Responsabilidade penal da pessoa jurídica

A teoria geral do crime adotada pelo nosso Código
Penal impossibilita a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Sua fundamentação advém da teoria
finalista da ação, impondo o fato típico e antijurídico como elementos do
crime. Nela, o dolo e culpa devem ser analisados na conduta, parte integrante
do tipo. O animus de delinqüir é núcleo da ação humana, jamais de pessoa
jurídica, inexiste capacidade para delinqüir.

Lógico em afirmar que todo ato praticado por pessoa
jurídica não enseja valoração do elemento subjetivo. É impossível averiguação
de dolo ou culpa, sendo assim, as condutas, mesmos que lesivas ao direito penal
juridicamente protegido, seriam atípicos.

Foram criadas duas teorias em que apresentam à
pessoa jurídica efeitos jurídicos diversos: teoria da ficção, desenvolvida por
Savigny e a teoria da realidade ou organicista, criada por Otto Gierke.

A posição doutrinária majoritária
encontra fundamento na teoria da ficção. Segue esta teoria o mestre Damásio de
Jesus:  “(…) a personalidade natural
não é uma criação do direito, sendo que este a recebe das mãos da natureza, já
formada, e limita-se a reconhecê-la. A personalidade jurídica, ao contrário,
somente existe por determinação de lei e dentro dos limites por esta fixada.
Faltam-lhe os requisitos psíquicos da imputabilidade. Não tem consciência e
vontade própria. É uma ficção legal (…)1”.

Por não haver livre arbítrio e vontade própria, os fatos por ela praticados são
atípicos.

Quanto à teoria da realidade, segue
a melhor doutrina: “Vê na pessoa jurídica um ser real, um verdadeiro
organismo, tendo vontade que não é, simplesmente, a soma de vontade dos
associados, nem o querer dos administradores2”.
Esta, apesar de corrente minoritária, se apresenta com maior clareza e
busca atingir o fim  social, além de
adaptar-se aos princípios gerais do direito.

A pessoa jurídica possui vontade
própria, distinta dos seus associados, por conseqüência, teria capacidade para
delinqüir.

O ordenamento jurídico brasileiro,
em meio a construções jurisprudenciais e principalmente doutrinárias, adotam a
tese da teoria da ficção. Contudo, não poderia o Código Penal silenciar aos
delitos praticados pela pessoa jurídica, seus sócios teriam nesta, o meio para
consecução de crime sem qualquer tipo de punição. 

A hermenêutica jurídica enseja ao
direito várias formas de interpretação, dentre elas a sistemática, tendo como
única limitação à  hierarquia das leis.

O Direito Penal deve estar em
consonância com a Constituição Federal, seus princípios, bem como leis
infraconstitucionais, a ponto de absorver o caráter social, lógico e
teleológico das normas jurídicas.

A Lei de Introdução do Código Civil,
em que na verdade é a lei de introdução ao direito, aduz que na aplicação da
lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum.

Dessa forma, verifica-se que o
impasse doutrinário quanto à responsabilidade criminal da pessoa jurídica não
passa de uma falha de hermenêutica jurídica.

A Constituição Federal estatui em
seu artigo 225, parágrafo 3º: “As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, as
sanções penais e administrativas, independentemente de obrigações de reparar os
danos causados”.
Ocorre que, parte da doutrina entende que a pessoa
jurídica só será responsabilizada quando configurado que o ato causador do dano
lhe trouxe benefícios específicos. Os sócios ou diretores, por fundamentação
legal do princípio da personalidade das penas, não podem ser responsabilizados.
Esse entendimento enseja uma verdadeira confusão ao direito penal. Como aplicar
uma pena à pessoa jurídica sem atingir seus sócios ou administradores? 

Com o advento da lei 9.605/1998, a responsabilidade
da pessoa jurídica passou a ter um embasamento legal mais contundente, apesar
de existirem doutrinas que acreditem em sua inconstitucionalidade.

O artigo 3º da referida lei assim
estatui: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil
e penalmente conforme o disposto nesta Lei, os casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”
Com a segunda parte
do referido dispositivo, surgiu um entendimento de que a pessoa jurídica só será
responsabilizada quando devidamente comprovado o interesse e benefício da
própria entidade.

Vale ressaltar a este pensamento a
lógica e justiça no que diz respeito aos atos em que os sócios ou
administradores da empresa não detenham maiores opções de conduta. São os
previstos no próprio estatuto – atos vinculados. O parágrafo único do mesmo
artigo assim dispõe: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a
das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

Em meio às divergências doutrinárias, a
jurisprudência não apresenta maiores mudanças quanto a este tema. Suas decisões
refletem a teoria clássica do crime. Este é o entendimento jurisprudencial:
(…) a responsabilidade penal é sempre subjetiva: os crimes praticados na
pessoa jurídica ou por meio dessa somente podem ser punidos através da apuração
da responsabilidade individual dos seus mandatários, desde que comprovada a sua
efetiva participação nos fatos.(…)
(TRF 4ª R. – ACr.
2000.04.01.134973-6 – RS – 1ª T. – Rel.
Juiz Amir Sarti – DJU 06.06.2001 – p. 1207)

Ex Positis, na sistemática do direito atual, verifica-se a
possibilidade de ocorrência da fusão entre ambas as teorias, ao passo que,
quando configurada impossibilidade dos diretores ou sócios deterem conduta
diversa da causadora do dano, seria utilizado a teoria da realidade ou
organicista, em que a pessoa jurídica responderá pelo crime sem atingir a
esfera jurídica de seus sócios.

Caso haja configurado culpa dos
sócios, estes deveriam responder solidariamente. A pessoa jurídica é uma ficção
legal, não sendo sujeito ativo do delito imputado.

O Direito Penal propicia aos
cidadãos proteção aos atos delituosos e conseqüentes punições aos infratores,
sejam eles pessoas jurídicas ou físicas. Este é o entendimento do Mestre
Fernando Capez: “Descumprindo o seu papel social e produzindo um dano a
interesse da coletividade, visando a necessária defesa do bem agredido, a
pessoa jurídica deverá integrar o pólo passivo do processo criminal e, de
acordo com suas características, ser condenada a receber uma pena adaptada as
suas condições3.

É bem verdade que a pessoa jurídica não pode ser
punida com pena privativa de liberdade, entretanto, o Código Penal disciplina
diversos outros meio de punição, tais como a multa, penas alternativas,
interdições e etc.

 

Bibliografia

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol
1. 3º ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

JESUS. Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 1 23 º ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.

MIRABETE. Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 1
ed 17º. São Paulo: Atlas, 2001.

Notas:

1 JESUS.
Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 1 23 º ed. São Paulo: Saraiva, 1999 p. 168

2 Obra
citada p. 168

3 CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol 1. 3º ed. São Paulo: Saraiva,
2001 p. 129


Informações Sobre o Autor

Diogo Cunha Lima Fernandes

Estudante de Direito do 8º Período da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte – FARN


Equipe Âmbito Jurídico

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