Resumo: Trata-se de artigo que aborda atual discussão no ramo do Direito de Família sobre a possibilidade de um filho, privado do afeto paterno, pleitear indenização em virtude de um eventual dever de convivência estabelecido no ordenamento jurídico.
A família indubitavelmente é o núcleo de toda sociedade. É através de sua constituição e de seus membros, que se formam as mais diversas espécies de relações sociais. O instituto da família foi tratado pelo direito brasileiro durante muito tempo de forma bastante superficial. As primeiras constituições brasileiras referiam-se sutilmente à temática. Foi com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 que o instituto da família ganhou efetivamente uma atenção especial do legislador.
As principais modificações trazidas pela nova carta perpassam pelo reconhecimento da pluralidade de entidades familiares, ou seja, a família já não é mais constituída apenas pelo casamento; a proibição da distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, afinal, filhos são sempre filhos independentemente do tipo de relação de que vieram; e, por fim, o reconhecimento de direitos iguais para homens e mulheres.
O que se pôde perceber através dessas inovações, especialmente no que se refere ao reconhecimento de pluralidade de entidades familiares e na proibição de distinção entre filhos legítimos e ilegítimos é que a própria Constituição Federal reconheceu o afeto como o principal elemento que leva as pessoas a constituírem uma família, não havendo porque se manterem discriminações baseadas nos fatores sexo ou origem.
Nesse contexto, também cuidou de trazer expressamente em seu artigo 227, os deveres da família, atribuindo não só a esta como também à sociedade e ao Estado, o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Atualmente, discute-se a possibilidade de se conceder indenização por abandono afetivo do filho, quando este é privado de assistência moral e afetiva independentemente da questão material. A discussão coloca em pauta uma questão de extrema relevância não só para o ordenamento jurídico, mas para toda sociedade brasileira: quais são efetivamente os deveres dos pais perante seus filhos? Será que se esgotam no dever de sustento, de prestar alimentos?
Autoras renomadas do ramo de Direito de Família, como Giselda Hironaka, Lizete Peixoto Schuch e Maria Silva, embasadas principalmente no dever de convivência estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal, concluem pela possibilidade de se conceder a indenização. Para estas autoras, a expressão “convivência familiar” deve ser interpretada de maneira mais ampla, e entendida não somente como dever de coexistência, de coabitação, mas dever de educar, no sentido mais pedagógico da palavra. Educar e dar todas as condições para que a criança cresça em um ambiente sadio, seja inserida na sociedade e nela saiba habitar e adaptar-se.
Segundo essas mesmas autoras, a formação da personalidade do filho está intimamente ligada a presença dos pais e como eles exercem seus papéis de pai e de mãe. É no seio da família que a criança começa a formar sua personalidade. É se guiando pelo exemplo dos pais, pelos sentimentos que recebe e aprende a oferecer, que a criança formará seus valores éticos e morais, aprenderá a lhe dar com sentimentos e fortes emoções. Portanto, o descumprimento do dever de convivência familiar pode ocasionar danos irreversíveis à personalidade do filho.
Os direitos à personalidade, como é cediço, foram consagrados no artigo 5º da Constituição de 88, e qualquer atitude atentatória a estes é passível de reprimendas pelo ordenamento jurídico através das indenizações por dano moral.
A conduta do pai que abandona afetivamente seu filho deve ser sim considerada uma conduta ilícita, uma vez que vai de encontro a todo arcabouço normativo e principiológico que norteia o Direito de Família, que deixa de dar efetividade a um direito constitucionalmente garantido e de dar cumprimento a um dever estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal. Sendo assim, o pai deve ser civilmente responsabilizado por sua conduta e condenado a pagar a indenização.
Não se pode esquecer, que modernamente, têm se atribuído à reparação civil uma nova função: a função pedagógica, educativa. Muito mais do que compensar à vítima do dano sofrido ou punir o ofensor, a reparação civil tem a função de alertar à sociedade que condutas semelhantes àquela do ofensor não serão permitidas pelo ordenamento jurídico, portanto, uma função de desestimular condutas semelhantes.
Cumpre ressaltar que a indenização deve ser concedida após uma análise detalhada de cada caso concreto. Análise esta que deve ser capaz de comprovar o dano experimentado pelo filho, assim como a relação do dano com a conduta paterna, perpassando ainda pela delicada questão da culpa do ofensor.
Alguns Tribunais estaduais como o do Rio Grande do Sul e São Paulo, atentos a evolução do instituto da família e reconhecendo o afeto como o elemento principal de sua formação e preservação, vêm recepcionando demandas de filhos privados da convivência e do afeto do pai.
Não se trata de monetarizar o afeto ou dar preço ao amor, muito menos de obrigar alguém a amar. Trata-se de lembrar a estes pais a responsabilidade de ser pai, a responsabilidade que é ter um filho.
Advogada na cidade de Arcos/MG e Pós-Graduandao em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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