Resumo: O objeto do presente artigo é analisar a possibilidade jurídica da Administração Pública efetuar o pagamento de notas fiscais ou faturas oriundas de contrato de prestação de serviços, quando a empresa contratada não comprova a manutenção da regularidade fiscal durante a execução contratual, ou quando constatado inadimplemento das verbas trabalhistas pelo contratado.
Palavras-chave: Serviços terceirizados – contratação – regularidade fiscal – manutenção – pagamento – retenção – débitos trabalhistas – penalidade – rescisão.
Sumário: 1. Introdução. 2. A regularidade fiscal como condição da habilitação para a participação em licitações. 3. Da manutenção da regularidade fiscal como exigência do art. 55, inc. XIII. 4. Das penalidades aplicáveis pelo descumprimento contratual. 4.1 Posicionamento do TCU. 5. Das providências necessárias ao cumprimento da Lei Federal n. 8.666/1993. 6. A responsabilidade por débitos trabalhistas: a Instrução Normativa MPOG/SLTI n. 02/2008 7. Da ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo inadimplemento de débitos trabalhistas: a Ação Direta de Constitucionalidade 16/STF. 8. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
A contratação de serviços terceirizados pela Administração é uma atividade indispensável ao desempenho da função pública. Trata-se de prática amplamente adotada, pois agiliza a realização das tarefas auxiliares, conferindo maior dinamismo à administração.
Nos termos do Decreto Federal n. 2.271/1997, as atividades acessórias, instrumentais ou complementares à atuação administrativa serão preferencialmente executadas de forma indireta, ou seja, mediante a contratação de terceiros, para executar atividades relacionadas a conservação, segurança, limpeza, manutenção, vigilância, entre outras constantes no art. 1º, §1º do referido Decreto[1].
Os recursos destinados ao custeio das atividades realizadas através da chamada execução indireta apresentam números que impressionam e por si só são suficiente para mostrar a amplitude da terceirização no serviço púbico.
O Portal da Transparência[2], site governamental que compila e divulga dados sobre os gastos públicos, informa, por exemplo, que no ano em curso (2011) foram despendidos cerca de R$ 655.655.567,40 (seiscentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e cinqüenta e cinco mil, quinhentos e sessenta e sete reais e quarenta centavos) para pagar os serviços prestados a 501 empresas do prestadoras do serviço de vigilância e segurança privada; ao passo que para as atividades de limpeza em prédios foram aplicados R$ 507.336.237,15 (quinhentos e sete milhões, trezentos e trinta e seis mil, duzentos e trinta e sete reais e quinze centavos), em pagamentos a 562 empresas.
Demais atividades relacionadas a serviços terceirizados, tais como tele-atendimento, apoio administrativo, locação e agenciamento de mão-de-obra temporária, além da rubrica “Outras atividades de serviços prestados principalmente às empresas não especificadas anteriormente” que incluem despesas com reprografia, conservação, manutenção, etc., já consumiram em conjunto a cifra de R$ 323.430.014,43 (trezentos e vinte e três milhões, quatrocentos e trinta mil, quatorze reais e quarenta e três centavos), pagos a 674 pessoas jurídicas.
2. A regularidade fiscal como condição da habilitação para a participação em licitações
No âmbito do procedimento licitatório, a Lei Federal n. 8.666/1993 impõe aos interessados em contratar com a Administração a comprovação de uma série de condições, elencadas nos artigos 27 a 31 da norma.
Os documentos exigidos para a habilitação em certame licitatório se relacionam a cinco aspectos, a saber: a) habilitação jurídica; b) qualificação técnica; c) qualificação econômico-financeira; d) regularidade fiscal e e) adoção de medidas que protejam os menores de dezesseis anos do exercício de trabalho noturno, insalubre, ou perigoso.
Tais requisitos, que nos termos da Constituição Federal[3] devem ser os mínimos possíveis, são verificados na fase licitatória denominada habilitação, em que a comissão de licitações verifica o direito do particular em apresentar a proposta.
O parâmetro para se considerar um participante habilitado ou não é estabelecido no rol dos artigos acima citados, sendo que no tocante à comprovação da regularidade fiscal o art. 29 exige: prova de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes (inc. I); prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal (inc. II); comprovação de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por fim o recém incluído inciso V, que exigirá prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, a partir de janeiro de 2012, conforme determinação da Lei Federal n. 12.440/2011
Tais comprovações são feitas através da apresentação das certidões negativas emitidas pelos respectivos órgãos fiscais, dentro do prazo de validade de cada certidão, que devem ser mantidas ao longo de todo o contrato, conforme se verá adiante.
Como bem ressalta Jessé Torres, o uso da expressão “consistirá” denota que a “prova destas duas aptidões só estará completa com a presença de todos os documentos elencados naqueles artigos […]; a falta ou a irregularidade de qualquer desses documentos acarreta, necessariamente, a inabilitação”[4]
3. Da manutenção da regularidade fiscal como exigência do art. 55, inc. XIII
Visando cumprir o requisito do art. 37, inc. XXI[5], que determina a inclusão de cláusulas que estabeleçam a igualdade entre os participante e a manutenção das condições efetivas da proposta, a norma geral de licitações e contratos prevê no artigo 55, quais são as cláusulas obrigatórias nos contratos administrativos, entre elas a do inc. XIII que dispõe:
“XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.”
Em razão da própria natureza da atividade empresarial, e também pela validade temporária de cada certidão, estas devem ser reapresentadas periodicamente ao longo do contrato de prestação de serviços, sejam eles continuados ou não.
A não apresentação de uma nova certidão negativa após expirar o prazo de validade da anterior resulta no descumprimento da cláusula contratual prevista no inciso acima transcrito e enseja a adoção das providências por parte do administrador público. Tal situação se revela ainda mais problemática quando o não pagamento à empresa pode resultar na interrupção dos serviços essenciais ao órgão, com reflexos para a continuidade dos serviços do órgão, como por exemplo, em se tratando de serviços de vigilância.
4. Das penalidades aplicáveis pelo descumprimento contratual do art. 55, inc. XIII
A teor do art. 87 da Lei Federal n. 8.666/1993, as penalidades aplicáveis aos contratados em razão da inexecução total ou parcial da avença consistem nas seguintes medidas: advertência; multa; suspensão temporária da participação em licitações por prazo não superior a dois anos; e por fim, na declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto durarem os motivos determinantes da punição ou até a sua reabilitação.
No âmbito doutrinário, entende-se que as penalidades administrativas devem ser aplicadas de modo similar ao direito penal[6], o que suscita a invocação de alguns dos princípios regentes neste âmbito, tais como a legalidade, especificidade (similar ao da tipicidade penal), proporcionalidade, culpabilidade, entre outros.
Entre tais princípios, destaca-se o da especificidade, que é sem dúvida um dos pontos críticos para a aplicação das penalidades administrativas.
Marçal Justen Filho identifica a controvérsia sobre a aplicação de tal princípio no fato de que a norma não prevê, de modo específico, as sanções que são aplicáveis aos contratados. A lei alude a infração aos deveres contratuais, sem oferecer uma definição clara do fato punível, além de prescrever mais de uma sanção para o mesmo fato e sem parâmetros para a gradação da pena.[7]
Vê-se, portanto, que a falta de especificação das condutas puníveis dificulta a aplicação da penalidade, pois deixa ao administrador a tarefa árdua de sopesar as condutas com amparo no princípio da proporcionalidade, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“2. O art. 87, da Lei nº 8.666/93, não estabelece critérios claros e objetivos acerca das sanções decorrentes do descumprimento do contrato, mas por óbvio existe uma gradação acerca das penalidades previstas nos quatro incisos do dispositivo legal.
3. Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual.
4. Assim deve ser analisada a questão referente à possível penalidade aplicada ao contratado pela Administração Pública, e desse modo, o art. 87, da Lei nº 8.666/93, somente pode ser interpretado com base na razoabilidade, adotando, entre outros critérios, a própria gravidade do descumprimento do contrato, a noção de adimplemento substancial, e a proporcionalidade.”
(REsp 914.087/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 29/10/2007 p. 190).
Quanto a ampliação do rol de penalidades, também decorre do princípio da legalidade a conclusão de que estas não podem ser estabelecidas sem o amparo da lei, não sendo possível ampliar o rol do art. 87 da Lei Federal n. 8.666/1993, seja no edital ou seja no instrumento de contrato, conforme demonstra Jessé Torres Pereira Junior: Poderia o contrato ampliar ou diversificar tal elenco? Não, porque o poder de punir há de ter fundamento legal; só a lei pode estabelecer as sanções que a Administração estará autorizada a aplicar.”[8] Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO. RESCISÃO. IRREGULARIDADE FISCAL. RETENÇÃO DE PAGAMENTO.
1. É necessária a comprovação de regularidade fiscal do licitante como requisito para sua habilitação, conforme preconizam os arts. 27 e 29 da Lei nº 8.666/93, exigência que encontra respaldo no art. 195, § 3º, da CF.
2. A exigência de regularidade fiscal deve permanecer durante toda a execução do contrato, a teor do art. 55, XIII, da Lei nº 8.666/93, que dispõe ser “obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.
3. Desde que haja justa causa e oportunidade de defesa, pode a Administração rescindir contrato firmado, ante o descumprimento de cláusula contratual.
4. Não se verifica nenhuma ilegalidade no ato impugnado, por ser legítima a exigência de que a contratada apresente certidões comprobatórias de regularidade fiscal.
5. Pode a Administração rescindir o contrato em razão de descumprimento de uma de suas cláusulas e ainda imputar penalidade ao contratado descumpridor. Todavia a retenção do pagamento devido, por não constar do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93, ofende o princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna.
6. Recurso ordinário em mandado de segurança provido em parte.”
(RMS 24953/CE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2008, DJe 17/03/2008) (Sem destaque no original).
Nota-se, portanto, que a interpretação da corte superior decorre da compreensão de que a retenção do pagamento em caso de não apresentação da certidão equivale a uma penalidade não esculpida no art. 87, e como tal submete-se ao princípio da especificidade, sendo vedada a retenção.
4.1 Posicionamento do TCU
No âmbito do Tribunal de Contas da União, o tema recebe uma abordagem parcialmente divergente. Há posicionamento pacífico no sentido de que os órgãos da administração federal devem inserir nos contratos cláusula que estabeleça a “possibilidade de subordinação do pagamento à comprovação, por parte da contratada, da manutenção de todas as condições de habilitação, aí incluídas a regularidade fiscal para com o FGTS e a Fazenda Federal, com o objetivo de assegurar o cumprimento do art. 2º da Lei nº 9.012/95 e arts. 29, incisos III e IV, e 55, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93;” [9]
Acerca deste tema, Lucas Furtado da Rocha reitera as recomendações do TCU, afirmando que
“os órgãos ou entidades públicas devem fazer incluir nos instrumentos contratuais, cujos objeto deva ser executado continuada ou parceladamente, cláusula exigindo o contratado a obrigação de comprovar, a cada fatura emitida contra a Administração contratante, que se encontra em dia com suas obrigações para com o sistema da seguridade social, prevendo também, como sanção para o inadimplemento com relação a tal cláusula contratual, a própria rescisão do contrato, isso tudo em atendimento ao disposto no §3º do art. 195 da Lei Maior e também nos arts. 55, inc. XIII, e 78, I, da Lei Federal n. 8.666/93”.[10]
Inobstante tal orientação, a Corte não determina ou recomenda de modo expresso a retenção do pagamento em caso de descumprimento do art. 55, inc. XIII.
Neste contexto divergente, a corte em resposta à consulta formulada pelo Min. da Aeronáutica, afirmou que o pagamento em prol de empresa com pendência junto à Fazenda Pública é permitido em casos específicos, como por exemplo, de concessionária de serviço público essencial prestado sob o regime de monopólio, porém a referida Corte considera expressamente a falta entendimento pacífico:
“8. Por outro lado, nota-se, em razão da multiplicidade de entendimentos tomados pela Administração Pública, Poder Judiciário e Tribunal de Contas, que não está pacificada a questão acerca da possibilidade ou não de retenção de pagamento de empresa que, comprovadamente, efetuou os serviços a que estava obrigada em decorrência de contrato administrativo, quando esta deixa de cumprir seu dever contratual de manter-se adimplente com a Fazenda Nacional e outras instituições.”[11]
Vê-se, portanto, que a notória divisão entre os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União demonstra a dificuldade que se apresenta ao administrador em tomar a decisão adequada à solução do impasse.
5. Das providências necessárias ao cumprimento da Lei Federal n. 8.666/1993
Neste ponto cabe uma reflexão: se a retenção do pagamento da fatura em razão da não manutenção das condições exigidas na habilitação não pode ser aplicada por falta de previsão legal, qual a conseqüência para o contratado no descumprimento do art. 55, inc. XIII?
A conseqüência plausível nos termos da lei, é a impossibilidade da Administração Pública manter o contrato com a empresa que apresentar débitos fiscais, especialmente se tratar de débito relativos à contribuição previdenciária e aos depósitos do FGTS.
A rescisão contratual emerge como única medida possível para a perda da regularidade fiscal, pois esta é uma condição necessária para a participação da licitação e para a contratação, condição esta que perdida impede a manutenção do contrato.
Obviamente, não é desnecessário frisar que a constatação do descumprimento da cláusula contratual deve conduzir à adoção das medidas junto ao contratado, no sentido de que este esclareça os motivos, comprometendo-se a solucionar o fato no prazo mais breve possível, e ciente da possibilidade de rescisão contratual, de modo que lhe assegure o direito à defesa e ao contraditório de modo pleno.
Tal postura permitiria, inclusive, que uma possível divergência entre a empresa e o fisco não a impossibilite de receber seus créditos, pois o Código Tributário Nacional assegura em seu art. 206[12] o direito a obtenção de certidão negativa com efeitos de positiva. De posse desta certidão a Administração deverá fazer o pagamento regular da fatura até que a controvérsia entre a contratada e o fisco esteja resolvida nas instâncias judiciais.
A retenção do pagamento devido ao contratado somente poderá ocorrer em caso de rescisão contratual unilateral pela Administração, por infração aos incisos I a XII e XVII do art. 78 e desde que sejam constatados prejuízos à Administração por culpa do contratado[13], conforme afirma Carlos Pinto Coelho Mota:
“Observe-se, um tanto obviamente que a possibilidade de retenção, embora prevista e aceitável nos casos de rescisão mencionados no art. 79, inciso I, fica adstrita às situações em que se tenha comprovado a culpa do contratado e prejuízo da administração. Não é absolutamente admitida com o contrato em vigor e a execução em pleno andamento.
Julgamos útil abordar essa possibilidade porque, na realidade das organizações públicas, constata-se com relativa freqüência a prática desvirtuada da retenção de créditos, perpetrada durante a própria gestão contratual. Há, infelizmente, ordenadores de despesa que se valem da retenção de equipamentos, materiais ou créditos como fator de pressão sobre a empresa contratada, para apressar a execução, obter vantagens adicionais, ou ainda como sanção devida em casos de deficiência ou atrasos no decorrer dos trabalhos pactuados”.[14]
A referido autor alude especificamente à dívida fiscal:
“Assim, deverá dar-se aplicação ao disposto no art. 55, inc. XIII. Verificando-se, após a contratação, que o contratante não preenchia ou não preenche mais is requisitos para ser habilitado, deverá promover-se a rescisão do contrato. […]
[…]Isso se passa, também e especialmente, no tocante à regularidade fiscal.
Porém, não significa que a Administração esteja autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob a alegação de que o particular poderá encontrar-se em dívida com a Fazenda Nacional ou outras instituições. A Administração poderá comunicar o órgão competente a existência do crédito em favor do particular para serem adotadas as providências adequadas. A retenção de pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusivo, passível de ataque inclusive através de mandado de segurança”.[15]
A Corte de Contas também assinala o dever de retenção nos pagamentos, em caráter cautelar, quando o contrato apresentar indícios de sobrepreço, especialmente quando a garantia não for suficiente para cobrir o valor:
“[Fiscobras. Indícios de sobrepreço. Retenção cautelar mediante desconto nos pagamentos a serem efetuados no âmbito do contrato. Possibilidade de substituição da retenção cautelar por seguro-garantia ou fiança-bancária.]
[ACÓRDÃO]
9.1. determinar à Metrofor que:
9.1.1. com vistas à preservação do erário, enquanto não for proferida decisão definitiva quanto ao possível sobrepreço apontado neste Processo, retenha cautelarmente em cada um dos próximos pagamentos a serem efetuados no âmbito do contrato 014/Metrofor/98, os seguintes valores, os quais, apesar de descritos a preços iniciais (Po – nov/97), devem ser atualizados com base nos reajustes contratuais praticados desde a origem do contrato: […]
9.1.3. caso haja interesse do consórcio contratado, aceite a substituição da retenção de pagamentos por seguro-garantia ou fiança-bancária no mesmo valor a ser retido, revestida de abrangência que assegure o resultado da apuração em curso neste tribunal acerca de eventual dano ao erário decorrente de sobrepreço no contrato 014/Metrofor/98, especialmente contendo cláusulas que estabeleçam critério de reajuste mensal, prazo de validade vinculado à decisão definitiva que venha a ser proferida por este tribunal de contas, da qual não caiba mais recurso com efeito suspensivo, e obrigação da Entidade garantidora depositar a quantia assegurada em favor da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU em até 30 dias após o trânsito em julgado de eventual acórdão do TCU que condene o consórcio à restituição de valores;
(TCU, AC-3070-53/08, Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz). (Sem destaque no original).
Monitoramento. Obras do metrô de Salvador. Indícios de sobrepreço. Alternativa à retenção cautelar: prestação de garantias.]
[VOTO]
51. Detectados fortes indícios de sobrepreço, os quais não foram esclarecidos ou afastados pelas partes envolvidas ao longo dos últimos três anos, tornou-se inevitável a adoção de medida cautelar consistente em garantir o ressarcimento do Erário em montante equivalente ao sobrepreço preliminarmente apurado. Nesse sentido, este Tribunal estabeleceu formas alternativas, à escolha das empresas integrantes dos consórcios atingidos pela medida, de estabelecimento dessa garantia ao Erário, quais sejam, retenção de pagamentos, estabelecimento de fiança bancária, ou estabelecimento de outra garantia de alta liquidez entre aquelas previstas no art. 56, parágrafo primeiro, da Lei 8.666/93.
52. Conforme afirmado ao final da parte VII, acima, tais opções ainda continuam à disposição das empresas, que podem optar, a qualquer momento, por estabelecer fiança bancária, por exemplo, de forma a não terem seus pagamentos retidos.
53. Três observações importantes devem ser feitas a respeito da questão.
54. Primeira, a empresa [omissis] deve estar consciente de que o oferecimento de garantias suficientes a liberar os pagamentos que lhe seriam devidos não a exime da responsabilidade solidária, por débitos imputáveis ao Consórcio do qual faz parte, estabelecida pelo art. 33 da Lei 8.666/93.
55. Segunda, que as garantias por ela estabelecidas devem ser iguais, em valor atualizado, ao montante de pagamentos que ela pretende não sejam retidos, até o limite do valor estabelecido para o Consórcio no referido acórdão.
56. Terceiro, que todas as condições estabelecidas no item 9.1.3.2, e subitens, do referido acórdão, sejam cumpridas.
57. Entendo, portanto, que, observadas essas condições, nada obsta o acolhimento da solicitação encaminhada pela empresa [omissis], ou solicitação de mesmo sentido encaminhada por qualquer outra empresa integrante dos consórcios atingidos pela medida cautelar estabelecida pelo referido acórdão deste Plenário.
[ACÓRDÃO]
9.1.8. informe à empresa [omissis] da possibilidade de substituição da sistemática de retenções de pagamentos pelo estabelecimento de alguma das outras garantias fixadas pelo Acórdão 2.873/2006-0, observadas todas as condições estabelecidas no referido acórdão, em montante igual àquele que ela pretender receber em pagamentos pelo fornecimento e instalação de equipamentos no âmbito do Contrato SA – 01, sem que, com isso, isente-se da solidariedade estabelecida no art. 33 da Lei 8.666/93;
(TCU, AC-2366-41/09, Plenário, Rel. AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI) (Sem destaque no original).
Pode-se consignar, assim, que mesmo diante da posição adotada pelo TCU, a retenção do pagamento não é medida recomendável ante a falta de previsão legal. O caminho a ser trilhado pelo gestor consiste em assegurar prazo hábil para que seja sanado o problema e somente em caso de não adoção de medidas corretivas pelo contratado, deve-se proceder à rescisão da avença. A retenção somente encontra justificativa em casos que sejam relacionados a sobrepreço constatado, e ainda assim nos contratos em que garantia ofertada pelo contratado não é suficiente.
6. A responsabilidade por débitos trabalhistas: a Instrução Normativa MPOG/SLTI n. 02/2008
No âmbito federal, a contratação de serviços terceirizados é regulamentada pela Instrução Normativa MPOG/SLTI n. 02/2008, que traz alguns dispositivos quanto ao pagamento das faturas, dispositivos estes que merecem ser detalhados[16].
Após as alterações inseridas pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009, o descumprimento das obrigações passou a ser causa de rescisão de contrato, com a expressa previsão de que o descumprimento de cláusula contratual não poderá ensejar a retenção, especialmente se os serviços forem prestados adequadamente:
“Art. 34-A O descumprimento das obrigações trabalhistas ou a não manutenção das condições de habilitação pelo contratado deverá dar ensejo à rescisão contratual, sem prejuízo das demais sanções, sendo vedada a retenção de pagamento se o contratado não incorrer em qualquer inexecução do serviço ou não o tiver prestado a contento. (Sem destaque no original).
Parágrafo único. A Administração poderá conceder um prazo para que a contratada regularize suas obrigações trabalhistas ou suas condições de habilitação, sob pena de rescisão contratual, quando não identificar má-fé ou a incapacidade da empresa de corrigir a situação.” (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
A referida Instrução cuidou também de inserir norma de proteção ao trabalhador, determinando a realocação do empregado da contratada em caso de rescisão do contrato administrativo ou comprovação do pagamento das verbas rescisórias, sob pena de retenção da garantia:
“Art. 35. Quando da rescisão contratual, o fiscal deve verificar o pagamento pela contratada das verbas rescisórias ou a comprovação de que os empregados serão realocados em outra atividade de prestação de serviços, sem que ocorra a interrupção do contrato de trabalho. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
Parágrafo único. Até que a contratada comprove o disposto no caput, o órgão ou entidade contratante deverá reter a garantia prestada, podendo ainda utilizá-la para o pagamento direto aos trabalhadores no caso da empresa não efetuar os pagamentos em até 2 (dois) meses do encerramento da vigência contratual, conforme previsto no instrumento convocatório e no art. 19-A, inciso IV desta Instrução Normativa.” (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
Quanto ao pagamento, a Instrução determina que a nota fiscal ou fatura apresentada pelo contratado deve ser detalhada e acompanhada da comprovação do pagamento da remuneração, da regularidade fiscal, e ainda do cumprimento das obrigações trabalhistas, correspondentes à última nota fiscal ou fatura que tenha sido paga pela Administração, sob pena de rescisão contratual .
As hipóteses de retenção do pagamento somente são permitidas no caso dos incisos do § 6º:
“I – não produzir os resultados, deixar de executar, ou não executar com a qualidade mínima exigida as atividades contratadas; ou (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
II – deixar de utilizar materiais e recursos humanos exigidos para a execução do serviço, ou utilizá-los com qualidade ou quantidade inferior à demandada”. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
Em relação às verbas trabalhistas, o § 7º permite que a Administração Pública, facultativamente, realize o depósito em conta vinculada das férias e 13º salário dos trabalhadores da contratada, caso esteja previsto no instrumento convocatório.
7. Da ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo inadimplemento de débitos trabalhistas: a Ação Direta de Constitucionalidade 16/STF
De início, vale citar a norma do § 1º, art. 71 da Lei Federal n. 8.666/1993, que prevê a ausência de responsabilidade da Administração Pública nos débitos decorrentes do contrato, exceto pelos encargos previdenciários:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
§ 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991” (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Como é notório, as empresas que atuam na prestação de serviços como limpeza ou de segurança atuam em acirrada e constante competição. Não é raro que algumas empresas, em busca de ampliar sua margem de lucro que reduzida para vencer os certames, acabem por sonegar os direitos laborais de seus empregados, resultando em incontáveis ações trabalhistas.
Diante de tais fatos e motivada pelas inúmeras ações propostas discutindo a responsabilidade por débitos trabalhistas, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331, que em seu inc. IV fixa o entendimento de que há responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo não pagamento das verbas débitos trabalhistas pelo contratado.
O confronto da Súmula 331 e do § 1º do art. 71 gerou muita discussão no âmbito doutrinário[17], prevalecendo o entendimento da Súmula 331 do TST nas reclamatórias trabalhistas que penalizam a Administração Pública.
Ocorre que, em fins de novembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgando a ação declaratória, reiterou a constitucionalidade da norma, determinando que o inadimplemento da contratada não pode transmitir imediatamente a responsabilidade para o ente público:
“RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.”
(ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe em 09/09/2011).
Diante do claro posicionamento da Corte Suprema, o Tribunal Superior do Trabalho modificou a referida Súmula, alterando o inc. IV e acrescentando novos incisos:
“IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. (Sem destaques no original)’.[18]
Ao que se percebe, o Tribunal Superior do Trabalho modificou o seu entendimento, de modo a criar uma condição para a responsabilidade subsidiária: a correta fiscalização da execução contratual.
A corte trabalhista agiu com grande sabedoria e prudência, diante da decisão na ADC 16, evitando que prevalecesse uma possível interpretação apressada no sentido de isentar a Administração Pública de qualquer responsabilidade. Após as mudanças de entendimento aqui analisadas, fica claro que o tema da responsabilização encontrou parâmetros mais adequados, evitando posições radicais entre os tribunais superiores. Fica para o gestor a tarefa de acompanhar a execução do contrato e cobrar dos contratados o cumprimento integral da legislação trabalhista.
Quanto às providências de ordem prática, resta pacificado que a retenção do pagamento da contratada quando constatado o não pagamento dos débitos trabalhistas com seus empregados não é permitida pela IN SLTI 02/2008. Excepcionalmente, em caso de rescisão contratual, a garantia poderá ser retida até a comprovação da quitação das verbas rescisórias dos trabalhadores ou sua realocação em outro posto de trabalho.
Do que se extrai das regras da Instrução Normativa e do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho é que o gestor do contrato tem como função principal fiscalizar com eficiência o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, atendendo, assim, as normas regulamentares e jurisprudenciais.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, com base nas considerações realizadas no presente trabalho, conclui-se que a perda da regularidade fiscal durante a execução contratual impõe à Administração Pública o dever de adotar as medidas necessárias para que o contratado promova a regularização. Caso este não a promova ou revele não ter capacidade, a rescisão contratual se revela como medida necessária.
Em havendo nota fiscal ou fatura pendente de pagamento, devidas em razão de serviço prestado durante o período em que a contratada apresentava pendências junto à Fazenda Pública, entende-se que a retenção do pagamento é uma prática sem amparo legal.
Diante de tal situação, caberá ao ordenador de despesa efetuar o pagamento pelo serviço corretamente prestado, porém, adotando as providências para comunicar a Fazenda Pública dos pagamentos efetuados.
Em relação à constatação de que não houve o integral pagamento dos débitos trabalhistas pelo contratado, cabe à Administração, mediante previsão contratual, descontar e provisionar o pagamento das verbas trabalhistas, além de outras providências para demonstrar que adotou todas as medidas que lhe cabiam, evitando, deste modo, a incidência da nova redação da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
Advogado.
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