Resumo: Trata-se de uma análise legislativa, doutrinária e jurisprudencial a respeito da possibilidade ou não de um pai e/ou mãe, que abandonou seu filho, ser responsabilizado civilmente pela omissão. Hodiernamente o afeto constitui o principal elemento identificador da entidade familiar, fundamental à formação do cidadão, nesta órbita o presente artigo verifica a importância da família no desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente, e as consequências do abandono afetivo. Abordar-se-á a configuração do abandono afetivo como ato ilícito, com fulcro na doutrina da proteção integral, do melhor interesse da criança e do adolescente e nos princípios da Solidariedade, Afetividade, Dignidade Humana e do Dever Parental. Nesse sentido, consideramos que a jurisprudência pátria se inclina pela possibilidade de ressarcimento civil, principalmente nos casos em que o filho renegado recebe tratamento discriminatório em relação aos seus irmãos. Sintetiza-se o presente trabalho em averiguar se o abandono afetivo, pela omissão de fração dos deveres inerentes à paternidade, constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável, bem como se a compensação financeira é um determinante social capaz de refletir em efeitos futuros positivos.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Abandono Afetivo. Reflexos da compensação financeira.
Abstract: It is a legislative analysis, doctrine and jurisprudence regarding the possibility or not of a father and / or mother who abandoned her child, be civilly liable for the acts or omissions. In our times the affection is the main family entity identifier, fundamental to the formation of the citizen, in this orbit this article analyzes the importance of family to the mental development of children and adolescents, as well as affective abandonment consequences. It will address the configuration of affective abandonment as tort, with fulcrum in the doctrine of full protection, the best interests of children and adolescents and the principles of solidarity, Affection, Human Dignity and Parental Duty. In this sense, we consider that the country jurisprudence leans the possibility of civil compensation, especially in cases where the child renegade receive discriminatory treatment in relation to his brothers. Sums up the present of the examination of the emotional abandonment, by omitting part of the duties relating to paternity, constitute a sufficient basis to characterize compensable moral damage, as well as the financial compensation is a social determinant able to reflect on positive future effects.
Keywords: Civil liability. Affective abandonment. Effects of the financial compensation.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Constituição de 1988 e o reflexo no direito de família; 2.1 Legislação afeta ao direito de família destinadas a proteção da criança e do adolescente; 2.2 Princípios constitucionais norteadores do direito de família; 2.2.1 Da Paternidade Responsável; 2.2.2 Princípio da Afetividade. 3. Fundamentos jurídicos embasadores da responsabilidade civil por abandono afetivo; 3.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil; 3.2 Possíveis Consequências do Abandono Afetivo. 4. Jurisprudência atual do superior tribunal de justiça: possibilidade de responsabilização civil por abandono afetivo; 4.1 Divergência Doutrinaria sobre a Reparação Civil pelo Abandono Afetivo; 4.2 Possíveis Consequências da Indenização por Abandono Afetivo. Conclusão. Referência.
1. Introdução
O Direito está em constante movimento, impulsionado, principalmente, pelo fenômeno da constitucionalização do direito privado que atinge significativamente o Direito de Família. Infere-se dessa tendência contemporânea a aplicação dos princípios constitucionais em todos os outros ramos do Direito. Neste viés, surgem mudanças significativas na aplicação da responsabilidade civil, antes limitada em uma análise restrita do texto legal, agora pautada em uma leitura civil constitucional, nos valores contemporâneos e nas transformações sociais. Vivenciamos, também, o fenômeno de formação de diferentes estruturas familiares, sendo o seu conceito reconstruído, com uma valorização ímpar da pessoa humana, em um modelo de família eudemonista e igualitário, elevando-se a afetividade como o principal motivador na formação familiar.
O foco do presente artigo é o estudo da possibilidade de reparação da dor causada pelo abandono afetivo, pois envolve a saúde psicológica de uma criança, afetando, portanto, o direito de personalidade. Far-se-á uma análise comparativa dos argumentos favoráveis e desfavoráveis da responsabilização pela ausência da paternidade responsável, bem como se pretende analisar se compensação financeira é um determinante social capaz de refletir em efeitos futuros positivos.
Como marco teórico serão utilizados as obras de conceituados doutrinadores, a exemplo: Maria Berenice Dias, Ricardo Lucas Calderon, Paulo Lôbo e Flávio Tartuce, bem como abordaremos trechos do paradigmático acórdão da Ministra Nancy Andrighi, que alterou o posicionamento, até então, vigente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sobre a possibilidade de se reparar civilmente o abandono afetivo, entendimento que representa um avanço jurisprudencial pautado na sensibilidade dos valores sociais.
2. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O REFLEXO NO DIREITO DE FAMÍLIA
Aos doutrinadores contemporâneos, certamente, não existe tema mais relevante e desafiador que os Direitos Fundamentais, reflexo do reconhecimento da imperatividade da Constituição sobre as demais normas do ordenamento jurídico, cujo vigor e supremacia do seu conteúdo material explicitam princípios e valores acerca da dignidade da pessoa humana, sob proteção jurisdicional e promoção do Estado.
Flavia Piovesan[1] revela que as modernas Constituições consubstanciam o referencial primeiro de justiça a ser buscado por uma sociedade, dada a importância do conteúdo construído coletivamente e voltado a conceber valores, princípios e regras prevalentes como a própria ordem jurídica da comunidade. Prossegue ainda dizendo que delinear o perfil Constitucional do Estado Brasileiro, surge como uma questão preliminar na compreensão de como ocorre o processo de formação do consenso: “respeito à pessoa humana” ao qual internalizamos como inerente ao conceito de cidadania na Constituição Federal.
Para a doutrinadora, a Constituição de 1988 contém um duplo valor simbólico: o de marco jurídico da transição democrática, e o da institucionalização dos Direitos Humanos.
Desafiante, portanto, é o inovador texto constitucional de 1988, uma vez que trouxe mudança de concepção do discurso constitucional, principalmente no tocante ao papel do Estado, haja vista o reconhecimento dos direitos prestacionais, e o dever de torná-los efetivos e de preservá-los, sob pena de transgressão.
Ricardo Lucas Calderón[2] em seu livro “Princípio da Afetividade no Direito de Família” pondera que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova realidade jurídica, ao prescrever vasto rol de direitos fundamentais e ao atuar em diversas áreas da seara privada, segundo ele: “O constituinte exerceu a opção pelos direitos sociais, elegeu como princípio regente a dignidade da pessoa humana e adotou como objetivo alcançar uma sociedade justa, livre e solidária (CV/88, art. 3, I), indicando o caminho que deveria ser perseguido.”
Para o autor a elevação da dignidade da pessoa humana como macroprincípio norteador das disposições constitucionais trouxe diversas consequências, que inclusive afetam o direito de família.
Podemos citar como exemplo de mudanças trazidas pela Constituição Federal de 1988: o conceito de família, no Código Civil de 1916 restringia-se ao casamento formal matrimonial, já a Constituição Federal trouxe um conceito de família plural[3]. Outro exemplo é a discriminação, no código de 1916, entre filhos – legítimos ou ilegítimos – concebidos dentro ou fora do casamento e a subsequente ausência de amparo ao filho gerado através de relacionamento adulterino. A Constituição garantiu a igualdade entre os filhos, fundamentado na concepção de que os filhos sanguíneos, adotados, concebidos fora do casamento possuem direitos iguais, independente da procedência. Ricardo Lucas Calderón[4] pondera:
“A família seguia o modelo único, formado exclusivamente a partir do matrimônio, restando excluídas do sistema as demais formas de união, que simplesmente não eram reconhecidas pelo direito. Alinhava-se a isso, ainda, a impossibilidade de dissolução do vínculo de matrimônio, que foi adotado pelo código de 1916, o qual só se extinguia com a morte. Percebia-se na legislação forte preocupação econômica, com regras sobre a destinação do patrimônio nos mais diversos casos, visando sempre à segurança jurídica nessas situações”.
O período anterior a Constituição Federal foi marcado por injustiças no campo do direito de família, haja vista a limitação do ordenamento jurídico: “Nesse contexto, foi alvissareira a promulgação da Constituição Federal de 1988, que promoveu alteração de monta no que se refere ao direito civil como um todo e, particularmente, foi profunda nos temas de direito de família.”[5]
Como visto a constitucionalização do direito privado e as mudanças sociais e conceituais contemporâneas atingiram significativamente o direito de família, alterando-se o rumo dos entendimentos jurisprudenciais sobre o tema. Com esse olhar, far-se-á breve explanação da legislação e dos princípios constitucionais aplicados no direito de família com foco nos direitos garantidos à criança e ao adolescente.
2.1 Legislação afeta ao direito de família destinadas a proteção da criança e do adolescente
A Declaração Universal dos Direitos das Crianças – UNICEF (1959) elencou como direito da criança a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social e trouxe como princípio o Direito ao amor e a compreensão por parte dos pais e da sociedade:
“A criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral e material; (…)”
Aos 24 de setembro de 1990 o Brasil ratificou a Convenção sobre Direitos da Criança, posteriormente promulgada através do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990[6]. Em seu preâmbulo reconhece que: “a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”. Além disso, o artigo segundo, disciplina sobre o compromisso assumido pelos Estados Partes em assegurar a proteção e o cuidado necessários para bem-estar da criança, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei. O art. sétimo garante a criança o direito ao registro civil imediato, e na medida do possível, conhecer seus pais e ser cuidada por eles. Interessante, também, registrar o art. dezoito da referida Convenção:
“Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança”. (grifei)
Além da legislação específica à criança e ao adolescente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas proclama que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais[7].
Em âmbito nacional, a legislação brasileira se transformou a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal. A Constituição trouxe em seu bojo uma gama de proteção à criança e ao adolescente, como exemplo, o art. 226, § 7º[8] que versa sobre os princípios da dignidade humana, da paternidade responsável e do planejamento familiar. Em sequência o art. 227 atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança, ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. No parágrafo 6º, do mesmo art., a Constituição expressamente adotou a igualdade entre os filhos. E por fim, o art. 229[9] traz a reciprocidade de responsabilidade entre pais e filhos.
Como se observa, basta a Constituição Federal para fundamentar qualquer demanda relativa ao descumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Salienta-se ainda, que a Constituição trouxe uma ordem de responsabilidade se tratando de direitos da criança e do adolescente, qual seja: primeiro responsabilizou a família, em segundo lugar a sociedade e finalmente o Estado, assim existe três entes responsáveis no dever de garantir, com absoluta prioridade, os direitos inerentes aos cidadãos em formação. Portanto, como se analisará adiante não se fundamenta a tese de que o Estado não pode intervir na liberdade familiar em caso de descumprimento dos direitos da criança e do adolescente, vez que a própria Constituição atribuiu ao Estado o dever de proteção em caso de descumprimento dos deveres atribuídos a família e a sociedade.
Com relação à legislação infraconstitucional, o Código Civil de 2002 aborda o tema em seus arts. 1566, inciso IV e 1632. O primeiro trata dos efeitos do casamento, prediz que compete aos pais ter os filhos menores em sua companhia e guarda; sendo que o art. 1632 alerta que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos.
Não bastasse a legislação citada, temos o Estatuto da Criança que dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. Assegurando-lhes, em seu art. 3º, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. O art. 4º do Estatuto repete o texto constitucional do art. 227, enquanto o art. 19 trata do direito à convivência familiar:
“Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.”
Como visto tanto a legislação internacional quanto a legislação nacional são claras em assegurar proteção integral à criança e ao adolescente, sendo, portanto, lógica a interferência estatal em casos de descumprimento de qualquer um dos direitos a eles garantidos.
2.2 Princípios constitucionais norteadores do direito de família
Paulo Lôbo[10] assevera que a Constituição e o Direito de Família são integrados pela onipresença de dois princípios fundamentais e estruturantes: a dignidade da pessoa humana e a solidariedade:
“A solidariedade e a dignidade da pessoa humana são os hemisférios indissociáveis do núcleo essencial irredutível da organização social, política e cultural e do ordenamento jurídico brasileiros. De um lado, o valor da pessoa humana enquanto tal, e os deveres de todos para com sua realização existencial, nomeadamente do grupo familiar; de outro lado, os deveres de cada pessoa humana com as demais, na construção harmônica de suas dignidades.”
O macropríncipio da dignidade humana é considerado o alicerce de nosso ordenamento jurídico, faz com que, a partir dele, prosperem os demais, visto que produz efeitos sobre todas as relações jurídicas que permeiam a sociedade. Maria Berenice Dias[11] aponta:
“Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito”.
Segundo a autora a Dignidade da Pessoa Humana encontra na família terreno fértil para florescer, haja vista que a ordem constitucional lhe dá especial proteção, independentemente de sua origem. Aduz a autora, que e a multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor e o projeto de vida em comum. Permitindo, dessa forma o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.
Como visto, a dignidade humana é, considerada o legado mais importante que conduz, não só o direito de família e a responsabilidade parental, mas todo o ordenamento jurídico, sendo a base para os demais princípios.
Quanto ao segundo macropríncipio estruturador, Paulo Lôbo[12] aduz: “O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os destacam, a saber, a convivência familiar, a afetividade e, especialmente, o melhor interesse da criança”.
Infere-se da leitura de Maria Berenice Dias[13]: "solidariedade é o que cada um deve ao outro”. Para a autora a origem da solidariedade é o vinculo afetivo, que dispõe de acentuado conteúdo ético, haja vista conter “em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexistente”.
Flávio Tartuce aduz que no âmbito do Direito de Família a solidariedade vem recebendo um incremento maior. O autor em análise do tema cita Michael J. Sandel, que segundo ele aborda um dos primeiros exemplos de obrigações provenientes da solidariedade. Explica que Sandel ilustra a hipótese em que duas crianças estão se afogando, só havendo tempo de se salvar uma delas. Sendo a opção obvia de o pai salvar o filho, para Sandel por trás dessa reação está a noção da responsabilidade paterno filial. A responsabilidade é fruto de um consentimento assumido pelo pai no momento em que optou por ter um filho. “Ao optar por ter filhos, os pais voluntariamente aceitam a responsabilidade de cuidar deles com atenção especial”[14]
O princípio da Solidariedade impõe a cada pessoa deveres de cooperação, assistência, amparo, ajuda e cuidado em relação às outras. Sendo que tais imposições surgem de modo espontâneo através do convívio familiar e social. Nesse sentido Paulo Lôbo[15] descreve que:
“O princípio da solidariedade vai além da justiça comutativa, da igualdade formal, pois projeta os princípios da justiça distributiva e da justiça social. Estabelece que a dignidade de cada um apenas se realiza quando os deveres recíprocos de solidariedade são observados ou aplicados.”
Ricardo Lucas Calderón[16], além de reconhecer os macroprincípios acima mencionados aborda outros dois, para ele de importância ímpar ao direito de família: a igualdade e a liberdade:
“A igualdade ressoou por todo o direito de família, de modo a impedir a manutenção de distinções injustificáveis, quer entre homem e mulher, quer entre os integrantes da sociedade conjugal, quer entre filhos, quer ainda entre as próprias entidades familiares. O princípio da liberdade destacou-se quando do trato de relacionamentos interpessoais, visto que a regra é o respeito pelas escolhas individuais, desde que não afrontem terceiros e não ofendam deveres de solidariedade.
Os princípios constitucionais de solidariedade, igualdade, liberdade e dignidade influenciaram profundamente o direito de família, contribuindo para construção de outro modelo de família, por muitos chamados de família constitucional. Em face da clivagem entre a sociedade brasileira e as disposições sobre o direito de família da legislação civil, foram de grande relevância as inovações constitucionais.”
Como ensina a doutrina, alguns princípios são gerais, ligados às diversas disciplinas abordadas pelo direito, ao passo que outros se destinam a regular matéria específica. Assim sendo, destacar-se-á alguns princípios constitucionais de Direito de Família, que são reflexos do fundamento da Dignidade Humana e do Princípio da Solidariedade Familiar, da Igualdade e da Liberdade, que influenciam diretamente na compreensão atual da família no tocante ao direito da criança e adolescente.
2.2.1 Da Paternidade Responsável
A paternidade responsável é um princípio constitucional assegurado no § 7º do art. 227 da Constituição Federal, nos arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente[17], e no inc. IV do art. 1.566 do Código Civil[18].
Podemos conceituar o princípio como sendo a obrigação que os pais têm em relação à assistência moral, afetiva, intelectual, psicológica e material aos filhos, sendo um modo de se garantir que todos os direitos da criança e do adolescente sejam cumpridos.
2.2.2 – Princípio do Melhor Interesse da Criança
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente condiz com a Doutrina da Proteção Integral (art. 1º do ECA). A Doutrina da Proteção Integral está alicerçada em três pilares: (a) a criança adquire a condição de sujeito de direitos; (b) a infância é reconhecida como fase especial do processo de desenvolvimento; (c) a prioridade absoluta a esta parcela da população passa a ser princípio constitucional, (art. 227 CF).
Isabella de Fátima Cristo Ribeiro dos Santos[19] revela:
“O princípio do melhor interesse da criança encontra seu fundamento no reconhecimento da peculiar condição de pessoa humana em desenvolvimento, atribuída à infância e juventude. O art. 227 da Constituição Federal, portanto, consolida diversos dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, e tais disposições passam a ser tidas como princípios de direito, vetores que guiarão a vida em sociedade. Ele é conhecido como o preceito-síntese da referida Doutrina da Proteção Integral, pela qual, crianças e adolescentes também são dotadas de cidadania e o Estado deve tomar todas as medidas necessárias à sua proteção, mantendo-as a salvo de toda e qualquer forma de violência, negligência, maus tratos físicos ou mentais, abandono ou exploração de qualquer espécie, e responsabilizando aqueles que praticarem tais atos.”
O princípio do melhor interesse da criança, de acordo com a doutrina da Proteção integral, deve ser interpretado amplamente, não se admitindo qualquer elemento discriminatório.
2.2.3 Principio da Afetividade
A afetividade vem sendo tratada, por alguns doutrinadores, como princípio implícito da Constituição Federal. Na legislação infraconstitucional o afeto surge de maneira pontual, no entanto, bem antes de a expressão ser usada pelo legislativo o poder judiciário reconhecia o instituto, nesse sentido Ricardo Lucas Calderón[20]:
“Algumas alterações legislativas processadas nos últimos anos fazem referência ao afeto e a afetividade no próprio texto de lei, o que é um certo avanço de técnica legislativa e indica – além de certa sensibilidade – uma possível tendência. Isso pode ser percebido na chamada Lei Maria da Penha (2008), Lei da Guarda Compartilhada (2008), na nova Lei de Adoção (2009), e na Lei da Alienação Parental (2010). (…)
A jurisprudência desempenhou um papel fundamental na consolidação da categoria jurídica da afetividade no sistema brasileiro, eis que, muito antes de qualquer dispositivo legislativo expresso, já reconhecia a afetividade em diversos casos. São inúmeras as decisões que, mais incisivamente a partir da última década, concederam efeitos jurídicos a afetividade em diversas situações concretas.”
Na mesma linha de pensamento Maria Berenice Dias[21] revela que o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica, atribuindo valor jurídico ao afeto:
O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família.(…)
As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor.
Já Paulo Lôbo aduz que a afetividade é dever jurídico a que devem obediência pais e filhos, em sua convivência, independentemente de haver entre eles afeto real. O autor identifica na Constituição Federal de 1988 quatro fundamentos essências do princípio da afetividade: a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 227 § 6°); a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 227 §§ 5° e 6°); a comunidade formada por qualquer dos filhos e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226 § 4°) e o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF 227).
3. FUNDAMENTOS JURÍDICOS EMBASADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
Tanto a Constituição Federal, quanto o Código Civil possuem postulados que permitem a aplicação da responsabilidade civil em caso de abandono afetivo.
O Código Civil de 2002, arts.: 186, 187 e 927[22], estabelece que todo dano, ainda que seja exclusivamente moral, deve ser indenizado.
Como ensina a doutrina, para a identificação da responsabilidade civil, faz-se necessário observar os pressupostos: conduta, dano, nexo causal e culpa, os quais passar-se-á sucintamente alinhavar.
3.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil;
Os atos ilícitos são aqueles que contrariam o ordenamento jurídico lesando o direito subjetivo de alguém. É do ato ilícito que surge à obrigação de reparar o dano, portanto a responsabilidade civil é uma obrigação secundária, originada do descumprimento de um dever jurídico.
Cavalieri Filho[23] explica que para que alguém possa ser forçado a indenizar, faz-se necessário a ocorrência dos pressupostos de responsabilidade: elemento formal, elemento subjetivo e o causal-material, os quais devem ser analisados em conjunto. O elemento formal ocorre da violação de um dever jurídico, através de uma ação ou omissão voluntária. O elemento subjetivo é o dolo ou a culpa. E o elemento causal-material representa o dano e o nexo de causalidade.
“Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber: a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia"; b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões "violar direito ou causar dano a outrem".
Assim temos que os pressupostos da responsabilidade civil se dividem em: conduta, dano, nexo causal e culpa.
Ressalta-se que tais pressupostos se subsumem a responsabilidade civil subjetiva, já que se tratando de responsabilidade objetiva, não há necessidade de se comprovar a culpa, mas somente a conduta, o dano e o nexo causal.
Sucintamente analisaremos os pressupostos da responsabilidade subjetiva, expressamente prevista no art. 186 do Código Civil.
O primeiro pressuposto é a conduta do agente, que embasada na culpa e no dano causado, gera o dever de reparação.
O dano, por sua vez é uma lesão moral ou patrimonial causada pelo agente, nas palavras de Cavalieri Filho[24]:
“Conceitua-se, então, dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.”
Paulo Nader explica que o dano ocorre em face de patrimônios individuais: materiais e imateriais. Os bens materiais são aqueles possíveis de verificação e avaliação da prestação pecuniária enquanto os imateriais compreendem os inerentes à personalidade, à vida, à honra, à liberdade. Sendo mais complexa a fixação de indenização.
Quanto ao terceiro pressuposto, nexo causal, considera-se de importância ímpar para a identificação dos outros pressupostos, podendo ser conceituado como o liame entre a conduta do agente e o dano.
Nesse sentido, Cavalieri Filho[25]: “O conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico; decorre primeiramente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”.
E por último a culpa, que poderá estar presente ou não para a configuração da responsabilidade civil, haja vista que o Código Civil brasileiro adotou duas teorias a respeito de culpa: objetiva e subjetiva. Paulo Nader descreve a culpa pela não intencionalidade do agente em causar lesão, contudo tem ciência dos riscos da conduta e ainda assim prática o ato ou se omite em praticar, provocando danos a outrem.
Feita sucinta análise dos pressupostos da responsabilidade civil, pretende-se investigar as possíveis implicações na personalidade de um adulto, abandonado quando criança, com intuito de averiguar se a omissão do dever de cuidado dos genitores pode ser considerada ato ilícito.
3.2 Possíveis Consequências do Abandono Afetivo
A psicóloga Tatiely Bonan no programa “ES em Debate”[26] abordou as possíveis consequências do abandono afetivo em uma criança. De início retratou as mudanças sociais em torno do direito de família, vez que antigamente o papel social do pai e da mãe era diferente, ficando o primeiro responsável pelo sustendo familiar e o outro pelo cuidado. No entanto, tal realidade foi alterada, com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ambos contribuindo, agora, para o sustento familiar, assim, obviamente, ambos são responsáveis pelo acompanhamento e cuidado dos filhos.
Comentou-se também a questão de os casos de abandono afetivo estarem mais direcionados ao genitor. No ponto Tatiely Bonan explicou que as pesquisas apontam que 90% dos casos nas Varas de Família se tratam de abandono afetivo e/ou financeiro em face do genitor, todavia não há qualquer óbice em se condenar uma mãe pelo mesmo motivo.
No ponto crucial do presente tópico a psicóloga versou sobre os efeitos do abandono. Segunda ela, a criança, principalmente a partir de dois anos de idade necessita do contato com a figura paterna para a formação de sua personalidade e formação de alguns limites. Explicou Tatiely que a ausência do pai gera agressividade e criminalidade, buscando, o adolescente inconscientemente, a figura do juiz para suprir a falta de laços e limite decorrentes da negligência do pai, ou seja, o adolescente pode entrar no mundo do crime para buscar algum limite, que lhe faltou na infância.
Em opinião semelhante Cíntia Vesentini[27] aponta:
“A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos, dos parentes e da sociedade. (…) A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhe faltar essa referência, o filho estará sendo prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida. Assim, a falta da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo de vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes”. (grifei)
Beatrice Marinho Paulo[28] aborda a função emocional e psicológica exercida pela família na vida de uma criança:
“Função emocional e psicológica – primordial para a formação do caráter e subsidiar saúde mental. Essa função mantém vivo os laços afetivos indispensáveis dentro da família. Entendemos que para se criar uma criança, um adolescente, visto que são seres em fase de desenvolvimento, é impreterível o envolvimento desses seres em laços de carinho, amor, atenção, de modo que proporcione bem estar, alegria, felicidade. Nesta função também podemos elencar o desenvolvimento das potencialidades humanas. Através da segurança passada dos pais para os filhos, o ser que antes se caracterizava frágil, passa a construir autonomia e subsídios para
desenvolver suas potencialidades.”
Tais aferições não são novidades, haja vista estar no senso comum à importância da família no desenvolvimento da personalidade dos filhos. A família é o primeiro referencial para o desenvolvimento do indivíduo, através da incorporação de valores, experiências, influenciando direitamente a formação dos juízos de valores. É no ceio familiar que se forma a personalidade de uma criança, podendo-se concluir que a falha nessa formação pode sim gerar indivíduos “problemáticos”, haja vista o peculiar estado de desenvolvimento, necessitando a criança e o adolescente de cuidados especiais para a formação do seu caráter. Nesse sentido Cíntia Vesentini[29]:
“Assim, por ser a base da sociedade, a família recebe atenção especial do Estado, tendo em vista a preservação da mesma, uma vez que a ausência de afeto traz em si um conjunto de males causadores de verdadeira tortura ao filho abandonado, causando angústia não apenas pela falta de carinho, mas também como condições de sobrevivência, tendo em vista que o menosprezo vem daquele que jamais deveria eximir-se de dar afeto”.
O doutrinador Arnaldo Rizzardo[30] revela que a ausência de um dos genitores resulta em tristeza, insatisfação, angústia, sentimento de falta, insegurança, e mesmo complexo de inferioridade em relação aos conhecidos e amigos. Quase sempre se fazem sentir efeitos de ordem psíquica, como a depressão, a ansiedade, traumas de medo e outras afecções.
Conclui-se, portanto, que apesar de não estarmos falando de ciências exatas, e de evidentes casos de crianças abandonadas que lograram êxito na vida adulta, a probabilidade de uma criança rejeitada alcançar sua realização pessoal e social é diminuída se comparada a uma criança cuidada pelos pais.
4. JURISPRUDÊNCIA ATUAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
A matéria de responsabilidade, seja ela civil, administrativa ou criminal, é para o direito um instituto de grande significado, principalmente quando conjugado com princípios jurídicos de cada ramo do direito, como é o caso dos princípios constitucionais, princípios do direito civil, princípios do direito ambiental e assim sucessivamente. Isso faz com que a responsabilidade seja tratada de forma peculiar em cada área do direito, inclusive no direito de família.
O estudo do direito de família e o da responsabilidade civil não mais se limita a uma análise restrita do texto legal, e sim em uma leitura civil constitucional. Evidenciamos, portanto, momento de transição em ambos os campos, com reflexo na construção de novas respostas, a partir de situações concretas[31]. Através dessa nova perspectiva o Superior Tribunal de Justiça – STJ reconheceu a possibilidade de reparação civil por abandono afetivo, alterando, portanto, o entendimento até então vigente.
O entendimento anterior, não unânime, era de que no campo material o genitor poderia ser condenado somente em alimentos e no campo extrapatrimonial, a punição seria a destituição do poder familiar.
Nesse sentido, cita-se o posicionamento do Ministro Cesar Asfor Rocha[32]:
“(…) Essa compreensão decorre da importância que tem a família, que é alçada à elevada proteção constitucional como nenhuma outra entidade vem a receber, dada a importância que tem a família na formação do próprio Estado. Os seus valores são e devem receber proteção muito além da que o Direito oferece a qualquer bem material. Por isso é que, por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai – o que, diga-se de passagem, o caso não configura – a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio poder, no máximo isso. Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria "x"; se abandono por um mês, o valor da indenização seria "y", e assim por diante”. (grifei)
Contudo, a Terceira Turma aos vinte e quatro de abril de 2012, em julgamento de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, alterou o posicionamento em uma decisão paradigmática, reconhecendo-se viável a indenização por dano moral em caso de abandono afetivo.
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social”. (…)[33]
No julgamento supra o STJ fez uma releitura contemporânea (Civil Constitucional) do direito de família e do direito civil. Superando, portanto, o posicionamento que negava a reparação através de óbices genéricos e formais, com a alegação de que o abandono afetivo não seria apto a ser considerado ato ilícito, entendimento esse, não condizente com o atual momento vivido pelo direito civil brasileiro.[34] No novo posicionamento o STJ considerou que o abandono afetivo levado a efeito por um pai, ao se omitir da prática de fração dos deveres inerentes à paternidade, constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável.
A situação fática julgada pelo STJ dizia respeito ao reiterado abandono do genitor a filha extrapatrimonial. O genitor, in casu, foi pai de outros filhos oriundos de outro relacionamento, conferindo tratamento totalmente distinto entre os irmãos (relacionando-se afetivamente com os filhos do segundo relacionamento e mantendo-se ausente e distante da filha-autora).
Diante de tal conduta, a filha renegada pelo genitor chegou até a idade adulta sem ver desenvolvida a relação afetiva que se esperava desse vínculo familiar. Configurada a situação de abandono afetivo, sustentou essa filha que sofreu danos decorrentes da ausência dessa relação paterno-filial, e, portanto demandava uma reparação financeira diante da conduta omissa do genitor[35].
A autora, como se observa na ementa supracitada, obteve êxito em sua demanda, todavia como os conflitos na justiça brasileira, possuem um longo caminho a percorrer, através de uma gama de recursos cabíveis, o genitor interpôs embargo de divergência.
Portanto, no mês de maio de 2014, houve grande expectativa na uniformização de jurisprudência acerca do tema, por ocasião do julgamento dos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.159.242 – SP (2012⁄0107921-6)[36], de relatoria do eminente ministro Marco Buzzi, na 2ª Seção – Direito Privado.
Marco Buzzi se mostrou favorável ao posicionamento da Ministra Nancy Andrighi, negando provimento aos embargos, todavia, por maioria de votos, houve rejeição, pela conclusão de inexistência de similitude fático-jurídica entre os arestos confrontados.
Assim foi mantida a decisão anterior em que se admitiu a compensação financeira pelo abandono afetivo, porém sem uniformizar o entendimento entre a Terceira e Quarta Turma, já que, no âmbito da Quarta Turma, o entendimento, não unânime, era pelo descabimento de indenização.
Desse modo, apesar da repercussão do novo posicionamento do STJ, pela possibilidade da reparação civil em caso de abandono afetivo, o tema ainda gera diversificadas opiniões, o que o torna bastante polêmico e atual, causando importantes embates no meio jurídico e doutrinário, sendo causa de interessantes estudos e pesquisas na área, cujos principais pontos se pretende projetar.
4.1. Divergência Doutrinária sobre a Reparação Civil pelo Abandono Afetivo
O jornal Carta Forense de janeiro de 2015 retrata, na matéria de capa, a divergência doutrinária a respeito do tema através de dois artigos: a primeira edição em 06.01.2015 redigido pelo Procurador de Justiça em Minas Gerais – Nelson Rosenvald[37], titulado “Indenização por abandono afetivo: possibilidade”, já o segundo publicado em 07.01.2015 pelo Promotor de Justiça do MP/BA – Cristiano Chaves de Farias[38]: “Indenização por abandono afetivo: Impossibilidade”.
Nelson Rosenvald, favorável a indenização, se preocupa com a possível insegurança jurídica que a falta de precisão semântica que o termo “Abandono Afetivo”, pode ocasionar. Além disso, em sua visão, muitos filhos poderão se aproveitar dessa nova perspectiva para levar ao poder judiciário, questões de cunho familiar, irrelevantes ao direito. No entanto ressalta que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.159.242, de Abril de 2012, ofereceu bases jurídicas mais sólidas para o deslinde de colisões de direitos fundamentais envolvendo a liberdade do genitor e a solidariedade familiar, mostrando-se favorável a tese defendida pela Ministra Nancy Andrighi:
“Vale dizer, a omissão de cuidado é um ato ilícito que não apenas viola a norma infraconstitucional acima exposta, mas ofende diretamente o direito fundamental à convivência familiar (art. 227, CF), na medida em que a própria Carta Constitucional, em seu artigo 229, assume que “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
É certo que esses dispositivos possuem forte conotação moral. Ocorre que, no paradigma do Estado Democrático de direito, mesmo que um princípio seja embasado em elementos sociológicos, depois que está posto, não poderá ser corrigido. Se a Constituição diz que há um dever de assistir, criar e educar. Assume-se que a negativa a esses deveres representa não apenas uma conduta reprovável, porém antijurídica. A omissão de cuidado fere a ética e o direito. De fato, a tradição do direito de família era a de deferir aos pais a privacidade de optar entre humanizar e coisificar os filhos, mesmo que a escolha pela indiferença pudesse impactar na moral de muitos de nós. Felizmente, o Direito não pode mais ser cindido da ética. Não é possível dizer, como se fazia “antigamente”, que uma conduta é imoral, mas legal. Em sede de deveres de convivência entre pais e filhos não se pode tergiversar com qualquer moral particular. As questões de princípio se sobrepõem às questões de política. Seria empobrecedor converter o dever constitucional e objetivo de cuidado em figura de retórica ou mero enunciado performativo que fique a disposição do intérprete. A normatividade dos artigos 227 e 229 somente não será fragilizada se, em um viés dworkiniano, levarmos esses princípios à sério”[39].
Infere-se do posicionamento do Procurador a mesma preocupação já ponderada pela Ministra Nancy Andrighi, ao conduzir seu voto, em que considerou o abandono afetivo um ato ilícito, deixando claro que não estava condenando a falta de amor e sim a falta de cuidado objetivo. Vale a pena transcrever trecho em que faz um paralelo entre o amor do dever de cuidado:
“Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.
Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: “(…) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (…)”.
Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo
– a impossibilidade de se obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica, por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal”[40].
Como visto tanto no voto da Ministra quanto no posicionamento de Nelson Rosenvald há uma preocupação em se defender um núcleo mínimo de cuidados parentais em relação à criança e ao adolescente, que lhe garantam uma adequada formação psicológica e a inserção social.
Para o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino a doutrina, tanto acerca do Direito de Família como da Responsabilidade Civil, é uníssona em afirmar que o abandono moral do filho por parte dos pais tem o condão de ocasionar danos morais, que devem ser reparados. Em seu voto vista, no REsp 1159242/SP, cita Arnaldo Rizzardo e Rui Stoco, em que ambos se mostram favoráveis a indenização por abandono afetivo. Para o ministro a indenização deve ser concedida somente em casos excepcionais, e o judiciário deve avaliar com cautela caso a caso, haja vista a delicadeza das relações familiares. A preocupação principal do ministro, e de vários outros doutrinadores, é a criação de uma indústria de ações judiciais de filhos, supostamente ofendidos, contra os pais por questões banais, desse modo infere-se do seu posicionamento que as ações judiciais, sobre o tema, merecerão redobrada atenção e dedicação do poder judiciário.
Em contraponto ao posicionamento favorável a possibilidade de indenização por Abandono Afetivo, Cristiano Chaves de Farias não admite a incidência dos elementos da responsabilidade Civil nas relações familiares. Para ele a pessoa humana tem o direito de gostar ou desgostar de outra, mesmo sendo seu familiar. Alega o Promotor que a imposição jurídica em reconhecer a indenização decorrente da negativa de afeto produziria a patrimonialização de algo que não tem valor econômico, o que acredita ser um retrocesso ao período em que o “ter” valia mais do que o “ser”. Alega ainda que a situação de desamor seria agravada se o pai tivesse que despender um valor econômico para ressarcimento ao abandono.
“Por tudo isso, entendemos não ser admissível o uso irrestrito e indiscriminado das regras atinentes à Responsabilidade Civil no âmbito do Direito das Famílias por importar o deletério efeito da patrimonialização de valores existenciais, desagregando o núcleo familiar de sua essência. Afasta-se, com isso, o cabimento da indenização por um puro e simples abandono afetivo, desatrelado da prova da prática de um ato ilícito”[41].
Os argumentos contrários a indenização por abandono afetivo em síntese são: (a) não há ato ilícito na conduta de um genitor que abandona afetivamente seu filho; (b) o afeto não pode ser imposto na relação parental, não existindo um dever jurídico de convivência; (c) o pagamento da indenização afastaria em definitivo o genitor do filho; (d) a solução para o abandono afetivo seria a perda do poder familiar, e não pagamento da indenização a título de dano moral; (e) o Direito de Família tem princípios próprios diferentes dos regramentos básicos do Direito das Obrigações.
Apesar do posicionamento supramencionado e da legítima ponderação sobre possíveis efeitos da patrimonialização de valores existências, considera-se que a Constituição Federal concedeu a criança e ao adolescente prioridade absoluta, e o Estado deve sim garantir todos os direitos a eles inerentes.
4.2. Possíveis Consequências da Indenização por Abandono Afetivo
Outro ponto de discussão na doutrina é o efeito da indenização por abandono afetivo. O julgamento de um litígio que requer indenização moral é, em tese, tormentosa ao juiz, uma vez que parece difícil mensurar qual valor indenizatório seria suficiente para acalentar a dor sentimental, além disso, o julgador deve se pautar na condição do demandado e no caráter punitivo da demanda com finalidade de inibir situações semelhantes.
Aduz o ministro Fernando Gonçalves[42] que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização, alerta que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo.
Para Maria Celina Bodin de Moraes[43] as indenizações compensatórias estão sendo distorcidas, usadas para cumprir outras funções como: punitiva, pedagógica, exemplar, consolo, desestímulo, instrumento de justiça social, de distribuição de renda e de substituição dos deveres do Estado.
Já Ionete de Magalhães Souza revela que as decisões devem primar pela efetividade, bem como aborda à “dificuldade de precisão de termos legais e sentimentais e sua aplicabilidade à vida e aos fatos reais. Questiona-se o que vem a ser uma "correta mensuração", justiça, equilíbrio e proporção”.
“O que se busca com a reparação do dano extrapatrimonial é uma compensação pela perturbação da alma. Não é um pagamento, mas sim um meio de tentar amenizar um mal causado, proporcionando não a felicidade, mas mecanismos materiais para tentar buscá-la”[44].
Para Leandro Soares Lomeu[45] a indenização não assegura o recebimento do afeto, e sim poderá ensejar, ainda mais, o afastamento entre pai e filho, haja vista, que, segundo ele, é impossível obrigar alguém a amar. Assim, conclui que a indenização possui apenas caráter educativo, reparador, garantidor da pessoa humana.
Em sentido semelhante à advogada Cláudia Maria da Silva[46] assevera:
“Não se trata, pois, de "dar preço ao amor" – como defendem os que resistem ao tema em foco –, tampouco de "compensar a dor" propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave.”
No ponto, consideramos que a indenização realmente não trará o afeto perdido e tampouco suprirá os efeitos negativos causados pelo abandono, no entanto poderá ser um passo para reflexão social sobre a paternidade responsável. Carlos Gonçalves Andrade Neto[47] aduz que: “Do ponto de vista econômico, a responsabilidade civil cumpre um papel de desestímulo a determinadas condutas consideradas socialmente lesivas, pelo estabelecimento de uma sanção pecuniária ao seu agente”.
O autor cita Robert Cooter para o qual a finalidade econômica da responsabilidade civil é induzir a internalização dos custos do dano que podem ocorrer em consequência da falta de cuidado:
“O direito da responsabilidade civil internaliza esses custos fazendo o causador da lesão indenizar a vítima. Quando os autores de atos ilícitos em potencial internalizam os custos dos danos que causam, eles tem incentivo para investir em segurança no nível eficiente. A essência econômica do direito da responsabilidade civil consiste em seu uso da responsabilização para internalizar externalidades criadas por custos de transação elevados”[48].
Segundo Andrade Neto o STJ enviou um recado à sociedade: gerar um filho significa comprometer-se com a formação da personalidade da criança, sendo que a indenização não tem o condão de restabelecer o status quo antes, uma vez que a restauração parece irreversível, mas um desestímulo financeiro, a toda a sociedade que poderá levar a uma alteração cultural.
“Com o precedente aberto, a Corte de Uniformização de Lei Federal mandou um recado para toda a sociedade: o ato da paternidade impõe um correspectivo ônus de natureza personalíssima que transcende a dimensão financeira, e que impõe uma conduta continuada de cuidado e convivência. A conduta positiva de gerar um filho, sob a égide da indenizabilidade do abandono afetivo impõe uma “internalização dos custos” de uma paternidade ou maternidade irresponsável, a teor da teoria econômica aplicada ao instituto juscivilista.
Em outras palavras, gerar um filho significa comprometer-se com a formação da personalidade do infante, notadamente no seu aspecto emocional e social. A indenização aqui tem, por óbvio, não a restauração de um status quo ante, uma vez que a formação de uma personalidade é processo temporal aparentemente irreversível, mas um desestímulo financeiro, não ao pai faltoso, mas aos demais que ainda podem corrigir o rumo”.[49]
Para o autor com a decisão do STJ haverá um reflexão dos propensos genitores diante da certeza da sanção civil.
“A decisão do STJ pode bem ser explicada pela função econômica da responsabilidade civil: é razoável a expectativa de que, diante da certeza da sanção civil (fato que Levitt igualmente destaca como positivo para a condução do comportamento humano), o indivíduo candidato a pai ou mãe pensará duas vezes antes de aventurar-se a uma paternidade ou maternidade irresponsável, uma vez que sabe, estará empenhando sua prosperidade material futura a uma perseguição indenizatória do filho “mal-amado”.[50]
Aduz que a paternidade responsável trará adultos mais sadios com menor probabilidade ao crime. Ele compara o momento vivenciado pelo Brasil com a decisão da Suprema Corte estadunidense em 1973 pela legalização do aborto, sendo o resultado da decisão refletida na queda vertiginosa e uniforme dos índices de violência nos anos 90, evidenciando, portanto a relação causa efeito entre a paternidade irresponsável e o seu custo social e econômico.
“Se a paternidade irresponsável – sem afeto e sem cuidado, estava justificando a proliferação de filhos cuja personalidade mal-formada expunha a sociedade e futuros psicopatas e párias sociais (com a palavra, os números de Levitt), numa decisão econômica, o Superior Tribunal de Justiça inseriu um elemento de racionalidade a mais no jogo, decisão esta que capilariza-se nos tribunais e juízes amiúde, nas petições dos advogados e defensores públicos, nas bocas das comadres, nos artigos de jornais, nas conversas de bar, nos diálogos íntimos entre amantes, nas respostas ríspidas de filhos menores, enfim, que incorpora-se à cultura popular e redireciona o comportamento dos indivíduos de modo a racionalizar seus ganhos e minimizar suas perdas, bem conforme os pressupostos economicistas, e cujos frutos, analogamente ao caso da Suprema Corte Norte-Americana em 1973, somente colherá seus frutos econômicos e sociais anos depois”[51].
Por outro viés, sem adentrar na discussão da regulamentação ou não do aborto, rebatendo possíveis argumentos contrários a tese defendida, consideramos que ninguém estará restringindo a liberdade da pessoa humana, ou impondo o dever de amar, uma vez que a pessoa sempre poderá escolher se quer ou não ter um filho, já dizia Platão “não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los”[52]. Portanto, a liberdade do genitor encontra-se em não gerar um filho, mas uma vez gerado terá responsabilidades, se não por iniciativa própria, imposta pelo poder judiciário.
A sociedade brasileira não pode tolerar a realidade social atual, inúmeras crianças e adolescentes no mundo do crime, sem qualquer referencial familiar, abandonadas em abrigos, ou adotadas e depois devolvidas.
O Estado deve assegurar os direitos das crianças com absoluta prioridade, e ao invés de pensar em reduzir a maioridade penal, como muito se discute atualmente, deve investir na prevenção da criminalidade, garantindo-se a criança e ao adolescente um alicerce para sua formação na família, sendo um dos meios plausíveis: a punição econômica dos genitores infratores dos seus deveres paternos, além de outros, obviamente, como a promoção de campanhas de planejamento familiar, de adoção consciente.
Assim, espera-se que há alguns anos a sociedade vivencie os reflexos positivos causados pela decisão do STJ, através da incorporação do dever de cuidado na cultura popular.
CONCLUSÃO
O fenômeno da constitucionalização do direito privado e as mudanças sociais e conceituais contemporâneas atingiram significativamente o direito de família, alterando-se o rumo dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.
A ordem constitucional vigente reconheceu importância ímpar à família, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da personalidade dos entes. A família é o referencial primeiro para o desenvolvimento do indivíduo, influenciando direitamente a formação dos juízos de valores. É no ceio familiar que se forma a personalidade de uma criança, podendo-se concluir que a falha nessa formação pode sim gerar indivíduos “problemáticos”, haja vista o peculiar estado de desenvolvimento, necessitando de cuidados especiais para a formação do seu caráter.
O estudo do direito de família e o da responsabilidade civil não mais se limita a uma análise restrita do texto legal, e sim em uma leitura civil constitucional. Evidenciamos, portanto, momento de transição em ambos os campos, com reflexo na construção de novas respostas a partir de situações concretas. Através dessa perspectiva o Superior Tribunal de Justiça – STJ reconheceu a possibilidade de reparação civil por abandono afetivo, alterando, portanto, o entendimento até então vigente.
O novo posicionamento se fundamenta na doutrina da proteção integral e no melhor interesse da criança e do adolescente, na dignidade da pessoa humana, na solidariedade e na paternidade responsável.
Apesar do tema não estar uniformizado, a maioria da doutrina se inclina pela possibilidade de reparação civil nos casos de abandono afetivo. No entanto, a maior preocupação é quanto à análise dos casos práticos, a fim de se evitar uma indústria do dano moral, em questões familiares banais. Todavia tal preocupação não é motivo suficiente para inibir o judiciário a condenar genitores que descumpriram de forma voluntária a paternidade responsável e indenizar indivíduos que sofreram gravemente pela falta de cuidado.
Quantos aos efeitos da indenização, conclui-se que não trará o afeto perdido e tampouco suprirá os efeitos negativos causado pelo abandono, no entanto poderá ser um passo para reflexão social sobre a paternidade responsável, sendo, portanto a compensação financeira um determinante social capaz de refletir em efeitos futuros positivos.
Advogada; Graduada em Direito Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2012; Especialista em Direito Previdenciário – Universidade Anhanguera-Uniderp em parceria LFG 2013
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