Retificação de registro civil de transexual e utilização do nome social em documento de identidade

Resumo: A transexualidade trata-se de um estado psicológico que acompanha a pessoa desde o seu nascimento e resulta em transtornos de negação da condição biológica com a condição psicológica da mesma, sendo diagnosticada por profissionais de Psicologia após acompanhamento contínuo do indivíduo. Não há na legislação pátria normas que garantam a estas pessoas, no mínimo, direitos fundamentais. Contudo, atualmente, existem diversas decisões de Tribunais de vários Estados e posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) diante de casos envolvendo os transexuais e sua busca pela isonomia perante a sociedade. O presente artigo visa esclarecer sobre a importância do direito à identidade pessoal dos transexuais, pois o nome identifica e individualiza um indivíduo dentro da sociedade em que este vive, conforme assegurado pelo Código Civil de 2002. Conclui-se que se fazem necessárias alterações no Código Civil, estabelecendo diretrizes que possam dar suporte legal a estas pessoas para conquistarem os direitos básicos de serem reconhecidas pela sociedade como de fato se sentem psicologicamente e de serem tratadas de forma isonômica perante o Estado sendo amparadas pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto na Constituição Federal de 1988.[1]

Palavras-chave: Retificação de Registro Civil. Transexulidade. Nome social. Isonomia.

Abstract: Transsexualism it is a psychological state that accompanies the person since the birth and your results in denial of biological disorders with the psychological condition of same, being diagnosed by professionals of Psychology after continuous monitoring individual. There is no legislation to ensure that these standards are country people, at minimum, fundamental rights. However, currently there are several decisions of courts of several States and positions of the Supreme Court (STF) on cases involving transsexuals and your quest for equality towards society. This article aims to shed some light on the importance of the right to personal identity of transsexuals, because the name identifies and individualizes an individual within the society in which he lives, as provided by the Civil Code of 2002. It is concluded that make necessary changes in the Civil Code, establishing guidelines that could give legal support to these people to gain basic rights be recognized by society as in fact feel psychologically and to be treated in such a way isonômica before the State being supported by the principle of Dignity of the human person, as provided for in the Federal Constitution of 1988.

Keywords: Rectification of Civil Registry. Transexulidade. Social name. Isonomy.

Sumário: Introdução. 1. A isonomia como essência do indivíduo. 2. Adequação do Registro Civil ao estado físico do transexual. 3. Jurisprudências acerca da transexualidade. 4. Discussões jurídicas acerca da identidade do transexual. 5. Benefícios intrínsecos contidos na decisão da Ordem dos Advogados do Brasil quanto a utilização do nome social em carteira profissional. Conclusão.

Introdução

A carência de normas na legislação pátria que trate precisamente dos casos dos transexuais sejam eles operados ou não, no que diz respeito à retificação do registro civil de pronome e gênero, causa uma enorme insegurança jurídica quanto aos seus direitos, tornando-se um vasto campo de atuação do profissional Operador do Direito, considerando a amplitude de lesões à dignidade da pessoa humana que sofrem os transexuais.

A lei que trata da alteração do registro civil é a Lei n°. 6.015 de 1973. Contudo, a referida lei não dispõe especificamente sobre a alteração do registro civil do transexual, se fazendo necessário que o mesmo submeta um pedido judicial para que consiga realizar as devidas alterações em seu registro de assentamento civil.

O direito à identidade pessoal é um direito que todo indivíduo possui de ser reconhecido em sociedade por denominação própria e está garantido pela Carta Magna e em Legislação infraconstitucional. Trata-se de um direito absoluto, imprescritível, irrenunciável, inalienável, impenhorável, intransmissível e personalíssimo. A identidade é uma espécie dos direitos da personalidade e o transexual, além do nome social, precisa assumir sua identidade sexual, para que seja respeitado o seu direito de ser reconhecido pelo sexo e de acordo com sua intima convicção (o denominado: sexo psicológico).

O desenvolvimento de tal estudo, considerando a revisão literária e jurisprudencial realizada, torna-se de suma importância, pois, é necessário que se tenha uma explanação acerca dos direitos garantidos aos transexuais com o intuito de facilitar os debates existentes quanto a forma de aplicação das normas presentes no ordenamento jurídico brasileiro que, em sua maioria, não tratam especificamente dessas pessoas.

1. A isonomia como essência do indivíduo

É previsto constitucionalmente que todos são iguais perante a lei, não havendo distinções de qualquer natureza, além de serem garantidos e invioláveis os direitos fundamentais como o “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, isso como textualmente expresso no caput do artigo 5º da Constituição Federal. Portanto, não há que se discutir que tais direitos não podem, sob qualquer ótica, sofrer qualquer mitigação em virtude da sexualidade do indivíduo.

O Direito, enquanto ciência evolutiva humana, acompanha a evolução social, normatizando, de modo diferente ao existente ou através de uma interpretação mais abrangente das normas, as situações em que se encontram os indivíduos, sem distinção de valoração de casos, buscando a harmonia e a aplicação do Direito para garantir a dignidade do transexual bem como a tolerância social a ele assegurada constitucionalmente.

As normas se flexibilizam, modernamente, em sua interpretação pelos Operadores do Direito, de forma a possibilitar que mais direitos sejam resguardados e que, quando houver lesão a quaisquer destes, os conflitos sejam solucionados de forma eficaz e com o mínimo de transtorno possível à vítima, partindo do pressuposto que a mesma já se encontra lesada juridicamente pelo fato que deu origem ao conflito.

O enfoque deste estudo em relação ao transexual sempre retoma a discussão de seu estado emocional devido ao fato da discrepância de seus documentos (Certidão de Nascimento, Carteira de Identidade, entre outros) em relação à sua condição fisiológica e, especificamente, em relação à imagem de si mesmo, o que resulta em transtornos como, a título de exemplo, o questionamento de sua condição sexual uma vez que possua um documento que apresente nome e gênero divergentes de sua aparência física. O Direito sempre buscará solucionar os conflitos existentes na sociedade a fim de conseguir garantir que esta seja pacífica, tolerante e isonômica.

Diante disso, é necessário que se realize o estudo acerca da transexualidade tendo como premissa a condição psicológica do transexual, contando com auxílio de psicólogos judiciais, e também direcionando tal estudo à uma análise jurídica, buscando assim o respeito aos direitos fundamentais do transexual, expressos na Constituição Federal, bem como o reconhecimento dos seus direitos civis pelo ordenamento jurídico.

2. Adequação do Registro Civil ao estado físico do transexual

O Registro Civil é realizado em observância ao disposto pela Lei nº. 6.015 de 1973 (Lei de Registro Público), a qual estabelece, em seu artigo 1º, que a finalidade dos serviços referentes aos registros públicos é: a autenticidade, a segurança, a publicidade e a eficácia dos atos jurídicos.

Ressaltando o exposto pela referida Lei, sabe-se que é de extrema importância que cada cidadão possua uma documentação pessoal adequada e, com isso, retoma-se a discussão quanto a condição do transexual sendo necessário que este possua documentos que não lhe cause constrangimento ao realizar um cadastro em alguma instituição de ensino, órgão de saúde e em demais estabelecimentos que os solicitem para a efetivação do cadastro.

Portanto é de suma importância que haja a devida retificação no Registro Civil do transexual para que, em observância ao que constar no mesmo, sejam emitidos os demais documentos. Com isso, mesmo que a pessoa possua nome e sexo biológicos preenchidos em seu Registro, há de se alterar o mesmo para constar dali em diante seu novo nome e sexo.

Existe uma corrente que trata sobre o cancelamento do registro anterior e a confecção de registro totalmente novo como uma decisão incoerente haja vista que os direitos dos transexuais e de terceiros estariam asseguradas somente se no livro do Ofício de Registro Civil constasse a alteração ocorrida, através de mera averbação, por se tratar de uma ação modificadora do estado da pessoa (VIEIRA 2008).

A jurista e professora Maria Helena Diniz (2014) cita o julgado 621/89, da 7° Vara da Família e Sucessões de São Paulo, o qual é favorável a adequação de um nome masculino para o feminino, contudo desde que aparecesse o termo “transexual” na Carteira de Identidade.

Portanto, é necessário que haja a preservação da boa-fé de terceiros, que de qualquer forma venham a se relacionarem com o transexual, e das normas registrais, averbando-se a decisão no Registro Civil constando que as alterações de nome e gênero decorrem de ato judicial, e nas certidões emitidas dali em diante deverá constar que à margem daquele Registro encontram-se averbações realizadas, sem expor o mérito destas.

Definir a averbação do registro de nascimento, ao invés da retificação integral do mesmo, é a forma mais simples e eficaz de se conseguir “exteriorizar” o que consta no livro da Serventia. Preservando assim a dignidade do transexual evitando o constrangimento público e respeitando que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome”, figurando assim um dos direitos da personalidade previstos no Código Civil, além de preservar o interesse de terceiros.

3. Jurisprudências acerca da transexualidade

Atualmente ocorre certa discrepância quanto ao fato de o transexual precisar se submeter ao procedimento de redesignação sexual ou transgenitalização para que possua o direito de alterar em seu Registro Civil seu gênero de masculino ou feminino para o gênero com o qual se identifica.

Segundo o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em voto em Apelação nº. 70061053880 em 24/06/2015: “[…] é descabida a alteração do registro civil para fazer constar dado não verdadeiro, isto é, que o autor seja do sexo feminino, quando inequivocamente ele é do sexo masculino, pois ostenta órgão genital tipicamente masculino […]”. Não se trata de posicionamento isolado, atentando-se ao fato de que outros juristas também entendem ser indispensável a realização da cirurgia supracitada para que o transexual seja considerado como indivíduo pertencente ao sexo oposto.

Em contrapartida existe uma segunda corrente de juristas que consideram insignificante que o transexual se submeta ao procedimento cirúrgico, uma vez que este oferece riscos à sua saúde sendo capaz de resultar em morte. Como se pode observar em voto da Senhora Desembargadora Sandra Brisola Medeiros, em Apelação nº. 70061053880 em 24/06/2015:

“[…] prevalecendo a identidade psicossocial sobre a biológica, tenho que a cirurgia de redesignação sexual, independentemente de ser ou não desejada pelo transexual, a rigor é uma mutilação, sujeitando o pretendente à alteração do gênero a uma série de riscos totalmente indesejáveis e desnecessários, inclusive risco de morte, tendo em vista a natureza invasiva do procedimento, e não uma cirurgia corretora ou de identificação/configuração sexual […]”.

Em Acórdão publicado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 07/04/2009, houve provimento em pedido de retificação de registro civil por transexual que se submeteu a procedimento de redesignação sexual ou transgenitalização:

“RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – TRANSEXUAL – CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO JÁ REALIZADA – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – MUDANÇA DE NOME – NECESSIDADE PARA EVITAR SITUAÇÕES VEXATÓRIAS – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE GENÉRICO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA À INTEGRAÇÃO DO TRANSEXUAL. – A força normativa da constituição deve ser vista como veículo para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, que inclui o direito à mínima interferência estatal nas questões íntimas e que estão estritamente vinculadas e conectadas aos direitos da personalidade. – Na presente ação de retificação não se pode desprezar o fato de que o autor, transexual, já realizou cirurgia de transgenitalização para mudança de sexo e que a retificação de seu nome evitar-lhe-á constrangimentos e situações vexatórias. – Não se deve negar ao portador de disforia do gênero, em evidente afronta ao texto da lei fundamental, o seu direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de seu nascimento”. V.V. (TJ-MG 100240577822030011 MG 1.0024.05.778220-3/001(1), Relator: EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS, Data de Julgamento: 06/03/2009, Data de Publicação: 07/04/2009).

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), publicada em 21/11/2014, que apreciou a possibilidade de ocorrer alteração de gênero no assento de registro civil de transexual, ainda que o mesmo não tenha se submetido à cirurgia de redesignação sexual ou transgenitalização:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. REGISTROS PÚBLICOS. REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS. ALTERAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. RETIFICAÇÃO DO NOME E DO GÊNERO SEXUAL. UTILIZAÇÃO DO TERMO TRANSEXUAL NO REGISTRO CIVIL. O CONTEÚDO JURÍDICO DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL. DISCUSSÃO ACERCA DOS PRINCÍPIOS DA PERSONALIDADE, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, INTIMIDADE, SAÚDE, ENTRE OUTROS, E A SUA CONVIVÊNCIA COM PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA VERACIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL”. (STF – RG RE: 670422 RS – RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 11/09/2014, Data de Publicação: DJe-229 21-11-2014).

Em posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à Recurso Especial, publicado em 18/11/2009, no qual se apreciou o pedido de alteração de registro civil de transexual, respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana:

“Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana. – Sob a perspectiva dos princípios da Bioética de beneficência, autonomia e justiça, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual. – A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. – A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. – Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto. – Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana. – A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo. – Conservar o sexo masculino no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente. – Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido. – Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73. – Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto à adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar. – Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna. – De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar imperfeições como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado. Recurso especial provido”. (STJ – REsp: 1008398 SP 2007/0273360-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/10/2009, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 18/11/2009).

Diante do exposto, é imprescindível que os juristas se desvencilhem de preceitos retrógrados que ditam padrões a serem seguidos e pensamentos preestabelecidos, tendo que a sociedade evolui inevitavelmente e detém necessidades a serem supridas com relação ao respeito aos direitos fundamentais e civis de seus indivíduos.

4. Discussões jurídicas acerca da identidade do transexual

A relatividade dos direitos garantidos aos transexuais e suas interferências em decorrência dos direitos daqueles com os quais estes se relacionam merecem importante atenção; isso considerando o principal objetivo deste estudo, enquanto análise da discrepância dos entendimentos quanto aos polos envolvidos (transexuais e seus parceiros).

Algumas correntes visam proteger a identidade do transexual apresentando argumentos que buscam o sigilo de suas características físicas, independentemente de cirurgia de transgenitalização, uma vez que o mesmo passa por inúmeros constrangimentos pessoais e legais para obter o reconhecimento jurídico como pertencente ao sexo oposto ao seu sexo biológico.

Outras correntes buscam resguardar os direitos de terceiros que se relacionam com o transexual haja vista que, como a estes é garantido o sigilo de sua condição para evitar maiores constrangimentos, não ficam obrigados a declarar que se submeteram à retificação de seus documentos pessoais e/ou até mesmo à cirurgia de transgenitalização.

Ocorre uma grande discussão quanto à necessidade de se manter em sigilo os procedimentos aos quais os transexuais se submetem para conquistar a adequação de seu sentimento psicológico com seus documentos, o que acarreta em um debate degradante. Diante disso, é necessário que viabilize a forma com que são reconhecidos juridicamente os transexuais e também como estes são vistos pela sociedade.

5. Benefícios intrínsecos contidos na decisão da Ordem dos Advogados do Brasil quanto à utilização do nome social em carteira profissional

A decisão da OAB que autoriza a utilização do nome social por travestis e transexuais em carteira de identificação profissional se embasa nos princípios constitucionais da dignidade humana e da isonomia. Ademais, a referida decisão é tida como um passo de suma importância para os advogados e advogadas que possuem uma imagem e uma vida que divergem de seu registro civil e que, devido a esse fato, se sentem constrangidos em algumas situações.

Outra consequência da aprovação da utilização do nome social por advogados e advogadas travestis e transexuais consiste em uma grande contribuição da OAB na diminuição do preconceito existente quanto a essas pessoas, haja vista que toda decisão ou inovação que ocorre no âmbito jurídico a fim de conceder direitos é extremamente importante.

Diante desta medida, cartorários, juízes, delegados e demais servidores e órgãos públicos têm que passar a respeitar o nome social utilizado por travestis e transexuais, uma vez que se instituiu respaldo legal para tanto. Assim é possível que se desconstruam pensamentos retrógrados que possam atingir essas classes e amenize o preconceito sofrido por aqueles no meio profissional.

Portanto, a importante decisão tomada pela OAB quebra diversos paradigmas políticos e sociais partindo do pressuposto de que o preconceito está presente entre os próprios Operadores do Direito, os quais deveriam, em teoria, se despir de pensamentos que confrontam ou desrespeitam a diversidade presente na sociedade contemporânea e que, na prática, não se extingue de maneira simples e objetiva.

Conclusão

O presente estudo se concretizou pela importância de se estabelecer a necessidade da alteração do registro civil enquanto norma, afinal, existe um vácuo jurídico a ser preenchido e que, necessariamente, precisa ser preenchido pelo legislativo.

Isso porque esse vácuo jurídico acaba por atingir mortalmente um direito constitucional, a dignidade da pessoa humana. O desrespeito com o referido direito lesa a personalidade das pessoas, o que por si só carece de correção. Atualmente, essa correção tem se apresentado por meio do Judiciário através de sentenças, as quais tem gerado jurisprudência, haja da necessidade de apreciação de Cortes Superiores.

Portanto, ainda há a necessidade de que o legislador estabeleça uma norma que ampare as pessoas estudadas neste trabalho.

Sempre juízo ao acima, haveria, ainda, como alternativa para solucionar esse empecilho jurídico a propositura de uma ação de constitucionalidade, ou de inconstitucionalidade, isso partindo dos legitimados, como o Presidente da República (inciso I do artigo 103 da Constituição Federal), o Procurador Geral da República (inciso VI do artigo 103 da Constituição Federal) e o Conselho Federal da OAB (inciso VII do artigo 103 da Constituição Federal) para que o legislador passe a estabelecer algo no sentido de definir em lei especificações acerca dos transexuais e travestis.

A Constituição já assegura pelo menos uma base, um ponto de partida, em nível de Código Civil quando acaba por definir que toda pessoa tem direito a um nome e sobrenome. Posto isso, a proposta final deste estudo é a alteração do Código Civil no sentido de estabelecer, como dito anteriormente, diretrizes para solucionar os problemas que se apresentem quando se tratar de direitos e deveres dos transexuais e travestis, onde possam ter a possibilidade de ter o seu nome, sobrenome e gênero adequados a quem realmente são, bem como respeitando os direitos de terceiros.

 

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Nota
[1] Artigo orientado pela profa. Nivalda de Lima Silva docente do curso de Direito na Universidade José do Rosário Vellano.

Informações Sobre o Autor

Carlos Henrique Monteiro Bruno

Acadêmico de Direito na Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS


Equipe Âmbito Jurídico

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