O STJ, procurando pacificar a velha controvérsia em torno da legitimidade para figurar no pólo passivo da ação de repetição de indébito de imposto de renda retido na fonte, editou, recentemente, a Súmula 447 com o seguinte enunciado:
“Os Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição do imposto de renda retido na fonte proposta por seus servidores”.
Verifica-se, portanto, que há alteração das partes na ação judicial, pois, a relação de direito material, em se tratando de imposto de renda, instaura-se entre a União e o contribuinte. Cabe exclusivamente à União exercer a competência legislativa, quer instituindo, quer isentando o imposto de renda por meio de lei em sentido estrito. A competência tributária, que é indelegável, difere da capacidade tributária, que comporta delegação.
O exame de precedentes jurisprudenciais que ensejaram a edição da Súmula (Resp n° 989419/RS; RMS n° 10044/RJ; Resp n° 874759/SE etc.) revela confusão entre a competência tributária, privativa das entidades políticas componentes da Federação, e a capacidade tributária.
Transcrevemos a ementa de um dos julgados para perfeita compreensão da matéria:
E mais, no RMS n° 10044/RJ está dito que “a teor do art. 157, I da Constituição Federal, o imposto de renda retido na fonte é tributo estadual. Assim, o agente estadual, quando efetua a retenção, age no exercício da competência própria não, delegada”.
Ora, não pode existir um imposto de renda federal e um outro imposto de renda estadual, retido ou não, pouco importa. Por expressa disposição do art. 153, III, da CF o imposto de renda é de competência privativa da União. Pudesse transformar o imposto de renda retido na fonte em imposto estadual só pelo fato de pertencer ao Estado o produto de sua retenção segue-se que, quando o Município fizer essa retenção (art. 158, I, da CF) esse imposto de renda seria um imposto municipal. E com isso estaria destruída a rígida discriminação constitucional de impostos (arts. 153, 155 e 156, da CF).
É a União, detentora privativa da competência tributária, que estabelece os casos de retenção na fonte, bem como, os casos de isenção. Os Estados e Municípios retêm o IRF, incorporando o produto da retenção à respectiva receita pública, por expressa disposição constitucional. Da mesma forma, aplicam o instituto da isenção nos casos previstos na legislação federal. O poder de instituir, aumentar ou isentar o imposto de renda é exclusivo da União. Se um dia a União editar lei isentando os servidores públicos do pagamento do imposto de renda na fonte nenhuma reclamação caberá por este fato por parte dos Estados e Municípios, ainda que isso importe na diminuição de suas receitas tributárias. Por isso, o mecanismo de participação no produto de arrecadação de imposto alheio, como é o caso sob exame, à primeira vista, pode parecer vantajoso para o ente político beneficiado por livrá-lo dos custos de implantação e fiscalização de tributos. Mas, na verdade, como assinalamos “a única forma de assegurar a independência político-administrativa às entidades componentes da Federação é conferir-lhes a autonomia financeira, por meio de tributos próprios, o que importa na reformulação da discriminação constitucional de rendas, e que torna cada vez mais difícil qualquer idéia de implantação do chamado imposto único”[1].
Se a Súmula sob comento estiver correta, não só os Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição do imposto de renda, como também, os Municípios que, igualmente, incorporam em suas receitas o produto de retenção na fonte desse imposto (art. 158, I, da CF).
A grande verdade é que a participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no produto de arrecadação de imposto privativo da União (IRF) não transforma essas entidades destinatárias em sujeito ativo do imposto de renda, razão pela qual lhes falece legitimidade para figurar no pólo passivo da ação de repetição, cujos sujeitos devem ser os mesmos que compõem a relação jurídica material.
Outrossim, a incorporação pelos Estados, DF e Municípios do IRF é compensada pela União por ocasião da entrega das parcelas do produto de arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados (48%) cabentes aos Estados, DF e Municípios (§ 1°, do art. 159, da CF).
A sujeição passiva dos Estados, DF e Municípios na ação de repetição do IRF fará com que essas entidades políticas devolvam aos contribuintes aquilo que, na verdade, não perceberam por conta da compensação referida no § 1°, do art. 159, da CF.
Dessa forma, nem mesmo sob o prisma financeiro a Súmula sob exame se sustenta.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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