Resumo: Este trabalho valoriza a inclusão social da criança e do adolescente com deficiência, sobretudo com respeito ao acesso à educação, abordando a superação do conceito de deficiência enquanto incapacidade. A análise será realizada com base na evolução da documentação internacional e nas mudanças na legislação brasileira para crianças e adolescentes com deficiência.
Palavras-chaves: criança e adolescente, inclusão, educação, deficiência.
Abstract: This paper enhances the social inclusion of children and adolescents with disabilities, particularly with regard to access to education, addressing the overcoming of the concept of disability as inability. The analysis will be based on the evolution of international documentation and changes in Brazilian legislation for children and adolescents with disabilities
Keywords: children and adolescents, inclusion, education, disability.
Sumário: I. Introdução. II. O avanço internacional do movimento a favor dos direitos para a pessoa com deficiência. III. Da caridade, passando pela assistência, chegando a educação: a construção da política para a pessoa com deficiência no Brasil. Referências Bibliográficas.
I. Introdução:
A cidadania infanto-juvenil compreende a extensão da proteção social para todas as crianças e adolescentes. O novo enfoque altera a análise que passa a considerar, não apenas os problemas relacionados à renda e às condições de moradia, mas também aqueles derivados do convívio social, fortemente influenciado por representações sociais. A consideração da criança e do adolescente enquanto sujeito de direitos requer o abandono de concepções estigmatizantes, expressivas de preconceitos, que funcionam como barreiras à sua integração social. Portanto, os fatores que possam impedir a igualdade de oportunidades a todas as crianças e adolescentes passam a ser considerados como obstáculos para o exercício da cidadania infanto-juvenil. É neste sentido que se pretende refletir a questão da cidadania das crianças e adolescentes com deficiência, pois além das dificuldades físicas, eles se deparam com diversas barreiras sociais que os impedem de conquistar a autonomia. Este trabalho valoriza a inclusão social da criança e do adolescente com deficiência, sobretudo com respeito ao acesso à educação, abordando a superação do conceito de deficiência enquanto incapacidade. A análise será realizada com base na evolução da documentação internacional e nas mudanças na legislação brasileira para crianças e adolescentes com deficiência.
II. O avanço internacional do movimento a favor dos direitos para a pessoa com deficiência
Pessoas com deficiência já foram percebidas como “inválidas”, “incapazes”, “inadaptadas”, “anormais”, “excepcionais”, “pessoas deficientes”, “especiais”, “diferentes”. Elas representam um desafio para o convívio social, pois suscitam inúmeras indagações e estranhamentos, colocando questões que, ao longo do tempo, foram sendo mais diretamente enfrentadas pela religião e pela ciência, principalmente, a psicologia, a pedagogia, a medicina e a sociologia. A evolução das representações sociais expressa as formas de percepção social que se refletiram nos relacionamentos que as pessoas com deficiência mantiveram na sua família, na sociedade e nas instituições do Estado. A entrada dos especialistas no assunto inseriu modificações práticas e conceituais em resposta a evolução do conhecimento e das experiências no tratamento da questão. Pode-se dizer, portanto, que a identificação da pessoa com deficiência fora realizada basicamente a partir do “olhar do outro”. Na verdade, a história da evolução dos conceitos revela que se trata de uma construção social e política, que atinge fortemente a vida das pessoas com deficiência, pois incide diretamente na qualidade da relações sociais e de serviços.
Até o século XVIII, a questão da deficiência ficou cercada de misticismos. A sociedade cabia a caridade, prática comum destinada aos pobres e a todos aqueles que devido a alguma deformidade tornavam-se dignos de pena. Este sentimento se mesclava ao sentimento de repulsa, provocado pelo estranhamento com relação à deficiência que os sujeitos apresentavam.
No século XIX e XX, surgiram as instituições para tratar a deficiência. O resultado foi que o trabalho que desempenharam não conseguiu realizar a integração dos “deficientes”, mas, pelo contrário, provocou o isolamento, separando-os da sociedade. Buscava-se tratar a deficiência a fim de tornar estes sujeitos mais parecidos com os “normais”. Todavia, todo esse esforço não foi o bastante para aliviar o sentimento de culpa, que na verdade exprimia a falta de habilidade dos “normais” para lidar com o “diferente”, o “estigmatizado”. O isolamento, neste sentido, expressava um duplo desejo: o de esconder o problema e o de tratá-lo longe do convívio social. Daí, o paradoxo da intervenção demonstrando que se, por um lado, as instituições conseguiram substituir a caridade pela assistência, congregando esforços no sentido da integração progressiva das pessoas com deficiência, por outro, elas contribuíram para formulação de representações negativas que acabaram dificultando a inserção social deles.
A expansão do atendimento aos “deficientes” durante a política de Bem Estar Social, desenvolvida a partir dos anos 1950, contribuiu para que se pensasse a educação para eles. A prática de ensino facilitada pelo método Braile, a linguagem gestual, além das mudanças no sentido da adaptação do ambiente serviram para se pensar novas formas de obtenção da superação da deficiência. O êxito deste trabalho resultou no aumento da pressão sobre os governos que passaram a inserir na agenda política a temática da “educação especial”. Nos anos de 1960 e 1970, a multiplicação de profissionais especializados, em geral, professores, enfermeiros e médicos, ajudou a atrair a atenção dos governos para a questão que, aos poucos, foi deixando de ser percebida como uma questão restrita ao mundo privado.
Em 1968, a UNESCO produziu um relatório a respeito da situação da Educação Especial nos países que apresentavam modelos educacionais mais avançados, tais como: a Suécia e os países nórdicos, a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os Estados Unidos da América e o Uruguai. De acordo com o relatório, as políticas nacionais adotadas em matéria de educação especial deveriam se orientar visando assegurar a igualdade de acesso à educação e a integração de todos os cidadãos na vida econômica e social da comunidade. “ ( UNESCO, 1968,p.12)
Na década de 1970, o principal objetivo da articulação internacional era assegurar aos deficientes os mesmos direitos dos demais. A Declaração dos Direitos da Pessoa Deficiente, aprovada na ONU em 09/12/1975, afirmava que os deficientes deveriam ter os mesmos direitos fundamentais que qualquer concidadão não deficiente de sua idade. Além disso, estabelecia que suas necessidades especiais deveriam ser levadas em consideração em todos os estágios do planejamento econômico e social.
Apesar do avanço no movimento, havia um consenso em torno da idéia de que o êxito das escolas especializadas dependia da sua capacidade de realizar a integração do deficiente, ajustando-o ao convívio social. Assim sendo, a questão da educação para as pessoas com deficiência, logo ficou identificada com a obtenção de métodos, técnicas e materiais didáticos, diferentes dos usuais. (Mazzota, 2005)
Foi somente na década de 1980 que uma nova abordagem produziria uma inflexão na política para pessoa com deficiência. O ano de 1981 foi anunciado pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. A partir de então, a questão obteve maior atenção dos países e, no ano seguinte, em 03/12/1982, foi aprovada na ONU o Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência. O programa estabeleceu uma série de medidas com a finalidade de prevenir a deficiência, promover a reabilitação e realizar objetivos de igualdade e de participação plena na vida social e no desenvolvimento. Entendia-se que a pessoa com deficiência encontrava-se em situação de desvantagem pela falta de acesso às instituições que poderiam promover a sua integração social. Desse modo, o problema deixava de se concentrar na deficiência, passando a enfatizar as barreiras físicas e sociais impostas a eles. A fim de superá-las, o programa recomendou a redução da importância e do número de instituições e escolas especializadas, defendendo a reinserção da pessoa com deficiência à comunidade, citando como positiva as experiências dos países desenvolvidos.
A partir da década de 1990, uma série de documentos internacionais foi produzida, como resultado de Conferências, Congressos, Encontros, exigindo mudanças na legislação para pessoas com deficiência. Destaca-se a Declaração Mundial em Educação para Todos de 09/03/1990 e a Declaração de Salamanca sobre Princípios Políticos e Práticas em Educação Especial, de 10/06/1994. Em 14/10/1992, a 37ª Sessão Plenária Especial Sobre Deficiência adotou o dia 3 de dezembro como dia internacional do deficiente físico. Em 23/03/2002, foi aprovada a Declaração de Madri que anunciava como fundamental para inclusão das pessoas com deficiência a não-discriminação e a ação afirmativa. Uma mudança mais significativa e de maior impacto veio com a Declaração de Salamanca Sobre Princípios, Políticas e Práticas em Educação Especial, de 10/06/1994. De acordo com este documento, a pessoa portadora de deficiência deve ter acesso à rede regular de ensino. O que estes documentos apresentam em comum, é a idéia de que todas as pessoas com deficiência devem ter os mesmos direitos e as mesmas oportunidades dos demais seres humanos. Observa-se que a expectativa é de provocar a alteração na concepção de deficiência, antes entendida como incapacidade e problema da pessoa, passando então a compreender a idéia de que a pessoa portadora de deficiência vive em condições de desvantagem, devido as barreiras físicas e sociais presentes na sociedade, que a impede da participação plena. Pretende-se com isso igualar as oportunidades e produzir uma participação eqüitativa das pessoas com deficiência na melhoria das condições de vida resultantes do desenvolvimento econômico e social.
A crítica se dirige, em parte, às instituições especializadas pela educação da pessoa com deficiência. Alega-se que elas não têm cumprido adequadamente a função de reintegrá-la a sociedade por não conseguirem realizar um trabalho capaz de promover a sua autonomia. Ao enfatizar a deficiência essas instituições deixam de desenvolver suas outras potencialidades, além de separá-la da sociedade. Afinal, o sujeito não pode ser considerado deficiente por causa da limitação de uma ou mais funções. Na verdade, existem diversos tipos de deficiência que constituem diferentes barreiras possíveis de serem superadas.
A educação inclusiva substitui o objetivo da integração pela inserção social, o que significa recusar a necessidade de preparar o deficiente para a sociedade, requalificando a política educacional, que passa a considerar as diferenças e a identificar a pessoa com deficiência como sujeito capaz. Neste sentido, não é o estudante com deficiência que precisa ajustar-se à escola, mas a escola que precisa se preparar para recebê-lo. (Bueno, 1999).
A inclusão social das crianças com deficiência na escola regular não significa apenas uma economia substancial ao Estado que passa a ser menos cobrado da criação das escolas especializadas, mas representa um esforço mais amplo empregado no sentido da formação de uma prática social capaz de produzir transformações na sociabilidade. A idéia de inserção social para as pessoas com deficiência contribui para a ampliação do acesso não apenas nas escolas, mas também no mercado de trabalho, nos transportes e nos lugares públicos.
Sabe-se que a deficiência não se reduz a uma questão biológica, mas é também e, principalmente, política. Segundo o documento da Jornada Internacional dos Deficientes, realizada em Roma, no dia 3 de dezembro de 2001, a fome, a subnutrição e a pobreza são as causas de inúmeras deficiências. Cada ano 250.000 a 500.000 crianças ficam cegas por carência de vitamina A. Mais de 16 milhões de pessoas sofrem de deficiência mental no mundo e aproximadamente 49,5 milhões são atingidas por alguma deficiência mental devido a carência de iodo. Além disso, mais da metade das mulheres grávidas – 90% nos países em desenvolvimento – são anêmicas. Segundo o coordenador da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO, as pessoas com deficiência são marginalizadas, porque não são consideradas como economicamente ativas e, por isso, são relegadas a fome.
No dia 13 de dezembro de 2006, foi aprovada a Convenção Internacional para os Direitos das Portadores de Deficiência. O objetivo da Convenção é promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade. é melhorar e promover o acesso à educação e ao emprego às pessoas com deficiência. Pretende-se, também, garantir o acesso à informação, à sistemas de saúde adequados, ao ensino inclusivo, à proteção social, à habitação, a justiça, à vida cultural e em recreação, ao lazer e ao esporte, além da mobilidade pessoal e da acessibilidade, que se compreende a garantia do acesso, “em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ou propiciados ao público, tanto na zona urbana como na rural. “ Um outro objetivo destacado é o de proteger e garantir a igualdade plena em áreas como a participação na vida pública e política. Além disso, o documento define que pessoas com deficiência “são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.”
No Brasil, são 24,5 milhões de brasileiros com deficiência que podem cobrar ações do governo, no sentido de cumprir o seu compromisso diante da ONU[1], que pode em caso de omissão ou violação, condenar o governo brasileiro moralmente e eticamente, além de puni-lo na forma da Lei. A fim de promover a emancipação destes sujeitos foram redigidos cinqüenta artigos que tratam dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais das pessoas com deficiência.
Segundo Sassaki (2003), são princípios básicos que fizeram com que os movimentos preferissem o emprego do termo pessoa com deficiência, como conta na Convenção :
1. Não esconder ou camuflar a deficiência;
2. Não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem deficiência;
3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;
4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;
5. Combater eufemismos (que tentam diluir as diferenças), tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia” (i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”);
6. Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas;
7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência.
Para Sassaki, o termo “portador de deficiência” não é adequado, visto que se alguém porta alguma coisa é porque tem a opção de deliberadamente ou casualmente deixar portar. Nestas condições considera o autor que tanto o verbo portar, quanto o substantivo ou adjetivo portador “não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa.” (2003:p.11). Na verdade, o termo “pessoa com deficiência” indica necessidade de uma mudança que não é apenas de “olhar”, posto que incide principalmente sobre o comportamento social no sentido de provocar uma mudança no sistema cultural.
III. Da caridade, passando pela assistência, chegando a educação: a construção da política para a pessoa com deficiência no Brasil
Na época do Império, foram criadas duas instituições para o atendimento às pessoas com deficiência: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atualmente chamado Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje conhecido como Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro . Segundo Mazzota (2005), o período de 1854 a 1956, foi caracterizado por iniciativas oficiais e particulares isoladas. Segundo Amaral (2003), em 1942, havia no país, 40 escolas públicas regulares que prestavam algum atendimento a deficientes mentais e 14 que atendiam a alunos com outras deficiências (p. 13). De acordo com Mazzota (2005), as iniciativas oficiais de âmbito nacional só começaram ocorrer a partir de 1957, quando o governo começou a promover campanhas em prol do atendimento das pessoas com deficiência.
Nesta época, o aumento das instituições contribui para reunir pessoas que optaram voluntariamente por realizar um “trabalho especial”. Médicos, enfermeiras, professores produziram conhecimentos na área, contribuindo para a profissionalização do atendimento. Desta aproximação entre os profissionais e os pais, surgiu a idéia da promoção da “educação especial”, visando o desenvolvimento de crianças e adolescentes deficientes. Este trabalho foi importantíssimo, pois conseguiu provar que estas crianças para se desenvolverem dependiam, em boa parte, de instrumentos e técnicas facilitadoras do aprendizado. Desse modo, o destino social delas não estava mais determinado pelo infortúnio de um acidente ou pelas condições biológicas de seu nascimento, mas pelas condições materiais e humanas do ambiente social que estavam inseridas.
Muito tempo se passou para que o “deficiente” pudesse fazer parte da agenda pública. Marcada pelo voluntarismo, as instituições ganharam visibilidade quando os pais e os profissionais conseguiram sensibilizar o governo dando início as parcerias. O resultado mais expressivo ocorreu em 1960, quando foi instituída a CADEME – Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais. A CADEME resultou da mobilização dos movimentos liderados por duas instituições localizadas no Rio de Janeiro, a Sociedade Pestalozzi e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Seu objetivo era “promover, em todo território nacional, a educação, o treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo.” Apesar deste esforço conjunto, a assistência para a pessoa com deficiência predominou durante um longo período e, ainda assim, o acesso as instituições era bastante restrito.
O acesso à Educação Especial para a criança excepcional, foi confirmada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei n° 4024/61. Todavia, ao afirmar que para integrá-los na comunidade a educação deles deveria, enquadrar-se, se possível, no sistema geral de educação, a lei não definiu claramente se ela deveria ocorrer nas escolas de ensino regular ou nas escolas especializadas. (Mazzotta, 2005).
Posteriormente, a Lei n° 5692/71 não produziria mudanças substanciais. O artigo 9°, assegurava tratamento especial aos alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais, aos que se encontrassem em atraso considerável quanto à idade regular e aos superdotados. Neste período, a Educação Especial permaneceu a margem do “sistema geral de educação”. (Mazzotta, 2005)
Em 1973, foi criado um órgão central para o atendimento aos excepcionais, o Centro de Educação Especial – CENESP. O novo órgão tinha por finalidade “planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da educação especial no período pré-escolar, nos ensinos de 1° e 2° graus, superior e supletivo, para os deficientes da visão, da audição, mentais, físicos, portadores de deficiências múltiplas, educandos com problemas de conduta e os superdotados, visando a sua participação progressiva na comunidade, obedecendo aos princípios doutrinários, políticos e científicos que orientam a educação especial.” [2] De acordo com Ramos e Lima (2003), somente no início da década de 1970, o MEC desperta para a necessidade de criação de uma política de educação especial e cria o CENESP, com o objetivo de centralizar e coordenar as ações da política nacional. (p. 23). De acordo com Mazzota (2005), “o atendimento educacional como competência do MEC, através do CENESP, em ação integrada com outros órgãos do setor de educação, é caracterizado como seguindo uma linha preventiva e corretiva” (p.72). Para o autor, a conseqüência deste trabalho foi atribuir a política educacional um sentido clínico e/ou terapêutico à educação especial.
As mudanças na conceituação refletem as dificuldades que a sociedade tem por não saber como lidar com as diferenças. A generalidade faz com que dentro de um mesmo conceito se enquadre casos completamente diferentes, haja vista o plano setorial de Educação e Cultura de 1972/74. O documento define como “excepcionais” as pessoas mentalmente deficientes, que podem ser fisicamente prejudicadas, ou emocionalmente desajustadas e, inclui, também, os superdotados.
Em 1977, o Ministério de Educação e Cultura elabora o I Plano Nacional de Educação Especial que obedece as diretrizes do II Plano Setorial de Educação e Cultura 1975/79. As diretrizes compreendem o acesso ao tratamento diferenciado, otimizando os recursos disponíveis, ação preventiva de aperfeiçoamento e continuada. Em 1985, o CENESP-MEC elabora o Plano Educação Especial-Nova Proposta que afirma ser de responsabilidade coletiva o atendimento às pessoas portadoras de deficiências, de problemas de conduta e os superdotados. Seus princípios norteadores são: participação conjunta do governo e da sociedade no atendimento da educação especial, integração, normalização, interiorização e simplificação.
Em 1986, a portaria CENESP/MEC n° 69 define as normas para a prestação de apoio técnico e/ou financeiro à Educação Especial nos sistema de ensino público e particular. Nesta portaria, a expressão “alunos excepcionais” é substituída por “educandos com necessidades especiais.” Neste mesmo ano, foi instituída no Gabinete Civil da Presidência da República, a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE. Em 21 de novembro de 1986, a CENESP foi substituída pela Secretaria de Educação Especial – SESPE, que acabou mantendo basicamente as mesmas competências e estruturas do CENESP. (Mazzota, 2005).
Em 1988, a Constituição Federal estabelece, no artigo 208, que o dever do Estado com a educação deve ser efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. No artigo 227, no parágrafo 1°, estabelece a criação de programas de prevenção e atendimento especializado ao portadores de deficiência física, sensorial ou mental e propõe também a integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
A fim de assegurar a efetiva integração social das pessoas com deficiência, em 24 de outubro de 1989, o governo federal através da Lei 7.853, estabeleceu as normas gerais para assegurar o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais. No Artigo 2 °, a lei estabelece a inclusão, no sistema educacional – que envolve as escolas especiais, privadas e públicas-, da Educação Especial. Prescreve a oferta obrigatória e gratuita da Educação especial em estabelecimentos públicos de ensino. No inciso I do Artigo 8, a Lei determina que constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, além da multa para aquele que recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta. Além disso, prevê a reestruturação da CORDE, que torna-se um órgão subordinado à Presidência da República, dotado de autonomia administrativa e financeira.
Em 15 de março de 1990, foi extinta a SESPE e criada a Secretaria Nacional de Educação Básica – SENEB, que através de seu departamento de Educação Supletiva e Especial-DESE, deveria viabilizar a educação especial no país. Em 9 de janeiro de 1992, foi criada a Secretaria de Educação Especial – SEESP, um órgão específico do Ministério de Educação e Desporto. Em 1989, a CORDE foi transferida para o Ministério da Ação Social. Em 1993, a SEESP foi reativada no Ministério de Educação. A Secretaria Especial do Ministério da Educação foi reestruturada, e foram instituídos, no Ministério do Trabalho, no Ministério da Saúde e no Ministério da Previdência e Assistência Social, os órgãos encarregados da coordenação setorial dos assuntos concernentes às pessoas com deficiência. Segundo Lima e Ramos (2003), essas mudanças demonstram o status secundário que tem apresentado a Educação Especial nas políticas públicas.(p.24)
Vale destacar a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069, aprovada em 13 de julho de 1990, que em seu Artigo 11 § 1° determina o direito da criança e do adolescente com deficiência de receberem atendimento especializado. Além disso, atribui ao Poder Público a incumbência de fornecimento gratuito de medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação, para aqueles que necessitarem.
As mudanças importantes na política ocorreram no final a década de 1980 ainda com o objetivo da integração social da pessoa com deficiência. O Decreto Nº 3.298 de 20 de dezembro, regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando as normas de proteção, e dando outras providências. Define as seguintes diretrizes para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência: I – estabelecer mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão social da pessoa portadora de deficiência; II – adotar estratégias de articulação com órgãos e entidades públicos e privados, bem assim com organismos internacionais e estrangeiros para a implantação desta Política; III – incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, a previdência social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer; IV – viabilizar a participação da pessoa portadora de deficiência em todas as fases de implementação dessa Política, por intermédio de suas entidades representativas; V – ampliar as alternativas de inserção econômica de pessoas portadora de deficiência, proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho; e VI – garantir o efetivo atendimento das necessidades da pessoa portadora de deficiência sem o cunho assistencialista. O capítulo IV, Artigo 7 estabelece os objetivos da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência: I – o acesso, o ingresso e a permanência da pessoa portadora de deficiência em todos os serviços oferecidos à comunidade; II – integração das ações dos órgãos e das entidades públicos e privados nas áreas de saúde, educação, trabalho, transporte, assistência social, edificação pública, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção das deficiências, à eliminação de suas múltiplas causas e à inclusão social; III – desenvolvimento de programas setoriais destinados ao atendimento das necessidades especiais da pessoa portadora de deficiência; IV – formação de recursos humanos para atendimento da pessoa portadora de deficiência; e V – garantia de efetividade dos programas de prevenção garantia de efetividade dos programas de prevenção de atendimento especializado e de inclusão social. O Decreto define deficiência como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.”
No final da década de 1990, a política para pessoa com deficiência torna-se mais democrática com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoas Portadora de Deficiência – CONADE, criado pela Medida Provisória nº 1799-6/1999. Trata-se de um órgão superior de deliberação colegiada, criado pela inicialmente no âmbito do Ministério da Justiça. Em maio de 2003, o Conselho, por meio da Lei nº 10.683/2003, passou a estar vinculado à Presidência da República por meio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ele está constituído, paritariamente, por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, sendo a sua composição e o seu funcionamento disciplinados em ato do Ministro de Estado da Justiça.
A principal competência do CONADE é acompanhar e avaliar o desenvolvimento da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer, política urbana, dirigidas a este grupo social. Além disso, cabe ao CONADE a aprovação do plano de ação da CORDE.
Atualmente, a CORDE é o órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da pessoa com deficiência. Ela tem como eixo focal a defesa de direitos e a promoção da cidadania. A CORDE normatiza, regula e articula as políticas públicas existentes, tanto na esfera federal como em outras esferas governamentais.
Em termos de legislação, a idéia da educação inclusiva surte efeito e começa modificar a situação da criança e do adolescente com deficiência. Obedecendo a Constituição de 1988, a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Base da Educação – LDB- determina a mudança do atendimento em classes e escolas especiais para o atendimento preferencial na rede regular de ensino. Em 2001, o Plano Nacional de Educação, lei nº 10.172/2001, sustenta a proposta da educação inclusiva alegando que esta seria o grande avanço desta década. Como se vê, a intenção é de provocar a substituição das escolas especiais pela proposta de adoção de uma escola inclusiva, entendendo por isso, uma escola que garanta aos alunos com deficiência, os direitos à escolarização e à convivência comunitária.
Segundo Mrech (2005), educação inclusiva significa oferecer atendimento aos estudantes portadores de necessidades especiais na vizinhança de sua residência, mediante ampliação do acesso às classes comuns. Neste sentido, para ter qualidade o professor deve atender as necessidades específicas das crianças e receber das secretarias de educação suporte técnico e capacitação adequados à situação de sua classe. Para a autora, o processo educativo, para ser inclusivo, deve estender ao máximo a capacidade da criança com deficiência na classe regular da escola.
Em 1998, a proposta de uma escola inclusiva foi inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais. De acordo com as novas adaptações, as escolas devem dispor de recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas para atender aos alunos que apresentem necessidades próprias e diferentes dos demais alunos no domínio das aprendizagens correspondente à sua idade.[3] A fim de conferir maior efetividade aos direitos da criança e do adolescente com deficiência, no dia 11 de setembro de 2001, a Resolução CNE/CEB n°2, institui as diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. O Artigo 2 estabelece que “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos”. O documento ratifica a LDB, ao determinar que o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais seja realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica (Art. 7). Seguindo esta perspectiva, não se trata mais de tentar adaptar o estudante com deficiência a escola, o objetivo agora é de que ele desenvolva o máximo de suas potencialidades junto com seus colegas. Pretende-se que a ação educativa reforce a idéia de que os colegas devem aprender a lidar com os alunos com deficiência.
No ano de 2002, mais leis surgiram no intuito de regulamentar o acesso e tornar efetiva a educação para estudantes com deficiência. A Resolução CNE/CP nº 1/2002 estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, define as normas para as instituições de ensino superior determinando a previsão, em sua organização curricular, da formação docente compreendendo a atenção à diversidade, contemplando conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais. Destaca-se também a Lei nº 10.436/02 que “reconhece a Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio legal de comunicação e expressão, determinando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia.” (MEC/SEESP, 2007: 4) . Na mesma perspectiva da educação inclusiva a Portaria nº 2.678/02 do MEC “aprova diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional.” (MEC/SEESP, 2007: 4)
Em 2004, um avanço significativo em termos de legislação para pessoas com deficiência. o Decreto nº 5.296/04, conhecido como Decreto da acessibilidade, regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00, estabelecendo normas e critérios para a promoção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
No ano de 2005 mais um passo foi dado no sentido de garantir a cidadania das pessoas com deficiência. O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngüe no ensino regular.
Em 2007, a política de inclusão dos estudantes com deficiência se define mais claramente. O Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE prevê a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior e o monitoramento do acesso à escola dos favorecidos pelo Beneficio de Prestação Continuada – BPC.
Com base em dados estatísticos podemos acompanhar este processo de inclusão dos alunos com deficiência no Brasil. Apesar dos resultados da pesquisa realizada pelo Censo Educacional/INEP demonstrarem avanços, a realidade das escolas ainda está longe de ser satisfatória. No ano de 1998, apenas 14% dos 6.557 estabelecimentos de ensino com matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais possuíam sanitários com acessibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas com matrículas de alunos atendidos pela educação especial, 23,3% possuíam sanitários com acessibilidade. Constata-se que nas escolas de educação básica, o índice de acessibilidade dos prédios, em 2006, foi de apenas 12%.
Com relação à formação inicial dos professores que atuam na educação especial, o Censo de 1998, indica que 3,2% possui ensino fundamental, 51% ensino médio e 45,7% ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores nessa função, 0,62% registram ensino fundamental, 24% ensino médio e 75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano, 77,8% desses professores, declararam ter curso específico nessa área de conhecimento. (MEC/SEESP, 2007)
De acordo com os primeiros resultados do Censo Escolar/INEP de 2009, « a matrícula de 639.718 alunos com deficiência corresponde a apenas 1,2% da matrícula total da educação básica. Dos 639.718 alunos da educação especial, 252.687 estão matriculados em 5.590 estabelecimentos exclusivamente especializados ou em classes especiais e correspondem a 39,5% da matrícula total. Os demais 387.031 alunos estudam em classes comuns do ensino regular e da educação de jovens e adultos, o que evidencia os resultados positivos da política de inclusão de alunos com deficiência no ensino regular. Apesar do avanço a pesquisa assinala que “os alunos com deficiência, atendidos em escolas exclusivas ou em escolas que possuem classes especializadas, ainda não têm acesso amplo a uma série de recursos.” (MEC, 2009: 18). Cita o problema da falta de banheiros adaptados para alunos com deficiência, destacando que, em 2009, apenas 65,3% dos alunos tinham acesso ao banheiro adaptado. Contudo, 77% destes alunos têm acesso aos computadores. Aliás, 31% das escolas atendem a 34% dos alunos em sala de recursos multifuncionais.
Em síntese, o acesso à escola no Brasil compreende um direito de todos e um dever do Estado. A democratização do acesso à educação implica no respeito às diferenças entendidas não como obstáculos para ação educativa, mas podendo e devendo ser fatores enriquecedores. A mudança exige uma nova postura pedagógica, que precisa inserir a questão da alteridade. Ao tentar impor as mesmas normas a todos, a escola demonstra a sua incapacidade de para aceitar o outro tal como ele é. Portanto, o problema é menos da deficiência dos alunos, do que da construção de uma pedagogia da alteridade, aquela que sabe trabalhar as diferenças, não admitindo portanto qualquer tipo de exclusão.
Doutora em ciências sociais pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ) e pela Université de Nanterre – Paris X. Professora do curso de Direito da Universidade Geraldo di Biase (UGB) e professora de política social da UERJ.
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