Resumo: Este artigo discorre sobre a responsabilidade civil do Estado pela morosidade da prestação jurisdicional, analisando a doutrina e a legislação pátria.
Palavras-chave: Responsabilidade civil – Estado – morosidade – demora – lentidão – prestação jurisdicional.
Sumário. Introdução. 1. A garantia constitucional da razoável duração do processo e da celeridade processual; 1.1. A Emenda Constitucional n. 45/04; 1.2. Prazo razoável e a celeridade processual; 2. Um breve conceito de responsabilidade civil; 2.1. O Código Civil; 3. Fundamentos para a responsabilidade civil do Estado; 3.1. Na Constituição da República; 3.2. No Código Civil; 4. A reparação e extensão dos danos; Conclusão; Bibliografia.
Introdução.
A morosidade da prestação jurisdicional. Em nossos dias não existem dúvidas de que a morosidade é a grande doença que enodoa todo o Poder Judiciário brasileiro.
Nesta seara, a morosidade processual gera conseqüências prejudiciais tanto para os protagonistas do processo como de natureza socioeconômica.
Logo, a responsabilidade civil do Estado por esta morosidade – uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. (CR, art. 5º, XXXV); e “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (CR, art. 5º, LXXVIII).
Advertência inicial. Cumpre ressaltar, que nosso intento não é tecer grandes feitos doutrinários, mas sim içar o assunto à discussão.
Desta forma, este trabalho discorre sobre a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional, para tanto analisaremos: 1) a garantia constitucional da razoável duração do processo e da celeridade processual; 2) o conceito de responsabilidade civil; 3) o Código Civil; e por último 4) a fundamentação da responsabilidade civil do Estado.
1. A garantia constitucional da razoável duração do processo e da celeridade processual.
1.1. A Emenda Constitucional n. 45/04.
A Emenda Constitucional n. 45, promulgada em 08 de dezembro de 2004, e publicada no Diário Oficial da União (n. 252), na seção I, de 31 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao rol do artigo 5º da Constituição da República, que enumera os direitos e deveres individuais e coletivos.
Assim:
“CR, Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
A prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo, já vinha prevista, como garantia fundamental do individuo, nos arts. 8º, 1, e 25, 1. da convenção americana sobre direitos humanos – pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário (é oportuno lembrar que o Pacto foi incorporado ao nosso ordenamento pela publicação do Decreto 678 de 06 de novembro de 1992.
Deste modo:
“Art. 8º.
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por Juiz ou Tribunal competente, independentemente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Art. 25.
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou Tribunais competentes, que a projeta contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.”
No mesmo sentido: José Rogério Cruz e Tucci[1], Luiz Guilherme Marinoni[2], Rui Portanova[3], Fernando Gajardoni[4], Rogéria Dotti Doria[5], dentre outros.
A Emenda Constitucional n. 45 com o acréscimo do inciso LXXVIII no artigo 5º veio assegurar claramente as garantias da razoável duração do processo e da celeridade processual, que antes eram apenas previstas implicitamente (por meio dos tratados internacionais).
1.2. Prazo razoável e a celeridade processual.
A todos, sem exclusão, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os mecanismos que garantam a celeridade de sua tramitação (CR, art. 5º, LXXVIII).
Como observa Sérgio Bermudes – “o constituinte evitou restringir a garantia, referindo-se, nominalmente, às partes do processo, com o risco de excluir as que não fossem referidas”[6].
Porém, não é fácil determinar o exato alcance e sentido da expressão “razoável duração do processo”.
A doutrina aponta algumas variáveis para analisar a razoabilidade da duração do processo, sendo elas: a. a complexidade do assunto; b. o comportamento dos litigantes; c. a atuação do órgão jurisdicional[7] [8].
Cada caso concreto tem suas próprias circunstâncias que devem ser observadas, sendo impossível estabelecer um prazo limite de duração de um processo.
A nosso ver, não se podem determinar os limites da expressão, porém, pode-se dizer que a razoável duração do processo seria o tempo suficiente para a adequada instrução processual e segura decisão do litígio, sendo hábil à prevenir os danos derivados da lentidão e prestar efetivamente a função jurisdicional do Estado, em outras palavras, é o tempo prudente e justo para que a prestação jurisdicional renda a eficácia esperada.
Comentando a Emenda Constitucional n. 45, Sérgio Bermudes bem observa que – “é a celeridade da tramitação que alcança a duração razoável”[9].
A EC n. 45 além de assegurar a razoável duração do processo, assegura também, a garantia da celeridade processual, bem como, os mecanismos que garantam a célere tramitação do processo.
Como observa Sérgio Bermudes[10]: “A celeridade da tramitação traduz-se na presteza da prática de cada ato do processo, porquanto a demora na prática de um deles repercute, negativamente, no conjunto, como acontece com a retenção de um trem num dos pontos de parada do seu percurso”.
A norma do inciso LXXVIII é programática (idealista), revela um propósito, cuja realização dependerá da existência de mecanismos para proporcionar a celeridade dos atos processuais, alcançando assim, a razoável duração do processo[11].
Garantia de celeridade = garantia de rapidez na solução da demanda.
Na exposição de motivos ao Código de Processo Civil, Alfredo Buzaid já indicava que são duas as exigências que concorrem para aperfeiçoar o processo: a rapidez e a Justiça.
E a Emenda Constitucional n. 45 com a inserção do inciso LXXVIII ao artigo 5º, trouxe a luz das garantias constitucionais, assegurando ao indivíduo a razoável duração do processo e a celeridade processual, bem como os meios que garantam essa celeridade.
Entretanto, cumpre ressaltar que não basta a simples declaração formal de um direito ou uma garantia para que tudo se realize; há necessidade de mudanças efetivas nos mecanismos e na estrutura do Poder Judiciário, para que essa garantia não se transforme em uma nova frustração.
2. Um breve conceito de responsabilidade civil.
A doutrina encontra dificuldades em conceituar juridicamente o termo responsabilidade, pois como assevera José de Aguiar Dias – “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como os aspectos que pode abranger, conforme as teorias filosóficas-jurídicas”[12] – daí sua complexidade.
Silvio Rodrigues citando Savatier (Traité de la responsabilité civile. Paris, 1939, v. I, n. 1) conceitua responsabilidade civil “como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”[13].
Geneviève Viney (in Traité de droit civil, sous la diréction de Jacques Guestin, volume sobre Responsabilité civile, Introduction, n. 1), citada por Caio Mário da Silva Pereira, “ensina que a expressão ‘responsabilidade civil’, na linguagem jurídica atual, é o conjunto de regras que obrigam o autor de um dano causado a outrem a reparar este dano, oferecendo à vítima uma compensação”[14].
Segundo De Plácido e Silva – “É a expressão usada na linguagem jurídica, em distinção à responsabilidade criminal ou penal. Designa a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano, quando injustamente causado a outrem. Revela-se, assim, ou melhor, resulta da ofensa ou da violação de direito, que redunda em dano ou prejuízo a outrem. Pode ter como causa a própria ação ou ato ilícito, como, também, o fato ilícito de outrem, por quem, em virtude de regra legal, se responde ou se é responsável”[15].
Desta forma, resumidamente, a responsabilidade civil revela a obrigação de indenizar – daí “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”[16].
2.1. O Código Civil.
CC, art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
CC, art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
3. Fundamentos para a responsabilidade civil do Estado.
3.1. Na Constituição da República.
CR. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
“§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Segundo Uadi Lammêgo Bulos – “É que a obrigação de indenizar, nos termos do §6º do art. 37, independe de elementos subjetivos, e o magistrado enquadra-se na noção de agente público”. […] “Logo, o magistrado, que é um agente público, quando esta no exercício do múnus judicante, desempenha serviço público, sendo seus atos atraídos no bojo do enunciado geral da responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º)”[17].
3.2. No Código Civil.
“CC, art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I – a União;
II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III – os Municípios;
IV – as autarquias;
V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.”
“CC, art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
Segundo Maria Helena Diniz – “Teoria do risco e responsabilidade objetiva: Por essa teoria cabe indenização estatal de todos os danos causados, por comportamentos dos funcionários, a direitos de particulares. Trata-se da responsabilidade objetiva do Estado, bastando a comprovação da existência do prejuízo a administrados. Mas o Estado tem ação regressiva contra o agente, quando tiver havido culpa ou dolo deste, de forma a não ser o patrimônio público desfalcado pela sua conduta ilícita. Logo, na relação entre poder público e agente, a responsabilidade civil é subjetiva, por depender da apuração de sua culpabilidade pela lesão causada ao administrado”[18].
4. A reparação e extensão dos danos.
Assim resta, saber qual a extensão da reparação dos danos sofridos?
“O fim da responsabilidade civil é a restituição do lesado ao estado em que se encontraria se não tivesse havido o dano. Indenizar significa tornar indene a vítima; reparar todo o dano por ela sofrido. Por isso, mede-se a indenização pela extensão do dano, ou seja, há de corresponder a tudo aquilo que a vítima perdeu, ao que razoavelmente deixou de ganhar e, ainda, ao dano moral”[19].
CC, art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
Conclusão.
Nossa legislação é tendente à indenização pelos danos gerados pela morosidade na prestação jurisdicional, assim, o responsável (o Estado) fica obrigado através do instituto da responsabilidade civil a reparar o prejudicado, nos limites de seus danos, tanto materiais quanto morais.
Assim, estas linhas ficam dirigidas aos colegas (estudantes) para não se fecharem a dogmas e a argumentos pacóvios, esquecendo-se de questões importantes e necessárias, como a responsabilidade civil do Estado pela morosidade da prestação jurisdicional.
Nosso cordial Vale e até a próxima.
Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba; Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu; Advogado, consultor e parecerista; Autor de diversas obras jurídicas e articulista em revistas especializadas nacionais e estrangeiras (Argentina, Itália e Portugal); Coordenador do Conselho Editorial da Millennium Editora; Membro do Conselho Editorial da Editora Setembro e; Coordenador da coleção Cadernos de pesquisas em Direito, da Editora Setembro
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