O Código Civil de 2002 adotou expressamente a teoria do risco como fundamento da responsabilidade objetiva, agora não mais como exceção, mas, paralelamente à teoria subjetiva. É o que se infere do § único do art. 927, verbis: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (grifados)”.
A natureza da atividade é a peculiaridade que vai caracterizar o risco capaz de ocasionar acidentes e provocar prejuízos a outrem. A atividade de risco tem, pela sua característica, uma peculiaridade que desde já pressupõe a ocorrência de acidentes. É ela, intrinsecamente ao seu conteúdo, um perigo potencialmente causador de dano.
O que configura a responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, nos termos do § único do art. 927 do novo CC, não é um risco qualquer, normal e inerente a qualquer atividade humana e/ou produtiva, mas, a atividade, cujo risco a ela inerente é excepcional e incomum, embora previsível.
Se no direito comum as dificuldades são muitas quanto à identificação das atividades de risco, no Direito do Trabalho tal não constitui grande novidade. Neste há dois amplos campos de atividades consideradas de risco, que são: a) as atividades insalubres[1] (CLT, art. 189: são consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância e fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos); e b) as atividades perigosas[2] (CLT, art. 193: são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado).
Também são consideradas perigosas as atividades exercidas em contato com eletricidade, nos termos da Lei 7.410/85 e Decreto nº 92.530/86, que a regulamentou, e o trabalho em contato com radioatividade (operação de raio-X, por exemplo), conforme Portaria 3.393/87 do Ministério do Trabalho e Emprego, baixada nos termos do art. 200, inciso VI, da CLT. Essa Portaria considera como atividades e operações perigosas o contato com radiações ionizantes ou substâncias radioativas, adotando-as como de risco em potencial concernentes a radiações ionizantes ou substâncias radioativas, de acordo com o Quadro de Atividades e Operações Perigosas por ela criado (art.1º).
São exemplos de atividades perigosas, que caracterizam a responsabilidade objetiva pela potencialidade de risco[3]: a) o transporte ferroviário, que foi um dos primeiros casos reconhecidos pela lei como atividade de risco; b) o transporte de passageiros de um modo geral; c) a produção e transmissão de energia elétrica; d) a exploração de energia nuclear; e) a fabricação e transporte de explosivos; f) o contato com inflamáveis e explosivos; g) o uso de arma de fogo; h) o trabalho em minas; i) o trabalho em alturas; j) o trabalho de mergulhador subaquático; k) as atividades nucleares; e l) as atividades insalubres e perigosas.
Note-se, inclusive, que, por força de normas regulamentares, há uma série de atividades lícitas, que são consideradas de risco para a rigidez física dos trabalhadores, sendo despiciendo imaginar que, provados os três elementos essenciais para a responsabilidade civil – e ausente qualquer excludente de responsabilidade – ainda tenha o empregado lesionado de provar a culpa do empregador, quando aquele dano já era potencialmente esperado.
O § único do art. 927 do CC aplica-se nos casos de acidentes de trabalho, porque o disposto no inciso XXVIII do art. 7º constitui garantia mínima do trabalhador, e o caput do mesmo fala em “outros direitos que visem à sua melhoria” deixando claro que nenhum dos direitos encartados nos seus incisos é de conteúdo fechado e imutável.
O importante é que qualquer direito integrante do rol do referido art. 7º pode ser alterado, desde que, visando à melhoria dos trabalhadores. Arnaldo Lopes Süssekind[4], ao analisar o caput do art. 7º, assim se pronuncia: “E a expressão ‘além de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social’, não só fundamenta a vigência de direitos não previstos no artigo em tela, como justifica a instituição de normas, seja por lei, seja por convenção ou acordo coletivo, seja, enfim, por um laudo arbitral ou sentença normativa dos tribunais do trabalho. O que tem relevo para afirmar a constitucionalidade dessas normas jurídicas é que não sejam elas incompatíveis com os princípios e prescrições da Lei Maior”.
Os princípios e prescrições da Constituição brasileira, entre outros, são o respeito à vida, à dignidade humana e, no âmbito trabalhista, aos valores sociais do trabalho, cabendo neste particular ao intérprete colocar-se a favor do menor sacrifício do cidadão trabalhador na escolha dos diversos significados de uma norma. Quando o referido inciso XXVIII alude à culpa ou dolo do empregador como fundamento da responsabilidade pelos acidentes de trabalho, não fixa a responsabilidade subjetiva como questão fechada, porque de acordo com o art. 7º, o legislador ordinário está autorizado a criar e modificar os direitos inscritos nos seus incisos, quando para a melhoria dos trabalhadores.
Diante das considerações supra, mais simples se torna a compreensão e aplicação do § único do art. 927 do CC, no que diz respeito ao fundamento da responsabilidade do empregador pelas reparações acidentárias.
Negar a responsabilidade objetiva como um direito do trabalhador na situação ora em análise seria mesmo um verdadeiro e inexplicável paradoxo. Imagine-se, para ilustrar, a ocorrência de um acidente fatal numa determinada empresa, decorrente da sua atividade de risco, que atinja duas pessoas: um engenheiro autônomo contratado para fazer reparos numa máquina de alta tensão elétrica e um ajudante geral, empregado da referida empresa. De acordo com o § único do art. 927 do CC, a família do engenheiro que pretender uma reparação dessa empresa terá que provar apenas a ocorrência do fato, o nexo com o trabalho que desenvolvia e o dano experimentado (responsabilidade objetiva). Enquanto isso, adotando-se a teoria da responsabilidade subjetiva do inciso XXVIII, a família daquele ajudante geral teria que comprovar, além dos elementos acima, a culpa ou dolo do seu empregador. Ora, esse tipo de resultado é incompatível com a finalidade do Direito, com os princípios que informam o Direito do Trabalho, com os métodos de interpretação da norma jurídica (especialmente o teológico e o sistemático) e com os primados da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho (CF, arts. 1º e 170).
O enquadramento da situação de risco será feita no caso concreto, mediante análise pelo juiz, que, para tanto, poderá subsidiar-se em prova técnica (CLT, art. 195).
A jurisprudência trabalhista caminha no sentido favorável a esse entendimento, como se vê da decisão a seguir resumida:
“Acidente do trabalho. Responsabilidade civil do empregador. Teoria do risco. Dano decorrente do meio ambiente do trabalho. Dever de indenizar, independente de dolo ou culpa. Reconhecimento. Inteligência dos arts. 225, § 3º, CF e 927, § único, CC.
A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da República Federativa brasileira (art. 1º, CF). Dentre os direitos fundamentais de dignidade do trabalhador insere-se, indiscutivelmente, o de um ambiente de trabalho seguro e adequado, capaz de salvaguardar, de forma eficaz, sua saúde e segurança. A evolução na dogmática, depois de alongados debates e à vista do art. 927 do cc, trouxe para o tema a teoria do risco, segundo a qual nos casos em que a atividade da empresa implique naturalmente risco aos trabalhadores, é objetiva a responsabilidade do empregador pelos danos causados, vez que oriundos do meio ambiente do trabalho, dispensando, por isso mesmo, comprovação de dolo ou culpa patronal” (Proc. TRT/15ª R nº 02049-2005-046-15-00-5; Rel. Dês. Luis Carlos Sotero).
Na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pelo TST e pela ANAMATRA, foi a provado o ENUNCIADO Nº 37, com a seguinte redação:
“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores”.
Assim, considerando a recepção do § único do art. 927 do CC pelo inciso XXVIII do art. 7º da CF, com apoio no caput do art. 7º da mesma Carta, entendo aplicável a responsabilidade objetiva do empregador em decorrência de acidentes de trabalho nas atividades de risco (atividades potencialmente perigosas). É claro que o § único do art. 927 do CC não autoriza afirmar que a teoria do risco foi adotada em caráter geral, para abranger qualquer risco. No caso dos acidentes de trabalho, ela se aplica aos riscos especiais da atividade do empregador.
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