Resumo: O presente artigo versa sobre a atuação do Médico do Trabalho, avaliando as repercussões éticas, civis e penais frente as condutas tomadas pelos profissionais da Medicina do Trabalho, objetivando debater a temática com o fim precípuo de aperfeiçoar a conduta profissional do Médico do Trabalho, em benefício dos trabalhadores. Para tanto, analisa o Código de Ética Médica na sua prática profissional, tendo em vista os aspectos que recaem sob suas condutas na responsabilidade ética. Para tanto, pontua artigos do livro deontológico médico atinentes a Medicina do Trabalho. Em continuidade, debate a responsabilidade civil médica e seus desdobramentos, focando em situações práticas da atuação do Médico do Trabalho; assim como a responsabilidade penal médica, abordando a aplicabilidade do Código Penal no labor do profissional da Medicina do Trabalho. Por fim, faz-se necessário então que o Médico do Trabalho esteja ciente de todas as repercussões possíveis que são corolário de suas condutas profissionais, para que atue sempre com respaldo ético e jurídico para alcançar eficazmente a proteção da saúde dos trabalhadores, visando a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Medicina do Trabalho. Saúde Ocupacional. Direito Médico. Responsabilidade médica.
Abstract: This article focuses on the role of the Occupational Physician, evaluating the ethical implications, civil and criminal behaviors taken forward by the professionals of Occupational Medicine, aiming to discuss the issue with the primary purpose of improving the professional conduct of the Occupational Physician in benefit of workers. It analyzes the Code of Medical Ethics in professional practice, in view of the aspects that fall under their conduct on ethical responsibility. Therefore, scores of articles pertaining to medical ethics book Occupational Medicine. Continuing, the medical liability debate and its consequences, focusing on practical situations the action of Occupational Physician, as well as criminal liability medical, addressing the applicability of the Criminal Code in the work of professional Occupational Medicine. Finally, it is necessary then that the Occupational Physician is aware of all the possible consequences that are a result of their professional conduct, to always act with ethical and legal support to achieve effective protection of workers' health in order to dignity the human person.
Keywords: Occupational Medicine. Occupational Health. Medical law. Medical liability.
Sumário: 1. Considerações iniciais 2. Repercussões do Código de Ética Médica na atuação do Médico do Trabalho 3. Responsabilidade civil e penal do Médico do Trabalho 4.Considerações finais 5.Referências
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Medicina do Trabalho é uma especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, desde 2002, por meio da resolução n° 1.634. No entanto, desde 1700, com as contribuições advindas de Bernardino Ramazzini a área vem ganhando relevo na sociedade e no meio médico, em decorrência da imperiosidade de proteger a saúde dos trabalhadores. Nesse contexto, o Médico do Trabalho surge com uma função primordial, de promover e resguardar a saúde de pessoas nos seus trabalhos, buscando um ambiente de trabalho saudável e, por sua vez, construindo uma comunidade de trabalho satisfatória.
No entanto, a atuação do Médico do Trabalho é, com tamanha intensidade, marcada por conflitos, em razão de ser inerente da especialidade uma abordagem não tradicional da Medicina, por exigir avantajadas habilidades em diversas áreas do conhecimento, como saúde pública. Além do mais, ao Médico do Trabalho, por envolver-se constantemente com trabalhadores que estão com litigâncias na seara trabalhista ou previdenciária, é requerido desse profissional conhecimentos razoáveis nesse âmbito.
Nesse panorama, de estar envolto em conflitos de interesses que envolvem o Estado, o empregador e o trabalhador, pode o próprio Médico do Trabalho ser questionado por suas condutas, no campo ético, civil e penal. Hodiernamente, progride espantosamente os processos contra Médicos do Trabalho nos Conselhos Regionais, assim como as ações de responsabilidade civil médica promovidas pelos próprios trabalhadores e até mesmo ações penais patrocinadas pelo Ministério Público do Trabalho. Assim, atento aos novos tempos, o Médico do Trabalho não pode ficar negligente quanto as consequências éticas e judicias decorrentes de suas condutas profissionais, tanto para evitar causar algum dano aos trabalhadores, como na busca de desviar-se de processos judiciais pela má prática médica.
Portanto, cabe uma análise pormenorizada das mais relevantes questões que rodeiam o Médico do Trabalho em sua atuação, colimando a verdadeira manutenção e promoção da saúde dos trabalhadores.
2 REPERCUSSÕES DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA NA ATUAÇÃO DO MÉDICO DO TRABALHO
O Código de Ética Médica (CEM) apresenta padrões de conduta a serem adotadas por todos os médicos no exercício da profissão, sendo imprescindível que todos os profissionais tenham conhecimento em sua integridade, para um atendimento ético aos seus pacientes. Por seu turno, no Médico do Trabalho recai mais preponderantemente a obrigação de compreender todo o livro deontológico médico, tendo em vista que em sua atuação é mais requisitado a abordagem legal.
O CEM atualmente em vigor já é o sexto da história da Medicina brasileira, com vigência desde 2010. Cumpre analisar os artigos mais envoltos na prática do Médico do Trabalho. Assim, insculpe o art. 2° do CEM, que é vedado ao médico “delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica”. Portanto, o artigo impõe uma vedação ética, inclusive ao Médico do Trabalho coordenador do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, de encarregar estudantes de Medicina a realizarem os exames de saúde ocupacional, diante que comete infração ética e até criminal. Destarte, o Médico do Trabalho coordenador do PCMSO deve obrigatoriamente solicitar o registro profissional e conferir no Conselho Regional de Medicina a veracidade das informações de todos os médicos encarregados de realizarem exames de saúde ocupacional, com o intuito de evitar cometer uma infração ética e não promover a saúde dos trabalhadores.
Ademais, o art. 12 determina que é vedado ao médico “deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos empregadores responsáveis – parágrafo único: se o fato persistir, é dever do médico comunicar às autoridades competentes e ao Conselho Regional de Medicina”. Dessa maneira, a disposição é voltada exclusivamente para os profissionais da saúde ocupacional, que devem comunicar, recomendavelmente, por escrito, ao trabalhador sobre as condições que possam provocar acidentes de trabalho, sendo responsabilizado por atos que concorram para agravos à saúde dos trabalhadores. Compreende-se que o dever de informação é preponderante, devido a imprescindibilidade de informar ao paciente, em linguagem acessível, alguma situação com potencial de risco a saúde do trabalhador.
Em continuidade, prescreve o art. 56 que é vedado ao médico “utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos”. Ao que se extrai, o Médico do Trabalho coordenador do PCMSO, não pode influenciar os médicos examinadores a agir em contraposição ao CEM, extrapolando os limites éticos, no intuito do médico subordinado desrespeitar o ordenamento jurídico. Nesse quesito, para evitar infração ética deve o Médico do Trabalho ter um bom relacionamento com sua equipe e verdadeiramente atender aos critérios éticos.
Com efeito, o art. 58 do CEM dispõe que é vedado ao médico “o exercício mercantilista da Medicina”. Tal artigo, indubitavelmente, é importante para evitar um desprestígio profissional, em razão de que a mercantilização culmina em uma má prática médica, visando exclusivamente o lucro em prejuízo a saúde dos trabalhadores.
Vale mencionar que o art. 76 do CEM determina que é vedado ao médico “revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco à saúde dos empregados ou da comunidade”. Logo, a disposição destinada a profissionais da saúde ocupacional, determina que é proibido, em regra, quebrar o sigilo do prontuário dos trabalhadores, visto que é um atentado a relação médico-paciente a quebra de confiança entre médico e paciente. Nesse aspecto, o Médico do Trabalho coordenador do PCMSO, responsável pela guarda dos prontuários deve manter-se vigilante contra solicitações arbitrárias dos empregadores adentrarem as informações de seus empregados, para prática de discriminação no trabalho.
Impende destacar, um dispositivo recente do Conselho Federal de Medicina, fora do CEM, que interfere na prática do Médico do Trabalho, que é a resolução n° 2007/2013 que determina que para o médico exercer a função de coordenador do PCMSO é obrigatório ser especialista em Medicina do Trabalho, registrado no CRM (art. 1°) e somente pode assumir a coordenação de até duas unidades de serviços assistenciais (art. 2°). Deste modo, tal resolução confronta frontalmente o item 7.3.1 da NR-7 que permite ao empregador a contratar médico de outra especialidade para coordenar o PCMSO, em localidades que inexistam médicos do trabalho. A seu turno, é plausível nessas situações específicas o médico solicitar um consulta ao CRM para emissão de um parecer, embasado que em cidades sem médicos do trabalho não é compreensível que os trabalhadores estejam com a saúde deficiente, sem um médico coordenador responsável.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DO MÉDICO DO TRABALHO
O tema responsabilidade civil médica vem progredindo de modo espantoso nos últimos anos, nos tribunais, em decorrência da quantidade exorbitante de ações buscando a condenação de médicos, promovidos por pacientes e pelos próprios empregadores.
Preliminarmente, cabe destacar as ideias gerais sobre a responsabilidade civil, que expressa a percepção uma reparação de dano, quando violado uma norma jurídica, de uma obrigação, isto é, um elo jurídico que permite o sujeito ativo de uma relação a exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma prestação estabelecida.
O Código Civil fundamenta, em regra, a responsabilidade no pressuposto da culpa, ao que se extrai do art. 186, que caracteriza o ato ilícito, tratando que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Em continuidade, o art. 927, do referido instrumento legal, estabelece que “aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo”, e no seu parágrafo único dispõe que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Entre o Médico do Trabalho e o trabalhador forma-se um contrato, surgindo uma responsabilidade contratual, mesmo que a obrigação médica, em regra, seja de meio. Nesse contrato cabe ao médico tratar o paciente com dedicação e agindo de modo diligente na consecução do tratamento satisfatório, sendo responsabilizado não mais que em provada a imperícia, negligência ou imprudência.
Isto posto, repercute no Médico do Trabalho a responsabilidade penal diante de suas condutas, algo mais gravoso, pela sanção do Estado não limitar-se ao conteúdo patrimonial, mas consistindo em uma punição que permite a aplicação de penas privativas de liberdade e restritivas de direito, inclusive sendo possível a interdição temporária de direitos proibindo o exercício da profissão, por sentença judicial. (arts. 32 e 47 do Código Penal).
Nesse diapasão, a responsabilidade penal do Médico do Trabalho é constantemente suscitada pelos Procuradores do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), que ao constatarem um crime tipificado no Código Penal (CP) promovem uma ação penal contra o Médico do Trabalho coordenador do PCMSO. Na prática do Médico do Trabalho, cabe a ele produzir a melhoria da saúde dos trabalhadores e sua manutenção. No entanto, falhando nesse quesito, com um PCMSO sem eficácia, de modo grosseiro, o MPT pede a condenação do Médico do Trabalho, pelo crime tipificado no art. 132 do CP, de expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. A pena prevista é de detenção de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave, tendo em vista que o núcleo do tipo penal é expor, bastando a exposição para configurar crime, pois caso tenha sido causado lesão corporal ou homicídio ao trabalhador, por esse crime mais gravoso vai ser julgado. Portanto, o crime tipificado pelo art. 132 tem como objeto material a pessoa que tem sua vida ou sua saúde exposta a perigo direito e iminente, e isso pode ser provado facilmente com autos de infração de Auditores-Fiscais do Trabalho (AFT) provando que o PCMSO não é eficiente, o que não protege os trabalhadores de acidentes de trabalho.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse contexto, verifica-se que são inúmeras as competências requeridas por quem se adentra no universo da Medicina do Trabalho, diante de que o Médico do Trabalho encontra-se bem mais suscetível por questionamentos éticos, civis e penais de suas condutas, em um processo que vem alimentando uma massificação das litigâncias acerca responsabilidade civil e penal médica, por sua vez, promovendo o crescente fenômeno da judicialização da saúde.
Nesse diapasão, apresenta-se apropriada uma célebre frase de Adolpho Lutz (1855-1940), ‘pai’ da Medicina Tropical, em que, contra os especialistas, afirmava: “São uns seres felizes, presumem saber ilimitadamente todo o setor científico em que trabalham e se arrogam o direito de poder ignorar tudo o mais”. Ao que se extrai da frase com enfoque na realidade, o Médico do Trabalho, um especialista, não pode olvidar de conhecimentos jurídicos, devendo conhecer todos os dispositivos legais, na formação de uma boa prática profissional.
Conclui-se então que, o Médico do Trabalho deve estar vigilante quanto a qualidade da sua tomada de decisões, devendo ter como bússola manter e promover a saúde dos trabalhadores, melhorando as condições de trabalho e desenvolvendo culturas empresarias que fomentem uma comunidade de trabalho saudável, sendo intransigente quanto as exigências legais e exercendo seu direito de atuar na Medicina de modo a respeitar todo o ordenamento jurídico brasileiro, visando a dignidade da pessoa humana.
Médico do Trabalho Advogado e Professor. Doutor em Direito com distinção Magna cum Laude pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Mestre em Direito com distinção acadêmica Magna cum Laude pela PUC Minas. Detentor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho da Associação Médica Brasileira – AMB. Especialista em Medicina do Trabalho pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMG. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário – PUC Minas. Especialista em Direito Civil – PUC Minas. Especialista em Direito Médico – Universidade de Araraquara. Coordenador dos livros “Temas Contemporneos de Direito Público e Privado” Editora DPlácido; “Fluxo de Direito e Processo do Trabalho” Editora CRV; “Ciência Trabalhista em Transformação” Editora CRV; e “Direitos das Pessoas com Deficiência e Afirmação Jurídica” Editora CRV. É autor do livro “Direitos Fundamentais do Trabalho” Editora LTr
Advogada. Fisioterapeuta e Ergonomista. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Especialista em Ergonomia pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Especialista em Fisioterapia do Trabalho pela Universidade de Araraquara – UNIARA. Especialista em Fisioterapia Dermato Funcional – CEUT. Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito – PUC Minas. Graduada em Fisioterapia – FSA. Coordenadora da obra “Ciência Trabalhista em Transformação” 2018 Editora CRV
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