Resumo: O presente trabalho monográfico se propõe a investigar se a perda do tempo consiste em um dano ao consumidor passível de ensejar responsabilização civil. Para alcançar tal objetivo fora utilizada uma metodologia que explora a doutrina, a lei, e a jurisprudência. Verifica-se uma constante evolução dos preceitos da Responsabilidade Civil como consequência de um processo de socialização dos direitos, ampliando tanto a abrangência desses interesses como as suas possibilidades de aplicação. Diante da percepção do tempo como bem essencial e escasso, nota-se a importância e a urgência de tutelar situações em que uma interferência indevida de terceiros causa a perda infrutífera do tempo pelo consumidor. A teoria já encontra aplicabilidade, no Brasil, com base nos princípios da boa-fé objetiva, na teoria do risco do empreendimento, da função social dos contratos e da proteção ao consumidor como sujeito de direito vulnerável. Por fim, busca-se ainda que, ao se tratar o direito do consumidor de interesse coletivo que este seja tutelado de forma a abarcar a todos os consumidores lesados mediante proposição de uma ação civil pública para reparação de danos transindividuais.[1]
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Perda do tempo. Direito do consumidor. Desvio Produtivo. Direitos transindividuais.
Abstract: This monograph aims to investigate whether the loss of time consists of damage likely to give rise to civil liability consumer. To achieve this objective had been used a methodology that explores the doctrine, law, and jurisprudence. There is a constant evolution of the precepts of civil liability as a result of a socialization process rights, expanding both the scope of these interests as their application possibilities. Given the perception of time as well as essential and scarce-note the importance and the urgency to safeguard situations where undue interference from others because the fruitless loss of time by the consumer. Moreover the theory longer applicability in Brazil based on the principles of objective good faith in the enterprise risk theory, the social function of contracts, and consumer protection as the subject of vulnerable right. Finally, we seek to further that when treating the consumer's right of collective interest that this be safeguarded in order to cater to all consumers harmed by proposing a civil action to repair damage trans.
Keywords: Liability. Time loss. Consumer law. Productive deviation. Trans rights.
Sumário: 1. Introdução,2. Da responsabilidade civil,2.1 Conceito de responsabilidade civil,2.2 Evolução histórica da responsabilidade civil,2.3 Natureza jurídica da responsabilidade civil,2.4 Responsabilidade civil e responsabilidade penal,2.5 Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva,2.6 Elementos da responsabilidade civil,2.6.1 Da conduta humana positiva ou negativa culposa,2.6.2 Da existência do dano,2.6.2.1 Do dano patrimonial ou material,2.6.2.2 Do dano extrapatrimonial ou moral,2.6.2.2.1 Do dano moral coletivo / ou danos coletivos,2.6.3 Teoria da perda de uma chance,2.6.4 Nexo causal,2.6.4.1 Teoria da equivalência das condições sine qua non,2.6.4.2 Teoria da causalidade adequada,2.6.4.3 Teoria da causalidade direta e imediata,3. Do direito do consumidor,3.1 Conceito de consumidor
3.2 Evolução histórica do direito do consumidor,3.3 Vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor,3.4 Proteção do consumidor quando da formação e da execução do contrato,3.5 Da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor,3.5.1 Responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço,3.5.2 Responsabilidade civil pelo vício do produto e do serviço,3.5.3 Causas que excluem a responsabilidade,4. Do tempo,4.1 Conceito e características do tempo,4.2 A relevncia do tempo,4.3 Desvio produtivo do consumidor,5 DA DEFESA DO CONSUMIDOR,5.1 Da tutela do direito do consumidor,5.2 Da ação civil pública,5.3 Direitos coletivos ou transindividuais,6. Da responsabilidade civil pela perda do tempo,7. Considerações finais
O presente estudo tem como finalidade analisar se a perda do tempo pode ser considerada como um dano ao consumidor passível de ensejar uma responsabilização civil.
O estudo do tema é importante, pois além de tratar de situações corriqueiras que não podem ficar imunes ao debate jurídico, refere-se a uma evolução do instituto da responsabilidade civil, uma vez que traz uma ampliação das possibilidades de reparação à vítima que, em outras épocas, não se podia cogitar.
O direito, por se tratar de uma ciência social aplicada, vivida e experimentada no dia a dia, tem-se como natural as diversas polêmicas que inundam os tribunais. No ramo do Direito Civil, a área mais recheada dessas controvérsias, sem dúvida, é a responsabilidade civil. Esta matéria tem como cerne a obrigação do sujeito de reparar os prejuízos decorrentes de seus atos.
O constante progredir da vida faz surgir novas modalidades de danos imprescindíveis de reparação, diante da massificação do consumo. A relação entre consumidor e fornecedor é motivadora de diversos conflitos, pois pressupõe que o consumidor é parte vulnerável, assim, o código de defesa do consumidor tem como premissa equilibrar tal relação.
Diante do fato de que são recorrentes as circunstâncias em que terceiros impõem a perda infrutífera de tempo ao consumidor em decorrência de um mau atendimento, é de grande valia trazer essa questão ao debate jurídico.
Não se tem uma perspectiva pejorativa de uma sociedade intolerante, mas sim uma comunidade que não suporta mais os abusos de uma classe resguardada economicamente a qual consegue impor seus métodos inadequados de atendimento e de transmitir ao consumidor uma sensação de ele ser apenas mais um número no rol de seus clientes.
Observa-se que há uma conduta por parte do fornecedor que não corresponde a uma legítima expectativa dos consumidores, que por ser a razão de todo o mercado, deveria ser mais valorizado e lhe ser concedido um tratamento mais acolhedor e honrável.
A vida moderna nos proporciona inúmeras possibilidades, e parece-nos curta diante de tantas oportunidades e novidades. Assim não se deve desperdiçar o tempo com meros percalços os quais podem e devem ser evitados por todos os fornecedores. Além disso, não se pode admitir que estes transtornos sejam submetidos a um desprezo pelo tribunais, porque a questão é de extrema gravidade.
Assim como a maioria dos conceitos na ciência do Direito, a definição da responsabilidade civil é uma tarefa árdua sobre a qual diversos doutrinadores se debruçam.
Alguns se fundamentam na culpa para alcançar o conceito, como Pirson e Villé, (PIRSON, VILLÉ apud DINIZ, 2009) segundo os quais a responsabilidade civil se traduz na obrigação imposta às pessoas no sentido de reparar os prejuízos causados por sua ação. Josserand, (JOSSERAND apud DINIZ, 2009) já a define de forma mais ampla, não se restringindo na culpa, mas como uma forma de equilíbrio de direito e interesses.
Segundo Sergio Cavalieri Filho (2010), etimologicamente o termo responsabilidade revela um sentido de obrigação, encargo e contraprestação. Juridicamente institui um dever de reparar um prejuízo derivado da violação de outro dever jurídico.
O autor esclarece que a definição de responsabilidade não se confunde com obrigação. Esta deriva sempre de um dever jurídico originário, enquanto aquela é um dever jurídico sucessivo. Sintetiza que “em toda obrigação há um dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação”. (CAVALIERI FILHO, 2010). Entende-se por dever jurídico sucessivo a violação de um dever primário que, por via de consequência fará surgir sucessivamente um novo dever jurídico.
Para Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil é:
“a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”(DINIZ, 2009, p. 34).
Nota-se que a autora em seu conceito abarca tanto a responsabilidade civil subjetiva quanto a objetiva, trazendo elementos da culpa e do risco.
Os professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolpho Pamplona Filho (2010) conceituam a responsabilidade civil como uma obrigação derivada de um dever jurídico sucessivo consistente em assumir os efeitos jurídicos de um fato danoso.
Ademais, os referidos autores defendem que esta responsabilidade
“deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor “in natura” o estado anterior da coisa”(GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p. 51).
Mesmo diante de várias denominações, percebe-se que a responsabilidade civil será aquela obrigação derivada de um dever sucessivo. Esta obrigação conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves (2010) será de natureza pessoal e convertida em perdas e danos.
Como aduz Gagliano e Pamplona (2010), a gênese da responsabilidade civil, é do Direito Romano, que forneceu suas bases e enraizou este instituto no universo jurídico. Contudo, não se pode desprezar registros mais antigos oriundos das experiências dos egípcios, dos gregos, dos hebreus, dos babilônicos, etc.
Conforme aduz Giordano Bruno Soares Roberto (2003), os egípcios tiveram o primeiro sistema jurídico individualista, assegurando direitos próprios. Já a sociedade mesopotâmica foram as primeiras a redigirem textos jurídicos, sendo o mais importante deles o Código de Hammurabi.
Tendo como premissa o Direito Romano, pode-se afirmar que a responsabilidade era proveniente do delito, entendido este como um fato contrário ao Direito, tendo assim como alicerce o dano.
Em seus primórdios as sociedades humanas viviam como um organismo, não se firmando o homem como indivíduo, estabelecendo-se em função da sociedade. Em Roma, a responsabilidade civil tinha como premissa o direito de revide na mesma intensidade e gravidade da agressão sofrida.
Dessa forma, vigorava a vingança grupal caracterizada pela reação pessoal e coletiva em desfavor do dano sofrido por um dos integrantes do grupo. Por outro lado, a responsabilidade atingia também a coletividade independentemente da determinação do autor material do dano. Nessa época predominava o absenteísmo estatal, quando era necessária a proteção dentro de pequenos grupos formados pelas polis.
Posteriormente, a reação deixa de ser do grupo passando para a defesa individual, reinando a vingança privada. A transformação da responsabilidade civil ocorreu no sentido de uma individualização paulatina. Venosa (2003) explica que, com amparo na Lei de Talião, a obrigação recaía sob a pessoa do devedor, atingia sua integridade física e retribuía o mal com o mal, fase conhecida pelo famoso bordão “olho por olho, dente por dente”.
A intervenção estatal, nesse momento, era mínima e consistia apenas em evitar abusos na busca pela reparação. Interessante notar que nessa época, a responsabilidade era objetiva, permitia ao ofendido a mera reação ao agravo sofrido sem análise dos motivos da ação. Além disso, era atribuída a responsabilidade em função do ressarcimento e de sanção penal. Assim, era dispensável a comprovação da culpa e inexistia distinção entre a responsabilidade civil e penal.
Nota-se um progresso a partir do momento em que se deixa para trás a ideia de vingança, e o Estado passa a intervir de forma mais efetiva nas relações privadas; impedia o desagravo pelas próprias mãos e primava pela composição entre as partes e pela reparação pecuniária. Neste sentido, de acordo com Diniz (2009):
“ante a observância do fato de que seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa – para que ele reparasse o dano mediante a prestação da poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), a critério da autoridade pública, se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res publica), e da lesão, se se tratasse de delito privado (efetivado contra interesse de particulares) – do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum, ocasionando na verdade duplo dano: o da vítima e o de seu ofensor depois de punido.” (DINIZ, 2009, p. 11).
Contempla-se uma mudança de mentalidade, a sociedade percebe que a vingança acaba por multiplicar os danos; passa-se, então a buscar uma composição entre as partes de modo a resolver o conflito da forma menos gravosa a ambas.
Como informa Venosa (2003), “a Lex Aquilia é um divisor de águas da responsabilidade civil”. Esta trata da reparação pecuniária do dano e estabelece uma pena proporcional ao dano causado ao revés de uma multa pré-fixada.
É possível se extrair deste dispositivo legal que a punição ocorre a partir da “culpa por danos injustificadamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente” (VENOSA, 2003, p. 18).
A grande novidade trazida pela Lex Áquilia é o elemento culpa e a caracterização de uma responsabilidade fora do âmbito do contrato. É notável que esta lei serve como marco para a responsabilidade civil, uma vez que trata o ato ilícito como autônomo e independente de um contrato, dando ensejo a responsabilização civil aquiliana. Importante salientar que, para ver o dano reparado, o ofendido deveria comprovar a culpa daquele que causou o dano.
Na Idade Média, conforme mencionado por Gomes (2001), foi dado maior enfoque à conduta do sujeito que causou o agravo. Nessa época, a Igreja Católica detinha todo o poder, pois o Papa era quem ditava as regras de convivência. Este modelo ampliou a conotação subjetiva da culpa, aproximando esta da ideia do pecado. Enfatiza a individualização da responsabilidade pelo ato causador de dano como forma de castigo ao homem.
Conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves (2010), foi na França que se aprimoraram as ideias romanas, deixando para trás a determinação taxativa dos casos motivadores da responsabilização civil. Os princípios regentes desse instituto começam a solidificar, tais como a separação da responsabilidade civil e penal e a obrigação de indenizar independente do grau de culpa.
Nos dizeres de Marcelo Kokke Gomes (2001), a busca pela substituição do trabalho artesanal, durante a revolução industrial, causou grandes danos à sociedade: pessoas trabalhavam por mais de 15 horas diárias, sem condições de saúde e segurança; mulheres e crianças expostas a labores periculosos; salários irrisórios aos proletariados que viviam na miséria e fabricação de produtos que careciam de qualidade.
Todos esses prejuízos sociais trouxeram à tona o tema da responsabilidade civil, pois esse instituto poderia ser a solução para se evitar que tais danos ocorressem ou se viessem a suceder garantir que o prejudicado tivesse o agravo reparado.
Diante destes inúmeros prejuízos causados a uma quantidade imensurável de indivíduos, que almejam ter os danos sofridos ressarcidos, a sociedade passa por um dilema, haja vista que reparar estes danos significaria abafar o esplendor da industrialização.
O sistema de reparação ainda concretizava-se por meio da responsabilidade subjetiva, o que permitia o desenvolvimento do sistema capitalista. Neste contexto, o industrial só teria responsabilidade pelos danos causados por seus produtos e serviços, caso tivesse atuado com culpa. A responsabilidade subjetiva, nesse momento, serviu para restringir os direitos do consumidor e incitar a massificação do consumo e o processo de produção.
O Código Civil de Napoleão (1804) foi o diploma que distinguiu a culpa delitual da contratual, uma vez que a responsabilidade sempre foi fundada na culpa, conforme afirma Theodoro Júnior (2000):
“Castigo, pena, só se impõe em defesa da sociedade e segundo as normas penais da legislação. A ação penal é outrossim, pública, cabendo apenas ao Estado punir o delinqüente. À vítima do delito não assiste mais nenhum tipo de vingança contra o ofensor. A este cabe, na ordem privada, apenas e tão-somente exigir o ressarcimento do prejuízo sofrido” (THEODORO JÚNIOR, 2000, p. 55).
A partir de então distingue-se de forma expressa a responsabilidade penal, que tem como fim a punição do “delinquente”, da responsabilidade civil que busca apenas o ressarcimento da vítima.
No Brasil, tem-se a influência do Código Civil Francês, que introduziu a responsabilidade civil subjetiva, composta pela dicotomia consistente em responsabilidade contratual e extracontratual.
No século XX, há uma mudança de concepção, deslocando o cerne da responsabilidade civil para a vítima. O âmago da responsabilidade civil passa a ser a reparação, para permitir que a vítima retorne ao status quo anti.
O progresso industrial, tecnológico e científico além de propiciar o surgimento de novos danos permite o advento de novas teorias, com o intuito de conceder maior proteção às vítimas. Neste contexto a responsabilidade civil subjetiva, que tem a culpa como pressuposto, não abarca mais todos os casos de danos, pois não é capaz de obter um amplo ressarcimento.
Nesse momento, surge o instituto da culpa presumida que é de grande valia para a evolução da responsabilidade civil diante da imensa dificuldade das vítimas de provarem a culpa em juízo. Desse modo, conforme leciona Silvio Rodrigues (2003), em alguns casos, a lei ou a jurisprudência inverte o ônus probatório passando do autor para o réu.
Assim, busca-se, segundo Luiz Otavio de Oliveira Amaral (2010), “uma adequação da responsabilidade civil à vida contemporânea”. Desta forma, em 07 de dezembro de 1912, é editado o Decreto 2.681 contemplando a pioneira culpa presumida das estradas de ferro pela perda total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que recebessem para transportar.
Há uma evolução do fundamento da responsabilidade civil, dando ensejo à responsabilidade objetiva justificada apenas pelos elementos objetivos (Conduta – Dolo – Nexo de Causalidade).
Surge, então, a teoria do risco, a qual não exclui a teoria da culpa, ambas subsistem. Aquela teoria tem como fundamento o exercício da atividade que submete a perigo e representa um risco que é assumido pelo agente ofensor e que irá obrigá-lo a ressarcir os danos eventualmente causados.
De acordo com Flávio Tartuce (2003) a teoria de responsabilidade sem culpa alcança a legislação pátria, que timidamente prevê a responsabilidade civil objetiva do Estado, por atos comissivos de seus agentes no artigo 15 do Código Civil de 1916.
Percebe-se que este dispositivo foi complementado pela norma constitucional, que, em 1988, reforçou a responsabilidade estatal, conforme estabelecido no artigo 37, §6º.
Devido à massificação dos contratos e à geração de danos aos consumidores, a teoria de responsabilidade sem culpa aprofundou-se no âmbito privado, dando início a uma responsabilização dos fornecedores e prestadores de serviços.
O fundamento da responsabilidade objetiva reside no princípio da equidade, segundo o qual aquele que lucra com uma atividade de risco deve responder pelos prejuízos por ela causados. Para Carlos Roberto Gonçalves: “Quem aufere os cômodos (ou lucros) deve suportar os incômodos (ou riscos)”. (GONÇALVES, 2010, p. 39).
Além disso, com o surgimento de tendências socializantes, começa-se a admitir a tutela coletiva das vítimas e inicia-se uma busca pela prevenção de danos ao meio social. Esta defesa fica mais evidenciada com a edição da Lei 7.347, em 1985, que disciplina a Ação Civil Pública.
Logo em seguida, a Norma Fundamental consagrou como direitos fundamentais a defesa do consumidor, a reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, a função social da propriedade, a proteção ao meio ambiente, à dignidade da pessoa humana, à solidariedade social e à isonomia.
Em obediência ao preceito constitucional, em 1990, é publicado o Código de Defesa do Consumidor, que acolheu a responsabilidade objetiva como princípio apto a promover a defesa do consumidor.
Diante desse cenário, o novo Código Civil não poderia deixar de prever a responsabilidade civil independente de culpa, regulando este instituto no parágrafo único, do artigo 927, para os casos especificados na lei ou nas atividades de risco.
Atualmente, o Código Civil de 2002 prevê tanto a Responsabilidade Civil Subjetiva quanto a Objetiva. Contudo não há unanimidade na doutrina no que tange ser a responsabilidade civil subjetiva como regra geral adotada no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista a vasta previsão de hipóteses que ensejam a responsabilidade livre do pressuposto culpa. É possível afirmar a existência de um modelo dualista.
Conforme definição de René Cassim, (CASSIM apud DESSAUNE, 2011), o Direito é uma ciência que tem por fim proporcionar a integral realização dos homens e é o Estado o seu viabilizador como organismo de integração entre o homem e a sociedade.
No atual ordenamento jurídico, tem-se como norma hierarquicamente superior a Constituição da República de 1988. Cabe a este diploma a tutela dos bens mais relevantes para a sociedade, o que eleva tais haveres a um status de objeto de direitos constitucionais.
Neste viés, o art. 5º, em seus incisos V e X, assegura o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de lesão aos bens jurídicos tutelados pela Lei Maior. Nestes ditames, encontra-se o fundamento para a doutrina e a jurisprudência regular, a responsabilidade civil.
O Código Civil em seu artigo 927 determina que para aquele que cometer ato ilícito nascerá a obrigação de indenizar, que tem como escopo recolocar a vítima na situação quo ante.
Cavalieri Filho (2010) refere-se à responsabilidade civil como modalidade de obrigação, a de indenizar. As obrigações são divididas em voluntárias e legais; a legal é a obrigação de reparar tendo em vista que é a norma (CC/02) que determina o momento de surgimento da obrigação.
Conforme entendimento de Gagliano e Pamplona Filho (2010), a natureza jurídica da responsabilidade civil é de sanção, isto é, “a consequência lógico-jurídica da prática de um ato ilícito”.
Os referidos autores esclarecem que até mesmo quando a obrigação de reparar deriva da imposição legal na prática de ato lícito, ou em função do risco da atividade, persistirá a natureza jurídica sancionadora. Para fundamentar tal posicionamento os doutrinadores se apóiam em Carlos Alberto Bittar (1993):
“Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranquilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido. […] Realmente, a construção de uma ordem jurídica justa – ideal perseguido, eternamente, pelos grupos sociais – repousa em certas pilastras básicas, em que avulta a máxima de que a ninguém se deve lesar. Mas, uma vez assumida determinada atitude pelo agente, que vem a causar dano, injustamente, a outrem, cabe-lhe sofrer os ônus relativos, a fim de que se possa recompor a posição de lesado, ou mitigar-lhe os efeitos do dano, ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica” (BITTAR, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p. 62).
O Direito, como instrumento capaz de harmonizar a convivência social, diante da violação de um dever jurídico ou a ocorrência de um prejuízo derivado de ato lícito, deve naturalmente sancionar o causador do dano restabelecendo o equilíbrio nas relações.
Em suma, a responsabilidade civil tem caráter de direito constitucional com natureza jurídica obrigacional e sancionadora, na modalidade indenizar.
A ilicitude pode ser entendida como a contrariedade entre a conduta e a norma, passível de ocorrer em todos os ramos do direito. Neste tópico, passa-se a analisar o cabimento e a diferenciação da responsabilidade tanto na esfera cível quanto na penal.
A principal distinção entre o ilícito penal e o civil refere-se à norma violada. Se for ditame Penal, o ilícito será de Direito Público; se for civil a transgressão é de Direito Privado.
Por ser decorrente do Direito Privado, a responsabilidade civil tem como fato gerador a busca pelo reequilíbrio rompido em decorrência do dano; almeja-se apenas a reparação do direito violado. A turbação de direito que cause dano, na esfera civil, será ressarcida mediante justa indenização.
A responsabilidade criminal penalizará as condutas humanas tidas como mais graves, de maior reprovabilidade social, que atinge aos bens de maior relevância, tais como a vida e a integridade física.
Dependendo da gravidade da conduta, esta pode imputar uma dupla responsabilidade, incidindo a violação à lei civil e penal. Contudo, não se pode olvidar da determinação do artigo 935 do Código Civil que estabelece a independência da responsabilidade civil e penal.
Em assonância com a lição de Venosa (2003):
“as jurisdições penal e civil em nosso país são independentes, mas há reflexos no juízo cível, não só sob o mencionado aspecto de sentença penal condenatória, como também porque não podemos discutir no cível a existência de fato e da autoria do ato ilícito, se essas questões foram decididas no juízo criminal e encontram-se sob o manto da coisa julgada” (VENOSA, 2003, p. 19).
É preciso destacar que as sentenças penais transitadas em julgado em que se resta comprovada a inexistência do fato ilícito ou que não evidencia a autoria terão influência na esfera cível, no sentido de não caber uma responsabilização civil. Em contrapartida, a decisão penal absolutória fundada na insuficiência de provas da ocorrência do fato e da autoria, não tem o condão de influenciar na ação cível; pode o ofendido ingressar com ação de reparação de danos na esfera cível.
O traço diferenciador da responsabilidade subjetiva e objetiva é a culpa. O ilícito subjetivo é tratado no artigo 186, do Código Civil e a partir da conjugação deste dispositivo com o artigo 927 extrai-se o conceito da responsabilidade civil subjetiva.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2010) a culpa será caracterizada quando o dano resultar de uma atuação negligente, imprudente ou imperita ou até mesmo a dolosa do causador do dano, estas figuras não têm distinção relevante por se tratar de uma reparação de natureza civil.
Já no que se refere à responsabilidade civil objetiva, esta será composta pelos seguintes elementos: conduta comissiva ou omissiva, dano e nexo de causalidade. Como mencionado anteriormente, a culpa não será analisada. Esta modalidade de responsabilidade pode derivar da lei, do exercício de uma atividade de risco ou do abuso de direito, o que não será necessariamente uma conduta antijurídica.
É importante observar o ilícito objetivo abordado no artigo 187 e a determinação legal da responsabilidade objetiva contida no parágrafo único do artigo 927, do Código Civil:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (BRASIL, 2002) Grifo nosso.
Percebe-se que o legislador busca equilibrar a relação entre particulares; concebe a teoria do risco, segundo a qual o sujeito que aufere vantagens e benefícios em razão da atividade por ele exercida deve reparar os danos que ocasiona. Sustenta, ainda que se no exercício de suas atividades colocar outrem em risco, deve atuar com total diligência com o intuito de evitar ou minimizar os danos.
Importante salientar que não há na doutrina pátria unanimidade em definir qual é a regra adotada pelo Código Civil. O que se verifica é um modelo dualista que abarca tanto a responsabilidade subjetiva quanto a objetiva.
O legislador pátrio, também, contempla a responsabilidade objetiva em leis esparsas, tais como o Código Brasileiro de Aeronáutica, a Lei de Acidentes de Trabalho, o Código de Defesa do Consumidor, entre outros.
Conforme já mencionado, o artigo 186 do Código Civil determina que seja responsabilizado aquele sujeito que comente ato ilícito, seja por uma ação ou omissão, negligência, imprudência ou imperícia que infringe direito de outro capaz de causar-lhe danos.
Nota-se que são três os pressupostos da responsabilidade civil, que são: a ação ou omissão, a relação de causalidade e o dano. A responsabilidade civil subjetiva possui ainda um elemento extra, que é a culpa ou o dolo do agente.
São inúmeros os doutrinadores que se dedicam ao estudo da responsabilidade civil, razão pela qual há variedades de definições de seus pressupostos.
Cavalieri Filho (2010) descreve a conduta como o comportamento humano voluntário que produz efeitos jurídicos exteriorizados por meio de uma omissão ou ação.
Para Silvio Rodrigues (2003), a conduta humana comissiva ou omissiva que gera o direito à indenização, normalmente advém de uma infração legal ou social.
Importante esclarecimento traz Cavalieri Filho (2010) ao afirmar que “conduta é gênero de que são espécies a ação e a omissão”. A ação é um comportamento positivo, enquanto a omissão é a abstenção de uma conduta necessária, uma inatividade.
A configuração da responsabilidade por omissão tem como pressuposto a existência de um dever jurídico anterior consistente em praticar determinado fato, além de restar comprovado que, com a ação, o dano seria evitado. A obrigação de não se omitir pode derivar de uma imposição legal ou convencional.
Cavalieri Filho (2010) explica que só é possível responsabilizar o indivíduo que tem o dever jurídico de agir ou que está em uma posição jurídica de garantir que o resultado danoso não ocorra.
No que tange à responsabilidade subjetiva para a sua configuração além de estarem presentes os demais pressupostos, deve-se comprovar a culpa do agente que praticou a conduta.
No elemento culpa, pode-se destacar um elemento subjetivo e outro objetivo, os quais são respectivamente a possibilidade de atribuir culpa àquele sujeito e o dever violado. Com o elemento objetivo em destaque, tem-se que a culpa é toda a violação de um dever jurídico; a responsabilidade é uma reação natural provocada pela infração de uma obrigação preexistente que é a verdadeira fonte da responsabilidade, conforme defende Marton (MARTON apud GONÇALVES, 2010).
O conceito de culpa extraído da obra de Cavalieri Filho (2010) consiste na violação de um dever de cuidado objetivo conhecido pelo agente.
Carlos Roberto Gonçalves (2010) esclarece:
“Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo” (GONÇALVES, 2010, p. 566).
Diante dessa conceituação, questiona-se a natureza jurídica do dever que instiga a culpa, baseado na obediência ao avençado no que se refere à culpa contratual e ao cumprimento da lei no que tange à culpa extracontratual.
Importante salientar que é indispensável que a conduta – omissão ou ação – seja controlável ou dominável pela vontade humana, excluindo os danos causados por forças da natureza e os realizados inconscientemente.
A vida em comunidade exige do homem um comportamento incapaz de causar prejuízos aos seus semelhantes ou aos bens jurídicos destes. Assim, deve agir com a diligência necessária até quando age licitamente. Este é o conceito do dever de cuidado.
O doutrinador Sergio Cavalieri Filho (2010), assevera que:
“A inobservância desse dever de cuidado torna a conduta culposa – o que evidencia que a culpa é, na verdade, uma conduta deficiente, quer decorrente de uma deficiência da vontade, quer de inaptidões ou deficiências próprias ou naturais. Exprime um juízo de reprovabilidade sobre a conduta do agente, por ter violado o dever de cuidado quando, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 33).
Neste sentido, a motivação do agente não será o fator determinante para a configuração da culpa, mas sim a opção pela maneira de agir. Como afirma Cavalieri Filho (2010), “há na culpa uma conduta mal dirigida a um fim lícito, uma conduta inadequada aos padrões sociais”.
A culpa embasa-se em um erro de conduta consistente em não optar pelo meio mais adequado, considerando as atitudes de um homem médio. Portanto, o elemento nuclear da conduta culposa é a discrepância entre a ação efetivada e aquela que, diante de um dever de cuidado, deveria ser verificada.
No que tange ao ato ilícito, este pode ser entendido como uma conduta humana voluntária, contrária ao direito. Conforme aduz Leonardo Macedo Poli (2014) “o ato ilícito surge como resposta aos instintos humanos de defesa, proteção e até mesmo de vingança”.
O autor mencionado explica, ainda, ser o ilícito um gênero do qual se tem várias espécies. De início tem-se a dicotomia entre o ilícito civil em contraponto com o penal. No primeiro, busca-se satisfazer um interesse privado, tendo como cerne a vítima e com a finalidade de ressarcir, enquanto o ilícito penal busca satisfazer um interesse público, tendo como foco ofensor e objetiva a punição.
Há também a bifurcação entre ilícito relativo e absoluto, como critério de diferenciação há a natureza do direito violado. Dessa forma, o ilícito será absoluto quando infringir um dever absoluto e por via de consequência será relativo ao ofender um dever desta natureza.
Elementar premissa a essa tese é o fato de o Código Civil, em seu artigo 187, equiparar o ato ilícito ao abuso de direito. Estes são espécies de atos antijurídicos. Além de serem fontes de responsabilidade civil, ambos terão a mesma consequência, qual seja a obrigação de reparar o dano.
As diferenças nesses institutos são no sentido de que o ato ilícito, ao depender de uma culpa, para ser constituído, pode ser classificado como subjetivo. Já o abuso de direito pressupõe uma conduta que extrapole os limites de exercício de um direito, o que significa que este é verificado por meio de um dado objetivo.
A definição clássica de dano, encontrada na doutrina, consiste na diminuição do patrimônio; contudo, por não conseguir abarcar o dano moral, há autores que afirmam ser o dano a subtração de um bem jurídico independente de sua natureza. Esta definição amplia a abrangência dos danos, englobando os patrimoniais, e extrapatrimoniais, tais como a saúde, a vida, a liberdade, a honra, a imagem, etc.
Diante disto, o doutrinador Ludwig Enneccerus (1935) define o dano como uma desvantagem suportada pelo indivíduo em seus bens jurídicos (ENNECCERUS, apud GONÇALVES, 2010, p. 623).
Por seu turno, Cavalieri Filho (2010) entende ser o dano o “grande vilão da responsabilidade civil”, uma vez que este é a razão de ser da reparação, do ressarcimento e da indenização. O autor explica que é possível haver responsabilidade sem culpa, mas que é inexequível imaginá-la sem a ocorrência de um dano.
Trata-se o dano de um pressuposto essencial para a configuração da obrigação de reparar. Além disso, o dano deve preencher os requisitos da certeza e da atualidade, o que é certo baseado em um fato preciso e atual, o existente no momento da ação.
Neste prisma, surge a problemática do dano reflexo, que é configurado quando uma pessoa, embora não seja diretamente atingida, sofre os reflexos de dano causado a outrem e da teoria perda de uma chance, diante da possibilidade de incerteza do dano.
No que tange ao dano reflexo ou em ricochete, é possível vislumbrar a possibilidade de se admitir a existência da certeza, desde que seja certa a repercussão do dano principal.
Já no que diz respeito à teoria da perda de uma chance, deve ficar demonstrada uma real possibilidade de auferir a vantagem, e, como será desenvolvida, a reparação neste contexto serve não para reparar a perda da vantagem em si, mas sim a impossibilidade de tentar alcançá-la.
A extensão do dano é obtida a partir da percepção de tudo o que efetivamente foi perdido e aquilo que se deixou de ganhar. Neste sentido, a indenização deve indicar a reparação integral do dano, reconstituindo o status quo ante, sempre que possível.
A indenização tem como finalidade apenas reintegrar a vítima ao status anterior à ocorrência do dano. Se não houver este será impossível cogitar uma indenização, o que conduziria a um enriquecimento sem causa da vítima em relação ao provável causador do dano.
Portanto, mesmo diante de um ato ilícito, o agente não será obrigado a indenizar o lesado se este não tiver sofrido nenhum prejuízo.
O dano material, conforme induz a própria denominação refere-se àquele que atinge os bens patrimoniais do lesado. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2010) “o patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro”.
Conveniente mencionar a lição de Cavalieri Filho (2010), esclarecendo que essas relações jurídicas abrangem além das coisas corpóreas, as incorpóreas como, por exemplo, o direito de crédito.
A análise deste tipo de dano tem como embasamento a redução patrimonial suportada e objetiva o ressarcimento com o fim de recompor essa perda.
Salienta-se, ainda, que dano patrimonial, além de afetar as relações jurídicas diretas e imediatas do lesado, poderá afetar o seu crescimento patrimonial futuro, o que é conhecido como lucros cessantes.
Constata-se que o artigo 402, do Código Civil traz a determinação legal dos danos emergentes e do lucro cessante: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar” (BRASIL, 2002).
Nota-se que o legislador caracterizou o dano emergente como aqueles bens que o lesado efetivamente perdeu, já o lucro cessante como a redução dos ganhos e o impedimento de se lucrar com um bem ou interesse futuro.
Conforme demonstra Cavalieri Filho (2010), a determinação do dano emergente consistirá em um cálculo básico, subtraindo o valor do bem jurídico antes pelo montante posterior à ocorrência do dano.
Já a mensuração do lucro cessante requer mais cuidado, uma vez que não deve ser confundido com um lucro hipotético, levando-se em consideração apenas a frustração de uma perda real, de um ganho esperável.
Importante mencionar que o dano moral está expressamente previsto tanto no Código Civil, quanto no Código de Defesa do Consumidor, a saber:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002).
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
VI. a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;” (BRASIL, 1990).
O dano moral ou extrapatrimonial pode ser definido como aquele que não atinge o patrimônio do ofendido. Pontes de Miranda alega que o “dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que é, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atingindo o patrimônio” (MIRANDA, apud CAHALI, 2000, p. 19).
Segundo a explicação didática de Leonardo Bessa (2006) “Toda pessoa possui bens ou valores que não têm preço, ou seja, não podem ser convertidos num valor monetário específico. […] Os danos morais referem-se justamente à ofensa a tais valores e possuem um caráter compensatório” (BESSA, apud DESSAUNE, 2011, p.84).
Conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves (2010), este dano não deve ser entendido como a dor, a angústia, a humilhação e o desgosto, sofridos pela vítima, uma vez que estes estados de espíritos consistem na consequência do dano.
Para este doutrinador, o direito não deve reparar qualquer modalidade de padecimento, mas somente aqueles que privam a vítima de um bem jurídico pelo qual se tem o interesse juridicamente reconhecido.
Para Carlos Alberto Bittar (1993) os danos morais “se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado” (BITTAR, apud THEODORO JÚNIOR, 2000, p. 2).
Humberto Theodoro Júnior (2000) complementa a definição afirmando que o dano moral é aquele que fere a subjetividade, afetando as suas qualidades perante a sociedade, abalando os aspectos mais íntimos da personalidade.
Dalmartello (1935) caracteriza o dano moral “como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos” (DALMARTELLO, apud CAHALI, 2000, p. 20).
Diante desta caracterização, como aduz Yussef Said Cahali (2000), pode-se extrair uma classificação dos danos morais, como aqueles que atinge “a parte social do patrimônio”, tais como a honra e a reputação. Aqueles danos que afetam “a parte afetiva do patrimônio moral”, como dor, tristeza, saudades. E por fim aquele “dano moral puro”, que se refere à dor e tristeza (CAHALI, 2000).
Venosa (2003) esclarece que para caracterizar o dano extrapatrimonial é essencial se utilizar de critério que privilegie as reações de um homem médio e neste sentido explica que “não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouco ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino” (VENOSA, 2003, p. 33).
Dessa forma caberá ao julgador do caso concreto averiguar as circunstâncias de ocorrência do dano, a fim de verificar o desconforto gerado.
O autor citado anteriormente evoca ainda, que o dano moral também abrange aquelas situações em que há violação aos direitos da personalidade, tais como o direito ao nome, à imagem, à privacidade, etc.
Eduardo Zannoni (1982) subdivide o dano moral em direto e indireto. Este é o que provoca perda a de qualquer interesse extrapatrimonial em sequência de uma lesão a um direito patrimonial. Já o direto
“consiste na lesão a um interesse que visa a (sic) satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família)” (ZANNONI, apud GONÇALVES, 2010, p. 645).
Percebe-se que o dano moral direto é aquele que atinge um direito que permite o deleite de um prazer inerente aos direitos de personalidade. Por outro lado o dano moral indireto atinge o gozo de um direito patrimonial que consequentemente deprecia um bem extrapatrimonial.
A extensão do dano moral deve ter como base as diretrizes traçadas na Constituição Federal, em seus artigos 5º, V e X, e 1º, III, a serem observadas:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V. é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
X. são invioláveis, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988).
Normalmente, encontra-se na doutrina a afirmação de que tais hipóteses enumeradas pela Constituição Federal são meramente exemplificativas, entretanto, é temerário distanciar-se dos preceitos constitucionais sob pena de transformar pequenos incômodos e desprazeres em dano moral.
Por fim, Marcos Dessaune (2011) conclui que “o dano imaterial ou moral é tanto a violação do recurso cognitivo abstrativo do consumidor (sua consciência), quanto o abalo dos seus recursos vitais vulneráveis (seu equilíbrio psíquico e físico)”. (DESSAUNE, 2011, p. 87).
No que tange à fixação do valor da reparação, esta é bastante questionável nos tribunais, nas doutrinas e na jurisprudência. A priori, como acentua Venosa (2003), o dano extrapatrimonial “é irreparável, insuscetível de avaliação pecuniária porque é incomensurável” (VENOSA, 2003, p. 35).
Conforme acrescenta Carlos Roberto Gonçalves (2010), modernamente, a indenização pelo dano extrapatrimonial significa uma compensação pela tristeza sofrida. Para Venosa (2003) a compensação pecuniária “é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação” (VENOSA, 2003, p. 35).
Interessante mencionar o artigo 496 do Código Civil Português, in verbis: “Na fixação da indenização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”. Desse modo, para se ter o direito à reparação de um dano extrapatrimonial, deve-se exigir como pressuposto a gravidade do dano.
O ministro do STJ Aldir Passarinho Júnior (2009), como relator no julgamento do Recurso Especial 750.735-RJ, que trata de uma ação em desfavor de uma concessionária de veículos acusada de comercializar carros com defeitos, compelindo o adquirente a efetuar sucessivas visitas à concessionária demandando despesas com deslocamento, aduz que:
“A indenização por dano moral não deve ser banalizada. Ela não se destina a confortar meros percalços da vida comum, e o fato trazido a julgamento não guarda excepcionalidade. E os defeitos, ainda que em época de garantia de fábrica, são comuns. Haveria razoabilidade no deferimento de danos materiais, que na hipótese dos autos não foram comprovados, quando as sucessivas visitas à concessionária provocam a realização de despesas com o deslocamento, tais como combustível, aluguel de outros veículos, táxi, etc, porque a perda momentânea do uso do automóvel, guardadas certas proporções, é evidente, mas daí assemelhar esse desconforto a um dano moral, lesivo à vida e personalidade do incomodado, é um excesso. Ou seja, possível a indenização por danos materiais, mas os incômodos ou dissabores não chegam a configurar dano moral. Grifo nosso” (JÚNIOR apud, GONÇALVES, 2010).
Em seu voto, o referido ministro demonstra que não se observa o dano moral em fatos corriqueiros e comuns os quais se deve suportar na vida em sociedade. Nota-se a importância de, no caso concreto, fazer a análise da gravidade do dano.
Diferentemente da reparação do dano material que tem como fim a recomposição do patrimônio, a esfera da personalidade não admite esta forma de recomposição. Diante disso, Venosa (2003) afirma a existência de um caráter punitivo na fixação da indenização.
Humberto Theodoro Júnior (2000) demonstra que a reparação no caso dos danos morais poderia funcionar como uma sanção pela prática do ato causador do prejuízo. Neste sentido, o autor aduz que “atribui-se um valor à reparação, com duplo objetivo de atenuar o sofrimento injusto do lesado e de coibir a reincidência do agente na prática de tal ofensa, mas não como eliminação mesma do dano moral” (THEODORO JÚNIOR, 2000, p. 3).
Contudo, o autor prevê que esta forma pedagógica de reparar deve ser cautelosa; deve ser acatada de maneira adequada e moderada no âmbito da responsabilidade civil, fundada no fato de se tratar de disciplina de direito privado, no qual não se busca punir os atos, mas apenas equilibrar as relações particulares.
Venosa (2003) chama atenção para a situação econômica do país de má distribuição de renda, para se evitar conduzir à pobreza o causador do dano e a um enriquecimento da vítima, o que somente agravaria a o problema social vivido.
Humberto Theodoro (2000) lembra, ainda, que no ordenamento jurídico pátrio cabe ao Direito penal reprimir as condutas nocivas ao interesse coletivo. Ademais é defeso, conforme princípio do bis in idem, sujeitar o agente a repetidas sanções por um único ato.
Maria Fernanda Palma (1997) evidencia que na atual ordem constitucional não é permitido à norma penal “tutelar valores puramente morais ou desempenhar fins puramente educativos” (PALMA, apud THEODORO JÚNIOR, 2000, p. 57).
A reparação civil de um dano material tem como alicerce a norma contida nos artigos 186 e 927 do Código Civil, norma que prevê tão somente a obrigação de reparar o dano.
No campo probatório, o dano moral não será mensurado por meio de testemunhas ou por pericia. Como esclarece Venosa (2003, p. 35), “a razão da indenização do dano moral reside no próprio ato ilícito”.
Na atual forma de se pensar o direito, que reclama por uma proteção mais ampla que a observada na esfera individual, e imperando a socialização dos direitos, com o nascimento de normas de cunho social, surge a possibilidade de se defenderem os interesses coletivos.
Conforme expõe Jamine Gonçalves Bedram (2014) as pessoas projetam-se nos grupos sociais de que participam, nos quais está presente um interesse comum e coletivo. Esses grupos são titulares de direitos universais, isto é “constituímos uma sociedade plural, multifacetada, com valores específicos da coletividade, sem abrir mão de nossos valores individuais” (BEDRAM, 2014, p. 51).
A Constituição da República traz a ideia de solidariedade, que no âmbito do dano moral coletivo reflete na tutela dos direitos transindividuais, coletivos ou difusos. A esse propósito, é possível vislumbrar situações em que a coletividade pode sofrer danos oriundos de ato ilícito, passível de gerar o dano moral coletivo.
Carlos Alberto Bittar (1999) esclarece que
“o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial” (BITTAR, apud BEDRAM, 2014).
Nota-se que o dano moral coletivo é a lesão que atinge a uma coletividade oriunda de uma conduta injusta. Neste contexto, é imperativo que o dano coletivo se caracterize como injusto de real sentido no âmbito da coletividade.
O código de defesa do consumidor concede tutela especial no que tange à lesão a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, a saber:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I. interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II. interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III. interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum” (BRASIL, 1990).
No ordenamento jurídico vigente, o principal fundamento legal para a reparação do dano moral coletivo é encontrado no código de defesa do consumidor:
“Art. 6º: São direitos básicos do consumidor: […]
VI. a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
VII. o acesso aos órgãos do judiciário e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes” (BRASIL, 1990) Grifo nosso.
No artigo 6º tem-se o reconhecimento do direito material ao dano moral coletivo, enquanto que no artigo 91, extrai-se a disciplina processual que permitirá a efetivação do direito.
Encontra-se também fundamento na da Lei de Ação Civil Pública, após diversas alterações, enunciando a possibilidade da reparação por danos morais a direitos coletivos:
“Art. 1. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: […] IV. a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” (BRASIL, 1985) Grifo nosso.
Nota-se grande simplicidade no tratamento do tema nos diplomas legais. Diante de tais dispositivos, busca-se respaldo em alguns estudos doutrinários. Neste diapasão Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004), aduz que:
“A ampliação dos danos passíveis de ressarcimento reflete-se destacadamente na abrangência da obrigação de reparar quaisquer lesões de índole extrapatrimonial, em especial as de natureza coletiva, aspecto que corresponde ao anseio justo, legítimo e necessário apresentado pela sociedade de nossos dias. Atualmente, tornaram-se necessárias e significativas para a ordem e a harmonia social a reação e a resposta do Direito em face de situações em que determinadas condutas vêm a configurar lesão a interesses: juridicamente protegidos, de caráter extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade. Ou seja, adquiriu expressivo relevo jurídico, no âmbito da responsabilidade civil, a reparação do dano moral coletivo (em sentido lato)” (MEDEIROS NETO, apud BESSA, 2007).
O autor citado anteriormente defende que diante do movimento de socialização da responsabilidade civil, não se deve confinar o dano moral no âmbito individual, mas ser ampliado de forma a tutelar valores comuns de toda a coletividade.
O Direito está em constante transformação, uma delas diz respeito à sua “socialização”, conduzindo-o a uma tutela coletiva, o que enseja o surgimento da figura do dano moral coletivo.
A formação deste novo entendimento teve início com a edição da Súmula 227, do STJ, que consolida o entendimento do tribunal no sentido de possibilitar a indenização por dano moral sofrido por pessoas jurídicas. A partir de então, é justificável considerar a reparação de outros entes que não detêm de personalidade jurídica, tal como a coletividade.
Soltze Gagliano e Pamplona (2010) defendem que o conceito de direitos da personalidade seja ampliado no intuito de abarcar a supramencionada previsão legal, uma vez que não existe uma personalidade jurídica coletiva.
Adriano Celestino Barros (2007) elege o princípio da dignidade da pessoa humana como o parâmetro ideal para se estimar o dano moral coletivo.
Grande dúvida que paira é em relação à destinação do valor da indenização oriunda da caracterização do dano moral coletivo. É preciso levar em consideração que o valor da indenização visa compensar uma lesão a bens de natureza imaterial
Para Xisto Tiago (NETO, apud BESSA, 2007) deve haver um caráter sancionador de forma exemplar ao causador do dano, submetendo o valor a uma destinação que seja proveitosa a toda coletividade atingida.
Leonardo Bessa (2007) corrobora com este entendimento afirmando que ao proferir a condenação do ofendido deve-se utilizar de um critério que desestimule novas violações. Contudo, como já demonstrado, este critério não tem ampla aceitação no ordenamento jurídico pátrio, o que conduz a uma nova temática a qual não se pretende investigar, no presente trabalho.
Nesta “nova espécie de dano”, o sujeito passivo vitimado é uma determinada coletividade. Assim, a reparação deve reverter-se em favor desse grupo afetado.
A condenação ao pagamento de danos morais coletivos, conforme entende Jamine Bebram (2014), deve ter o seu valor revertido para fundos de defesa dos direitos coletivos, ou outra forma que possibilite a utilização por todos os lesados.
Jamine Bebram (2014) acrescenta, ainda, a existência de diversas formas de ocorrência dos danos morais coletivos, contudo não há uma limitação absoluta, pois como já visto, há um constante evoluir dos institutos jurídicos. Neste sentido, esta autora exemplifica com o dano moral coletivo ambiental, nas relações trabalhistas e de consumo.
Por fim, a referida autora confirma que o dano moral coletivo encontra resistência na doutrina e na jurisprudência apenas de dois juristas, quais sejam: Ministro Teori Albino Zavascki e Rui Stoco. Estes entendem que existe apenas o dano moral individual, uma vez que inexiste qualquer previsão no sentido de possibilitar a coletividade ser sujeito de direitos e que, por ser o dano moral oriundo de uma violação a um direito de personalidade, não há como cogitar a alternativa de atingir a coletividade.
Todavia, conforme assunto já explanado, a Lei da Ação Civil Pública dispõe sobre a proteção de interesses difusos ou coletivos, inclusive por meio de uma reparação por dano moral. Além disso, a autora, com base em ensinamentos de Cavalieri Filho (2010), explica que o dano extrapatrimonial não tem ligação íntima com a reação psíquica da vítima.
Esta teoria, conforme aduz Katiane da Silva Oliveira (2010) teve início na década de 60, na França, e descobriu espaço para ser aplicada no Brasil. Conforme aduz Ignez Guimarães (2010) o dano decorrente da perda de uma chance são aqueles prejuízos etéreos, isto é, intangíveis, não palpáveis, “como quebras de expectativa ou frustração de confiança, invasão de privacidade, estresse emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda da possibilidade de escolha” (GUIMARÃES, 2010, p. 67).
Para Cavalieri Filho (2010), a perda de uma chance fica caracterizada quando a partir da conduta de um terceiro afasta-se a probabilidade de ocorrer determinado evento que possibilitaria um benefício futuro à vítima. O renomado autor prossegue: “A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 77).
Katiane Oliveira (2010) conceitua este novo instituto como a possibilidade de se obter “o ressarcimento pela perda da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo”.
De acordo com Rafael Peteffi (2009), a perda de uma chance é caracterizada “como um acontecimento em que se paralisa um processo aleatório por um ato imputável, no qual o ofendido perderá a probabilidade de um evento favorável” (PETEFFI, apud GUIMARÃES, 2010). Ademais, o autor ressalta a necessidade de haver um certo grau de seriedade das chances reparáveis.
Ainda, Ignez Guimarães (2010) conceitua a perda de uma chance como “a real possibilidade perdida em razão de um dano, derivado de um ato ilícito legal ou contratual, de se obter uma condição favorável (benefício) ou de se evitar uma situação prejudicial (prejuízo)”.
Conforme observa Cavalieri Filho (2010), esta teoria é utilizada naqueles casos em que o ato ilícito retira do ofendido a possibilidade de obter uma condição melhor no futuro. Importante destacar que esta chance deve ser séria e real, tendo como suporte o princípio da razoabilidade. Em outras palavras, o autor alerta que diante do caso concreto deve ser analisado se o resultado positivo seria provável ou se não seria uma mera possibilidade fortuita.
O juiz em seu mister deverá valorar as possibilidades de obter o resultado, não considerando a possibilidade em sua integralidade, mas apenas a proporção de se ter um resultado favorável.
Tendo em vista o montante da indenização, a possibilidade de se obter um resultado benéfico deve ser sempre um valor menor do que seria a conquista futura. Em suma, a reparação “deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem” (CAVALIERI FILHO, 2010 p.78).
É essencial esclarecer a distinção entre o resultado perdido da oportunidade de alcançá-lo. Assim, Sérgio Savi (2006) elucida que “a indenização pela perda de uma chance não se afasta da regra da certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo” (SAVI, apud GUIMARÃES, 2010).
No Brasil, a aplicação desta teoria é recente e fica a cargo da doutrina e da jurisprudência, uma vez que o atual código civil não estabelece esta possibilidade. Contudo, ainda não é uma questão pacífica.
O caso emblemático que envolveu a teoria da perda de uma chance é o caso do atleta olímpico Vanderlei Cordeiro de Lima, que perdeu a oportunidade de trazer para o Brasil a medalha de ouro das Olimpíadas de Atenas, em 2004. No momento em que estava na liderança isolada da prova, o corredor teve o seu sonho interrompido dolosamente por um terceiro que o agarrou e o retirou da pista. Aos poucos, a distância entre os concorrentes foi diminuindo fazendo-o perder duas colocações. Com inesperável superação e admiração, o atleta seguiu até o final da prova, chegando em terceiro lugar, contudo não alcançou a tão almejada medalha de ouro.
Outra circunstância notória que movimentou os tribunais em 2006 ocorreu quando a participante do programa “Show do Milhão” teve fracassada a chance de auferir o prêmio máximo de R$ 1 milhão de reais, tendo em vista que não havia resposta logicamente viável para a questão formulada.
Além desses casos emblemáticos, já é possível encontrar na jurisprudência brasileira outros casos de aplicação desta teoria.
Conforme Katiane Oliveira (2010), a doutrina clássica não admite a teoria da perda de uma chance diante da impossibilidade de definir o resultado final, recaindo na esfera do hipotético.
Contudo, a autora discorda deste posicionamento, defendendo que “a indenização não está relacionada com o resultado final, ou seja, com a vantagem em si, mas sim com a perda da possibilidade de obter um beneficio ou de evitar um prejuízo” (OLIVEIRA, 2010).
Neste sentido, tem-se a severa crítica de Rui Stoco (STOCO apud GUIMARÃES, 2010), segundo o qual admitir a aplicação da teoria da perda de uma chance estaria se imputando a alguém um resultado inexiste, havendo apenas uma hipótese de dano desprovido de concretude.
No entanto, Ignez Guimarães (2010) assegura que o autor está equivocado, uma vez que o mesmo faz uma confusão com o que seria dano para esta teoria. A autora explica que nesse caso, o dano não consiste simplesmente em não alcançar o objetivo, mas sim decorrente da privação de buscar atingir o resultado.
As oportunidades são intrínsecas à vida do homem, neste sentido, Ignez Guimarães (2010) defende que se o ofendido é privado de uma oportunidade real de ser ou estar em melhores condições, devido à ação de um terceiro que violou algum de seus direitos “nada mais justo ser o ofensor obrigado a reparar essa perda”.
Outro pressuposto essencial da Responsabilidade Civil é a existência do liame entre a conduta praticada e o dano produzido. Não havendo este nexo causal não haverá a obrigação de indenizar.
O Direito Civil busca amparo na primeira parte do artigo 13, do Código Penal Brasileiro, por este conter norma expressa no que tange ao nexo de causalidade, in verbis: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.
Para Cavalieri Filho (2010), o nexo causal é o elemento de correspondência entre a ação e o efeito, o qual possibilita constatar o causador do dano.
Neste sentido, deve-se a priori buscar o nexo de causalidade e somente após ser constatada a sua presença, analisar a culpa, uma vez que nenhuma pessoa pode ser, responsabilizada por algo que não deu causa.
O doutrinador Serpa Lopes (apud CAVALIERI FILHO, 2010) é preciso, ao dissertar sobre o tema:
“São dois pontos que não se confundem – a relação causal e a imputabilidade. Quando se cogita de imputabilidade ou da culpabilidade, temos que determinar quais são condições necessárias a que um resultado deva ser imputado subjetivamente ao seu autor, enquanto o problema do nexo causal diz respeito às condições mediante as quais o dano deve ser imputado objetivamente à ação ou omissão de uma pessoa” (LOPES, apud CAVALIERI FILHO, 2010, p. 48).
A busca pelo nexo de causalidade não é sempre uma missão fácil, visto que nesta procura, pode-se encontrar diversas concausas, isto é, uma cadeia de circunstâncias que concorrem para o dano. Quando o dano desdobra-se de um fato simples, o nexo causal é formado entre o fato e o dano.
As concausas mencionadas, por sua vez, podem ser sucessivas ou simultâneas. Nas sucessivas, têm-se uma cadeia de causas e danos, enquanto nas simultâneas, há apenas um dano com várias causas. A maior dificuldade reside em definir qual das concausas sucessivas será a responsável pelos efeitos.
Para enfrentar tais dificuldades, a doutrina e a jurisprudência se valem de três teorias, quais sejam: da equivalência das condições, da causalidade adequada e aquela que o dano seja consequência imediata do fato que o produziu.
Todavia, desde já se esclarece que tais teorias ofertadas não oferecem soluções simples e prontas para todos os entraves que circundam o nexo de causalidade.
Para os defensores desta teoria, toda e qualquer conduta que tenha concorrido para a produção do dano será considerada como causa que enseja a responsabilidade civil.
Nesta teoria causa e condição são equivalentes. Desse modo, todas as condições que cooperam para aquele resultado têm a mesma relevância. A equivalência se fundamenta no entendimento de que, ao suprimir uma das causas o dano não existiria.
Maximilian Von Buri (BURI, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010) desenvolveu esta teoria tendo como alicerce os ensinamentos de Stuart Mill, os quais defendem que o resultado sempre será uno e indivisível, é impossível atribuir uma percentagem a cada uma das condições isoladamente.
Stolze Gagliano e Pamplona (2010) aduzem que “esta teoria é de espectro amplo, considerando elemento causal todo o antecedente que haja participado da cadeia de fatos que desembocaram o dano”.
Gustavo Tepedino (2001) demonstra a impertinência desta teoria:
“a inconveniência desta teoria, logo apontada, está na desmensurada ampliação, em infinita espiral de concausas, do dever de reparar, imputado a um sem-número de agentes. Afirmou-se, com fina ironia, que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade” (TEPEDINO, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p.129).
Tal teoria apresenta diversas críticas, como a condução a uma exasperação da causalidade, produzindo resultados absurdos, tal como exemplifica Nelson Hungria, que ao aplicar tal entendimento a responsabilidade por um homicídio, poderia abarcar inclusive o fabricante da arma com a qual o dano foi executado (HUNGRIA apud GONÇALVES, 2010, p. 615).
Johannes Von Kries (KRIES, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010), criador desta teoria, defende a qualificação e a individualização das condições, ao contrário da primeira corrente. A partir da análise das causas autonomamente, esta teoria vai declarar como causa, não apenas aquela que apresente o antecedente necessário para resultar o dano, mas aquela causa considerada a adequada a produzir o evento danoso.
Nota-se que haverá distinções entre causa e condição, além de ser atribuído maior ou menor relevância a cada uma delas. Entretanto, a teoria não determina critérios objetivos a fim de determinar a causa mais adequada, ficando à mercê do aplicador da norma fazer suas ponderações diante do caso que lhe for apresentado.
Para Cavalieri Filho (2010), a causa adequada é “aquela que, com o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, se revelar a mais idônea para gerar o evento”. O autor defende, ainda que esta é a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro no que tange à esfera cível e para justificar tal colocação descreve o ilustre ensinamento do Desembargador Martinho Garcez Neto, in verbis:
“A teoria dominante na atualidade é a causa adequada, segundo a qual nem todas as condições necessárias de um resultado são equivalentes: só o são, é certo, em concreto, isto é, considerando-se o caso particular, não porém, em geral ou em abstrato, que é como se deve plantar o problema” […](NETO, apud CAVALIERI FILHO, 2010, p. 48).
Como fica demonstrado na obra de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2010), a causa abstratamente idônea a determinar o resultado está submetida a um juízo de razoabilidade e proporcionalidade. Assim, o parecer acerca desta corrente é que esta concede um grau vultoso de discricionariedade ao julgador.
Trata-se de uma fusão entre as duas primeiras teorias, retirando extremismos exacerbados verificados na utilização destas teses, buscando uma solução razoável. Esta foi elaborada pelo Professor Agostinho Alvim (1972), no Brasil, que a explica da seguinte forma:
“Suposto certo dano, considera-se causa dele a que lhe é próxima ou remota, mas, com relação a esta última, é mister que ela se ligue ao dano, diretamente. Assim, é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da execução” (ALVIM, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p.132 e 133).
Nota-se que será adequada aquela causa que tem ligação direta com o evento danoso. Assim, esta teoria tem como causa “apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direta e imediata”. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p.132).
Gustavo Tepedino (2001) complementa que:
“a causa relativamente independente é aquela que, em apertada síntese, torna remoto o nexo de causalidade anterior, importando aqui não a distância temporal entre a causa originária e o efeito, mas sim novo vínculo de necessariedade estabelecido, entre a causa superveniente e o resultado danoso. A causa anterior deixou de ser considerada, menos por ser remota e mais pela interposição de outra causa, responsável pela produção do efeito, estabelecendo-se outro nexo de causalidade” (TEPEDINO apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p.133).
A relação temporal entre a causa e o dano não é pressuposto necessário para qualificá-la como a produtora do dano, mas sim a necessidade da ocorrência desta para o evento do dano.
Conforme se extrai do art. 403 do Código Civil, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria do dano direto e imediato: Art. 403. “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só se incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual” (BRASIL, 2002).
Contudo, não se pode desprezar o fato de que não raras vezes a jurisprudência nacional tem aplicado a teoria da causa adequada, muitas vezes por um comum equívoco e outras simplesmente por ter o tema um sedutor caráter prático.
Neste diapasão Enneccerus (1935) advoga pela impossibilidade de se definir o nexo a partir de regras abstratas, devendo o juiz ponderar as circunstâncias e decidir conforme sua livre convicção (ENNECCERUS apud GONÇALVES, 2010, p. 617).
Em conformidade com o que expõe Luiz Otávio de Oliveira Amaral (2010), até a década de 60, este ente, denominado de consumidor, não tinha vulto no ordenamento jurídico, citado em episódicos textos legais, mas sempre como variação de outros conceitos, como cliente, clientela, economia popular, etc.
No Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira tem-se como consumidor aquele “Indivíduo ou instituição que compra bens para o seu consumo” (FERREIRA, 2012, p. 193).
Cláudia Lima Marques (2002) explica que se podem obter duas concepções de consumidor a depender do enfoque. Diante de uma perspectiva subjetiva pode-se concluir que há uma “proteção do não-profissional que contrata ou se relaciona com um profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal”. De outro modo, dando enfoque ao aspecto objetivo, tem-se como consumidor o destinatário final.
O legislador parecendo eleger o critério objetivo e consciente da dificuldade frequente em conceituar os sujeitos e institutos jurídicos, enuncia no artigo 2º do código de defesa do consumidor, o conceito legal de consumidor, in verbis: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL, 1990).
Diante deste norte dado pelo legislador, a doutrina se debruça no estudo deste sujeito, sendo imperativo analisar a expressão “destinatário final”, uma vez que, conforme prevê Cláudia Lima Marques (2002) está é a única declaração restritiva encontrada na definição. Dessa maneira, é este o termo que irá precisar exatamente quem são os destinatários do diploma protetivo.
Atualmente, encontram-se três correntes que se destacam na tentativa de delimitar o conceito de destinatário final, fundamentando-se na teoria finalista, maximalista e finalista mitigada.
A teoria maximalista é também denominada por alguns autores como objetiva, por se referir à aquisição e utilização de um bem ou serviço. Para os defensores de tal corrente, será consumidor todo aquele que praticar um ato de consumo.
Amaral (2010) expõe que bem ou produto, conforme denominado pelo CDC, “é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (art.3º, § 1º, CDC)”. O serviço será “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (art.3º, § 2º, CDC)”.
Os maximalistas, conforme elucida Cláudia Lima Marques (2002), entendem as normas do código de defesa do consumidor como “o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadoras para proteger somente o consumidor não-profissional”.
Além disso, aqueles favoráveis a esta corrente afirmam que o código de defesa do consumidor que, por funcionar como um código geral de consumo deve ser interpretado de forma ampla.
Para esta teoria, conforme ilustra Cavalieri Filho (2011), é irrelevante o fim a que se destina o ato de consumir, sendo desnecessário analisar a presença de vulnerabilidade jurídica, socioeconômica ou técnica.
Conforme esclarece Marques (2002), será destinatário final, logo consumidor aquele destinatário fático do bem ou serviço, que o retira do mercado e o consome. Esta autora exemplifica:
“a fábrica de toalha que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e é, claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a sua família” (MARQUES, 2002, p. 255).
Há uma interpretação ampliativa da locução “destinatário final”, o que resulta em abranger no conceito ora estudado, além dos consumidores os fornecedores. Esta forma de elucidar o tema acaba por deturpar a finalidade do diploma legal, que busca tutelar a parcela hipossuficiente da relação de consumo.
Concluindo, em consonância com Cláudia Lima Marques (2002) que “se a todos considerarmos como ‘consumidores’, a nenhum trataremos de forma diferente”, o que tornaria o microssistema especial em norma comum.
Em outro rumo, tem-se a teoria finalista ou subjetivista, que interpreta de forma restritiva o preceito legal. Desta forma, será consumidor o sujeito vulnerável que retira um produto ou serviço do mercado para uso particular, como necessidade pessoal. Percebe-se a defesa de um entendimento subjetivista do consumidor, restringido àquela pessoa com finalidade não profissional.
Cláudia Lima Marques (2002), explica que a definição de consumidor para os finalistas é o que fundamenta a tutela especial concedida a essa parcela da comunidade, o que demonstra a importância de delimitar quem merece esta defesa.
Neste viés, a referida autora informa que “destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica” (MARQUES, 2002). Tem-se uma interpretação finalística do conceito de consumidor, sendo que este não pode retirar o bem do mercado com o intuito de revender ou para uso profissional, devendo utilizá-lo para si ou para sua família.
Esclarecedor é o pensamento de Amaral (2010), segundo o qual se o bem consumível é aquele que perde sua substância com o préstimo a que se destina, o consumo leva a consequente perda da coisa. E, assim, o consumidor só pode ser a pessoa que consome para uso próprio. Pode-se considerar o consumidor como aquela pessoa utilizadora final do bem ou do serviço para fins estritamente pessoais.
Nesta perspectiva, a pessoa jurídica está excluída do conceito de consumidor, salvo naquelas situações em que “não objetive o desenvolvimento de outra atividade negocial. Não se admite, dessa maneira, que o consumo se faça com vistas à incrementação de atividade profissional lucrativa” (CAVALIEIRI FILHO, 2011, p. 61).
As duas primeiras teorias são excludentes, pois é impossível aplicá-las simultaneamente a um mesmo evento. Diante disto, têm-se alguns casos concretos não abarcados por estas, o que faz surgir na doutrina e na jurisprudência uma terceira corrente qual seja a finalista mitigada, que é uma evolução do pensamento teleológico.
Conforme tal teoria, haverá uma ampliação do conceito de consumidor, desde que estejam presentes os requisitos da debilidade e vulnerabilidade. Marques (2002) explica que o Judiciário começa interpretar conforme a finalidade da norma “reconhecendo a vulnerabilidade de uma pequena empresa ou profissional, que adquiriu, por exemplo, um produto fora de seu campo de especialidade” (MARQUES, 2002).
Esta ampliação se justifica pela busca da equidade do mercado consumidor. E como lembra Amaral (2010), o direito é o instrumento para cumprir a justiça na vida concreta, primando pela boa-fé e utilizando-se de critérios de razoabilidade. Esclarece-se que esta corrente deve ser aplicada apenas em casos excepcionais em que se verifique a fragilidade do adquirente. Importante enfatizar que atualmente esta é a teoria prevalente nos julgados do Superior Tribunal de Justiça.
Após a pormenorização destas teorias, segue-se a definição de consumidor, conforme a visão de diversos autores. Para Eros Roberto Grau (2001), o consumidor é aquele indivíduo “que se encontra em uma posição de debilidade e subordinação estrutural em relação ao produtor do bem ou serviço de consumo” (GRAU, apud AMARAL, 2010, p. 100).
De acordo com a obra de Fábio Konder Comparato (1998), o consumidor é “aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários” (COMPARATO, apud AMARAL, 2010, p. 100).
Antônio Herman Benjamin (1988) contribui com um conceito mais completo, segundo o qual
“Consumidor é todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação doméstica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços ou quaisquer outros bens ou informação colocados à sua disposição por comerciante ou qualquer outra pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimento profissionais” (BENJAMIN, apud AMARAL, 2010, p. 100).
Cláudia Lima Marques (2002) tendo como enfoque o contrato, busca uma conceituação que privilegie a função social deste instituto. A autora explica que nesta nova perspectiva o direito contratual busca afastar o desequilíbrio e busca uma equidade entre as partes. Nesta perspectiva, paira a dúvida se este desequilíbrio existe na relação entre dois profissionais.
A doutrinadora responde a esta dúvida, afirmando que inicialmente se presume que há um equilíbrio nesta relação, mas que esta regra não é absoluta podendo ser mitigada em casos em que se verifique a vulnerabilidade de uma das partes.
O código de defesa do consumidor, no parágrafo único, do artigo 2º, bem como nos artigos 17 e 29, ostenta o consumidor por equiparação, isto é, aqueles que não são consumidores no sentido jurídico, considera-se, porém, como se fosse para efeitos da tutela legal.
Conforme esclarece Amaral (2010), neste caso tem-se como referência um agrupamento de pessoas indetermináveis, que é transformado em um sujeito coletivo de direito.
Neste viés, Cavalieri Filho (2011) explica que os consumidores por equiparação
“estão igualmente amparados todos aqueles que, muito embora não se amoldem ao conceito jurídico de consumidor padrão, estão expostos aos efeitos decorrentes das atividades dos fornecedores no mercado, podendo ser por elas atingidos ou prejudicados” (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 69).
Cláudia Lima Marques (2002) demonstra que no âmbito extracontratual, conforme enuncia o artigo 17 do código de defesa do consumidor, as normas deste diploma legal será aplicável a “todas as vítimas do evento danoso”. Assim, a autora esclarece que os ofendidos “não são, ou não necessitam ser consumidores stricto sensu, mas a elas é aplicada a tutela especial”.
O artigo 29 do código de defesa do consumidor considera como consumidor todas as pessoas expostas às práticas comerciais e contratuais. Marques (2002) explica que a vulnerabilidade persiste como elemento essencial para caracterização do consumidor, sendo modificado apenas o critério da destinação final.
Logo, Cláudia Lima Marques (2002) conceitua o consumidor como um sujeito de direitos fundamentais. Esta autora explica que o direito do consumidor tem status de direito fundamental do cidadão e de direito humano da nova geração positivado. Isto ocorre, conforme a doutrinadora esclarece devido ao papel exercido pelo consumidor na sociedade, de especialmente vulnerável, frágil, débil, diante do fornecedor.
Conforme leciona Amaral (2010), antes de surgir o direito do consumidor, a ciência jurídica, atentava-se apenas pela definição de cliente: é “a pessoa que recebe os produtos e serviços resultantes de um processo econômico no intuito de satisfazer suas necessidades. Cliente é, enfim, a razão de todo o processo econômico-produtivo. O cliente sempre foi a razão econômica” (AMARAL, 2010, p.96).
O próprio autor esclarece que o consumo como parte essencial da rotina do ser humano, não poderia ser olvidado pelo Direito. O Direito do consumidor tem sua gênese nas sociedades capitalistas, tais como Inglaterra, Alemanha, EUA e França.
Da mesma forma que a Revolução Industrial teve grande relevância na evolução histórica da Responsabilidade Civil, terá também destaque para o Direito do Consumidor.
Esta grande revolução modificou energicamente a logística, a produção, a comercialização e as relações do mercado de consumo. Houve uma massificação das vendas, produção em cadeia e em grandes quantidades.
Conforme assevera Cavalieri Filho (2011):
“O novo mecanismo de produção e distribuição impôs adequações também ao processo de contratação, fazendo surgir novos instrumentos jurídicos – os contratos coletivos, contratos de massa, contratos de adesão, cujas cláusulas gerais seriam estabelecidas prévia e unilateralmente pelo fornecedor, sem participação do consumidor” (CAVALIERI FILHO 2011, p.3).
Apesar deste desenvolvimento na área industrial, a proteção do consumidor permaneceu estagnada, com o direito ficando cada vez mais ultrapassado. Instaurou-se um ambiente conveniente para as práticas abusivas que desequilibram as relações consumeristas.
Além do avanço industrial, por mais paradoxais que possam parecer os avanços tecnológicos e científicos também trouxeram mazelas à sociedade, exemplo típico nas doutrinas é o caso da Talidomida Contergam, medicamento utilizado nas décadas de 50 e 60 por gestantes, o qual causou deformidades nos recém-nascidos.
Cavalieri Filho (2011, p.4) cita também “o caso dos vinhos italianos”, ocorrido em 1981, durante a fabricação da bebida fora utilizada uma dose excessiva de metanol, o que acarretou a intoxicação de inúmeros consumidores.
Estes são alguns exemplos dos incontáveis casos ocorridos, que chamaram a atenção dos juristas para a necessidade de se tutelar, com especial cuidado, as relações de consumo.
Foi neste cenário que em 1962, no Congresso norte-americano o então presidente, John F. Kennedy, diante do anseio social por justiça encaminhou uma mensagem que afirmou:
“Consumidores, por definição, somos todos nós. Eles são o maior grupo econômico, e influenciam e são influenciados por quase toda decisão econômica pública ou privada. Apesar disso, eles são o único grupo importante, cujos pontos de vista, muitas vezes não são considerados” (KENNEDY apud AMARAL, 2010, p. 19).
Nesse momento, foi concedido aos consumidores os direitos à segurança, à informação, à saúde, à escolha, e, notadamente o direito de ser ouvido.
O direito à saúde proibiu a venda de produtos que colocassem em risco a saúde ou a vida dos consumidores. O direito à informação impedia o uso da publicidade de forma enganosa e garantia o conhecimento de dados indispensáveis sobre os produtos.
Entende-se por direito de escolha o imperativo de ofertar ao consumidor variedade de produtos e serviços, propiciando também a ampla concorrência. Em decorrência do direito de ser ouvido, os interesses e garantias dos consumidores começaram a ser tutelados de maneira especial.
Em seguida, foram agregados mediante a Organização Internacional das Associações de Consumidores os direitos à satisfação das necessidades básicas, à indenização, à educação e ao ambiente saudável.
Amaral (2010) evoca que a tutela consumerista em nível constitucional surge no ordenamento jurídico brasileiro, no século passado, mais precisamente na Constituição de 1934, em seus artigos 115 e 117, como caráter de norma meramente programática.
Contudo, o consumidor pátrio se atentou à sua situação de vulnerabilidade apenas quando foi implantado o Plano Cruzeiro, o qual causou complexos contratempos na economia.
Na Constituição da República de 1988 é que o consumidor é contemplado com uma tutela mais ampla, uma vez que ficou estabelecido o dever estatal de se promover a sua defesa estabelecendo, inclusive, prazo para criação do código de defesa do consumidor.
No dia 11 de setembro de 1990 este ditame constitucional foi cumprido pelo legislador e, atualmente, “na constelação dos novos direitos, o Direito do Consumidor é estrela de primeira grandeza, quer pela sua finalidade, quer pela amplitude do seu campo de incidência” (CAVALIERI FILHO, 2011, p.2).
O artigo 4º, I, do código de defesa do consumidor informa o princípio da vulnerabilidade do consumidor, in verbis:
“Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.” (BRASIL, 1990).
É legalmente reconhecido que existe desigualdade na relação de consumo. Diante de tal situação persegue-se estabelecer um equilíbrio na relação de consumo. A premissa dessa busca é reconhecer o consumidor como a parte impotente da relação.
A definição trazida pelo dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira informa que vulnerável é aquele que tem algo que pode ser atacado, isto é, há um ponto fraco e no caso do consumidor este é cediço, o que pode ser utilizado de forma censurável dentro do mercado (FERREIRA, 2012, p. 790).
Etimologicamente o adjetivo vulnerável, tem origem da expressão latina vulnus que se traduz em machucado, frágil ou atacado por um mal, significa, então a fraqueza característica de uma classe, grupo ou coletividade.
Assevera Amaral (2010) ser o consumidor vulnerável econômica, social e juridicamente, uma vez que esta característica é inseparável e indissociável dele. Averiguar esta vulnerabilidade é pressuposto substancial do sistema protetivo ao consumidor.
A fragilidade do consumidor é o fundamento de todos os seus direitos e de todas as obrigações dos fornecedores, além de ser também essência do próprio conceito de consumidor. Importante frisar que esta vulnerabilidade independe de prova por parte do consumidor.
Cavalieri Filho (2011) identifica o consumidor pela sua vulnerabilidade uma vez que
“não detendo os mecanismos de controle do processo produtivo (produção, distribuição, comercialização), e dele participando apenas em sua última etapa (consumo), pode ser o ofendido, ferido, lesado, em sua integridade física, econômica, psicológica ou moral” (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 47).
Nota-se que a vulnerabilidade é um estado em que a pessoa se encontra, podendo ser permanente ou transitória, individual ou coletiva. Neste sentido, Cláudia Lima Marques (2002) descreve a vulnerabilidade como “um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificados no mercado”. Este fenômeno é responsável por fragilizar a relação consumerista trazendo-lhe desequilíbrio.
Marques (2002), em seu mister, classifica a vulnerabilidade como técnica, jurídica ou científica e fática. Na primeira, o consumidor não detém de conhecimentos específicos sobre o bem que está adquirindo.
A vulnerabilidade jurídica ou científica, refere-se à ausência de conhecimentos jurídicos, de contabilidade, ou de economia. Quanto à vulnerabilidade fática esta realça o fornecedor em sua posição de monopólio, com vultoso poder econômico ou em decorrência da essencialidade da prestação de seus serviços.
Amaral (2010) alerta que não se deve confundir a vulnerabilidade com a hipossuficiência, pois esta é característica de um número restrito de indivíduos, e aquela é atributo universal.
Cavalieri Filho (2011) entende a hipossuficiência como uma agravante da vulnerabilidade, pois além do cenário comum em que se encontram todos os consumidores, o hipossuficiente tem um plus que pode ser uma carência cultural e/ou material.
Importante esclarecimento traz Cavalieri Filho (2011) ao afirmar que o tratamento desigual do consumidor pelo seu código de defesa não tem o desígnio de lhe agraciar privilégios ou vantagens impróprias, “mas, sim, prerrogativas legais – materiais e instrumentais – para que se atinja o desiderato constitucional da igualdade real”.
Indispensável lição oferece Jorge Miranda acerca do tema:
“Os direitos são os mesmos para todos; mas, como nem todos se acham em igualdade de condições para os exercer, é preciso que estas condições sejam criadas ou recriadas através da transformação da vida e das estruturas dentro das quais as pessoas se movem […] mesmo quando a igualdade social se traduz na concessão de certos direitos ou até certas vantagens especificamente a determinadas pessoas – as que se encontram em situações de inferioridade, de carência, de menor proteção – a diferenciação ou a discriminação (positiva) tem em vista alcançar a igualdade e tais direitos ou vantagens configuram-se como instrumentais no rumo para esses fins” (MIRANDA, apud CAVALIERI FILHO, 2011, p. 48).
Dessa forma, conclui-se que este tratamento especial, concedido ao consumidor, não fere o princípio constitucional da isonomia, ao revés possibilita que a relação ocorra de forma equânime.
Como já mencionado há um desequilíbrio nas relações firmadas entre os consumidores e fornecedores, o que exige do Estado uma ação protetora à parte mais vulnerável destas relações.
Neste sentido, o código de defesa do consumidor busca alcançar um equilíbrio, criando novos direitos aos consumidores e deveres aos fornecedores, tais como a obrigação de tratar com lealdade e com cuidado o consumidor no momento de formação da relação contratual.
Os contratos nas relações de consumo devem ser tratados de maneira especial em comparação com os contratos clássicos em que se tem uma presunção de igualdade entre as partes.
O código de defesa do consumidor insere no ordenamento jurídico brasileiro um novo conjunto “principiológico” que irá reger os contratos celebrados entre fornecedores e consumidores.
Um desses princípios é o da transparência que consagra a premissa de uma relação mais sincera e menos danosa. O fornecedor tem o dever de prestar informações claras, corretas e precisas sobre os produtos e serviços que introduz no mercado de consumo.
Além deste, tem-se também o princípio da boa-fé que é a busca pela harmonia na relação entre fornecedor e consumidor informa o dever de haver lealdade em relação ao parceiro contratual, possibilitando a este uma manifestação de vontade livre e racional.
O código de defesa do consumidor, ao utilizar o termo boa-fé exprime valores éticos, que indicam padrões de comportamento conforme a lealdade, honestidade, cortesia, colaboração, etc.
Agir com boa-fé é atuar pensando no outro, no seu parceiro contratual, cooperando para atingir o melhor resultado possível. Em toda relação que envolva consumidor, deve-se observar o preceito da boa-fé, que insere os deveres anexos, pois são estes aqueles que vão além dos inscritos expressamente.
A nova teoria contratual reconhece que os contratos devem ter uma função social, o que realiza os legítimos interesses do consumidor.
O consumidor manifesta sua vontade com o intuito de alcançar determinados interesses legítimos almejados. Nesse sentido, o fornecedor em sua atuação no mercado cria expectativas aos consumidores. Conforme aduz Marques (2002), o código de defesa do consumidor vai proteger a confiança do consumidor depositada naquela relação firmada com o fornecedor.
Como observa Dessaune (2011), atualmente quase que a universalidade das coisas se relaciona com o consumo; é “possível afirmar que o código de defesa do consumidor instituiu uma nova área da responsabilidade civil” existindo presentemente uma responsabilidade tradicional e outra responsabilidade nas relações de consumo (DESSAUNE, 2011, p.72).
O código de defesa do consumidor é organizado da seguinte maneira: nos artigos 12 ao 17 referem-se à responsabilidade em geral, isto é a reparação de danos independente de sua natureza (patrimonial, moral, etc.); nos artigos 18 ao 25 trata-se da responsabilidade dos fornecedores adotando a teoria do risco criado. Evidencia-se que a regra do CDC é que a responsabilidade civil seja solidária, conforme prescreve o seu artigo 25.
Desse modo, o código de defesa do consumidor apresenta dois tipos de responsabilidade, a saber: “o Código distingue dois modelos de responsabilidade: por vício de qualidade ou quantidade dos produtos ou serviços e por danos causados aos consumidores, ditos acidentes de consumo” (DENARI, apud DESSAUNE, 2011, p.73).
Com amparo neste microssistema que é o código de defesa do consumidor, a responsabilidade civil do fabricante poderá ser configurada independente de culpa:
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos” (BRASIL, 1990).
O próprio dispositivo legal traz em seu §3º as hipóteses de exoneração do fornecedor de reparar, quais sejam: quando o produto não é posto à disposição do consumidor no mercado, quando colocado no mercado, mas inexistir defeito ou quando houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nota-se que em caso de configurar culpa concorrente persistirá a obrigação exclusiva do fornecedor.
Além disso, em seu artigo 14, o código de defesa do consumidor descreve a responsabilidade civil do fornecedor de serviços, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (BRASIL, 1990).
Da mesma forma, como ocorre com o produto, o dispositivo apresenta também as hipóteses excludentes de responsabilidade, quando não existir o defeito ou quando ocorrer culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
O parágrafo único do artigo 7º do código de defesa do consumidor apresenta a hipótese de responsabilidade solidária entre os sujeitos da cadeia de fornecimento em caso de acidente de consumo, esta é mais uma garantia ao consumidor assegurando-lhe que a reparação do dano não seja frustrada.
Importante salientar que o Código de Defesa do Consumidor adota como regra geral a responsabilidade civil objetiva, isto é, o consumidor está isento da produção de prova de culpa do fornecedor, devendo apenas demonstrar o resultado danoso.
Como aduz Venosa (2003) no que se refere aos profissionais liberais, o legislador do microssistema em tela decidiu adotar a responsabilidade civil subjetiva, o que dependerá da verificação de culpa. Importante ressaltar que esta determinação não afasta o fato desta ser uma relação de consumo, além de ser exceção à regra geral.
Amaral (2010) esclarece que o código de defesa do consumidor inovou no que tange à origem da responsabilidade civil, comumente a fonte da responsabilidade será da violação de um dever contratual ou extracontratual. Todavia, no âmbito consumerista, a responsabilidade derivará do dever de defender o consumidor contra fato do produto ou do serviço e contra o vício do produto ou serviço.
Importante esclarecimento, Amaral (2010) apresenta, ao tratar de um “tumulto opinativo” que circunda pelo mundo jurídico, qual seja: “a indústria da indenização”, o referido autor afirma que se esta tal indústria realmente existe isto irá “conduzir à certeza de que há uma indústria de dano, difícil acreditar que, sem dano, haja indenização” (AMARAL, 2010, p. 142).
Ainda tem-se o entendimento de Cavalieri Filho (2011) que observa ser impossível se ter uma indústria se não houver matéria-prima, “se os casos judiciais envolvendo responsabilidade civil são tão numerosos é porque ainda mais numerosos são os casos de danos injustos” (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 286).
Ademais Amaral (2010) ainda identifica um preconceito na comum afirmação de que não se pode enriquecer por meio de uma indenização, uma vez que encontra-se implícita nesta afirmativa “a impossibilidade de um assalariado, de um desempregado, por exemplo, enfim de um pobre receber uma indenização tão reparadora quanto preventiva ou punitiva, é claro, de um rico fornecedor” (AMARAL, 2010, p.142).
Como as relações de consumo são naturalmente desequilibradas, o legislador busca realmente este reequilíbrio, porém este também deve ser inserido na tutela jurisdicional, não impedindo o julgador de aplicar a justa indenização pelo simples fato de não poder promover o enriquecimento do consumidor, já que este será sempre vulnerável, economicamente.
Diante disso, Amaral defende, no que tange à responsabilidade civil nas relações de consumo, a possibilidade de pagar deve ser o fator mais decisivo em face da necessidade da reparação. Fundamenta-se tal afirmação: “Se o direito quer prevenir, evitar, mais do que simplesmente punir, ou seja, se pretende chegar antes do mal, precisa então de reparação mais fortemente desestimulante da conveniência prática do mal/dano”. (AMARAL, 2010, p.142).
Defende que, no direito do consumidor, a responsabilidade equipada com um forte teor de intimidação trará maior eficiência como política judicial. Isto porque, aumentando a reprovabilidade das condutas danosas ao consumidor, haveria uma intimidação no sentido de se evitar a ocorrência de novos danos, o que favorece a atenuação das corriqueiras demandas judiciais.
Amaral (2010) assegura ainda que, enquanto as decisões judiciais forem “mais incentivadoras que preventivas de condutas e praticas abusivas contra o consumidor individual e, é claro, contra a sociedade e o direito” (AMARAL, 2010, p.143), o que se observará é um penoso efeito inverso, isto é, tornar-se-á o dano economicamente vantajoso e, consequentemente, possibilitará a constante ocorrência desses eventos danosos.
O autor mencionado, anteriormente, entende que o ônus da reparação deve ser na mesma medida da necessidade de se compelirem os fornecedores a terem um comportamento mais honroso com o consumidor e a sua possibilidade econômica. Entende que se gerar o enriquecimento, este será uma “mera e necessária consequência do dano”.
Não se pode olvidar que o cerne do ramo jurídico em estudo é o consumidor; é sempre a parte vulnerável da relação. Amaral (2010) assevera que “Um direito decidido injustamente, além de deseducativo, conspira contra a ideia essencial do que estamos fazendo ou buscando fazer nesse campo” (AMARAL, 2010, p. 144).
O código de defesa do consumidor consagra também, em seu artigo 22, a responsabilidade civil do Estado, ipsis litteris:
“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código” (BRASIL, 1990).
O código de defesa do consumidor também se dedica a instrumentalizar as formas de efetivação das garantias por ele concedidas; neste diapasão, consagra os institutos da desconsideração da personalidade jurídica e da inversão do ônus da prova.
A responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço deriva do habitual ato de colocar à disposição do consumidor produtos e serviço no mercado de consumo. Neste sentido, assevera Amaral (2010) que
“o fornecedor não poderá lançar no mercado produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto potencial de nocividade ou periculosidade à saúde ou à segurança do consumidor; sendo esse potencial danoso inevitável porque inerente à própria natureza do produto ou do serviço, o fornecedor deve cuidar para que o consumidor disso seja tão bem informado quanto possível, ele tem o dever de diligenciar para prevenir o dano ou, pelo menos, reduzir ao máximo tais danos” (AMARAL, 2010, p. 148).
Fica claro que é dever do fornecedor ofertar produtos e serviços seguros ao mercado, além de conservá-los adequadamente para o uso. Busca-se evitar ao máximo que ocorram eventos danosos. Este deve fornecer ainda todas as informações sobre cuidados e garantias daquele produto ou serviço.
Nesta hipótese de responsabilidade, ocorre uma anomalia, uma irregularidade, uma falha que abala a de funcionalidade do produto ou serviço. Amaral (2010) refere-se a “inadequações intrínsecas quanto à qualidade e quanto à quantidade, que tornam os produtos e os serviços impróprios, inadequados ao fim a que se destinam, ou diminuem o respectivo valor” (AMARAL, 2010, p. 151).
Nota-se que os vícios são anomalias que tornam o produto ou serviço impróprio para o consumo, ou que reduzem o seu valor, ou, ainda que não condizem com a oferta e a publicidade.
É relevante esclarecer, que os vícios aqui não englobam apenas aqueles ocultos, determinados pela teoria dos vícios redibitórios, mas incluem também aqueles que o consumidor tem conhecimento, os aparentes e de fácil constatação.
O nexo causal, mesmo na responsabilidade civil objetiva, é elemento caracterizador indispensável. Quando não há esta ligação entre a conduta do agente e o dano causado à vítima não há que se cogitar a responsabilização.
As causas excludentes de responsabilidade dos fornecedores, como já mencionadas, estão enunciadas nos artigos 12, §3º e 14, §3º, Código de Defesa do Consumidor. Estas causas são aquelas capazes de romper com o nexo de causalidade afastando, por via de consequência, a responsabilidade civil.
A primeira hipótese elencada no inciso I, do §3º, do artigo 12, traz como excludente a não colocação do produto no mercado consumidor, nesta causa fica evidente a inexistência do nexo de causalidade. O legislador foi cauteloso na inclusão deste inciso, uma vez que a regra é que se o produto estiver no mercado presume-se que foi o fornecedor que o introduziu, neste sentido este deverá suprimir esta presunção.
Os incisos I e II, dos §3ª, dos artigos 12 e 14, consagram como excludente de responsabilidade a inexistência do defeito. Para Cavalieri Filho (2011) esta é a causa mais importante, uma vez que “o fato gerador do acidente de consumo é o defeito” (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 302). Cumpre ressaltar que o ônus probante será sempre do fornecedor.
O código de defesa do consumidor aborda também como causa excludente de responsabilidade a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Pertinente mencionar que o legislador nesta redação deveria ter se utilizado do termo fato exclusivo do consumidor ou de terceiro, uma vez que em face de uma responsabilidade objetiva não se chega a discutir o elemento culpa.
Configura-se culpa exclusiva da vítima, quando a atuação desta é a real motivadora do dano, impossibilitando a configuração de qualquer defeito no produto ou no serviço como potencial causador de dano.
Segundo definição de Cavalieri Filho (2010), terceiro é aquela pessoa que não tem qualquer relação com o causador do dano e a vítima. Aquele não integra a relação de consumo. Neste caso, é necessário também que o fornecedor comprove que o fato danoso não decorreu de qualquer defeito do produto ou do serviço.
Esclarece-se que esta causa só é capaz de excluir a responsabilidade se o nexo de causalidade entre o agente e a lesão sofrida pela vítima for rompido. Deve-se, assim, raciocinar no sentido de verificar se o comportamento do terceiro é capaz de romper com a causalidade.
Cumpre ainda, ressaltar que o terceiro que integra a corrente produtiva não deve ser considerado como estranho à relação. Neste sentido, o comerciante não é um terceiro, pois é parte fundamental da relação de consumo.
Cavalieri Filho (2011) aduz, ainda, que a culpa exclusiva do consumidor e a do terceiro remetem à inexistência de defeito do produto ou do serviço.
É possível extrair do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, diversas acepções do tempo:
“1. Sucessão dos anos, dias, horas, etc., que envolve a noção de presente, passado e futuro. 2. Momento ou ocasião apropriada para que uma coisa se realize: Não teve tempo de visitar-me. 3. Época, estação: É tempo de jabuticaba. 4. As condições meteorológicas: tempo bom.” […] (FERREIRA, 2012, p. 733).
Conforme demonstra Ronaldo Mourão (2002) o mister de conceituar e estudar o instituto tempo depara-se com diversos obstáculos tais como “a impossibilidade de nos afastarmos dele para observá-lo à distância; a impossibilidade de segurá-lo ou de pará-lo”, e, por fim, o fato de não ser palpável (MOURÃO, apud DESSAUNE, 2013, p.96).
Ainda, segundo este pesquisador mencionado:
“o tempo é o suporte implícito de todo pensamento de gênese, de origem, de história e de destino. Ele é o principal responsável pelas inquietações da vida humana. Toda evocação de tempo está carregada de angústias, de tristezas, de fantasmas, de esperanças” (MOURÃO, apud DESSAUNE, 2013, p. 97).
Tem-se que o tempo, mesmo desprovido de matéria, é o que move o viver, que impulsiona as emoções, é um sentido que o homem não consegue desprezar. Diante da percepção da natureza finita da vida, nota-se a importância do tempo, o que entrelaça o seu estudo com o aprendizado sobre a vida e a morte.
Neste sentido, Bernard Piettre (PIETTRE, apud DESSAUNE, 2011), aponta o tempo como dominador de toda a preocupação existencial. Sem a consciência de sua finitude, explica que o homem jamais compreenderia e perceberia a existência do tempo.
Neste sentido, Lúcio A. Sêneca (2007), em sua obra ‘Sobre a brevidade da vida’, traz contribuições para este estudo. Segundo o referido autor
“A razão pode estender o espaço de tempo de que dispomos, mas esse pode escapar. Não podes te apossar dele, nem retê-lo, ou fazer demorar a mais fugida das coisas, apenas deixar que se perca como se fosse uma coisa supérflua e substituível. […] O tempo presente é brevíssimo, ao ponto de, na verdade, não ser percebido por alguns. De fato, ele está sempre em curso, flui e se precipita; deixa de existir antes de chegar; não pode ser detido do mesmo modo que o mundo ou as estrelas, cujo incansável movimento não permite que se mantenham no mesmo lugar” (SÊNECA, apud DESSAUNE, 2013, p. 99).
Nota-se que por mais que se tente, o homem é incapaz de dominar o tempo, tornando-o a peça chave da existência, que intriga e inquieta o ser humano, um bem de extrema importância.
Diané Collinson (2006) informa que
“Heidegger argumenta ser a temporalidade quem amarra a existência pessoal no todo, visto que a pessoa não é simplesmente alguém existindo no tempo, mas é um ser temporal; isto é, um ser com passado, presente e futuro que estão em interação e recriação perpétua para constituir uma existência pessoal” (COLLINSON, apud DESSAUNE, 2011, p. 96).
Na obra ‘O ócio criativo’ de Domenico de Masi (2000), o autor debruça-se na investigação criteriosa do “tempo livre”. Averigua que a humanidade está se deslocando do modelo industrial para um pós-industrial, deixa de centrar na maçante produção de bens e serviços e foca no uso das inovações tecnológicas, da originalidade e do tempo livre.
Esta nova mentalidade busca possibilitar que as pessoas “possam se dedicar, cada vez mais, às atividades em que haja, simultaneamente, a criação de um valor (pelo trabalho), o aprendizado (pelo estudo) e o divertimento (pelo lazer)” (DESSAUNE, 2013, p. 100).
De Masi (2000) denomina de “ócio criativo” essa nova filosofia de vida:
“O trabalho oferece sobretudo a possibilidade de ganhar dinheiro, prestígio e poder. O tempo livre oferece sobretudo a possibilidade de introspecção, de jogo, de convívio, de amizade, de amor e de aventura. Não se entende por que o prazer ligado ao trabalho deveria acabar com a alegria do tempo livre” (DE MASI, apud DESSAUNE, 2013, p. 100).
O referido sociólogo esclarece ainda que tempo livre:
“Significa viagem, cultura, erotismo, estética, repouso, esporte, ginástica, meditação e reflexão. Significa, antes de tudo, nos exercitarmos em descobrir quantas coisas podemos fazer, desde hoje, no nosso tempo disponível, sem gastar um tostão: passear sozinhos ou com amigos, ir à praia, fazer amor com a pessoa amada, adivinhar os pensamentos, os problemas e as paixões que estão por trás dos rostos dos transeuntes, admirar os quadros expostos em cada igreja, assistir a um festival na televisão, ler um livro, provocar uma discussão com um motorista de táxi, jogar conversa fora com os mendigos, admirar a sábia beleza de uma garrafa, de um ovo, ou das carruagens antigas que ainda passam pelas ruas. Balançar numa rede, que, como já disse, me parece encarnar o símbolo por excelência do trabalho criativo, perfeita antítese da linha de montagem, a qual foi o símbolo do trabalho alienado. Em suma, dar sentido às coisas de todo dia, em geral lindas, sempre iguais e sempre diversas, que infelizmente são depreciadas pelo uso cotidiano” (DE MASI, apud DESSAUNE, 2013, p. 99).
Fica demonstrado que o valor do tempo livre não está em grandes feitos, em momentos excepcionais e casuais, de valor vultoso, mas nas coisas simples da vida, nos momentos rotineiros, na forma de encarar o mundo e as pessoas.
A cada dia nos deparamos com invenções de novas “engenhocas” que garantem maior facilidade na prática de atividades rotineiras, o que permitiria ganhar mais tempo. Mas simultaneamente, tem-se tantas atividades a serem exercidas que as 24 horas do dia parecem insuficientes para suprir todas as obrigações diárias.
Ocorre que a vida contemporânea exige cada vez mais um ser humano de múltiplas facetas, capaz de se relacionar bem socialmente, de ser um ótimo profissional, aluno, filho, pai, ter hábitos saudáveis, independência financeira, pessoal, etc.
Diante de tantas exigências, o homem se vê privado de seu tempo para realizar aquelas atividades tidas como mais agradáveis. “Temos a sensação de que o tempo nos escapa, que passa cada vez mais rapidamente” (JÖNSSON, 2004, p.17).
Mas Jönsson (2004) explica por intermédio de sua experiência pessoal que o homem não quer se ver livre desta sensação, pois o melhor a se fazer é desfrutar tudo o que a vida proporciona, tentar simplesmente “parar o tempo” e apreciar o viver faz com que o indivíduo perca o sentido da vida, transformando-se em um “hamster à roda de sua gaiola”.
Comumente, escuta-se o bordão: “tempo é dinheiro”, contudo esta ideia, não traz bons frutos, Bodil Jönsson (2004) entende que é o tempo, e não o dinheiro, o “verdadeiro capital” do homem.
Além disso, Jönsson (2004) esclarece que, ao encararmos o tempo, tem-se a necessidade de estabelecer prioridades ao que se faz e a maneira de fazê-lo. A referida autora explica que o sujeito deve “organizar-se para que o fenômeno do tempo livre surja na existência – e que se possa refletir e fazer alguma coisa de novo”.
Contudo, a temática que se propõe neste trabalho diz respeito ao tempo livre que o consumidor consegue “fazer surgir”, que, apesar disto, diante de uma interferência indevida de terceiro tem este bem usurpado. Jönsson (2004) defende que “temos necessidade desse tempo a fim de nos desligarmos do industrialismo, de sua obsessão pelo tempo dos relógios e de seu credo ‘tempo é dinheiro’” (JÖNSSON, 2004, p. 39).
Constitucionalmente, o tempo recebe uma tutela acanhada, enunciado nos direitos básicos ao trabalhador como fundamental, ao se fazer referência à duração do trabalho e aos períodos de descanso.
Aparece ainda implicitamente como suporte do direito constitucional ao lazer, e à educação. E ainda, aparece como direito individual no que se refere à garantia da razoável duração do processo, premissa acrescentada em 2004 pela Emenda Constitucional 45.
O doutrinador Marcos Dessaune (2012), devido ao seu papel de ativista na defesa do consumidor e a sua formação em Direito com ênfase à Qualidade de Atendimento ao Consumidor, em 2007 elaborou um Código de Atendimento ao Consumidor. Importante mencionar que embora intitulado de “código”, não se refere a um projeto de lei nem sequer a uma legislação.
Neste código, este autor estabelece os recursos de que o consumidor dispõe, in verbis:
“Art. 12. O consumidor dispõe dos seguintes recursos:
I. recursos naturais vulneráveis, que são o ar, a água e outros bens de uso comum que tornam possível a existência de vida, no presente e no futuro;
II. recursos cognitivos abstrativos, que é a sua consciência;
III. recursos vitais vulneráveis, que são o equilíbrio psíquico e físico;
IV. recursos produtivos limitados, que são o seu tempo e as suas competências (conjunto de conhecimentos ou saber, habilidades ou saber-fazer e atitudes ou saber-ser, necessário para o desempenho de uma atividade);
V. recursos materiais limitados, que são os seus bens e direitos e o seu montante de crédito;
VI. recurso volitivo condicionado, que é a sua liberdade (possibilidade de escolha).” (DESSAUNE, 2011, p. 347) Grifo nosso.
Neste trabalho, interessa-se pelo instituto do tempo, que o referido autor classifica como um recurso produtivo limitado (IV). Dessaune (2011) esclarece que para debater sobre o tempo faz-se necessário, como pressuposto ter um conhecimento moderado sobre a Ciência Econômica.
Este ramo do saber pode ser considerado como a ciência da escolha que tem como objeto primordial a escassez. Como explica Dessaune (2011), diante da escassez de determinado recurso haverá a limitação de opções, o que consequentemente forçará os sujeitos a elegerem apenas aquelas alternativas.
Não é necessário ser graduado em economia para se ter consciência de que a Lei que rege esta ciência é a da oferta e da procura, esta reflete o problema da escassez, determinando a sua intensidade.
Este regramento da economia tem influencia direta com o “recurso produtivo tempo”, de acordo com a classificação mencionada anteriormente. Diante da intangibilidade, da impossibilidade de se interromper, da irreversibilidade e da escassez do tempo, tem-se que este é o “bem primordial e, possivelmente, mais valioso de que cada pessoa dispõe em sua existência terrena – só comparável à sua saúde física e mental necessária para gozá-lo plenamente” (DESSAUNE, 2011, p. 108).
Marcos Dessaune (2011) em sua obra esclarece que o desvio produtivo do consumidor é caracterizado quando
“diante de uma situação de mau atendimento, o consumidor precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável. Em outra perspectiva o desvio produtivo evidencia-se quando o fornecedor, ao descumprir sua missão e praticar ato ilícito, independentemente de culpa impõe ao consumidor um relevante ônus produtivo indesejado pelo último ou, em outras palavras, onera indevidamente os recursos produtivos dele (consumidor).” (DESSAUNE, 2011, p. 377)
Conforme explica Marcos Dessaune (2011), o fornecedor possui as seguintes missões:
(1)” contribuir para a existência digna, (2) Promover o bem-estar e (3) possibilitar a realização humana do seu consumidor, bem como de eventuais empregados e sócios e da comunidade que o cerca, em função dos quais ele (fornecedor) existe” (DESSAUNE, 2011, p. 377).
Nota-se que cabe ao fornecer sempre proporcionar um bom atendimento, criando-se uma sensação de satisfação e realização ao consumidor. O referido autor define como atendimento “o ato do fornecedor de proporcionar ao consumidor certas utilidades e incentivos, por intermédio do seu produto final”. Da mesma forma, conceitua o pagamento como “o ato do consumidor de entregar ao fornecedor certas utilidades e incentivos, por meio dos seus recursos”.
A partir destas acepções, Dessaune (2011) assevera que:
“muitos profissionais autônomos e liberais, inúmeras empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão-consumidor no estrito cumprimento de sua missão, acabem – por despreparo, desatenção, descaso ou má-fé – submetendo-o corriqueiramente a situações de mau atendimento, afrontando sua vontade e interesse e, também, a legislação consumerista” (DESSAUNE, 2011, p. 46).
Percebe-se que, frequentemente, os fornecedores mantêm uma conduta indesejada pelo consumidor, ofertando produtos defeituosos ou de pouca qualidade, fazem uso de práticas abusivas e cometem atos ilícitos. Neste sentido, os fornecedores se afastam de sua missão causando inúmeros desconfortos.
Para melhor compreensão da temática, Dessaune (2011) ilustra algumas situações nocivas facilmente perceptíveis, a saber:
“-Enfrentar uma fila demorada na agência bancária em que, dos 10 guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público;[…]
-Telefonar insistentemente para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mesma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo para pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso renitente mas repetidamente negligenciado;
-Ficar às voltas com um computador novo, com um software recém lançado ou com uma conexão à internet que não funcionam adequadamente;[…]
-Ter que esperar em casa, sem hora marcada, pela entrega de um produto novo, pelo profissional que vem fazer um orçamento ou um reparo, ou mesmo por um técnico que precisa voltar para refazer o concerto malfeito;
-Ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas, três, quatro horas aguardando desconfortavelmente pelo voo que está atrasado, algumas vezes até dentro do avião – cansado, com calor e com fome –, sem obter da empresa responsável informações precisas sobre o problema, tampouco a assistência material que a ele compete;” […] (DESSAUNE, 2011, p. 47 e 48).
Pode-se observar que essas situações são corriqueiras, das quais praticamente ninguém está ileso. Nessas situações, verifica-se que o consumidor necessitará “desperdiçar” seu tempo em simples demandas criadas pelo fornecedor e que poderiam ser evitadas por este.
Marcos Dessaune (2011) complementa que
“nessas circunstâncias recorrentes de mau atendimento, o consumidor é levado a se afastar de uma atividade que deveria ou desejaria estar realizando – como trabalhar, estudar, cuidar de si, divertir-se, descansar, estar com os entes queridos – para gastar seu tempo e suas competências na tentativa de resolver um problema de consumo ao qual não deu causa, mas que o está sujeitando a algum tipo de prejuízo, potencial ou efetivo” (DESSAUNE, 2011, p. 49).
Desta forma, o autor já mencionado conclui que, quando o fornecedor deixa de observar a sua missão causando ato ilícito, há a imposição de um ônus produtivo ao consumidor, o que não é possível negar ser um ato lesivo ao consumidor, conceituado de desvio produtivo.
A tutela dos direitos dos consumidores poderá ocorrer no plano individual mediante o exercício ativo da cidadania ou na esfera coletiva que, por se tratar de um direito coletivo se concretiza pela conscientização comunitária. Assim, o consumidor detém de dois meios de defesa, quais sejam, o individual e o coletivo.
No âmbito processual, o consumidor tem a seu favor a inversão do ônus da prova, uma vez que não precisa comprovar a culpa do fornecedor, pois este é o responsável a provar se atuou coberto por alguma das excludentes de responsabilidade, já estudadas.
Como já visto, o código de defesa do consumidor impõe que a responsabilidade do fornecedor seja solidária, dando opções para o consumidor de demandar contra todos participantes da cadeia de consumo.
Além disso, no que tange à desconsideração da personalidade jurídica, o diploma protetivo dispõe de normas que favoreçam mais ao consumidor, ampliando-lhe as possibilidades de utilização deste instituto em comparação com as normas do código civil que regula a relação entre partes no mesmo patamar de igualdade.
Como explica Amaral (2010), o legislador do código de defesa do consumidor não se atentou em estabelecer grandes distinções entre a tutela individualizada e a coletiva. Por isso a inversão do ônus da prova, a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade objetiva são possivelmente aplicáveis nas ações coletivas.
Os consumidores, no que se refere à Ação Civil Pública, têm a possibilidade de ingressarem, conforme enuncia Mazzilli (2000), com uma “Ação civil pública para reparação de danos morais e patrimoniais a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”, com fulcro no artigo 129, III da Constituição da República combinado com os artigos 1º, 5º e 21 da Lei de ação civil pública e artigos 82 e 90 do código de defesa do consumidor; ou com uma “Ação civil pública para defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos relacionados com a proteção do consumidor”, com base nos artigos 81 a 91 do código de defesa do consumidor.
Ressalta-se, desde início, que a ação civil pública pode ser denominada também de ação coletiva. Pode-se dizer com precisão, baseado na doutrina de Hugo Nigro Mazzilli (2000) que ação civil pública é a ação não-penal, proposta pelo Ministério Público.
A contemporaneidade nos oferta diversos conflitos nos quais envolvem inúmeros sujeitos. Neste contexto, conforme demonstram Marco Starling e Júnia Oliveira (2001), as pretensões levadas ao Judiciário poderão “interessar a uma pluralidade de sujeitos”, o que não significa necessariamente que todos esses indivíduos devam estar presentes na formação da lide.
Nesta feita, José Carlos Barbosa Moreira (MOREIRA apud STARLING; OLIVEIRA, 2001) estabelece uma classificação a estes litígios, tendo aqueles “litígios essencialmente coletivos”, caracterizados por produzir efeitos a um número indeterminado de sujeitos e por terem em discussão objetos indivisíveis; não é possível satisfazer o direito de forma individual.
De outro lado, aponta os “litígios acidentalmente coletivos”, nestes tem-se um objeto divisível em enfoque, não havendo nenhum óbice na busca individual por este interesse. Contudo se levar em consideração o bem em litígio individualmente, talvez não haja uma repercussão jurídico-social, o que não contribui para a evolução dos institutos jurídicos.
Este tipo peculiar de tutela encontra alguns obstáculos, tal como o tipo da proteção, se de caráter preventivo ou repressivo, diante da impossibilidade de serem reparados certos tipos de danos que já estiverem consumados. Outro problema é a atual sistemática processual que, conforme explica Alda Pellegrini (PELLEGRINI apud STARLING, OLIVEIRA, 2001, p. 28) não se adapta às novas circunstâncias que envolvem a coletividade de pessoas.
A lei de ação civil pública enuncia em seu primeiro artigo o seu campo de incidência:
“Art. 1. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I. ao meio-ambiente;
II. ao consumidor;
III. a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV. a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V. por infração da ordem econômica;
VI. à ordem urbanística;
VII. à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos;
VIII. ao patrimônio público e social.
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados” (BRASIL, 1985)
Grifo nosso.
Nota-se que o diploma legal encarrega-se de tutelar aqueles direitos transindividuais. Neste diapasão é plenamente possível afirmar o cabimento deste instituto processual como instrumento hábil a alcançar uma responsabilização civil por danos causados aos consumidores sob um ponto de vista de uma coletividade.
Importante frisar que a lei da ação civil pública e o código de defesa do consumidor serão utilizados simultaneamente tendo em vista o caráter complementar desses diplomas.
Conforme aduz Hugo Nigro Mazzilli (2000) “entre o interesse público e o interesse privado, há, pois, interesses transindividuais ou coletivos, referentes a um grupo de pessoas”. Este autor explica que esses são interesses que extrapolam o âmbito individual, mas que não chega a ser considerado como interesse público (MAZZILLI, 2000, p.43).
Sob o aspecto processual, o conceito de interesses coletivos vai além, uma vez que a ordem jurídica identifica uma necessidade de defesa coletiva em aplicabilidade de todo o grupo.
O código de defesa do consumidor buscou sintetizar a defesa dos interesses coletivos. Desta forma começou a distinguí-los em função de sua origem, pois eles são interesses individuais homogêneos, interesses coletivos em sentido estrito e interesses difusos.
Os interesses individuais homogêneos são aqueles que unem interessados determinados a uma mesma situação de fato. Já os interesses coletivos stricto sensu são aqueles que aglomeram interessados determinados ou determináveis à mesma relação jurídica. Por fim, os interesses difusos são aqueles que unificam interessados indetermináveis à mesma situação de fato.
Este trabalho tem como enfoque os direitos coletivos em sentido estrito, dos quais se passa a esmiuçar. No ordenamento jurídico pátrio, tem-se a expressão interesses coletivos em sentido mais amplo e outro menos abrangente.
A constituição federal em seu artigo 129, inciso III enuncia os direitos coletivos lato sensu. O código de defesa do consumidor é o dispositivo legal responsável por introduzir o conceito mais restrito dos interesses transindividuais, isto é, coletivos.
No que diz respeito à legitimidade do Ministério Público, na defesa dos interesses coletivos, este órgão só poderá atuar quando convier à coletividade como um todo. Neste sentido, o Conselho Superior do Ministério Público paulista editou a súmula de n. 7, com o seguinte conteúdo:
“O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico” (apud MAZZILLI, 2000, p. 88-89).
Dessa forma, o Ministério Público deve atuar naquelas situações em que os interesses lesados tenham expressão social que justifiquem a sua ação.
Importante iniciar a temática analisando a dinâmica do Direito, neste sentido, Romana Affonso de Almeida Allegro explana que
“A vida em sociedade leva o ser humano a valorizar certas coisas que são desejadas e disputadas por muitos [, o que decorre] de diversos fatores, como a satisfação de necessidades, a escassez, a realização de desejos (…) e a utilidade que [tais coisas] podem fornecer (…). Portanto, quando algo passa a ser valioso, procurado, torna-se um bem. Cria-se, então, o interesse de tutelar esse bem, [… o] que no direito é feito através de sua normatização. Protegido pela legalidade, esse bem passa a apresentar-se como um bem jurídico”(…).(ALLEGRO, apud DESSAUNE, 2011, p. 51).
Assim, o Direito como instrumento de integração do homem na sociedade e vice-versa, deve acompanhar a constante mutação da humanidade, juridicializando aqueles bens tidos como valiosos para a coletividade. Deve-se atribuir relevância jurídica àqueles bens que já são relevantes socialmente.
Já é possível observar uma mudança de perspectiva no que tange à responsabilidade civil; é plausível afirmar que há uma socialização da sua teoria. Ainda tem-se um novo paradigma de investigação, isto é, a busca pelo “dano injusto”, diversamente da averiguação do ato ilícito (MULHOLLAND, apud DESSAUNE, 2011, p. 69).
Como tema já elucidado, a responsabilidade civil já avançou admitindo a aplicação da teoria da perda de uma chance quando a conduta de terceiro afasta a possibilidade de ocorrência de um evento que traria um benefício futuro à vítima. Nesses casos, o dano decorre da privação de se atingir o resultado, causando a perda da possibilidade de escolha.
Nesta nova perspectiva tem-se considerável ampliação das circunstâncias de danos indenizáveis pela responsabilidade civil. Todavia, não se deve utilizar esta fundamentação de maneira imprudente; deve-se analisar os casos concretos e estabelecer especificações e limitações.
Nesse diapasão, pretende-se verificar se a perda do tempo consiste em um dano passível de reparação por meio da responsabilidade civil. Para tanto é preciso classificar o tempo como bem jurídico tutelado pelo Direito.
No mundo contemporâneo, impera a fase de massificação do consumo, que diversifica e amplia as relações consumeristas e, consequentemente, verifica-se um aumento das ocorrências de eventos indesejados nestas relações. Vitor Guglinski (2013) acrescenta:
“Quando a má prestação de um serviço extravasa as raias da razoabilidade, dando lugar à irritação, a frustração, ao sentimento de descaso, ao sentimento de se ver como apenas mais um número no rol de consumidores de uma empresa, é que ocorre a violação do direito à paz, à tranquilidade, à prestação adequada dos serviços contratados, enfim, a uma série de direitos intimamente relacionados à dignidade humana. Hoje o consumidor brasileiro percorre uma verdadeira via crucis para tentar ver respeitados os seus direitos” (GUGLINSKI, 2013) Grifo nosso.
Este autor explica, ainda, que problemas do cotidiano dependem de dedicação de tempo para serem resolvidos, o que não caracteriza um abuso. Nesta perspectiva, investe-se o tempo para solucionar questões rotineiras, inclusive as que se referem às situações de consumo.
Marcos Dessaune (2011) reconhece que “ao transgredir sua missão e cometer ato ilícito independentemente de culpa, o fornecedor acaba onerando indevidamente os recursos produtivos do consumidor” (DESSAUNE, 2011, p. 130).
Defende, também, que essas competências citadas no inciso IV, do artigo 12, do código de atendimento ao consumidor – o conhecimento, as habilidades e as atitudes – são bens jurídicos reconhecidos e tutelados pelo Constituição da República.
Assim, havendo lesão a qualquer dessas competências caracterizará a prática de um ato ilícito. No entanto não entende que o tempo propriamente dito esteja tutelado pela Lei maior, violado apenas quando atingir o objeto do respectivo direito e não o tempo em si.
Neste contexto, o doutrinador propõe que o tempo integre “ao lado da vida, da saúde, da liberdade, […] do patrimônio material, etc., o rol de bens e interesses jurídicos expressamente abrigados pela Constituição da República”.
Contudo, tal resposta não se configura como uma solução jurídica para o problema ora apresentado; as situações jurídicas conflituosas que circundam o ordenamento jurídico não devem ficar à mercê da atuação legislativa. Desta forma, busca-se uma saída mais concreta ao tema estudado.
Além disso, no que tange à normatização desta nova espécie de dano em 2008, o então presidente da República publicou o Decreto nº 6.523, que “Regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC”.
Por meio deste decreto, restaram regulamentadas as normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor efetuado pelo telefone, com a finalidade de compelir os fornecedores de serviços regulados pelo Poder Público federal a observar os direitos básicos do consumidor de obter informação adequada e clara sobre os serviços que contratar, e como meio de manter o consumidor protegido de práticas abusivas ou ilegais impostas pelos fornecedores.
Conforme destacado por Marcos Dessaune (2011), este decreto normativo agraciou a temática com duas peculiaridades, quais sejam: “(1) reconheceu e valorizou – tacitamente – o tempo como recurso produtivo do consumidor e (2) estabeleceu regras que evitem – ou ao menos minimizem – situações de ‘desvio produtivo’” (DESSAUNE, 2011, p. 139) do consumidor.
Tal determinação legal, entretanto, é constantemente ignorada pelos fornecedores, não é meio útil de coibir tal ação. Raramente a ligação com o consumidor ocorre de forma ininterrupta, saltando de atendente a atendente. Além disso, este decreto não regulamenta outras situações danosas como a exaustiva espera nas filas de instituições bancárias.
Não há uma presunção de má-fé na conduta dos atendentes dos Call Centers, porém já foi noticiado na mídia nacional entrevista com esses funcionários de telemarketing que divulgaram suas “técnicas para enganar clientes” (ATENDENTE DE TELEMARKETING, 2011).
São de conhecimento de todos as inúmeras críticas no que tange à judicialização das relações sociais, o que pode caracterizar uma sociedade que não sabe dialogar e que necessita do judiciário para solucionar todos os seus problemas independente do grau de complexidade destes.
Para Vitor Guglinsk (2013), quando o consumidor tenta solucionar suas demandas mediante um Call Center ou pelos Serviços de Atendimento ao Consumidor, acabam por se verem sem saída. Neste quesito, é o próprio fornecedor que não consegue estabelecer um diálogo plausível e respeitável com o consumidor, justificando, assim, a demanda judicial. Importante lembrar que, como visto, o fornecer responde pelos seus atos de forma objetiva, pois este assume os riscos da atividade.
Prosseguindo, apesar dessas situações fáticas corriqueiras de mau atendimento que impõem ao consumidor um desperdício intolerável de seu tempo não se enquadrar nos conceitos tradicionais de dano material e dano moral, não se pode admitir a banalização dessas ocorrências.
Nessa perspectiva, evocam-se os dizeres do professor Pablo Stolze Gagliano (2013), segundo o qual “uma indevida interferência de terceiro, que resulte no desperdício intolerável do nosso tempo livre, é situação geradora de potencial dano, na perspectiva do princípio da função social”. O autor alerta, também, sobre o abuso do direito, devendo levar em consideração apenas o desperdício “injusto e intolerável” como justificativa para a responsabilização (GAGLIANO, 2013).
Neste sentido, André Gustavo Corrêa de Andrade (2008) apresenta argumentos elucidativos:
“Muitas situações da vida cotidiana nos trazem a sensação de perda de tempo: o deslocamento entre a casa e o trabalho, as filas para pagamentos em bancos, a espera de atendimento em consultórios médicos e dentários e tantas outras obrigações que nos absorvem e tomam um tempo que gostaríamos de dedicar a outras atividades. Essas são situações que devem ser toleradas, porque, evitáveis ou não, fazem parte da vida em sociedade.
O mesmo não se pode dizer de certos casos de demora no cumprimento de obrigação contratual, em especial daqueles em que se verifica desídia, desatenção ou despreocupação de obrigados morosos, na grande maioria das vezes pessoas jurídicas, fornecedoras de produtos ou serviços, que não investem como deveriam no atendimento aos seus consumidores, ou que desenvolvem práticas abusivas, ou, ainda, que simplesmente vêem os consumidores como meros números de sua contabilidade” (ANDRADE, 2008).
Nota-se que situações comuns, de espera de tempo razoável, mas que podem trazer a sensação da perda do tempo não devem ensejar de responsabilização por se tratarem de atividades normais na vida em sociedade. Percebe-se, também, que a má prestação do serviço pelos fornecedores que não investem em um bom atendimento aos seus clientes possui nexo de causalidade com a perda do tempo destes.
Andrade (2008) acrescenta, ainda, que é inadmissível o fato de o consumidor ter que alterar sua rotina e dispor de seu “tempo livre” para resolver problemas criados pelos fornecedores que agiram de forma abusiva; neste viés defende a importância do tempo:
“o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. (…) Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dê ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder o seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como indício de uma sociedade intolerante, mas como manifestação de uma sociedade que não está disposta a suportar abusos” (ANDRADE, 2008).
Nota-se que o referido autor defende a perda do tempo imposta por fornecedores como um dano ao consumidor diante da escassez desse bem, caracterizando tal prática como um abuso.
Jéssica Morais Ferreira (2013) informa ser o tempo um bem inerente ao sujeito, é insubstituível e inalienável. Assim, após transcorrido não há como reaver, ficando configurada uma injustiça quando o tem desperdiçado por conveniência de um terceiro.
Além disso, há situações que extrapolam a medida da razoabilidade exigindo que o consumidor perca um tempo relevante no intuito de solucionar problemas banais, segundo constatação de Pablo Stolze Gagliano (2013):
“É justo que, em nossa atual conjuntura de vida, determinados prestadores de serviço ou fornecedores de produtos, imponham-nos um desperdício inaceitável do nosso próprio tempo? A perda de um turno ou de um dia inteiro de trabalho – ou até mesmo a privação do convívio com a nossa família – não ultrapassaria o limiar do mero percalço ou aborrecimento, ingressando na seara do dano indenizável, na perspectiva da função social? Em situações de comprovada gravidade, pensamos que esta tese é perfeitamente possível e atende ao aspecto, não apenas compensatório, mas também punitivo ou pedagógico da própria responsabilidade civil” (GAGLIANO, 2013).
O consumidor do século XXI, conforme observa Luiz Mário Moutinho (MOUTINHO apud GUGLINSKI, 2013), tem o tempo como um bem de grande valia, desta forma ao conservar-se horas nas filas de um banco não haverá uma concretização de sua legítima expectativa, violando a função social, princípio regente da relação de consumo.
Diante do imenso valor do tempo a violação a este não pode passar despercebido pelos juristas modernos. Luiz Mário Moutinho (MOUTINHO apud GUGLINSKI, 2013) defende que “o tempo hoje é um bem jurídico e só o seu titular pode dele dispor”. Percebe-se que ao consumidor é imposto um prejuízo de seu tempo decorrente da má prestação de um serviço do fornecer, o que configura o dano.
Como já conceituado anteriormente, o dano é a subtração de um bem jurídico da pessoa, causando-lhe uma desvantagem. O tempo é algo essencial, fator que permite o gozo da vida, do qual o seu bom uso possibilita a prática do próprio ato de viver bem, com qualidade e excelência. É impossível afirmar não ser ele um bem jurídico, passível de ser objeto de um dano.
A correria do dia-a-dia não é novidade na vida de ninguém; as 24 horas do dia parecem insuficientes para suprir todas as necessidades do homem contemporâneo. Neste sentido, Menelick de Carvalho Neto (2002):
“Nesta sociedade moderna, complexa, o tempo é sempre cada vez mais raro, mais curto, posto que apropriável, qualificável e vendável, redutível, portanto, a cálculos quantitativos na composição de projetos, investimentos e custos… As vidas individuais são cada vez mais longas em termos quantitativos, em número de anos, e, paradoxalmente, percebidas qualitativamente pelo indivíduos que as vivem como cada vez mais rápidas, breves, ou seja, insuficientes para tudo o que poderiam haver feito, até mesmo no âmbito do lazer” (NETO, apud DESSAUNE, 2011, p. 15).
Cláudia Lima Marques observa que “a passagem do tempo deveria ser favorável ao consumidor, sujeito vulnerável constitucionalmente protegido em suas relações com os fornecedores” (MARQUES apud DESSAUNE, 2011, p. 15).
João Baptista Herkenhoff reconhece que “o cidadão vem sofrendo no mercado de consumo brasileiro um novo e significativo dano, que não é material, nem moral, mas sim ‘temporal’” (HERKENHOFF apud DESSAUNE, 2011, p. 29).
Estas ocorrências sucessivas e propositais de mau atendimento, que produzem dano ao consumidor, já têm levado a jurisprudência pátria a engatinhar na tentativa de resolver tais dissabores da perda do tempo dos consumidores.
A decisão mais recente é oriunda da Comarca de Colinas, no Maranhão, publicada no dia 05 de setembro de 2014. É necessário observar fragmento no qual percebe-se a aplicação da tese da teoria da perda do tempo:
“S E N T E N Ç A. DOS DANOS MORAIS E SUA CARACTERIZAÇÃO. A existência do dano moral pode ser vista, ainda, em decorrência da teoria da perda do tempo útil, que na doutrina de VITOR GUGLINSKI (in "Danos morais pela perda do tempo útil": uma nova modalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio 2012) […] No mesmo sentindo (sic), "O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável", explica o advogado capixaba Marcos Dessaune, autor da tese Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado, que começou a ser elaborada em 2007 e foi publicada em 2011 pela editora Revista dos Tribunais. Com efeito, a "perda de tempo da vida do consumidor" em razão da "falha da prestação do serviço" não constitui mero aborrecimento do cotidiano, mas verdadeiro impacto negativo em sua vida, que é obrigado a perder tempo de trabalho, tempo com sua família, tempo de lazer, em razão de problemas gerados pelas empresas.” (BRASIL, 2014). Grifo nosso.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é o que mais tem acatado a tese da perda do tempo, de acordo com algumas ementas:
“CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA E DE INTERNET, ALÉM DE COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE UMA DAS EXCLUDENTES PREVISTAS NO ART. 14, §3º DO CDC. CARACTERIZAÇÃO DA PERDA DO TEMPO LIVRE. DANOS MORAIS FIXADOS PELA SENTENÇA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS IGUALMENTE CORRETOS. DESPROVIMENTO DO APELO. (3.ª Câmara Cível, Apelação nº 0262499-19.2009.8.19.0001, Relator: Des. LUIZ FERNANDO RIBEIRO DE CARVALHO, Julgamento: 20/04/2011) – Grifo nosso.
Direito do consumidor. Serviço de telefonia. Oi Conta Total. Cobrança em valor superior ao contatado. Ré que não se desincumbiu de comprovar a veracidade de sua alegação de que o autor fez uso de serviço não abrangido pelo plano contratado. “Negativação”. Falha na prestação do serviço. Perda do tempo útil. Dano moral configurado. Recurso desprovido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044131-97.2010.8.19.0004 RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA) – Grifo nosso.
Direito do consumidor. Autor que não teve êxito na tentativa de troca de produto adquirido com defeito. Roupa especial para motociclista, a ser utilizada em dias chuvosos. Revelia. Condenação da ré a devolver o valor gasto com o produto. Compensação do dano moral fixada em duzentos reais. Majoração. Roupa que é instrumento de trabalho do demandante. Perda do tempo útil. Descabido ajuste da verba honorária, tendo em vista a singeleza do caso em análise. Parcial provimento do recurso.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021632-44.2009.8.19.0008 RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, julgamento em: 31/05/2012) – Grifo nosso.
O relator da primeira decisão, em seu voto parafraseia o Magistrado André Gustavo Corrêa de Andrade (2006), com o intuito de defender o reconhecimento da reparação pela perda do tempo, mediante o dano moral, o magistrado pondera que: “A menor fração de tempo perdido de nossas vidas constitui um bem irrecuperável, um tempo que nos é irreversivelmente tirado do convívio familiar, do lazer, do descanso, do trabalho ou de qualquer outra atividade de nossa preferência” (ANDRADE, 2006).
Estes julgados já indicam o início do reconhecimento da Responsabilização Civil pela perda do tempo do consumidor.
Acrescentam-se ainda as proposições de Jéssica Morais Ferreira (2013) que afirma:
“Tempo nunca se recupera. Tempo se desperdiça. E não cabe a terceiro atribuir, a ninguém, quando e como esse tempo deve ser utilizado. Se intervir (sic) prejudicialmente deve, de acordo com o princípio regente da responsabilidade civil, indenizar o lesado” (FERREIRA, 2013).
Está claro quão danosa é a perda do tempo do consumidor em virtude da interferência de fornecedores nas demandas diárias deste sujeito vulnerável e que merece tutela especial do direito. Vitor Guglinsk (2013) complementa ainda afirmando que “para o fornecedor, tempo é dinheiro, para o consumidor, tempo é vida”.
Assim, Pablo Stolze Gagliano (2013) assegura que é inadmissível uma “uma indiferença mesquinha a ocultar milhares (ou milhões) de situações de dano, pela usurpação injusta do tempo livre, que se repetem todos os dias, em nossa sociedade”.
Para acentuar a conduta danosa do fornecedor, evoca-se ainda, que este tem o dever de prestar serviços ou produtos com segurança e livre de vícios, já que não observados tais preceitos, fica evidente o descumprimento da lealdade, cooperação e zelo, o que comprova a violação do princípio da boa-fé objetiva, causando a chamada violação positiva do contrato ou adimplemento hostil.
Apesar da falta de normatização constitucional do tempo como um bem jurídico, conforme averiguado por Marcos Dessaune (2011), não se deve permitir a continuidade da ocorrência de diversos danos derivados da imposição da perda do tempo pelos fornecedores.
Desta forma, com base nos princípios da boa-fé objetiva, na teoria do risco do empreendimento, da função social dos contratos, da proteção ao consumidor como sujeito de direito vulnerável, constata-se que é plenamente possível a aplicação da tese da responsabilidade civil pela perda do tempo.
Além do entendimento já exposto, não se pode olvidar que, ao tratar-se o direito do consumidor de um direito coletivo não se pode negar a essa parcela da sociedade uma tutela especial.
Logo, diante da possibilidade legal de se ingressar com uma ação civil pública (artigo 1º, inciso II, da Lei nº 7.347/85) nos casos de responsabilidade por danos morais e patrimoniais experimentados pelo consumidor, propõe-se que a pretensão da responsabilidade civil pela perda do tempo do consumidor se concretize por meio desta ação.
A ação civil pública, neste caso, terá como finalidade proporcionar maior eficácia ao pleito, uma vez que inundar o judiciário com demandas individuais pleiteando reparação pela perda do tempo só agravaria o dano, diante da atual situação do poder judiciário que atua com números de ações além do que sua capacidade estrutural permite.
A demanda individualizada é prejudicial não só para a estrutura do judiciário; ela desestimula o lesado a ingressar na justiça na busca pelos seus direitos diante de tanta morosidade. Além disso, conforme explicita Amaral (2010), “a razão de ser do direito, hoje, é bem mais que instrumento de chancela do justo/injusto, é, sobretudo, mecanismo de promoção de justiça social para todos, sem qualquer exclusão”.
Desse modo evocam-se os argumentos de Rudolph Von Jhering (2012), que tratam em sua clássica obra “A luta pelo Direito”, a violação de um direito como uma patologia.
“A intensidade com a qual o sentimento de direito legal reage, quando ferido, é o teste da sua saúde. O nível de dor que ela sente diz a ele qual o valor que ele atribui ao que está sendo ameaçado. Porém, sentir a dor sem levar a sério o seu aviso para defender o que está sendo ameaçado, suportá-la pacientemente sem defender, é negar o sentimento de direito legal, desculpável, talvez, sob certas circunstâncias, em um caso específico, mas impossível a longo prazo sem as consequências mais desastrosas ao próprio sentimento de direito legal, pois a essência desse sentimento é a ação. Quando ela não reage, ela padece, até que finalmente se torna insensível à dor. Irritabilidade, isto é, a capacidade de sentir dor à violação dos seus direitos legais, e ação, isto é, a coragem e determinação para lutar contra o ataque, são aos meus olhos, os dois critérios para ter um sentimento saudável de direito legal.” (JHERING, 2012) – Grifo nosso.
Defende-se que a reparação pela perda do tempo do consumidor seja efetivada por de uma tutela que abarque a todo o grupo de consumidores atingidos e não apenas aqueles que demandam individualmente no judiciário, o que se pode obter mediante uma ação civil pública.
Portanto, propõe-se uma ação civil pública para reparação de danos a interesses coletivos, com fulcro nos artigos 1º, 5º e 21 da Lei 7.347/85, com o intuito de coibir a usurpação do tempo dos consumidores pelos fornecedores, impondo a estes obrigações tais, como limite de tempo para atendimento, e a contratação de funcionários capacitados, a fim de que melhorem a prestação de seus serviços, sob pena de multas diárias.
No desfecho deste trabalho, pode-se concluir que a perda do tempo imposta ao consumidor pelos fornecedores, na relação entre esses, pode ser considerada como um dano passível de reparação mediante a responsabilidade civil.
A teoria já tem sido aplicada no Brasil com base nos princípios da boa-fé objetiva, na teoria do risco do empreendimento, da função social dos contratos, e da proteção ao consumidor como sujeito de direito vulnerável.
Atualmente, tem-se uma necessidade de se efetivarem os preceitos constitucionais e legais do código de defesa do consumidor, o que exige um olhar mais enternecedor à situação daquela parte vulnerável da relação. O consumidor constantemente se depara com inúmeros contratempos para concretizar seus direitos. Aos fornecedores, ao contrário, são concedidas muitas facilidades de satisfazerem seus direitos diante de sua posição.
Assim, como a própria vida, o direito deve ser dinâmico, não deve ser inerte, a lei da vida é a mudança, a transformação, a metamorfose.
Diante das lições de Rudolph Von Jhering (2012), não restam dúvidas que, ao ter um direito afrontado, a defesa, a luta, a ação devem ser reações naturais. É a atitude esperada de quem sofre uma perturbação de seus direitos.
Ao se fazer uma análise histórica nota-se que a conquista dos direitos advém de grandes lutas e batalhas por estes. Com o intuito de banir das relações de consumo o abuso imposto pela perda do tempo, é de suma importância agir e lutar pelo direito de respeito e tratamento digno nos estabelecimentos empresariais.
A busca pelo reconhecimento do dano faz-se necessária, a inércia não tem o poder de mudar as coisas, a violação de um direito não pode paralisar o ofendido ao contrário deve movê-lo.
Diante de um direito coletivo, que é o do consumidor, o agir torna-se algo mais decisivo, tendo em vista o número de interessados que serão beneficiados com o reconhecimento deste dano. As considerações esparsas do dano não concretizam as expectativas dos consumidores, tem-se que ir além.
Como bem composto pelo poeta Cazuza, “O tempo não para”, desta forma o consumidor que tem seu tempo desviado pela conduta de terceiro, não deve suportar tal abuso, mas sim agir, buscar um ressarcimento pelo prejuízo, tornando tal conduta como inaceitável.
Não se tem a pretensão depreciativa de proporcionar aos consumidores um enriquecimento sem causa, ou apenas uma reparação econômica pelo dano sofrido, vai-se além; interessa-se que tais casos de perda infrutífera de tempo não sejam mais a regra, mas sim a exceção.
Além disso, diante de um direito coletivo, propõe-se uma tutela mais ampla mediante uma ação civil pública, com intuito de abarcar a todos os consumidores lesados por essas situações danosas e, não apenas, aqueles que se encorajam em demandar judicialmente.
Constata-se que este estudo não se encerra com esta pesquisa. Entretanto, pretende-se dar continuidade a futuras investigações a respeito da responsabilidade civil pela perda de tempo.
Notas:
[1]Monografia apresentada à Faculdade de Ciências Humanas de Itabira – Fachi da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – Funcesi, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Ms. Juliana Evangelista de Almeida
Advogada
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