Resumo: O presente artigo se refere a indagação sobre a possibilidade de compensação da verba previdenciária patronal no que tange aos créditos gerados pelo pagamento de contribuições previdenciárias de cunho indenizatório aos obreiros de determinada empresa.
Palavras chaves: compensação, verba previdenciária patronal, contribuição previdenciária patronal
Sumário: Introdução. 1. Conceituação sobre verbas indenizatórias e verbas remuneratórias. 2. Verbas indenizatórias controvertidas. 3. Compensação. 4. Conclusão. Referências.
Introdução
O tema sobre compensação de contribuições previdenciárias é de relevante destaque, tendo em vista que esses tributos são praticamente os maiores que o empresário deve arcar em sua rotina.
A importância é acentuada principalmente considerando a necessidade de se conhecer com profundidade institutos como as verbas remuneratórias, pois são essas que incidem as contribuições previdenciárias, e verbas indenizatórias, essas que não incidem os referidos tributos, tendo em vista que a compensação equivocada pode gerar o direito subjetivo para que a Receita Federal – órgão de fiscalização tributária da União, que tem para si a competência de administrar esse tipo de tributo –, provoque o início de um procedimento administrativo para a realização do pagamento deste, com as sanções tributárias e administrativas aplicáveis ao caso em concreto, culminando, futuramente, em uma inequívoca inscrição em dívida ativa deste passivo para ulterior execução fiscal proposta pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Os prejuízos de uma análise equivocada para a correta realização da compensação das contribuições previdenciárias de natureza indenizatória também defluem para a responsabilização criminal dos gestores de uma pessoa jurídica de direito privado, eis que, conforme o artigo 168-A do Código Penal, o ato de deixar de repassar a previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes – contribuições previdenciárias de cunho remuneratório, destinadas ao complemento previdenciário do obreiro –, no prazo e na forma legal ou convencional, tipifica o crime de apropriação indébita previdenciária, que não admite suspensão condicional do processo, mas que admite a extinção da punibilidade do agente mediante a declaração espontânea e confessa do equívoco, cumulada com o pagamento integral dos valores. Ou seja, o não pagamento das contribuições previdenciárias de cunho remuneratório podem gerar uma alarmante responsabilização criminal, principalmente se o agente não estiver em condições financeiras para arcar com o adimplemento desses valores.
Tudo isso para exemplificar as graves consequências de uma análise equivocada sobre institutos tão profundos quanto a diferenciação da natureza jurídica remuneratória e indenizatória de determinada contribuição social.
Contudo, com a correta análise dos referidos institutos, a empresa deixa de arcar com pagamentos indevidos de pesados tributos decorrentes de sua atividade econômica, bem como os restitui, através de compensações sobre a contribuição patronal devida à seguridade social, o que evita prejuízos ilícitos e abusivos por parte da fiscalização tributária federal.
Posto esses fatos, realizar-se-á uma análise jurídica, embasada na legislação, nos entendimentos administrativos da própria Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF –, e nos entendimentos jurisprudenciais pacíficos dos tribunais superiores: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, para se averiguar, com o ímpeto de se restituir, evitar e compensar, sem a penumbra de se adentrar em eventual responsabilização civil ou criminal, as referidas contribuições previdenciárias de cunho indenizatório, pagas equivocadamente em larga escala pelos setores industriais privados brasileiros.
1. Conceituação sobre verbas indenizatórias e verbas remuneratórias
A previsão legal para a existência de diferenciação entre as referidas verbas, encontra-se no art. 28, da Lei 8.212/91, que versa sobre as formas de custeio da Seguridade Social, mais especificamente, sobre como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade financiará esse sistema, pautado na solidariedade intergeracional.
Dispõe o referido artigo, que o salário-de-contribuição será aquele que incidirão as contribuições previdenciárias. Continua definindo que este será, para o empregado e trabalhador avulso:
“a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato, ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.”[1]
Ou seja, o legislador quis conceituar que as verbas remuneratórias são aquelas destinadas a retribuir o trabalho, ou seja, são todas aquelas verbas que tem intenção de dar uma contraprestação a determinada atividade realizada por um obreiro, em relação empregatícia com o seu empregador.
Mesmo que a doutrina entenda que não é recomendável que o legislador disponha em lei sobre conceitos jurídicos, este dispôs que as referidas verbas terão natureza remuneratória:
“a) Salário-maternidade;
b) Total das diárias pagas, quando excedente a cinquenta por cento da remuneração mensal.”
Contudo, é certo que as verbas como o salário ou as gorjetas, por exemplo, também deverão ser consideradas como verbas remuneratórias, por interpretação analógica do art. 28 da referida lei. Disto, conclui-se que o rol de previsões sobre as verbas remuneratórias é aberto, exemplificativo ou ampliativo, ou seja, mesmo que surja uma verba totalmente inovadora no ordenamento jurídico, é possível saber se a sua natureza é remuneratória se considerar o fato desta possuir uma natureza de remunerar um trabalho efetivamente realizado.
O legislador também dispôs, na referida lei, um rol sobre as verbas de natureza indenizatória, ou seja, verbas que o empregado recebe sem que necessite realizar um trabalho para tanto, não incidindo a contribuição previdenciária nesses casos. São elas:
(a) “Benefícios da previdência social, salvo o salário-maternidade;
(b) As ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta;
(c) A parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
(d) Férias indenizadas e o respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata a CLT[2];
(e) Indenização por tempo de serviço, anterior à Constituição Federal de 1988 do empregado não optante do FGTS;
(f) Multa de 50% da remuneração devida ao obreiro demitido sem justa causa em contratos temporários;
(g) Indenização por tempo de serviço, correspondente a 1/12 do salário mensal, por mês de serviço ou fração superior a 14 dias ao safrista desligado normalmente de suas atividades rurais;
(h) Verbas recebidas a título de incentivo à demissão;
(i) Verbas recebidas a título de abono pecuniário de 1/3 das férias;
(j) Verbas recebidas a ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário;
(k) Verbas recebidas a título de licença-prêmio indenizada;
(l) Verbas recebidas sobre a multa no montante de um salário mensal, incidente em caso de dispensa sem justa causa, no período de 30 dias que antecede a data de sua correção salarial;
(m) Vale-transporte
(n) Ajuda de custo recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado;
(o) Diárias para viagens, desde que não excedam a 50% da remuneração mensal;
(p) Verbas recebidas a título de bolsa de complementação educacional de estagiário;
(q) Participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica;
(r) Verbas oriundas do abono do PIS/PASEP;
(s) Verbas correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante de sua residência em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho;
(t) A importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa;
(u) As parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira;
(v) Verbas pagas a título de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes;
(w)Verbas para assistência médica ou odontológica;
(x) Verbas correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para a prestação dos respectivos serviços;
(y) Verbas que tendem a ressarcir as despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista;
(z) Verbas relacionadas a plano educacional ou bolsa de estudos que visem à educação básica de empregados e seus dependentes;
(aa) Bolsa de aprendizagem garantida aos adolescentes de até quatorze anos de idade;
(bb) Valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais;
(cc) A multa no valor da maior remuneração que obtivera na empresa, quando é demitido sem justa causa pelo empregador;
(dd) Valores correspondentes ao vale-cultura.”
Mesmo com esse extenso rol de possibilidades para realizar a verificação se determinada verba é indenizatória ou não, o legislador não conseguiu abarcar o universo total das verbas que o obreiro recebe. Cita-se, por exemplo, o aviso-prévio: se for trabalhado, as verbas serão remuneratórias? E se for indenizado, as verbas serão consideradas indenizatórias para não incidência das contribuições previdenciárias?
Logo, conclui-se que o legislador quis indicar que as verbas indenizatórias são aquelas que o empregado recebe sem que haja prestação de atividade ou serviço, ou seja, decorre de algum fato alheio à atividade estabelecida na relação empregatícia. Com isso, conclui-se que esse extenso rol, também é aberto, exemplificativo ou ampliativo.
Desta conceituação inicial, conclui-se que o aplicador do direito é livre para analisar a natureza jurídica remuneratória ou indenizatória de determinada verba percebida pelo obreiro, para tanto, basta verificar se a mesma decorre ou não de uma contraprestação por uma atividade realizada.
Logo, a continuação da análise se debruçará sobre as verbas indenizatórias mais controvertidas, eis que, quando pagas como se remuneratórias fossem, geram o direito subjetivo no contribuinte de reavê-las, através de pagamento em precatório ou compensação tributária.
2. Verbas indenizatórias controvertidas
Primeiramente, o art. 30, I, a, b e c, da Lei 8.212/91, prevê a obrigatoriedade da empresa realizar o desconto das verbas remuneratórias, explicadas anteriormente, da remuneração percebida pelo empregado.
O que ocorre na prática é que, infelizmente, por má interpretação da legislação por parte dos administradores de uma empresa, realiza-se um cálculo que inclui todas as verbas possíveis e imagináveis em favor do empregado, o que onera sobremaneira os caixas do empregador e lhe causa inúmeros transtornos e prejuízos, principalmente quando se fala sobre:
(a) “Terço constitucional de férias
(b) Os quinze primeiros dias de afastamento, que antecedem o auxílio-doença;
(c) Aviso-prévio indenizado;
(d) Férias indenizadas;
(e) Férias gozadas;
(f) Salário-maternidade.”
Como as tais verbas não estão descritas expressamente na Lei 8.212/91, os órgãos de fiscalização tributária federal entendem, de forma ardil, que as tais devem ser consideradas como se remuneratórias fossem, inflando os cofres públicos de forma indevida.
Contudo, em nenhum dos casos citados a cima há a constatação de uma remuneração decorrente de contraprestação por um serviço realizado.
No caso do terço constitucional de férias, o obreiro simplesmente as recebe por benefício legal, ao concluir o período aquisitivo e gozar as suas férias, sem realizar nenhum esforço para tanto. A jurisprudência caminha no sentido de considerar o terço constitucional de férias como verba indenizatória, sendo impossível se imaginar, nem com muito esforço, qualquer viés de trabalho para que o obreiro faça jus à referida verba.
“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. EMPRESA PRIVADA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. EMPREGADOS CELETISTAS. – Jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também de empregados celetistas contratados por empresas privadas. Precedentes. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg nos EREsp: 957719 SC 2010/0103922-1, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 27/10/2010, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/11/2010)
Somando-se as previsões elencadas nos tópicos b, c e d, a jurisprudência também caminha no sentido de afastar a incidência de contribuições previdenciárias sobre todas as referidas verbas.
“APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS, AUXÍLIO-DOENÇA NOS PRIMEIROS 15 DIAS DE AFASTAMENTO, SALÁRIO-MATERNIDADE E AVISO PRÉVIO INDENIZADO E REFLEXOS. COMPENSAÇÃO COM CONTRIBUIÇÕES ARRECADADAS PELO INSS. ART. 26, § ÚNICO, DA LEI 11.457/07. I – Inexigibilidade de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, auxílio-doença nos primeiros 15 dias de afastamento e aviso prévio indenizado. Precedentes. II – Exigibilidade de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade e sobre a gratificação natalina decorrente do aviso prévio indenizado (reflexos). Precedentes. III – Compensação de valores que deve observar a limitação prevista no art. 26, § único, da Lei nº 11.457/07. IV – Recurso da parte autora desprovido. Recurso da União e remessa oficial parcialmente providos.” (TRF-3 – APELREEX: 18592 SP 0018592-91.2009.4.03.6100, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, Data de Julgamento: 30/10/2012, SEGUNDA TURMA)
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. INDEVIDA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. FÉRIAS INDENIZADAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. VALE-TRANSPORTE. VALE-ALIMENTAÇÃO FORNECIDO EM PECÚNIA. ASSISTÊNCIA MÉDICA E ODONTOLÓGICA. FÉRIAS GOZADAS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDECIÁRIAS. INSS E IRPF. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. COMPENSAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. ART. 543-B DO CPC. 1. A Primeira Seção do STJ – Superior Tribunal de Justiça acolheu, por unanimidade, incidente de uniformização, adequando sua jurisprudência ao entendimento firmado pelo STF, segundo o qual não incide contribuição à Seguridade Social sobre o terço de férias constitucional, posição que já vinha sendo aplicada pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais. 2. As férias indenizadas são pagas ao empregado despedido sem justa causa, ou cujo contrato de trabalho termine em prazo predeterminado, antes de completar 12 (doze) meses de serviço (Artigo 147 da CLT). Não caracterizam remuneração e sobre elas não incide contribuição à Seguridade Social, assim já decidiu essa Turma (AC 2003.61.03.002291-7, julg 25/09/2009). 3. O aviso prévio indenizado não compõe o salário de contribuição, uma vez que não há trabalho prestado no período, não havendo, por conseqüência, retribuição remuneratória por labor prestado. 4. O STF – Supremo Tribunal Federal apreciou o RE 478410 e decidiu que não constitui base de cálculo de contribuição à Seguridade Social o valor pago em pecúnia a título de vale-transporte(…)” (TRF-3 – APELREEX: 9966 MS 0009966-34.2005.4.03.6000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 30/07/2013, PRIMEIRA TURMA)
Poderia haver indícios de dúvida no tocante às férias gozadas, eis que, para ter direito a recebe-las, o obreiro necessita, antes, cumprir um período aquisitivo de doze meses para poder usufruí-las. Contudo, na prática, observa-se as férias como se fosse uma espécie de recompensa, privilégio, que se distancia da conceituação de contraprestação em razão do seu trabalho.
Basta observar que o obreiro, mesmo tendo batalhado por um longo período para conquistá-las, recebe valores sem realizar nenhum tipo de trabalho para o seu empregador. Ora, assim sendo, não se pode dizer que as férias devem ser consideradas verbas remuneratórias, eis que a Lei 8.212/91 é específica no sentido de que integra o salário de contribuição do obreiro, ou seja, considera-se como verbas remuneratórias aquelas cuja importância é auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma.
De igual modo, a dúvida persiste no tocante ao salário-maternidade, eis que a Lei 8.212/91 prevê, de forma expressa, que essa verba integra o salário de contribuição do obreiro e faz incidir as contribuições previdenciárias. Contudo, não é possível evidenciar qualquer tipo de contraprestação a uma atividade prestada pelo obreiro, razão pela qual, a referida verba, mesmo com disposição legal expressa, contradiz-se em si mesma e não pode ser considerada para fins previdenciários.
O entendimento de que as férias gozadas e o salário-maternidade não podem integrar a base de cálculo para a incidência de contribuições previdenciárias é seguido de forma pacífica pelo Superior Tribunal de Justiça:
“EMENTA RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO MATERNIDADE E FÉRIAS USUFRUÍDAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA QUE NÃO PODE SER ALTERADA POR PRECEITO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER RETRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARECER DO MPF PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE E AS FÉRIAS USUFRUÍDAS.
1. Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador.
2. O salário-maternidade é um pagamento realizado no período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para a fruição de licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei 8.213/91), não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei 8.212/91.
3. Afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher.
4. A questão deve ser vista dentro da singularidade do trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém nascido; assim, no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção estabelecida no art. 28, § 9o., a da Lei 8.212/91.
5. O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg Documento: 25335993 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 08/03/2013 Página 1 de 3 Superior Tribunal de Justiça no AI 727.958/MG, de relatoria do eminente Ministro EROS GRAU, DJe 27.02.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada.
6. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas.
7. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição futura em forma de benefício (ADI-MC 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO); dest'arte, não há de incidir a Contribuição Previdenciária sobre tais verbas.
8. Parecer do MPF pelo parcial provimento do Recurso para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade.
9. Recurso Especial provido para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas. Documento: 25335993 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 08/03/2013 Página 2 de 3 Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3a. Região), Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Compareceu à sessão, o Dr. FABIO DA COSTA VILAR, pela recorrente. Brasília/DF, 27 de fevereiro de 2013 (Data do Julgamento).” (STJ – RE: 1.322.945, Relator: MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,, Data de Julgamento: 27/02/2013, PRIMEIRA SEÇÃO)
Logo, com a exposição das verbas mais controvertidas, conclui-se que todas elas possuem natureza indenizatória e não devem servir para o cômputo da incidência de contribuições previdenciárias em favor do obreiro. Não se exclui, de igual modo, outras verbas de natureza indenizatória, que não devem integrar as referidas contribuições sociais.
3. Compensação
Levando-se em consideração a demora clássica em receber valores a título de precatório, a ação ressarcitória dos valores pagos indevidamente a título de contribuição previdenciária tornam-se inviáveis.
Contudo, quando houver esse tipo de situação, ao contribuinte é devido utilizar-se do instituto da compensação. Nas palavras de Hugo de Brito Machado:
“A compensação é como que um encontro de contas. Se o obrigado ao pagamento do tributo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual seja extinta sua obrigação, isto é, o crédito tributário.”[3]
A compensação é um instituto trazido pelo Código Civil[4], trazido em seu artigo 368, e autorizado perante a legislação tributária, trazida através do artigo 170 do Código Tributário Nacional[5].
“Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”
Ora, caso o contribuinte seja credor da Fazenda Nacional, tendo em vista o recolhimento indevido de contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias, poderá valer-se da compensação, enquadrando-se perfeitamente em ambas as disposições legais, pois a “lei” trazida pelo Código Tributário Nacional se refere a qualquer uma que relacione o referido instituto, comunicando-se perfeitamente com a legislação do Código Civil.
Paulo de Barros Carvalho assim ensina:
“Por outras modalidades, além do pagamento, a obrigação tributária igualmente se extingue. A compensação é uma delas. Tem por pressuposto duas relações jurídicas diferentes, em que o credor de uma é devedor da outra e vice-versa. O Código Civil sobre ela dispõe no art. 368, definindo-a assim: Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações se extinguem, até onde se compensarem. (…)
Sempre em homenagem ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos, o Código Tributário Nacional acolhe o instituto da compensação, como forma extintiva, mas desde que haja lei que a autorize. É a seguinte redação do seu art. 170(…).”[6]
Em outra obra, também explica sobre a possibilidade da utilização da compensação no âmbito tributário:
“Pela dinâmica da compensação também se extingue a obrigação tributária, desde que haja lei que autorize o agente administrativo a fazê-lo. E não poderia ser diferente, pois o enunciado implícito da indisponibilidade do interesse público, que é um valor relevante de nosso sistema, estará sempre presente na tutela dos direitos subjetivos do Estado. Daí porque a atividade do agente, nesse campo, há de ser vinculada, não lhe sobrando qualquer margem de discricionariedade. Neste caso, exige-se que os créditos do sujeito passivo contra a Fazenda sejam líquidos e certos, vencidos ou vincendos, podendo a lei instituir condições e garantias, ou indicar os limites dentro dos quais o funcionário do Poder Público vai operar a compensação. Esse é o teor do art. 170 da Lei n. 5.172/66.”[7]
É possível valer-se do mandado de segurança para garantir o direito de compensar as referidas contribuições, desde que não seja utilizado para convalidá-las posteriormente, conforme se observa das súmulas 213 e 460 do Superior Tribunal de Justiça:
“SÚMULA N. 213 O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.
SÚMULA N. 460 É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte”.
É importante destacar que o mandado de segurança impede a condenação do impetrante, em caso de indeferimento, ao pagamento de honorários advocatícios, constituindo-se como o instrumento ideal para pleitear altos valores a serem compensados.
4. Conclusão
Observa-se que o entendimento jurisprudencial e doutrinário é pacífico no sentido de ser indevido o recolhimento de contribuições previdenciárias que incidem sobre verbas indenizatórias, podendo o contribuinte diminuir os valores de seus tributos com a mera exclusão dessas verbas das folhas de salário mensais de sua empresa.
Como é inviável o recebimento dos valores pagos a maior, o ideal é que haja a compensação desses com outros de mesma natureza. É importante frisar que a compensação deve ser realizada sobre as contribuições patronais, e não sobre as contribuições relativas aos empregados, sob pena de tipificação do crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal. Ou seja, mesmo que o obreiro tenha recebido valores maiores que os devidos, os mesmos devem permanecer para si, com o intuito de reverter para o cálculo de sua aposentadoria.
Como o prazo prescricional do crédito tributário é de cinco anos[8], o contribuinte deverá realizar uma auditoria desse período excluindo todas as verbas de natureza indenizatória da base de cálculo das contribuições previdenciárias dos empregados, o que lhe gerará um crédito que poderá ser compensado com a sua contribuição previdenciária patronal, frise-se, tal procedimento jamais deverá ser utilizado para compensar os valores previdenciários dos empregados.
Caso o contribuinte realize as referidas compensações e mesmo assim a fiscalização realize a autuação das referidas verbas indenizatórias, este terá amplo amparo doutrinário e jurisprudencial para o êxito de sua defesa administrativa ou judicial.
Advogado especialista em direito previdenciário tributário e empresarial pela PUC-SP graduando em ciências contábeis e economia
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