “o ato ilícito em sentido amplo é o fato gerador da responsabilidade objetiva e tem por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o grupo (Estado, empresas, fornecedores de serviços, produtos, etc)” [29].
O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente. O que se procura, então, é recolocar o prejudicado no “status quo ante”. Conforme doutrina Carlos Roberto Gonçalves, “[…] coloca-se, assim, o responsável na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa, podendo ser compelido restaurar o ‘statu quo ante’” [30].
A consequência da violação de determinada norma enseja a responsabilidade. A responsabilidade, assim sendo, é “a consequência jurídica patrimonial do descumprimento de uma relação obrigacional” [31].
Calha registrar que responsabilidade não quer dizer obrigação; esta, revela-se como o vínculo jurídico que o credor aponta ao devedor com o direito de exigir que este satisfaça determinada prestação assim pactuada. A obrigação de realizar a obrigação seja por ação, seja por omissão, dá-se o nome de “schuld”.
Caso não seja satisfeita a obrigação e, consequência, temos o inadimplemento obrigacional, avista-se o credor a atacar o patrimônio do devedor a fim de seja recomposta a sua situação anterior pelo fato de evidente ou possível prejuízo causado por este. Cá, tem-se a figura da responsabilidade, ou em alemão, aparece o “haftung”.
Assevera Carlos Roberto Gonçalves que “o instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta pessoal, que se resolve em perdas e danos” [32]. Posto isso, a responsabilidade civil tem uma ótica de dever secundário, surgindo para recompor o estado anterior à violação de um dever jurídico originário.
Para Cavalieri Filho, tem-se que assentar duas premissas as quais serão observadas para a continuidade do aprofundamento do tema: a1, não se pode mencionar o termo responsabilidade civil sem violação de dever preexistente, porque o descumprimento desta pressupõe a responsabilidade; a.2. tem-se que precisar o dever jurídico violado e , assim, identificar o responsável que a descumpriu. [33]
Depois dessas constatações, informamos que não será objeto desse trabalho a análise da responsabilidade nas relações de consumo; restringindo o tema à responsabilidade civil, bem como ao dever dos titulares de serventias extrajudiciais.
Alteração do artigo 22 da Lei 8935/1994 e seus reflexos: o registro público exerce importância como meio de prova, bem como para assegurar a segurança, a conservação, bem como a publicidade aos acontecimentos que repercutem na esfera jurídica. Consoante anotação firmada no Livro “Lei de Registros Públicos: comentada[34]”, página 29, “pode-se, afirmar, sem erro, que o sistema de registros públicos reflete o grau de organização e evolução de determinada sociedade”.
Como se sabe, os serviços notariais e registrais estão normatizados no artigo 236 da Constituição Federal, constituindo atividade de função pública, delegada a particulares por meio de concurso público. O parágrafo primeiro desse artigo remete à lei infraconstitucional a disciplina de responsabilidade civil e penal, além de qual órgão será o fiscalizador de seus atos: o Poder Judiciário.
De simples análise, percebe-se que se trata de uma atividade de função pública que foge da moldura da Administração Pública, recorrendo à lei a disciplina de outros regramentos. A submissão à outra lei que não seja a Constituição Federal, por si só, releva-se o caráter híbrido dessa atividade.
Nesse ponto, torna-se imperioso juntar julgado do Supremo Tribunal Federal que elucida o Regime jurídico dos serviços notariais e registrais; imperioso constar a essência exposta na anotação que se tem disponível no comentário do artigo 236 da Constituição Federal no sítio eletrônico da Corte Constitucional[35]:
“Regime jurídico dos servidores notariais e de registro. Trata-se de atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos. A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. A sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público. Para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este, pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público. Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito. Enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. (…) As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas investe as serventias extrajudiciais em parcela do poder estatal idônea à colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (…)”
Mais, o direcionamento da responsabilidade é diferente; o serviço notarial e/ou registral (conhecido como “cartório”) não tem personalidade jurídica, não se podendo amoldar em algum dos pólos de demanda judicial, visto que não há capacidade para tanto.Trata-se de um ente despersonalizado e desprovido de personalidade. Assim seja, a personalidade jurídica para demanda judicial deverá se refletir no titular da serventia notarial e/ou registral, porque a delegação é direcionada a pessoa física que percorre as fases do concurso publico e, posteriormente, é empossado e vislumbra o exercício pleno da titularidade.
A necessidade de uma lei infraconstitucional que disciplinasse os serviços notariais e registrais foi decidida em 1994, com o advento da Lei Federal 8.935/1.994, que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro.
Hoje, a partir da Lei Federal 13.286, de 10 de maio de 2.016, o artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994 tem a seguinte redação:
“Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016).
Parágrafo único. Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016).”
As complexidades da linguagem e do texto jurídico deverão ter um engate harmônico com o fim de que diante de um deslocamento dos termos inseridos no artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994, não ocasionasse visões distintas de sua conceituação, influenciando na relação entre significante e significado perante a imprescindibilidade de dar correta correlação à matéria fônica executada e a idéia realizada. Ao passo da hermenêutica, vislumbrou-se examinar as interpretações usadas pelos operadores de direito como fonte de justificativa e de reconhecimento para a fundamentação do texto legal.
Abriremos pequeno espaço com o fim de verificar a possibilidade de incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre os serviços ofertados pelos notários e registradores.
É o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é patente à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Juntaremos julgado do resultado da pesquisa, usando como busca os termos “atividade notarial e CDC” [36].
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. CARTÓRIO NÃO OFICIALIZADO. ATIVIDADE DELEGADA. ART. 22 DA LEI 8.935⁄1994. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TABELIÃO E SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. DESNECESSIDADE DE DENUNCIAÇÃO À LIDE. DANO MORAL. SÚMULA 7⁄STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 83⁄STJ. 1. Hipótese em que a instância ordinária condenou o ora recorrente ao pagamento de indenização em razão de transferência de imóvel mediante procuração falsa lavrada no cartório de sua titularidade. Foram fixados os valores dos danos morais e materiais, respectivamente, em R$ 10.000,00 e R$ 12.000,00 – estes últimos correspondentes aos gastos com advogado para reverter judicialmente a situação. […]5. O Código de Defesa do Consumidor aplica-se à atividade notarial.6. Em se tratando de atividade notarial e de registro exercida por delegação, tal como in casu, a responsabilidade objetiva por danos é do notário, diferentemente do que ocorre quando se tratar de cartório ainda oficializado. Precedente do STF. […]”
Ressalta-se que os dois julgados são anteriores a nova redação ofertada pela Lei Federal 13.286/2016 ao artigo que estuda a responsabilidade civil dos notários e registradores. Caso se tenha atenção ao argumento embasado para a aplicabilidade desse diploma aos serviços em debate, verificaremos que a análise do dano se deu quando do exercício da função típica de cada atividade. Para tanto, usaremos a elucidação do professor Vitor Frederico Kumpel[37]:
“Importante diferenciar, no entanto, dano decorrente do exercício de atividade típica de registro, que consiste em qualificar títulos, devolvê-los ou assentá-los; ou, no caso do tabelião, instrumentalizar a vontade das partes de modo a gerar eficácia, da atividade atípica, anexa ao serviço registral e notarial. Apenas em relação à primeira aplicam-se as regras do art. 22, da lei 8.935/1994 (responsabilidade subjetiva). Ocorrendo o dano em razão da relação de consumo criada entre os prestadores e o usuário (por exemplo, se o usuário escorrega e se machuca no interior do ofício), aplicam-se as regras de responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor (diálogo das fontes).”
Isto é, tem-se como imperioso fazer uma distinção entre a atividade típica do serviço elencado e a relação de consumo estabelecida. E, mais, transportou-se (nos julgados expostos) uma atividade típica do Estado ao diploma consumerista com o fim de querer que se tenha reparação para o paciente, afastando-se do núcleo essencial que define o Código de Defesa do Consumidor: a relação jurídica entre o consumidor e o fornecedor.
De simples argumento, como posso amoldar um serviço típico, de ordem pública a uma relação de consumo? Consoante artigo 3º de Lei Federal 8.078/1.990 (Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências) define o conceito de fornecedor: “Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” [38].
Além, a natureza jurídica dos emolumentos[39] dos atos praticados nas serventias notariais e registrais tem cunho tributário, sendo uma contraprestação do serviço prestado, apartando a incidência de relação de consumo fornecedor e consumidor, porque a relação entre o usuário e serviços notariais e registrais é de borda de Direito Público[40].
Em verdade, percebe-se que os operadores julgadores do direito estão querendo encaixar peças que não fazem parte do mesmo quebra-cabeça; o serviço é típico de Estado, prestado sobre o manto de titulares que percorreram concurso público, porém, não é o Estado; os titulares gozam de função pública e devem obediência ao princípio da confiança; a fonte de renda para exercer e gerenciar o serviço são os emolumentos, que solidamente tem natureza de taxa, espécie de tributo, afastando-se de tarifa ou preço público[41]; a conexão entre o fato e a ação não se amolda em uma relação de consumo e, ainda assim, parece consolidado em precedentes que a aplicabilidade é franqueada nessa relação.
Um pouco mais, parece-nos essencial uma nova perspectiva sobre esse cunho de responsabilidade civil no serviço notarial e registral; o professor Anderson Schreiber, no seu recente livro “Novos paradigmas da responsabilidade civil: erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos”, vislumbra um encadeamento entre a responsabilidade civil objetiva e subjetiva: diga-se, mais, uma convergência à absorção da subjetiva pela objetiva. Uma dificuldade na distinção entre esses dois ramos. Sob análise empírica, o autor demonstra uma práxis de que a distinção de “objetiva” e de “subjetiva” está perdendo o senso ontológico quando das decisões judiciais, no aspecto do resultado[42].
De certo modo, o professor Anderson Schreiber descreve a problemática que se instala nesse trabalho: o reflexo da alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994 sobre o direcionamento da responsabilidade no serviço notarial e registral. Como se vê, doutrina e jurisprudência estão encabeçando teorias para conceituar uma atividade distinta das demais.
Utiliza-se ora a teoria do risco da atividade, modelando os serviços notariais e registrais como pertencente à Administração Pública, ora com responsabilidade sob o manto do Código de Defesa do Consumidor, insurgindo numa espécie de responsabilidade objetiva, pouco importando que o seu serviço, além de ser “sui generis”, não comporta avaliá-lo como sendo de uma relação consumeirista e invocando a atividade como fornecedor de prestação de serviço.
Consoante bem observa Anderson Schreiber, com aporte no teor dos julgados, disfarça-se que está ocorrendo certa transferência de foco da responsabilidade civil, afastando-se de uma atribuição individual, moral, para um “sistema de reparação capaz de efetivamente proteger as vítimas dos comportamentos – rectius: dos fatos – lesivos” [43].
Trata-se de uma maximização do princípio da solidariedade social[44] para que se diminua a intensidade da concentração do ônus reparatório do dano individual e se espalhe para os demais setores da sociedade. Compulsando-se mais, o autor cita mais pontos dessa polêmica novidade[45]:
“O fenômeno em si opera-se, cotidianamente, contra a inspiração individualista da disciplina codificada da responsabilidade civil, por diversos e variados caminhos, trilhados ora pelo legislador, ora pelas cortes judiciais, ora espontaneamente pelos próprios particulares.
A título de meramente ilustrativo, permita-se examinar três meios já em curso de diluição dos danos, quais sejam: (i) a ampliação das hipóteses de responsabilidade solidária; (ii) a crescente importância da prevenção e da precaução dos danos; e (iii) o desenvolvimento dos seguros de responsabilidade civil. […]
Parece bastante evidente que, ao difundir o ônus da reparação – e, em última análise, do próprio dano – sobre mais de uma pessoa, a responsabilidade solidária transcende as amarras individualistas da dogmática tradicional da responsabilidade civil e se soma a outros instrumentos mais recentes que, em paralelo às técnicas de responsabilização, vão ganhando espaço, na cultura jurídica contemporânea, como forma de administração dos danos injustos.”
De certo, o tema é bastante tormentoso no sentido de que os serviços notariais e registrais não se amoldam em tão só uma linha de caracterização; firmar que a alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994 trará e fincará a bandeira na definição de que a responsabilidade civil foi transportada da base objetiva para a subjetiva não é de bom tom, afinal, o uso, para a reparação do dano de tão somente a análise do nexo causal e o dano em si já estava eivada de equívocos.
Se a percepção foi mudada no sentido de que se solidarize o ônus de direcionamento das provas para a responsabilidade civil, nada mais justo que a própria vítima seja alcançada: expliquemos.
A base da responsabilidade civil não pode deixar de ser escapada pela memória. Consoante debruçamos no segundo capítulo, os pilares que estatizam a responsabilidade civil são a conduta ativa ou omissa, a relação culposa, o nexo causal entre o fato e a consequência do ato danoso e o dano sentido pela vítima.
Sim, deve-se atentar as bases da responsabilidade civil em todo ajuizamento de reparação de danos no sentido de checagem e verificar se foi atravessado todo o percurso para, assim, responsabilizar o autor. Todavia, em alguns casos, a incumbência de se desvencilhar e aclarar o dano que está sendo objeto de discussão pode estar no outro pólo da relação. O parágrafo primeiro do artigo 373 do Código de Processo Civil vigente traz uma nova conceituação da carga dinâmica da prova, senão vejamos [46]:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4o A convenção de que trata o § 3o pode ser celebrada antes ou durante o processo.”
Isto é, o novo Código de Processo Civil se desprende do critério objetivo estático, fixado em um sistema de ônus de prova de difícil desbordamento da incumbência para um sistema que melhor pode esclarecer o suporte fático[47]. Como bem menciona Luís Antonio Longo, nas anotações do Novo Código de Processo Civil disponibilizado pela OAB/RS:
“O parágrafo 1º introduziu o sistema da carga dinâmica da prova. Essencialmente, esta teoria implica que a carga probatória recai sobre quem está em melhores condições de esclarecer os fatos. Tal teoria tem sua manifestação mais an-tiga em 1823 e foi exposta pelo filósofo inglês Jeremias Bentham (Tratado de las pruebas judiciales. Valeta Ediciones: Buenos Aires, 2002.p.289) […] No Brasil, reputa-se o protagonismo do estudo de Antônio Janyr Dall’Agnol Junior (Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo, 788: p. 92-107, jun. 2001). Segundo o autor, pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios: a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encar-go; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distinção já tradicional entre fatos constitutivos, extintivos etc. Releva, isto sim: a) o caso em sua concretude e b) a “natureza” do fato a provar – imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo.”
O juiz, fundamentadamente, poderá atribuir e diluir e solidarizar o ônus da prova para a vítima, visto que esta poderá ter a pedra de toque para solucionar o caso, deixando-se apensada a observância da objetividade e subjetividade da responsabilidade civil. Além do mais, imagina-se tal situação que se assevera no artigo publicado no Colégio Notarial do Brasil, de autoria de Jorge Luis Costa Beber: “[…]por acaso algum magistrado que realize uma audiência com um falso advogado, que se identifica formalmente com carteira adulterada da OAB, irá responder objetivamente pelos danos que a sua sentença ocasionar para terceiros?”. E continua: “Um juiz que ordene o cumprimento de uma carta precatória falsificada, oriunda de um suposto colega de uma comarca distante deste país de dimensões continentais, deve responder com o seu patrimônio pessoal pela fraude urdida da qual restou vitimado? [48]”.
De pronto, os titulares dos serviços notariais e registrais deverão ofertar um adequado serviço público, mantendo equipamentos, tecnologia, número de funcionários que comportem um atendimento satisfatório à comunidade. Como bem diz Martha El Debs nessa linha, “serviço prestado de modo adequado é o que atende ao interesse público e corresponde às exigências de qualidade, continuidade, regularidade, eficiência, atualidade, generalidade, modicidade, cortesia e segurança” [49].
Arrematando, portanto, esta Seção, percebemos que a alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1.994 não deve ser encarada como conduzir o aspecto da responsabilidade objetiva para a subjetiva se temos consolidada posições que usam teoria administrativas e/ou de diplomas consumeiristas e/ou de diluição de danos para encaixar possível dano ocasionado na serventia notarial e registral. Avista-se novos paradigmas e um novo Código de Processo Civil como auxiliador do encaixe das peças
Conclusão: Percebeu-se a relevância do estudo acerca das problemáticas como pressuposto para intentar harmonizar a alteração da Lei Federal 8.935/1.994, uma vez que não se poderia afastar as sutilezas que a linguagem proporciona e as diversas teorias interpretativas que encontramos no “campo jurídico”.
Quando das questões analisadas enquanto se elaborava este trabalho de conclusão de curso, avistaram-se inúmeras complexidades que compõem o inteiro teor de cada problemática; todavia, verificou-se que era necessário fazer esse exame para postular os reflexos da alteração do texto normativo sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores; afinal, esse é (era) o objetivo do tema.
Notou-se que era importante destacar os usos distintos da linguagem que se atrela quando se utilizam cargas emotivas as quais constituem elementos nucleares da transmissão de conteúdos ideológicos, bem como a importância de caracterizar dois níveis de linguagem perante a necessidade do seu autocontrole no que tange ao aspecto de sua elucidação e de seu desenvolvimento.
No que tocou ao estudo da problemática da hermenêutica, descobriu-se os variados métodos que podem ser utilizados pelo intérprete como apoio nas situações expostas no “campo jurídico”, isto é, interpretar o que se deseja compreender. Consoante exposto, qual juízo deverá se utilizado quando da interpretação de uma norma jurídica?
Adiante, observou-se que o interprete deverá analisar a estrutura posta pela norma e enfrentar o seu deslocamento no contexto social para a sua aplicação. Deverá enfrentar a presença de malabarismos teóricos que rondam os processos de fundamentação, visto que a consequência da ausência de prudentes estratégias poderá proporcionar a violação de direitos fundamentais e tantos outros cernes de nossa Constituição.
À frente, superados os embates propostos, demandamos esforços para a análise pormenorizada da responsabilidade civil. Para tanto, percorreu-se os pilares que formam a responsabilidade civil: a conduta ativa ou omissa, a relação culposa, o nexo causal entre o fato e a consequência do ato danoso e o dano sentido pela vítima.
A partir disso, fixamos base para começar a destrinchar sobre o assunto dos serviços notariais e registrais. Salientamos que se tratava de um serviço “sui generis”, visto que: o serviço é típico de Estado, prestado sobre o manto de titulares que percorreram concurso público, porém, não é o Estado; os titulares gozam de função pública e devem obediência ao princípio da confiança; a fonte de renda para exercer e gerenciar o serviço são os emolumentos, que solidamente tem natureza de taxa, espécie de tributo, afastando-se de tarifa ou preço público[50]; a conexão entre o fato e a ação não se amolda em uma relação de consumo e, ainda assim, parece consolidado em precedentes que a aplicabilidade é franqueada nessa relação.
Relevou-se expor as alterações percorridas pelo artigo 22 da Lei Federal 8.935/1994, do seu texto original até a última redação ofertada pela Lei Federal 13.286/2016. Mais, assegurou debruçar-se acerca das visões doutrinárias que envolvem o tema em questão e os pontos de vistas de cada autor. Partiu-se, então afastar as teorias do risco da atividade, da aplicabilidade do diploma consumeirista e aprofundar o núcleo que envolve a atividade notarial e registral, ainda que pareça consolidado, nos julgados exibidos, o uso indiscriminado dessas teses.
Ante isso, mostrou-se oportuno juntar os novos paradigmas da responsabilidade civil, afigurando uma real absorção do teor subjetivo pelo objetivo da responsabilidade. Evidenciou-se a perda do senso ontológico dos termos quando das decisões judiciais, com enfoque tão só do resultado. Isso estaria ocorrendo em virtude da necessidade de diluição de danos por toda a sociedade sob o manto do Princípio da Solidariedade Social.
Assim, percebeu-se que a base da responsabilidade civil não poderia ser escapada pela memória, devendo cursar todas as basilares da responsabilidade civil no sentido de checagem para a correta responsabilização do autor. Aprofundou-se mais, com aporte do novo Código de Processo Civil trouxe a lume que em alguns momentos a checagem e o aclaramento do dano que poderá estar sendo objeto de discussão será melhor assimilado se for solidarizado o ônus da prova pela vítima, deixando, sempre, apensada a observância do caráter objetivo e subjetivo.
Em resumo, almejou-se sair da “zona de conforto” para aventurar-se, sim, em uma interpretação sistemática da norma do texto legal para que se sustente a responsabilidade civil dos notários e registradores com o reflexo da alteração do artigo 22 da Lei Federal 8.935/1994 e o choque com as teorias tradicionais.
Tabelião de Notas e Registrador Civil do Cartório de Registro Civil com Funções Notariais de Velha Boipeba, Cairu, Bahia. Doutorado, em andamento, em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba, UNC, em Córdoba, Argentina
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