Resumo: O estudo aqui proposto tem o objetivo de analisar as teorias vigentes da responsabilização de pessoas físicas e jurídicas por danos ambientais causados a partir do destino final inadequado de lixo industrial. A metodologia aplicada foi a bibliográfica em razão da vasta gama de referências que já existem sobre o tema. Além disso, foram analisadas algumas normas jurídicas que tratam do assunto, como Códigos, leis e resoluções do CONAMA. Percebe-se após tais análises que a teoria objetiva da responsabilidade civil é a que melhor se aplica aos causadores do dano ambiental, especialmente a vertente do risco-integral, na qual não abarca nenhuma das excludentes de responsabilidade, como força maior e causas fortuitas. Aplicando, então, esta teoria busca-se uma melhor eficácia das regras normativas quanto à sua efetividade nos casos concretos, quando avaliados in judice.
Palavras-chave: responsabilidade, dano ambiental, risco-criado, risco-integral, lixo industrial.
Abstract: The study proposed here aims to examine current theories of accountability of individuals and companies for environmental damage from the final destination inappropriate industrial waste. The methodology used was the literature because of the wide range of references that already exist on the subject. In addition, we analyzed some legal rules dealing with the matter, as Codes, laws and resolutions of CONAMA. It is noticed that after such analyzes objective theory of liability is that best applies to cause environmental damage, especially to shed risk-integral, which addresses none of the excluding responsibility as force majeure and fortuitous causes. Applying, then, this theory seeks to better effectiveness of normative rules regarding their effectiveness in specific cases, when evaluated in judice.
Keywords: liability, environmental damage, risk-created, full-risk, industrial waste.
Sumário: 1. Introdução, 2. Revisão de literatura, 2.1.A água, o lixo industrial e os danos ambientais daí advindos, 3. Metodologia De Pesquisa, 4. Resultados e discussão, 4.1. Valor do dano. 4.2. O problema: estudo de caso de poluição hídrica por empresa catarinense. 5. Considerações Finais. Referências.
1 Introdução
O lixo industrial tem sido considerado um dos mais sérios problemas ambientais na atualidade. Muitas empresas não tem dado o destino final correto e sustentável a estes resíduos, o que vem gerando prejuízos incalculáveis ao meio ambiente e principalmente aos recursos hídricos.
Ocorre que analisando a legislação ambiental vigente percebe-se que estas normas nem sempre são efetivas, de modo que atrelada à legislação há a necessidade de se utilizar as teorias de responsabilidade civil para se alcançar esta efetividade.
A responsabilidade do causador da poluição vem, então, trazer certa segurança jurídica para a sociedade, quando aplicada, no que concerne à proteção dos recursos hídricos no que se refere à destinação dos resíduos industriais.
O art. 225, § 3º da Constituição Federal dispõe sobre a tríplice responsabilização do poluidor, seja pessoa física ou jurídica, que terá que responder civil, penal e administrativamente, consagrando a regra da cumulatividade das sanções.
Assim, os atos atentatórios ao ambiente tem repercussão jurídica de três maneiras diferentes. Como exemplo, havendo uma contaminação de solo, pode se deflagrar a imposição de sanção administrativa (pagamento de multa de R$ 5.000,00 a R$ 50.000.000,00, com base no art.61, caput, do Decreto 6.514/08), sanção criminal, com condenação à pena de reclusão, de um a cinco anos, com base no art. 54, §2°, inciso V, da Lei 9.605/98) e sanção civil (cumprimento de obrigação de fazer: como remediação o solo, para a reparação do dano, ou, se irreversível, pagamento de indenização em pecúnia; e de não fazer: impondo-se a cessação da atividade poluidora).
A legislação ambiental brasileira deve proteger o meio ambiente em seus diversos aspectos, quais sejam, o solo, as plantas, as florestas, os animais, os rios, o oceano, etc. Ocorre que nem sempre a lei consegue proteger este meio, em detrimento dos movimentos da sociedade, em busca de mais alimentos ou meios de produzi-lo, podendo em alguns momentos, a norma legal ficar aquém do que se espera como efetivo para manter o equilíbrio donde vivemos.
O Código Florestal, Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965 que sofreu alterações a partir da Lei 12.651/2012 que propõem novas regras a este Código, é um bom exemplo de norma jurídica que possui o escopo de proteger o meio ambiente brasileiro. Contudo, Caubet (2005, p.107), em sua obra, faz algumas ponderações sobre as legislações que tratam dos recursos hídricos, especificamente, que vem se modificando sensivelmente a partir de 1997, com a promulgação da Lei 9.433/97, lei federal que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos. Porém, não se pode esquecer o Código de Águas, publicado em 1934, na qual trazia regras sobre o uso e aproveitamento das águas.
Tais leis possuem alguns dos parâmetros mais importantes relacionados à proteção do meio ambiente e mais especificamente dos recursos hídricos, que deveriam ter aplicabilidade nas sentenças judiciais e principalmente às diretrizes jurídicas. Embora, o que se pode perceber é que em diversas situações a sociedade brasileira não segue tais regras e, por conseguinte, a justiça brasileira deixa os causadores de danos ambientais impunes.
A lei é criada e aprovada por cidadãos que se dizem capazes para tanto. Mas nem sempre é o que ocorre. O meio ambiente vem sofrendo com estas decisões humanas, ou talvez também legislativas, em razão da falta de efetividade legal.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 A água, o lixo industrial e os danos ambientais daí advindos
Água é vida e quando nossa fonte de vida sofre danos, deve ser reparada, por tratar-se de uma questão de sobrevivência de nossos sucessores.
Tessler (2004, p.2) entende que “uma gestão responsável e eficiente dos recursos naturais, a busca de uma poupança ou preservação desses recursos para as gerações futuras só poderá ser alcançada quando forem mais amplamente conhecidos os limites de sua utilização e os custos do consumo de tais recursos”.
Ainda que haja o entendimento de que a gestão dos recursos naturais somente deve ser realizada por pessoas com conhecimentos técnicos para resolver os problemas de monta ambiental, é necessário que haja um trabalho conjunto entre os técnicos e a população.
“A restauração do ambiente deverá ser realizada em cooperação com as autoridades públicas e de uma forma otimizada e economicamente eficiente. A disponibilidade de conhecimentos especializados específicos e o envolvimento de peritos e cientistas independentes e reconhecidos poderá desempenhar um papel fundamental”. (LIVRO, 2000, p.14)
Assim, chega-se ao ponto de equilíbrio das soluções ambientais a curto e longo prazo, no que se refere à água, como fonte de vida e consequentemente aos danos ambientais advindos de sua má utilização, como a poluição ambiental a partir do lixo industrial.
E o que seria o lixo industrial? A poluição gerada pelo lixo e o dano ambiental não existem em si, mas são compreendidos somente em relação a uma determinada realidade previamente estabelecida que prejudica os seres humanos, os animais ou as plantas, pois a “poluição é uma situação de fato, causada pela ação humana, que altera negativamente uma determinada realidade. Uma das características é a ultrapassagem de padrões previamente fixados” (ANTUNES, 2002, p.175) em lei.
Vale lembrar que a Lei 6.938/81, no art. 3°, inciso III, conceitua poluição como toda degradação da qualidade ambiental resultante de atividades direta ou indiretamente que:
“a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.”
O mundo pós-moderno confundiu a qualidade de vida, o bem-estar, com o consumismo, com a abundância de bens industriais e o desperdício. Há mais de um século, conforme Leite (2003, p.23), que temos vivido, numa civilização industrial, geradora de efeitos ecologicamente depredadores, socialmente injustos e economicamente inviáveis e insustentáveis.
Há uma proposta de readequarmos esta situação atual que é a do desenvolvimento durável, sustentável, eco-desenvolvimento, ou seja, “satisfazendo as necessidades do presente sem por em risco a capacidade das gerações futuras de terem suas próprias necessidades defendidas” (Relatório Brundtland apud LEITE, 2002, p.25).
Em junho de 2012 aconteceu no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Durante a Conferência foi publicado um documento intitulado “O futuro que queremos”, que trata de diversos temas relacionados ao meio ambiente, buscando soluções para os problemas gerados pela nossa sociedade industrial.
O Esboço Inicial da Conferência Rio +20, publicado pela ONU sugere em alguns de seus itens práticas e atitudes sustentáveis e inovadoras (FUNDAÇÃO, 2012) para com a destinação final dos resíduos industriais nos leitos dos rios e mares, porém não indica os responsáveis por estas atividades, nem as sanções para seu não cumprimento. Senão vejamos:
“Item 68- Nós reconhecemos a necessidade de estabelecer metas para o gerenciamento de dejetos de recursos hídricos, incluindo a redução da poluição da água por fontes domésticas, industriais e agrícolas e a promoção da eficiência hídrica, águas de esgoto, tratamento e o uso de águas de esgoto como um recurso, em particular para a expansão de áreas urbanas. […]
Item 96 – Nós elogiamos a ampliação da coordenação e da cooperação entre a Convenção de Basel [Basiléia – sic!], a Convenção de Roterdã e a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes [POP], e pedimos por parcerias público-privadas com o objetivo de melhorar a capacidade e a tecnologia para um gerenciamento ambientalmente válido de dejetos. Também notamos com preocupação os emergentes desafios de lixo eletrônico e plástico no meio ambiente marinho, que deve ser abordado, entre outras maneiras, através de programas apropriados e tecnologias ambientalmente válidas para recuperação de material e energia” (grifei).
Analisando estes itens, ainda que perante a Conferência somente sejam sugestões e recomendações, percebe-se que a responsabilidade advinda do dano ambiental causado a um determinado bem, por uma empresa ou fábrica que despeja indevidamente resíduos de seu processo de produção no leito de rios, por exemplo, deve se fazer valer como forma de evitar a não reparabilidade deste ecossistema.
Há ainda outros itens que tratam mais especificamente dos produtos químicos e resíduos produzidos em indústrias, que são os números 213 ao 223, constantes do documento “O futuro de queremos” (2012). Nestes itens, reconhece-se a necessidade da gestão destes produtos como forma de proteção da saúde humana e do meio ambiente. Além disso, objetivam neste documento que até o ano de 2020 haja uma boa gestão destes resíduos atrelando ações entre países menos e mais desenvolvidos.
O dano ambiental, por sua vez, constitui uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses (animais, alimentos, propriedades, por exemplo). Assim, significa uma alteração ao conjunto de elementos chamado meio ambiente e os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses (LEITE, 2003, p.94), a partir da poluição gerada pelo dano.
A Conferência da Rio+20 tratou no documento acima mencionado sobre estes danos, ainda que indiretamente, se comprometendo, por meio de seus signatários a reduzir, reutilizar e reciclar (três R´s) os resíduos produzidos de maneira ecologicamente racional, ou seja, buscando soluções sustentáveis para este lixo. E ainda em seu item 223 considera que há a necessidade de haver um financiamento de longo prazo para gerir racionalmente os produtos químicos e resíduos industriais. Espera-se que ao longo destes próximos anos algo seja feito de efetivo, pois até o momento somente discussões e mais reuniões que temos observado e nada de efetivo realizado.
3 METODOLOGIA DE PESQUISA
Para realização desse estudo, os dados foram coletados por meio de procedimentos metodológicos do tipo bibliográfico e documental.
Os conceitos foram realizados por meio de uma fundamentação teórica, tendo como base livros, teses, dissertações e artigos da internet e da biblioteca da Univille – Universidade da Região de Joinville relacionados aos danos ambientais, teorias de responsabilização civil e as atividades poluidoras.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os danos ambientais causados por pessoas físicas ou jurídicas devem ser reparados de alguma forma, ainda que tal ecossistema prejudicado não volte ao seu estado inicial.
Isso ocorre com a aplicação da responsabilidade objetiva, ou seja, a partir de duas vertentes: a “teoria do risco-criado”, onde o autor do fato danoso pode se beneficiar pela exclusão da sua responsabilidade, como nos casos, de caso fortuito, força maior e a “teoria do risco-integral”, onde o autor do dano possui o mesmo tratamento da teoria do risco-criado, não havendo hipóteses de exclusão de responsabilidade (COSTA NETO, 2001).
Tomando um exemplo, no caso de uma empresa química, que produz e armazena substâncias tóxicas e o seu reservatório donde se armazena estas substâncias venha sofrer uma explosão, expondo as toxinas ao meio ambiente, ainda que por causa de uma tempestade (força maior), há a responsabilidade de reparar do empreeendedor, vez que tal dano não existiria se não houvesse tal atividade.
Esta é a teoria do risco integral, que deve ser aplicada às atividades poluidoras e de risco ao meio ambiente, pois a sua simples existência é “concausa”[1] na produção do evento danoso.
A outra teoria, do risco criado, o empreendedor responde quando existe uma situação perigosa à sociedade, admitindo a responsabilidade independentemente de culpa ou de tomada de decisão da empresa, bastando a comprovação da existência do dano e do nexo de causalidade, mas “não se poderia imputar responsabilidade quando o dano resultasse da conduta ou ação de terceiro, vítima ou não, de outras excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito ou força maior” (COSTA NETO, 2001, p.34).
Montenegro (2005) entende que esta teoria melhor se aplica aos possíveis danos que se gerem a partir das atividades poluidoras, com base no art. 14 § 1o da Lei n. 6.938/81, pois o empreendedor não pagará o dano quando terceiro, vítima ou não e outras excludentes agirem neste caso.
De acordo com Montenegro (2005, p.19), a “responsabilidade objetiva” é a que liga o fato danoso ao sujeito imputável, independentemente de qualquer consideração de culpa. Vale lembrar que no Direito brasileiro há ainda a previsão legal da “responsabilidade subjetiva”. Contudo tal previsão não se aplica aos danos ambientais, já que o critério desta responsabilidade é a prova da culpa no fato danoso. E caso esta teoria tivesse aplicabilidade quando dos processos judiciais, muito provavelmente, se não se provasse a culpa ou dolo em determinado caso in concreto, a empresa se livraria da obrigação da reparação do dano causado.
Na atualidade industrial e fortemente tecnológica, “o desenvolvimento das possibilidades e dos modos de atuação dos homens multiplicou-se os riscos e danos, sendo certo registrar também que as empresas tornaram-se capazes de suportar os riscos da atividade” (MONTENEGRO, 2005, p.31).
A responsabilidade objetiva, tambem conhecida no direito internacional, como estrita, significa que
“não é necessário determinar a culpa do agente, mas apenas o facto de o acto (ou omissão) ter causado o dano. À primeira vista, a responsabilidade baseada na culpa poderá parecer mais eficiente do ponto de vista económico do que a responsabilidade estrita, visto que os incentivos para as despesas de atenuação não excedem os benefícios da redução das emissões. Todavia, os regimes de responsabilidade ambiental nacionais e internacionais mais recentes tendem a ser baseados no princípio da responsabilidade estrita, porque se parte do princípio de que é mais fácil atingir os objectivos ambientais dessa forma” (LIVRO, 2000, p.9).
Outra razão para que tal teoria seja utilizada é a grande dificuldade dos queixosos, como exemplo, os que sofreram os danos, ou o próprio Ministério Público, quando o dano for nacional, têm em provar a culpa do poluidor nos processos judiciais de responsabilidade ambiental. E ainda a certeza de que a pessoa física ou jurídica que exerça uma atividade perigosa deve suportar o risco de sua atividade, pois pode causar danos, não a vítimas específicas, mas há toda a sociedade. “Estas razões militam a favor de um regime comunitário baseado, regra geral, na responsabilidade estrita” conforme traz o Livro Verde (2000, p.9).
Assim, os conceitos e “tipos” de responsabilidade civil aplicadas à pessoa física também podem ser às pessoas jurídicas implicadas, vez que o nexo causal entre o dano ambiental e a atividade que criou tal dano ou mesmo risco é o vínculo de obrigação da reparação ambiental.
Vale lembrar que nem todos os danos ambientais são de fácil detecção de seu causador, assim podendo ficar impossível determinar de quem é a culpa, ou seja, o agente causador ou melhor, a empresa causadora. Para que não ocorra a impunidade, no caso de dano ambiental sem comprovação do causador, necessário se faz a utilização das regras da responsabilidade objetiva também em relação às pessoas jurídicas.
A Lei 9.605/98 configura, atualmente, importante instrumento destinado a defender e preservar os bens ambientais, e estabelece uma concorrência de responsabilidades entre pessoas físicas e jurídicas. Foi destinado um capítulo específico para estas infrações: “Infração administrativa ambiental”, em seu art. 70, que diz “é toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. Este conceito abrange qualquer poluidor, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
Para se determinar, então, a responsabilidade quanto ao dano ambiental possivelmente causado por mais de um poluidor, ainda de concomitantemente pessoas físicas e jurídicas, pode ser utilizada a regra da “responsabilidade solidária”, ainda que este seja o Estado. Já que a poluição é complexa e difusa, e muitas vezes extremamente difícil precisar qual foi a conduta poluente. Assim:
“Atividades agrícolas, comerciais e principalmente industriais, como conglomerados e os veículos sempre implicam em poluição, mas isso é inerente ao processo de desenvolvimento. Enquanto provocarem alterações no meio ambiente que possam ser consideradas normais e toleráveis, mas merecem prevenir e evitar as intoleráveis e prejudiciais à sociedade” (Lei 9.605, 12 de fevereiro de 1998).
4.1 Valor do dano
Havendo o dano, a questão que se põe em cheque é a quem caberá pagar pelos prejuízos? A sociedade no seu conjunto, ou seja, os contribuintes, ou deverá ser o poluidor, causador do dano que deve pagá-lo, nos casos em que possa ser identificado?
Portanto, quando uma tal atividade poluidora direta ou indiretamente provoca danos, a parte que exerce o seu controle, ou seja o operador – pessoa jurídica ou física deve assumir os custos da sua reparação.
De acordo com a previsão da Lei 6.938/81, o dano ambiental pode ser reparado de forma específica, ou seja, in natura ou por indenização em dinheiro, contudo, não há livre escolha entre essas formas, vez que busca-se preferencialmente a reparação específica, retornando ao statu quo ante daquele ecossistema. Se impossível tal reparação, haverá condenação sobre um quantum pecuniário (GIRAUDEAU, 2009).
A reparação específica, ou seja, in natura, é a regra e preferência, em razão da dificuldade de se determinar os valores a serem ressarcidos, já que o dano ambiental nem sempre é reversível e reparável. Dentro dessa modalidade de reparação ainda existem mais duas distinções: a restauração ecológica e a compensação ecológica. A primeira visa a reintegração ou recuperação dos bens afetados. A segunda tem o objetivo de substituir os bens lesados por outros funcionalmente equivalentes, ainda que em outro local.
A Lei nº 10.165/2000 cogita a possibilidade de um direito ambiental tributário, já que pode haver a presença do passivo ambiental[2] nas demonstrações financeiras das empresas, sendo “mais um exemplo da necessidade de se conseguir expressar em valores monetários um dano ambiental” (TESSLER, 2004, p.3). O artigo 19 da Lei nº 9.605/1998 recomenda que, “sempre que possível, seja fixado o montante do prejuízo causado”, isto é, do dano. Por sua vez, o Decreto nº 3.179/1999, revogado em 2008, trazia a regra das sanções aplicáveis às condutas lesivas ao meio ambiente, fixando o valor das multas administrativas, fornecendo também elementos para avaliação e valoração dos danos.
Vale ainda lembrar que é pacífico o entendimento de que pode haver responsabilidade penal da pessoa jurídica, desde que também se inclua na denúncia a pessoa física responsável pelo ato, ou seja, o representante legal da pessoa jurídica. Vejamos a seguir decisão do STJ:
“Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio” (RHC 19.119).
Os recursos ambientais, i.e., água, ar, em função de sua natureza pública, sempre que forem prejudicados ou poluídos, implicam num custo público para a sua recuperação e limpeza. Este custo público é suportado por toda a sociedade (ANTUNES 2002, p.221). De modo que:
“Pode-se concluir que a evolução experimentada no direito com o aparecimento de novos direitos, especialmente com o surgimento dos interesses e direitos metaindividuais, faz surgir a necessidade de adaptá-los a uma nova performance, e tais transformações também atingem os danos extrapatrimoniais e a possibilidade de sua extensão aos danos metaindividuais ambientais. Verificou-se, nesta perspectiva evolutiva, que hoje o dano extrapatrimonial não está restrito ao monopólio do interesse individual ou atinge tanto o direito da pessoa jurídica como a personalidade em suas conotações difusa e coletiva” (LEITE, 2003, p.316).
Portanto, deve-se vincular os valores e atitudes morais individuais a uma dimensão coletiva, já que o meio ambiente quando danificado importa numa diminuição de expectativa de saúde plena, causando uma perda de expectativa de vida em anos e principalmente, perda de qualidade de vida, o que gera o dano extrapatrimonial.
Deve-se observar, portanto, que conforme Tessler (2004, p.6) “atualmente os economistas dizem que o valor de algo é a expressão das preferências individuais humanas. O valor de algo então está relacionado à correspondência a uma necessidade do homem”.
Adam Smith já no século XVIII tratava sobre o dualismo na questão dos valores, distinguindo o “valor do uso” do “valor de troca” de um determinado bem. Vale lembrar que no direito internacional do meio ambiente, as questões relacionadas aos danos ambientais e a sua valoração de reparação, está juridicamente desenvolvida, a partir da Convenção do Conselho da Europa, de 1993, que publicou o “Livro branco sobre responsabilidade ambiental” (2000)[3] que tratou sobre responsabilidade civil por prejuízos causados por danos ao meio ambiente. Um dos entendimentos do Livro (2000) preve que:
“A responsabilidade ambiental obriga o causador dos danos ambientais (o poluidor) a pagar a reparação dos danos que causou. A responsabilidade só é eficaz quando os poluidores podem ser identificados, os danos são quantificáveis e é possível demonstrar o nexo causal. Não é, por conseguinte, apropriada para a poluição difusa oriunda de fontes numerosas. Entre as razões para a introdução de um regime comunitário de responsabilidade civil contam-se a melhor aplicação dos princípios ambientais fundamentais (poluidor-pagador, de prevenção e de precaução) e da legislação ambiental comunitária, a necessidade de assegurar a descontaminação e a restauração do ambiente, a melhor integração do ambiente nas demais áreas políticas e o melhor funcionamento do mercado interno. A responsabilidade civil deverá reforçar os incentivos para um comportamento mais responsável por parte das empresas, exercendo assim um efeito preventivo, embora muita coisa dependa do contexto e das especificações do dito regime.”
Há, ainda de acordo com Tessler (2004, p.6), uma outra vertente que entende pela atribuição de valor econômico aos bens ambientais que é conhecida por “Ecologização da Economia”.
Elmar Altvater (1995) destaca o movimento de países já bem desenvolvidos que compreendem efetivamente o custo ecológico dos procedimentos de produção a partir destes bens e estilos de vida, consumistas ou não, pois estes países, de certa forma, bem a frente dos ideais ainda buscados pelos em desenvolvimento, já implantaram políticas públicas, no sentido do clean and recicling – limpo e reciclável. E havendo dificuldade em internalizar os custos de uma reciclagem, optam pelo procedimento menos dispendioso.
A autora ainda entende que o valor total econômico seria a soma do valor de uso, mais o valor de opção somados ao valor de existência e assim explica, “no que respeita ao valor de uso pode ser dividido em valor de uso produto e valor de uso consumo. O valor de uso é o atribuído ao ambiente pelas próprias pessoas que usam de fato ou ocasionalmente os insumos naturais, pagando ou não” (TESSLER, 2004, p.7).
Afinal, todas as pessoas usufruem de algum recurso natural cotidianamente, o oxigênio – ar, por exemplo, e ninguém paga nenhum valor monetário por este precioso recurso, ao mesmo tempo, todos acreditam em seu valor de uso.
“O valor de uso produto, por sua vez, é o dos recursos negociados no mercado, os que se compram e vendem e quanto a estes não há dificuldade maior em atribuir-lhes valor econômico. O valor de uso consumo é dos bens consumidos sem passar pelo mercado, por exemplo, o extrativismo, a pesca de subsistência, esses bens tem valor de uso e podem ser contabilizados” (TESSLER, 2004, p.7).
O valor de opção possui um valor indireto com base no risco de perda daquele bem, ou seja, as pessoas valorizam as atividades conservacionistas, então, “o valor de opção significa o quanto consentimos em pagar hoje para ter direito de exploração desse recurso no futuro. O exemplo é o da planta que ainda não conhecemos, não-classificada, mas que pode conter o princípio ativo do remédio para uma doença grave, ou para a eterna-juventude”, conforme Tessler (2004, p.7).
O valor de existência, último valor de soma ao valor econômico total, é o valor considerado em si. Trata-se da dimensão ética, pois é o valor indicativo ao meio ambiente em si.
“É a utilidade que se extrai pela observação de uma beleza única, uma paisagem, um curso d’água, cachoeiras, animais, florestas, etc. Existem pessoas dispostas a pagar pela sua preservação, basta atentar para o montante recebido pelas ONGs Greenpeace e World Wildlife. […] O que se pode extrair, em termos econômicos, é que a biota é um ativo natural de longa duração e pode proporcionar serviços e utilidade no correr do tempo”. (TESSLER, 2004, p.8)
A vida humana e seu entorno, os ecossistemas não podem ter preço, “todavia, sabe-se que cada obra de engenharia usou indiretamente essa valoração da vida na ocasião em que escolheu o nível de segurança que teria a obra. Pode-se, perfeitamente, mensurar a produção perdida com a morte ou doença de um trabalhador” (TESSLER, 2004, p.10).
As empresas, quando causadoras de poluição e consequentemente danos ambientais realizam esta matemática com perfeição, principalmente quando atinge o rendimento de seu processo de produção de alguma forma. Contudo, os danos ambientais quando afetam a saúde de uma pessoa, ou de várias, deixam de ser um problema privado, específico de uma empresa, para se configurar como uma questão de relevância pública.
Por isso, quando houver casos urgentes para obrigar o poluidor a agir ou abster-se de agir, ou ainda para prevenir danos significativos ou evitar que sejam causados danos futuros no meio ambiente, as pessoas envolvidas diretamente ou não nestes casos devem ter o direito de acesso à justiça por meio de ação inibitória. Ainda que o Ministério Público não assuma a ação, quando noticiada.
Para que isso ocorra efetivamente, estes grupos ou pessoa “devem ser autorizados a proceder judicialmente contra o alegado poluidor, sem terem de se dirigir primeiramente ao Estado” (LIVRO, 2000, p.14). O direito de ajuizar ação para obter medidas de prevenção ou reparação urgentes pode buscar a proibição de uma atividade potencialmente poluidora e/ou uma ordem contra o causador da poluição para que este previna os danos que possivelmente serão causados, ou ainda que atua em alguma forma de recuperação.
4.2 O problema: estudo de caso de poluição hídrica por empresa catarinense
Um dos exemplos trazidos por autor Caubet (2005) trata do caso da poluição hídrica causada por uma indústria em Timbó, cidade norte catarinense. O caso foi julgado em 1998, onde havia o lançamento intencional de dejetos químicos e resíduos tóxicos resultantes das atividades de uma indústria de transformação de sebo e fábrica de sabão.
Os danos ao meio ambiente e à população humana e animal são irreparáveis, vez que houve danos ecológicos à flora e fauna, e também ao próprio riacho, bem como danos patrimoniais e à saúde, que comprometeram o uso da água daquela região.
Os índices de toxicidade da água avaliados no laudo pericial constante nos autos eram muito superior ao permitido na Resolução 20/86 do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), o que tornaria certa a condenação da empresa poluidora.
Vale ressaltar que somente em 04 de julho de 2012 houve a publicação de norma que dispõe sobre os procedimentos de controle da importação de resíduos, por meio da Resolução Conama nº 452. Resolução que segue as regras adotadas pela Convenção da Basiléia[4] sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito. Esta Resolução adota algumas definições sobre resíduos, quais sejam: Resíduos Perigosos, Resíduos não Inertes, Resíduos Inertes, Outros Resíduos, Rejeito, Resíduos Controlados, Destinador de Resíduos, Reciclagem e Importadores de Resíduos (MARTINS, 2012).
O conceito de poluição abrange qualquer alteração no meio ambiente que venha trazer algum prejuízo aos seres humanos, animais e ecossistemas. Contudo, esta Resolução vem outorgar o direito de poluir, trazendo a obrigação da pessoa que polui de pagar por este “direito”, ou seja, o poluidor-pagador.
A importação de resíduos controlados pode ser realizada apenas e tão somente para destinar resíduos para reciclagem, em instalações devidamente licenciadas para tal fim, após autorização e anuência prévia do órgão responsável, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com o atendimento de determinadas exigências.
Além disso, os órgãos ambientais que constatarem o descumprimento das condições estabelecidas pela legislação ambiental pertinentes ao armazenamento, transporte, manipulação, utilização e reciclagem do resíduo importado, comunicarão ao IBAMA a ocorrência, para as providências previstas na Convenção de Basiléia, conforme bem expôs Martins (2012).
Porém esta Resolução, quando do caso ainda em julgamento, não estava em vigor, na realidade, nem havia o seu projeto, assim, sem qualquer aplicabilidade naquele caso.
Então, a sentença de 1º grau de jurisdição, do juiz do fórum de Timbó, condenou o representante da empresa à prisão, que recorreu à 2ª instância. O Tribunal, por sua vez, manteve a decisão do juiz a quo[5], sob o entendimento que os danos gerados não alcançam somente a região ribeirinha donde foram despejados os resíduos tóxicos, mas todos os afluentes, prejudicando as principais fontes de água para consumo humano estadual.
A decisão do tribunal teve como fundamento a Constituição Federal, em seu artigo 225 cominado com artigo 181 do Constituição Catarinense e Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n. 6.938/81. E ainda os artigos 49 e seguintes da Lei 9.433/97 que tratam das infrações e penalidades da utilização dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos de forma ilegal.
Fica claro neste caso, que mesmo com a prisão e pagamento de multa pelo representante da empresa condenada no caso mencionado, o meio ambiente não voltará ao statu quo ante. Todo o período de degradação e abuso dos recursos hídricos refletirá na sociedade daquele entorno por alguns anos, talvez décadas. E poderá abranger outras cidades, talvez Estados.
Este exemplo demonstra que as soluções dadas pelas empresas ao seu lixo industrial, ou seja, aos resíduos, nem sempre tem um destino sustentável e inofensivo ao meio ambiente. Muitas empresas e fábricas, em todo o Estado de Santa Catarina, ainda despejam todo o resíduo industrial produzido em seus processos de produção nos rios e córregos sem qualquer tratamento, o que com certeza gera danos e prejuízos incalculáveis aos mananciais de água.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A poluição gerada pela destinação incorreta e insustentável dos resíduos industriais em regiões de rios e mares é uma questão atual (GURGEL, PINTO FILHO 2012, p.88), ainda enfrentada pelas populações ribeirinhas e obviamente pelos usuários da água advindas destas localidades contaminadas.
Montenegro (2005, p.38) acrescenta que países de 3º mundo usam os slogans como “a maior poluição é a pobreza”, ou “a industrialização suja é melhor que a pobreza limpa”. Mas o exaurimento dos recursos naturais transforma pobres em miseráveis subtraindo-lhes também aquilo que a natureza lhes oferecia gratuitamente e que passa a se tornar privilégio dos ricos.
Portanto, as formas de desenvolvimento vindas das grandes empresas e que se aplicam consequentemente à população local só se legitimam se preservada as condições básicas do planeta, para haver possibilidade de um futuro para nossos filhos e netos. É um direito intergeracional.
A responsabilização dos causadores de danos ambientais nos recursos hídricos é tema instigante e que merece um estudo mais aprofundado. Afinal, aplicando estas regras de responsabilidade civil teremos julgamentos muito próximos da verdade, e principalmente, responsabilizando os causadores da poluição do meio ambiente.
Doutoranda no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas pela UFSC Florianópolis. Mestre em Patrimnio Cultural e Sociedade pela Univille Joinville. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ACE Joinville. Advogada atuante em Santa Catarina. Membro representante da OAB-subseção Joinville na Comissão de Patrimnio Cultural – Comphaan da cidade de Joinville
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