Por Edgar Guimarães, advogado, pós-doutor em Direito pela Università del Salento (Itália), doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP, professor em cursos de Pós-graduação, presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo -IPDA e Conselheiro da OAB Paraná
Em 13 de maio de 2020 o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 966/2020 dispondo que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro, em razão da prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, bem como do combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia do Covid-19.
À primeira vista as normas consubstanciadas em tal Medida Provisória parecem retratar uma matéria já positivada no artigo 28 da Lei nº 13.655/2018, assim encontrado “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em casos de dolo ou erro grosseiro”.
Cabe registrar que, o Tribunal de Contas da União ao julgar certos casos tendo como pano de fundo, exclusivamente, as disposições da LINDB, vem decidindo que o dolo e o erro grosseiro (art. 28) não afastam a responsabilidade do agente público pela reparação de eventuais danos².
De uma análise mais detida das prescrições do novel regramento consubstanciado na MP, notadamente do seu artigo 1º³, é possível depreender que, somente em caso de dolo ou erro grosseiro, os agentes públicos serão condenados ao ressarcimento dos danos causados ao erário. A regra, portanto, abrange a responsabilidade civil, que até então era desconsiderada pela Corte de Contas federal, e cuida das balizas da responsabilidade pessoal do agente público, afastando um foco específico de insegurança: a ausência de proteção legal do gestor público honesto que comete erro escusável.
É importante assinalar que a responsabilização nos termos enunciados no parágrafo anterior atinge tão somente as ações ou omissões que estejam relacionadas, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública e o combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia do Covid-19, ou seja, decisões ou opiniões técnicas desvinculadas destas finalidades, não estão abrangidas pela Medida Provisória 966/2020.
Merece destaque ainda, o conceito legal de “erro grosseiro”, assim encontrado: “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.
É preciso reconhecer que “erro grosseiro” é uma expressão vaga, indeterminada, possibilitando, com isso, interpretações das mais variadas possíveis. Tome-se como exemplo as manifestações do Tribunal de Contas da União que ao conceituar este vocábulo, assim se posicionou: equivale a culpa grave⁴, é a conduta do agente público que se distancia daquela que seria esperada do administrador médio, avaliada no caso concreto⁵; é aquele que pode ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que pode ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância de dever de cuidado⁶.
Além da referida conceituação legal, a Medida Provisória prescreve alguns fatores⁷ que devem ser considerados para que possa se caracterizar ou não um “erro grosseiro”, contribuindo, assim, para o surgimento de um cenário de certa segurança para o gestor público na tomada de decisões e, também, impedindo aquilo que se denominou de paralisia das canetas, quando se opta pela omissão em razão do temor de uma eventual responsabilização.
Ao contrário do que parece se tratar de mera reedição de matéria já positivada, a Medida Provisória consagra uma nítida distinção em relação à LINDB, propiciando segurança aos agentes públicos na adoção das medidas que efetivamente lhe pareçam ser as mais adequadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela pandemia do Covid-19, no sentido de que eventuais erros escusáveis não acarretarão a sua responsabilização.
Por fim, caberá ao Tribunal de Contas da União rever o seu entendimento de que os parâmetros de responsabilidade pessoal do artigo 28 da LINDB não abrangem a responsabilidade civil, na medida em que tal posicionamento fragiliza o objetivo deste dispositivo no sentido de conferir uma proteção jurídica ao gestor público honesto.
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Por Edgar Guimarães – ¹Advogado. Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP. Professor em cursos de Pós-graduação.; Consultor Jurídico (aposentado) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo. Membro dos Institutos Brasileiro de Direito Administrativo, do Instituto dos Advogados do Paraná – IPDA e do Conselho Científico do Instituto Romeu Felipe Bacellar. Árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação da FIEP/PR. Conselheiro da OAB/PR.
² Ver Acórdão nº 11.762/18; Acórdão 14.130/19; Acórdão nº 2.768/19; Acórdão 5.547/19.
³ Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:” (destacamos)
⁴Acórdão 1.762/2018 – Segunda Câmara
⁵Acórdão 2.860/2018 – Pleno. Juliana Bonacorsi de Palma, após a análise de 133 acórdãos do TCU, identificou uma pluralidade de comportamentos que atenderiam ao referencial do administrador médio, situação que levou a autora a concluir que “dentre as várias métricas que o TCU se vale para responsabilizar, a do administrador médio é a mais pitoresca.” (PALMA, Juliana Bonacorsi de. Quem é o ‘administrador médio’ do TCU. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-
⁶Acórdão 3.327/2019 – Primeira Câmara.
⁷Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro, serão considerados: I – os obstáculos e as dificuldades reais do agente público; II – a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público; III – a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência; IV – as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e V – o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.
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